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A “MP do contribuinte legal” foi convertida em lei, conforme publicação no Diário Oficial da União nesta terça-feira (14/4). A Lei 13.988/2020 estabelece as diretrizes para transações tributárias e tem dentre seus destaques o fim do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Conforme o texto, sancionado sem vetos pelo presidente Jair Bolsonaro, os julgamentos do Carf não terão mais o voto de desempate do presidente das turmas ou câmaras do órgão, cargo sempre ocupado por servidores da Receita.
O artigo 28 da nova lei inclui um artigo 19-E à Lei 10.522/02, que prevê que, em caso de empate no julgamento de processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, a decisão será favorável ao contribuinte, sem necessidade do voto de desempate. Tributaristas ouvidos pela ConJur já haviam comemorado o fim do voto de qualidade à época de sua aprovação pelo Senado, no final de março.
Para Rodrigo Rigo Pinheiro, tributarista e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, o problema atual do Carf “não é o voto de qualidade, enquanto instrumento de resolução de empates nos julgamentos, mas sim uma necessária renovação em sua estrutura e normatização”.
O advogado considera que a paridade no órgão administrativo decorre sabidamente da particularidade dos julgamentos, em que “não há regra constitucional ou qualquer outro mandamento que assim o determine”. A participação dos contribuintes, diz, “é produto de horizontalização entre Administrador e Administrado, além de outorgar credibilidade e legitimidade aos julgamentos”.
Já o advogado Alamy Candido, sócio do Candido Martins Advogados, entende que estava havendo uma distorção da aplicação das regras nas decisões na esfera administrativa. “O Fisco autuava e o Carf validava posições totalmente sem fundamento técnico”, afirma.
No mesmo sentido, Rodrigo Maito, sócio do Dias Carneiro Advogados, afirma que a medida representa uma resposta a “posição atécnica que o Carf vinha assumido em julgamentos de casos com valores relevantes, sempre concluindo pela manutenção das autuações mesmo quando existentes provas e argumentos jurídicos consistentes em contrário”.
O advogado Frederico Pereira Rodrigues da Cunha, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, endossa a comemoração: “diversas teses tributárias relevantes vinham sendo julgadas em favor do Fisco exatamente pelo voto de desempate, o que não poderá mais ocorrer”.
Novidades trazidas
A conversão da MP em lei é considerada um passo importante para regulamentar o artigo 171 do Código Tributário Nacional (CTN) e dar soluções para conflitos tributários e outras dívidas cobradas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e autarquias.
A tributarista Ana Paula Lui, sócia da área de Tributário do escritório Mattos Filho, aponta que a normativa deve ser celebrada, inclusive por ser de caráter processual. De acordo com ela, apesar de o CTN prever a possibilidade de um eventual acordo com o Fisco, “essa é a primeira vez em que há hipótese de transação. A Procuradoria não podia negociar nada e agora, com as novas regras, são abertas portas para negociação entre contribuinte e procuradoria”.
A lei trouxe a possibilidade de transação de créditos tributários não judicializados que estejam na Receita Federal. Esse trecho da norma não estava previsto na MP. A transação poderá ocorrer em três modalidades:
I – por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou na cobrança de créditos que seja competência da Procuradoria-Geral da União;
II – por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e
III – por adesão, no contencioso tributário de pequeno valor.
Além disso, estabelece que nos casos em que a proposta envolver valores maiores do que os fixados em ato do Ministério da Economia ou da Advocacia-Geral da União, a transação dependerá de autorização ministerial ou delegação.
De acordo com o tributarista Fabio Calcini, um dado negativo da lei trata das concessões do Fisco que “ficaram muito restritas” ao se definir o patamar máximo de 50% e não incluir o tributo. Em sua opinião, os descontos poderiam ser maiores, “a depender de critérios de recuperabilidade do crédito, tipo de cobrança, discussão jurídica”.
Outro ponto foi a exclusão da possibilidade de pagamento com precatórios. As concessões do Fisco, diz Calcini, “poderiam ser mais amplas, permitindo a utilização de precatório, abatimento de prejuízo, emprego mais simples de dação de pagamento, bem como outras formas de pagamento como um plano de redução com base no faturamento ou lucro”. Para o advogado, a medida ajudaria a buscar uma solução ao litígio e ao passivo do contribuinte.
A lei também dispõe sobre as propostas de transação por adesão. Pelo texto, será considerado contencioso administrativo fiscal de pequeno valor aquele de até 60 salários mínimos. As transações deverão ser divulgadas na imprensa oficial e nos respectivos sites dos órgãos por edital.
Já nas disposições finais, o artigo 29 prevê que os agentes públicos só poderão ser responsabilizados, inclusive por órgãos públicos de controle interno e externo, “quando agirem com dolo ou fraude para obter vantagem indevida para si ou para outrem”.
O advogado Renato Vilela Faria, sócio do Peixoto & Cury Advogados, ressalta ainda que poderá haver questionamentos sobre a aplicação da lei de forma retroativa. Neste caso, diz, “deve ser feito um contraponto entre o que diz a LINDB para caso que não envolvam os institutos da coisa julgada, ato jurídico perfeito e direito adquirido”.
POR FERNANDA VALENTE
FONTE: CONJUR– 14/04/2020