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Por Luiza Calegari Receita Federal eleva Imposto de Renda das transmissoras de energia elétrica 8 de novembro de 2024

Em solução de consulta, órgão altera base de cálculo de receitas de operação e manutenção.

A Receita Federal publicou entendimento que eleva o Imposto de Renda (IRPJ) das transmissoras de energia elétrica. Esse aumento veio com a alteração, por meio de solução de consulta, da margem de presunção de lucro sobre receitas de operação e manutenção de infraestrutura. A decisão, segundo tributaristas, pode abrir uma nova frente de contencioso com a União.

Na Solução de Consulta nº 250, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), o órgão informa que a margem de presunção de lucro deve ser de 16% para o IRPJ e de 12% para a CSLL – até então, as empresas aplicavam 8% e 12%, respectivamente. Essa é a fatia sobre a qual incidirão as alíquotas dos tributos recolhidos pelas empresas que operam no regime do lucro presumido. Assim, uma margem maior significa que o imposto devido será mais alto, mesmo sem a alteração na alíquota.

Em 2018, na Solução de Consulta Cosit nº 259, a Receita já tinha determinado a aplicação de margem de presunção de lucro de 16% para o IRPJ, segundo o tributarista Diogo Olm Ferreira, sócio do VSBO Advogados. Mas a orientação teria sido revogada.

A Receita testa teses e depois tem de lançar programas para reduzir a litigiosidade”
— Celso Costa

Desde então, em outras orientações sem efeito vinculante, a Receita Federal vinha adotando a margem de 8% para o IRPJ, conforme explica Ferreira. A da CSLL se manteve em 12%. A mudança de entendimento, sustenta o advogado, vai abrir uma nova frente de questionamentos judiciais.

Para Leonardo Lucci, tributarista do Gaia Silva Gaede, a mudança trouxe insegurança para o contribuinte. “É um risco relativamente alto continuar considerando a margem de 8% para o IRPJ e de 12% para a CSLL. Embora os entendimentos judiciais sejam mais favoráveis aos contribuintes, existe o risco de autuação”, diz.

A controvérsia vem a reboque de outra ainda maior, com o mesmo cerne de discussão: a separação, para fins contábeis, da fase de construção e de prestação de serviços das transmissoras de energia. Para adequar as empresas brasileiras ao sistema de demonstrações financeiras internacionais, a Lei nº 12.973, de 2014, instituiu a diferenciação das atividades de construção, recuperação, reforma, ampliação ou melhoramento de infraestrutura vinculados a contrato de concessão de serviço público (artigo 15, inciso III, alínea “e”).

Em 2015, a Solução de Consulta Cosit nº 174 definiu que as receitas com construção da transmissora deveriam ser tributadas com base na nova previsão legal, que instituiu margem de presunção de lucro de 32% para o IRPJ e para a CSLL. Contra esse entendimento, muitos contribuintes se insurgiram na Justiça, e conseguiram decisão favorável.

Segundo levantamento de Diogo Olm Ferreira, foram proferidas desde 2015, em segunda instância, 30 decisões sobre o assunto. Deste total, 21 foram favoráveis aos contribuintes. Apenas os Tribunais Regionais Federais (TRFs) da 5ª e 6ª Regiões não analisaram o tema ainda.

Em abril, por exemplo, a 4ª Turma do TRF-2 negou um recurso da Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional e manteve a margem de presunção de lucro de 8% para o IRPJ de uma transmissora. “Embora se possa alegar que a impetrante tenha assumido as obrigações de construir e de manter as instalações de transmissão, não se deve perder de vista que referidas incumbências se apresentam como meio necessário para viabilizar a atividade-fim (prestação do serviço de transmissão de energia elétrica)”, diz o acórdão (processo nº 5005875-27.2019.4.02.5101).

Em maio de 2023, o TRF-3 também decidiu que uma transmissora “não é prestadora de serviços de construção civil estrito senso e nem a sua receita advém dessa espécie de atividade empresarial; ao contrário, é remunerada (receita anual permitida – RAP) em contrapartida aos serviços de transporte de carga (fornecimento de energia elétrica)” – (processo nº 5019886-78.2018.4.03.6100).

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), não há precedente colegiado, apenas uma decisão monocrática que avaliou o mérito, do ministro Francisco Falcão, de agosto de 2023, desfavorável ao contribuinte (AResp 2211982).

Para Celso Costa, sócio do Machado Meyer, ao também reafirmar o entendimento de presunção de lucro de 32% para a fase de construção na nova solução de consulta, a Receita privilegia uma ficção contábil sobre a atividade real.

“A natureza da empresa é transmitir energia elétrica. Ao construir uma nova linha, a empresa não está no negócio da construção, até porque na maior parte das vezes ela contrata uma construtora para fazer isso, terceiriza. Ela não está fazendo aquilo para ter receita de construção, mas para viabilizar o objeto-fim, de transmissão de energia”, afirma.

Se a base para o questionamento judicial da margem de 32% está na definição que a Receita aplica para a etapa de construção, a instituição, nessa nova solução de consulta, da margem de 16% na operação e manutenção também pode gerar uma controvérsia semelhante, de acordo com Diogo Olm Ferreira. Isso porque, acrescenta, a Receita considera que o serviço prestado pelas transmissoras de energia é de transporte.

Segundo o artigo 15, parágrafo 1º, inciso III, alínea “a”, da Lei nº 12.973, acrescenta, a atividade de transporte deve ser tributada a partir de presunção de lucro de 16%, exceto nos casos de transporte de carga, cuja margem de presunção seria de 8%.

Até agora, a interpretação da Receita tinha sido de que o transporte de energia equivale ao de carga. Agora, com a nova normativa, ela passou a encarar a transmissão como um tipo de transporte “sui generis”. Os tributaristas criticam essa interpretação.

“Se o transporte não for de carga, deve ser de seres humanos”, diz Ferreira. “No caso da energia, que deve ser equiparada à mercadoria, tem que se tratar como transporte de carga.”

A energia é equiparada à carga para tributação pelo ICMS, aponta Celso Costa, e assim é tratada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “A Receita vem testando teses, o que é um horror. Depois, tem de lançar programas para reduzir a litigiosidade, todo ano surge um novo programa para resolver o problema que a própria Receita criou”, diz.

Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.

 

Por: Luiza Calegari.

Fonte: Valor Econômico.