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A discussão sobre a existência ou não de vínculo de emprego entre empresas e trabalhadores que prestam serviços por meio de pessoas jurídicas vem ganhando novos capítulos nos últimos tempos, alterando significativamente o que vinha sendo decidido pelo Poder Judiciário.
Ainda após a publicação da Lei nº 13.429/2017, que expressamente diz que “não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante”, a Justiça do Trabalho frequentemente reconhecia a existência de vínculo de emprego, sob alegação de que estavam presentes os requisitos para tanto, como subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade.
Em especial, o requisito da subordinação é o que mais gera debate, já que existe uma linha tênue do que é uma solicitação justificável para alguém que foi contratado para prestar serviços, e o que é uma ordem típica de empregador, existindo correntes como subordinação econômica (dependência da remuneração), técnica (empresa é responsável por determinar como o trabalho será feito), jurídica (sujeito a ordens e dever de estar à disposição) e estrutural (se insere na dinâmica necessária da empresa contratante).
Com base em dados disponibilizados pelo Tribunal Superior do Trabalho sobre os assuntos mais recorrentes que chegam à Justiça do Trabalho, vemos que, no ano de 2021, a discussão de reconhecimento de relação de emprego ocupava a 34ª posição, com 108.209 ações propostas. Em 2022, subiu para a 29ª posição com 153.198 ações propostas. E, em 2023, apesar de cair novamente para 34ª posição, o número de ações propostas continuou expressivo, com 113.881 novas ações.
Diante do grande número de ações com esta discussão que chegavam até o Supremo Tribunal Federal, foi fixado o Tema 725 segundo o qual “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Após a decisão do STF sobre o tema, ainda com a resistência por parte de alguns juízes da Justiça do Trabalho, começou a se sentir uma alteração de entendimentos na primeira e segunda instâncias.
Pontos importantes como a liberdade de negociação entre as partes, prevalência da vontade das partes envolvidas, existência de trabalhadores hipersuficientes que têm plena ciência da forma de contratação e suas consequências, inexistência de vício de consentimento, e mesmo a evolução das relações de trabalho não podem mais ser ignorados.
Aliás, grande parte destas ações são resolvidas por meio de acordos sem o reconhecimento de vínculo de emprego, demonstrando que os trabalhadores acabam por dar maior importância ao valor recebido ao final, do que ao registro em CTPS propriamente dito. E, com isso, também se deixavam de ser recolhidos encargos previdenciários e fiscais sobre o valor destes acordos.
Diante disso, os juízes passaram a aplicar mais fortemente o teor da já existente Orientação Jurisprudencial 398, da Subseção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, segundo a qual “nos acordos homologados em juízo em que não haja o reconhecimento de vínculo empregatício, é devido o recolhimento da contribuição previdenciária, mediante a alíquota de 20% a cargo do tomador de serviços e de 11% por parte do prestador de serviços, na qualidade de contribuinte individual, sobre o valor total do acordo, respeitado o teto de contribuição”.
Além disto, em declaração recente, o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, defendeu que aqueles prestadores de serviços por meio de pessoas jurídicas que movem ações pedindo o reconhecimento de vínculo de emprego devem pagar os tributos que deixaram de ser recolhidos durante o serviço prestado como pessoas físicas.
Prestando serviços através de uma empresa, os trabalhadores acabam declarando os valores recebidos como lucros e dividendos, isentos do imposto sobre a renda. Se fossem empregados, teriam o desconto deste imposto sobre a folha, além de outros descontos, como é o caso das contribuições previdenciárias. Ou seja, com a “pejotização” as empresas contratantes acabam pagando uma remuneração mensal maior por ter menores encargos, e o trabalhador também deixa de recolher os encargos de sua responsabilidade.
Importante dizer que a declaração do Ministro não altera em nada o que já poderia ser aplicado pelos juízes, com expedição de ofício à Receita Federal para que esta, tomando ciência da declaração do vínculo, pudesse cobrar o imposto sobre a renda da pessoa física. Mas a verdade é que a grande maioria dos juízes não adota esta medida, tornando difícil, senão impossível, a atuação da Receita Federal neste sentido.
E é justamente isto que o Ministro quis dizer: se os juízes passassem a exigir o recolhimento de tributos também dos trabalhadores, da época da prestação de serviços e não somente sobre as verbas deferidas na ação, talvez não estaríamos diante de tantas reclamações trabalhistas.
Em 09/12/2024, o Tribunal Superior do Trabalho divulgou que a sua Subseção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) acolheu dois novos Incidentes de Recurso de Revistas Repetitivos (IRRs) que envolvem os temas terceirização e pejotização.
Será discutido se é possível superar o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a licitude de todas as formas de terceirização (Tema 725 da repercussão geral) quando ficar constatada a fraude à legislação, com intuito de trazer maior segurança jurídica sobre os temas.
O Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal estão travando uma verdadeira batalha sobre o tema, sendo que a Justiça do Trabalho possui uma posição mais favorável ao trabalhador.
Assim, vemos que esse capítulo da discussão sobre “pejotização” vem ganhando bastante protagonismo, e não se pode deixar de reconhecer que se os trabalhadores eram de fato empregados, devem então arcar com todas as responsabilidades de um empregado. Aguardemos cenas dos próximos capítulos.
Artigo publicado originalmente na IstoÉ.