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Inicialmente serão adotados pelo órgão métodos de monitoramento extensivo e superficial para identificar potenciais infratores
Desde a publicação do Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções Administrativas¹, já foram instaurados pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) oito processos administrativos sancionatórios, sendo sete deles em face de agentes ligados à Administração Pública e um ao setor privado.
A divulgação destes processos demonstra que a ANPD está cumprindo com a obrigação de fiscalização, e acaba por gerar o questionamento e um inquietamento das empresas acerca do que esperar da autoridade.
Os representantes do órgão já se manifestaram em eventos públicos sobre sua atuação, esclarecendo que será responsiva e proporcional ao comportamento dos agentes regulados, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto.
É inegável que, desde sua elaboração, a LGPD pautou-se na regulação responsiva, uma espécie de alternativa ao modelo tradicional de fiscalização que possui viés predominantemente punitivista, demonstrando em suas disposições a preferência por uma atuação preventiva, educativa e direcionada ao alcance da conformidade regulatória.
Baseada na teoria responsiva da regulação criada por Ian Ayres e John Braithwaite², a regulação responsiva pode ser representada por uma pirâmide de enforcement ou de constrangimento. Trazendo esta teoria para atuação da ANPD, notar-se-á que ela possui em sua base a autorregulação (agentes que exercem espontaneamente a adequação com a legislação), em seguida, no meio pirâmide, a autorregulação compulsória (agentes que se adequam em razão da atuação discreta do regulador) e, no topo, agentes que demandam atuação pesada, resultando em aplicação de sanções expressivas.
Essa representação de pirâmide de constrangimento enaltece a conscientização e adequação espontânea dos agentes regulados, restringindo a atuação sancionatória do órgão regulador para casos pontuais de desrespeito e descaso à legislação e a sua atuação.
Nesse sentido, inicialmente serão adotados pela ANPD métodos de monitoramento extensivo e superficial, para identificação de potenciais infratores. Quando identificadas situações de desconformidade, sua atuação para combatê-las terá cunho orientativo, visando à adequação do infrator aos termos da LGPD, com indicação de medidas a serem adotadas, ou seja, reflexo do infrator posicionado no meio da pirâmide de constrangimento. Caso não respeitadas, com nítido descaso por parte do agente regulado, dar-se-á início ao processo repressivo, mediante instauração de processo administrativo sancionatório, com consequente elevação do infrator ao topo da pirâmide de constrangimento.
Todo esse processo pretende e tende resultar que os agentes expectadores da atuação da ANPD desejem estar posicionados na base da pirâmide, logo, invistam na adequação à LGPD, para justamente não receberem tratamento ostensivo direcionado aos agentes que estiverem no topo, como os alvos dos processos tornados públicos recentemente.
Apesar dos processos ainda estarem em fase de instrução, as entidades envolvidas já foram afetadas, indiscutivelmente, em virtude da publicidade promovida pela ANPD, impactando negativa e diretamente na imagem e reputação dos entes, além de alastrar um sentimento de insegurança para os titulares de dados que, de certa forma, com elas se relacionam.
Impacto acentuado no caso de empresas privadas, para as quais a publicização pode causar prejuízos irreparáveis à reputação, até mesmo consequências econômicas mais graves do que uma sanção pecuniária, considerando a comprovada e crescente preocupação dos cidadãos com o uso indevido de seus dados pessoais, além da conformidade com a LGPD ser, atualmente, uma usual condição para que sejam firmadas novas parcerias e negócios.
À vista disso, respondendo aos anseios dos empresários face ao início da atuação sancionatória da ANPD, a melhor maneira de afastar o risco de se tornar alvo da autoridade é buscar estar posicionado sempre na base da pirâmide de constrangimento.
O primeiro passo para trilhar esse caminho é a implementação de um programa de governança em proteção de dados , que deverá ser seguido de um trabalho contínuo de atualização e monitoramento, sempre amparado por profissionais especializados, inteirados e alinhados com o posicionamento da ANPD, especialmente nessa nova fase e forma de atuação do órgão.
O motivo desse ser o principal caminho a ser seguido, pauta-se no que a ANPD irá avaliar no momento de uma fiscalização, que se estende muito além da existência de uma infração, mas se de fato a empresa possui mecanismos efetivos de proteção de dados, além do interesse do agente em resolver o problema e o tempo despendido para se adequar.
A partir da implementação dos mecanismos basilares de um programa de governança em proteção de dados, o risco de sofrer a aplicação de uma sanção pela ANPD é exponencialmente reduzido, principalmente porque não necessariamente uma infração à LGPD resultará na aplicação de uma penalidade. Com a comprovação de que a empresa ou entidade possuía internamente uma cultura de proteção de dados e procedimentos capazes de minimizar a ocorrência ou a extensão dos danos, a condenação pode ser afastada ou, ao menos, a multa pode ser atenuada, em até 75%.
De forma prática, o investimento das empresas em um adequado programa de governança em proteção de dados traz, indiscutivelmente, reflexos positivos, de modo que a proatividade e o desejo espontâneo de buscar a conformidade com a LGPD coloca estas empresas na base da pirâmide de conformidade, que é o melhor cenário de relacionamento com a ANPD.
Ainda, o pior cenário que essas empresas podem enfrentar é a ocupação do meio da pirâmide, cabendo a elas corrigir eventuais comportamentos e/ou procedimentos. Por fim, o desfecho positivo é que elas nunca alcançarão o topo da pirâmide, no que diz respeito à atuação regulatória responsiva da ANPD, e consequentemente se esquivam da possibilidade de aplicação de sanções expressivas por meio de processos administrativos sancionatórios.
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¹ Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-publica-regulamento-de-dosimetria/Resolucaon4CDANPD24.02.2023.pdf
² AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John, Responsive regulation: Transcending the deregulation debate, New York: Oxford University Press, 1992.
* Artigo publicado originalmente no Jota.