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A recente aprovação do PL 2.337/21 na Câmara dos Deputados acendeu os debates sobre a reforma tributária, especialmente um de seus pontos mais polêmicos: o propalado fim da isenção sobre dividendos.
Muito se tem escrito e debatido sobre a reforma e parece haver consenso entre os especialistas de que não há clareza sobre a tax policy — ou seja, qual é o fundamento teórico adotado pelo projeto —, além de não estarem claros os dados econômicos que o embasam.
Há várias críticas sobre a proposta, principalmente pelo fato de que, no Brasil, há uma carga tributária elevadíssima sobre o consumo, de modo a afastar o critério de comparação quanto às outras jurisdições que tributam dividendos.
Sobre a questão de tributação de dividendos, é discutível se a nova regra impactaria a distribuição de dividendos causando a (des)valorização das ações de empresas brasileiras, ao invés de fomentar caixa e gerar o efeito esperado em termos de arrecadação.
Num processo legislativo, há frequente recurso a slogans, exageros retóricos. Quanto à tributação de dividendos, além do apelo populista de se “taxar os ricos”, tem se tornado frequente ouvir que o Brasil seria o único país a não tributar dividendos, pelo menos consideradas as grandes economias.
Seria isso uma verdade?
Um paper publicado pela OCDE em 2018 se debruça sobre as regras de tributação de dividendos, juros e ganhos de capital.
Segundo discute o paper, há países que isentam dividendos, como por exemplo Singapura, uma economia de livre mercado altamente desenvolvida, ranqueada pelo Fórum Econômico Mundial como a mais aberta do mundo, a terceira menos corrupta e a mais amigável aos negócios.
Aponta ainda o paper que, embora a maioria dos países tribute dividendos de forma geral, há, sim, um amplo escopo de isenção.
Uma abordagem encontrada em países como Itália, Bélgica, Turquia e Noruega, por exemplo, é de isentar dividendos até um determinado nível representado por uma espécie de benchmark — isto é, uma taxa de retorno de investimento não sujeito a risco.
Além de eliminar a dupla tributação econômica, essa regra de isentar uma faixa dos dividendos correspondente a um investimento livre de risco tem a clara finalidade de não tornar o investimento produtivo desinteressante quando comparado com um investimento livre de risco (isto é, renda fixa). Estimular o investimento produtivo, como sabido, é um tema caro aos países em desenvolvimento, como o Brasil.
Logo, há uma considerável isenção dos dividendos neste modelo.
Outras jurisdições, ainda, isentam uma parte do lucro tributável no nível corporativo (“pessoa jurídica”) no nível do indivíduo (isto é, “pessoa física”). Finlândia, França, Luxemburgo e Turquia adotam essa regra.
Mesmo os Estados Unidos, que possuem uma das tributações mais altas sobre dividendos, isentam da tributação individual os dividendos qualificados para a faixa de renda anual de até US$ 79,999, o que está bem acima dos R$ 20 mil mensais adotados como limite de isenção pelo projeto recém-aprovado pela Câmara.
O projeto aprovado recentemente pela Câmara procura tratar da questão da dupla tributação econômica por meio da redução da alíquota do imposto corporativo.
Entretanto, como já vem sendo apontado por vários especialistas, as características do Imposto de Renda brasileiro — como a limitação de compensação de prejuízos fiscais —, além de outros fatores já citados, levam a crer que o método adotado pelo projeto para reduzir o impacto da dupla tributação econômica (redução da alíquota do imposto corporativo) pode se mostrar insuficiente.
Não bastassem todas as críticas ao projeto, o momento econômico vivido pela economia mundial — em especial, pelos países em desenvolvimento — requer cuidado extra na elaboração de políticas fiscais. Enquanto as maiores economias do mundo ainda não dão sinais claros de redução e eliminação dos incentivos econômicos visando à retomada da atividade, os países em desenvolvimento não podem se dar ao luxo de cometer erros de cálculo que podem representar barreiras ainda maiores à retomada do crescimento. Vale lembrar que dos países pesquisados no citado paper publicado pela OCDE, aqueles que possuem menores alíquotas combinadas (corporativo + individual) são aquelas economias em desenvolvimento, que guardam maior semelhança com a brasileira (e.g., Turquia, México, Chile).
Esse quadro, diga-se, pode se agravar num cenário de pressão inflacionária em nível mundial, que deve levar — cedo ou tarde — a que as economias mais desenvolvidas, em especial os Estados Unidos, passem a elevar suas taxas básicas de juros. Esse movimento, sabidamente, é muito ameaçador para as economias em desenvolvimento e alguns setores específicos com alto impacto sobre o crescimento econômico, como o setor de tecnologia.
Logo, não há dúvidas de que o contexto pós-pandemia requer ainda maior cuidado com a instituição de tributação sobre dividendos, para além dos slogans e preconcepções.
*Artigo postado originalmente no ConJur.