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Suspensão de CNPJ também poderá ser aplicada a companhias nacionais
A Receita Federal ampliou em seis meses o prazo para que as empresas que realizam negócios no Brasil informem quem são os seus beneficiários finais, ou seja, a pessoa física que tem o controle do grupo econômico. O prazo, originalmente, encerraria-se no dia 31 de dezembro de 2018 e o não cumprimento poderia representar a suspensão do CNPJ no começo deste ano.
A alteração foi divulgada às vésperas do término do prazo estipulado inicialmente. Está na Instrução Normativa (IN) 1.863, que revoga a anterior que trata do tema, a de no 1634. O novo texto, além do prazo, mudou outros pontos.
Um dos mais importantes refere-se à possibilidade de suspensão do CNPJ. Pela IN antiga, a penalidade estava prevista somente para empresas e investidores estrangeiros que não cumprissem a determinação. Agora está expresso no artigo 9 que a regra vale também para as companhias nacionais.
A suspensão do CNPJ, na prática, inviabiliza as operações das companhias no Brasil. Sem o registro as empresas ficam impedidas de transacionar com os bancos, o que inclui movimentar conta corrente, realizar aplicações financeiras ou mesmo obter empréstimos, por exemplo.
“A gente não pode falar em homicídio da pessoa jurídica, mas, na prática, é o que acontece se a empresa tiver o seu CNP suspenso”, diz a advogada Bianca Xavier, do escritório Siqueira Castro.
Há mudanças ainda relacionadas à lista de empresas desobrigadas de apresentar o beneficiário final ao governo brasileiro. O texto antigo deixava de fora as companhias de capital aberto que tivessem os seus dados divulgados publicamente. A IN 1863, agora, impõe restrições.
Pelo texto não basta apenas que a informação seja pública. É preciso ser divulgada por uma entidade reconhecida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ou seja, se a controladora da empresa brasileira, que tem sede no exterior, não estiver em um dos países considerados pela CVM, terá que apresentar os dados à Receita Federal.
No site da CVM há a lista das entidades que são reconhecidas no país. “Um exemplo é a subsidiária brasileira de uma empresa negociada na bolsa de Israel. Na lista de órgãos reguladores reconhecidos pela CVM não há a bolsa de Israel. Essa empresa, portanto, não estará dispensada de informar o beneficiário final”, diz Luís Gustavo Bichada, sócio do Bichara Advogados.
A determinação para que as empresas revelem os seus beneficiários finais havia sido imposta pela Receita, por meio da IN 1634 — agora revogada pela 1863 — em maio de 2016. Foi um dos movimentos do governo brasileiro para combater corrupção, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
As empresas a partir da norma, foram obrigadas a apresentar toda a cadeia de participação societária até alcançar as pessoas físicas caracterizadas como beneficiárias finais. Se uma empresa limitada, por exemplo, com sede no Brasil, cuja estrutura tenha uma empresa operacional acima, localizada na França, e uma ou mais holdings no controle, precisaria demonstrar toda a estrutura e indicar pessoas físicas que estão no topo.
Para a Receita Federal, essas pessoas são aqueles com influência significativa no negócio — que tenham, direta ou indiretamente, mais de 25% do capital social da entidade ou que exerçam a preponderância nas deliberações sociais e tenham o poder de eleger a maioria dos administradores.
A Receita afirma em seu site que as mudanças no texto original, com a IN 1863, tornaram-se necessárias para dar “maior clareza ao cumprimento da obrigação” e a prorrogação do prazo teria como finalidade dar tempo de adaptação ao contribuinte.
A medida contradiz o que havia informado ao Valor em reportagem publicada no começo de dezembro. Na ocasião, a Receita afirmou, por meio de nota, que não havia previsão para a prorrogação do prazo de 31 de dezembro. “Uma porque está estabelecido com bastante antecedência. Duas porque os canais para a entrega digital e facilitada dos documentos foram estabelecidos, permitindo o cumprimento tempestivo da obrigação”, informava.
Circula entre advogados que o prazo foi dilatado porque o Fisco não estaria conseguindo atender a demanda gerada pela nova regra. Para conseguir anexar os documentos societários de forma eletrônica, os contribuintes devem agendar um atendimento presencial, em unidade do órgão, para que o fiscal crie o arquivo onde as informações serão armazenadas.
Segundo advogados, como muitas empresas deixaram para prestar as informações no fim do prazo, houve acúmulo de pedidos de atendimento e faltou horário. “O volume de informações foi grande e atrelado a isso teve o período de recesso. A Receita estava operando, no fim do ano, com 20% da sua capacidade”, diz um advogado que não quis se identificar.
Mauricio Chapinoti, do Tozzini&Freire, afirma que a extensão do prazo dá fôlego aos contribuintes. “Tenho um cliente, por exemplo, que só agora vai iniciar o processo de coleta de documentos e prestação das informações”, diz. Segundo ele, leva-se, em média, 30 dias para a conclusão do procedimento de uma empresa com matriz fora do Brasil.
“É preciso fazer uma análise de toda a cadeia societária. Isso depende da matriz e nem sempre é fácil de conseguir. Os documentos têm que ser registrados lá fora, trazidos para o Brasil, traduzidos e registrados no cartório de títulos e documentos. Depois ainda é preciso fazer a digitalização e o upload no sistema da Receita. Parece simples, mas é complexo”, detalha Chapinoti.
No fim do ano houve um corre-corre em razão da obrigação nos escritórios de advocacia. A principal demanda era de empresas com dificuldade em obter tais dados da matriz, sediada no exterior, e que, por esse motivo, temiam não conseguir atender a regra imposta no Brasil.
Havia dúvidas ainda em relação aos documentos que seriam necessários para comprovar as informações. “E a nova IN não esclarece isso. Melhorou alguns pontos, mas não resolveu tudo”, pondera Guilherme Roxo, do Gaia Silva Gaede Advogados.
Não está claro, segundo o advogado, se no caso das estrangeiras é preciso apresentar todos os documentos das empresas sobrepostas ou se bastaria os referentes à empresa brasileira e os correspondentes à última companhia da cadeia.
“Estamos trabalhando com um cenário mais conservador, mas isso é assustador em determinados casos. Temos no escritório, por exemplo, clientes com 25, 30 empresas na cadeia”, afirma Roxo.
A Receita, procurada pelo Valor, não retornou até o fechamento da reportagem.
POR JOICE BACELO
FONTE: VALOR ECONÔMICO – 01/01/2019 ÀS 21h17