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Maurício Barros no Valor Econômico Reforma pode gerar discussões judiciais 25 de agosto de 2020

Levantamento lista 12 brechas no texto apresentado pelo governo federal

Lacunas no projeto de reforma tributária do governo federal (PL nº 3.887/2020) podem gerar novas demandas judiciais. Levantamento do escritório Mattos Filho Advogados aponta pelo menos 12 brechas que levariam os contribuintes à Justiça para evitar ou contestar possíveis autuações fiscais. Além disso, especialistas questionam se a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) viola a Constituição.

Um dos exemplos de lacunas é a possível tributação de valores obtidos com locação de imóveis, que não é classificada nem como bem nem como serviço para justificar a incidência da CBS. Também não está expresso na lei quais receitas de variação cambial e receitas financeiras em geral não serão tributadas.

Outra questão listada pelo escritório Mattos Filho Advogados trata da tributação de reservas técnicas de

seguradoras e resseguradoras, que hoje já leva contribuintes ao Judiciário. Porém, se a proposta for aprovada, deverá acabar com as tradicionais discussões sobre quais insumos geram créditos de PIS e Cofins.

“Bens é algo muito amplo. Juros bancários e variação cambial entram no conceito de bens, por exemplo, o que poderá provocar um contencioso grande”, afirma Roberto Quiroga Mosquera, sócio-diretor do Mattos Filho. “Vai cessar o contencioso antigo do que é insumo, mas começarão outros.”

Para a advogada e professora da FGV Direito SP Tathiane Piscitelli, como a locação não se qualifica nem como mercadoria nem como serviço, não incidiria CBS sobre as receitas decorrentes desse tipo de contrato. “Isso vai gerar muito contencioso porque vamos reforçar o debate sobre o conceito de serviço para saber o que é receita de serviço”, afirma.

Outro apontamento do estudo do Mattos Filho é a dúvida se há direito a créditos no caso de operação anterior ou posterior não tributada. Sobre isso, a professora diz que a exposição de motivos do projeto de lei deixa claro que a regra é a da não apropriação. “No entanto, essa determinação não está clara no PL. O ideal seria que fosse explicitado esse ponto”, afirma.

Tathiane é uma das tributaristas que defende a inconstitucionalidade da CBS. Ela lembra que a Constituição Federal não confere competência à União para tributar operação interna. “Se a CBS incide sobre bens e serviços, há invasão de competência tributária do ISS [municípios] e do ICMS [Estados].”

Para tentar mensurar o impacto da CBS, caso o texto seja aprovado pelo Congresso como está, empresas de grande porte começaram a fazer as contas, segundo o tributarista Maurício Barros, do Gaia Silva & Gaede Advogados. “Estão redefinindo a base de cálculo tributável e estimando os créditos. A maioria, não só do setor de serviços, conclui que haverá aumento de carga tributária”, diz.

Ao deixar de determinar um prazo para o ressarcimento de créditos da CBS às empresas, afirma o advogado, o governo deixa uma brecha que poderá gerar um novo contencioso no Judiciário. “A Lei n° 11.457, de 2007, exige que processos administrativos sejam resolvidos em até um ano. Além disso, se queremos adotar a boa prática internacional, nos países da OCDE, há prazo e ainda juros, se o governo decide não ressarcir sem justificativa”, diz.

Para a tributarista Valdirene Lopes Franhani, do escritório Lopes Franhani Advogados, a discussão judicial sobre a base de cálculo da tributação estaria reduzida, mas não finalizada. “Se a intenção do governo é tributar só a receita operacional, ou seja, da atividade, não a receita financeira, seu texto pode confundir ao incluir como fato gerador da CBS as receitas decorrentes de acréscimos à receita bruta, ‘tais como multas e encargos’.”

A limitação do aproveitamento dos créditos da CBS em até cinco anos também pode levar as empresas à Justiça, segundo Valdirene. “O crédito da CBS é não cumulativo e, portanto, há direito ao ressarcimento ou compensação. Limitar esse direito a cinco anos pode configurar enriquecimento ilícito”, diz.

O aproveitamento de créditos da aquisição de empresas no Simples Nacional também pode provocar litígios. O projeto apenas afirma que as empresas no Simples não pagarão CBS e delega o detalhamento a respeito para o Comitê Gestor do Simples Nacional.

Com esta lacuna, a especialista em tributação Mary Elbe Queiroz, do Queiroz Advogados Associados, diz que as compras de empresas no Simples por varejistas poderão gerar crédito de valor equivalente ao PIS/Cofins embutido no preço da mercadoria, ou a 12% do valor de PIS/Cofins destacado na nota fiscal – 12% é a alíquota da CBS. “Desta situação pode nascer uma discussão por concorrência desleal em relação às empresas fora do Simples.”

A advogada também prevê ações judiciais de empresas em cadeias de produtos monofásicos – medicamentos, autopeças e bebidas – pelo reconhecimento do direito a crédito de CBS. “Mesmo que a empresa do primeiro elo da cadeia faça o recolhimento em nome das demais, a não cumulatividade pressupõe a possibilidade de se compensar créditos”, afirma. Mary Elbe lembra que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que, se o tributo é não cumulativo, tem que ser assegurado o direito a crédito a todos os elos da cadeia (REsp 1863368).

Segundo Mary Elbe, mesmo o tratamento diferenciado de contribuintes – bancos, empresas no Simples, prestadores de serviços e indústrias – pode provocar judicialização. Para ela, pode ser alegado que a proposta do governo federal viola o princípio constitucional da isonomia. “Enquanto salmão e Porsche terão tributação menor, educação e saúde serão mais tributadas”, diz.

 

POR LAURA IGNACIO

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 25/08/2020 ÀS 05:01