Mídia
No mercado internacional de seguros, é praxe a exclusão do pagamento de capital segurado em razão de catástrofes naturais e pandemias. Sob o ponto de vista técnico e jurídico, essa exclusão se justifica pela inexequibilidade em se organizar estes riscos estatisticamente, sendo, portanto, impossível antecipar sua frequência e gravidade, de tal maneira que os danos causados por estes eventos podem atingir proporções incompatíveis com os prêmios cobrados pelas seguradoras.
No Brasil, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, em linha com a prática internacional, prevê a possibilidade de as seguradoras excluírem, nas apólices de seguros de pessoas, a cobertura por pandemia reconhecida pelo órgão competente.
Dito isto, no contexto da pandemia da COVID-19, o mercado securitário tem discutido a obrigatoriedade de pagamento das indenizações para estes sinistros nos seguros de pessoas, uma vez que grande parte (senão a totalidade) das apólices emitidas pelas companhias brasileiras contém a cláusula de exclusão para o caso de pandemias.
Muito embora em uma primeira análise possa-se concluir que as seguradoras não estão obrigadas a pagar as indenizações decorrentes da COVID-19, grande parte das companhias decidiram por efetuar os pagamentos em vista do impacto humanitário e reputacional que essa recusa poderia gerar.
É neste cenário que as seguradoras brasileiras têm enfrentado incertezas quanto ao tratamento tributário a ser conferido a estes pagamentos, tanto no que diz respeito à dedução dos gastos nas apurações do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS quanto no que tange à tributação no beneficiário da apólice.
Quanto ao IRPJ e CSLL, como regra geral, as despesas são dedutíveis somente se forem preenchidos os requisitos de necessidade, usualidade e normalidade. Assim, não são dedutíveis os gastos efetuados por mera liberalidade da companhia, ou seja, quando uma parcela do seu patrimônio é indevidamente conferida a terceiros sem contrapartida equitativa.
Dessa maneira, em vista da ausência de obrigatoriedade de cobertura na maioria dos sinistros decorrentes da COVID-19, há o receio de as autoridades fiscais virem a entender que tais despesas decorrem de mera liberalidade das seguradoras e, portanto, supostamente não seriam dedutíveis nas apurações do IRPJ e da CSLL.
Ocorre que este eventual posicionamento não deve prosperar, porque as decisões de pagar as coberturas destes sinistros possuem relação de pertinência com a atividade econômica exercida pelas sociedades seguradoras. Vale dizer que as seguradoras buscam, com estes pagamentos, evitar o surgimento de longas e custosas discussões judiciais, bem como proteger a sua reputação, na medida em que os seus negócios requerem a manutenção da confiança dos segurados.
Quanto ao PIS e à COFINS, as seguradoras estão autorizadas a deduzir o valor referente às indenizações correspondentes aos sinistros ocorridos e efetivamente pagos. Para que os pagamentos sejam dedutíveis nas bases de cálculo das contribuições, não basta que as despesas sejam usuais, normais e necessárias; neste caso, os pagamentos somente serão dedutíveis se se qualificarem como cobertura de sinistros.
Sobre este assunto, a própria SUSEP determina que deve ser considerada como sinistro a materialização de qualquer risco associado a uma operação de seguros, mesmo que não esteja previsto em contrato. Assim, devem ser considerados como sinistros todos os casos em que existir alguma apólice, ainda que não haja cobertura.
Dessa maneira, quando uma seguradora decide pagar uma indenização, mesmo havendo a exclusão de cobertura, tais gastos não deixarão de ter natureza de despesas com sinistros. Isso, porque o pagamento por parte da seguradora decorre de uma interpretação de boa-fé do negócio jurídico, visando o equilíbrio econômico financeiro do contrato, contexto no qual se concluiu ser devida a indenização nesta situação.
Portanto, os pagamentos das seguradoras em casos de COVID-19 possuem natureza de cobertura de sinistro, motivo pelo qual as despesas correspondentes podem ser deduzidas das bases de cálculo do PIS e da COFINS.
Por fim, uma última incerteza diz respeito à tributação da indenização no beneficiário da apólice, uma vez que a legislação tributária prevê isenção de IRPF sobre os rendimentos recebidos pela pessoa física em decorrência do capital das apólices de seguro ou pecúlio pago por morte do segurado.
Neste caso, embora as autoridades fiscais possam vir a atribuir outra qualificação à verba recebida pelo beneficiário, em vista da cláusula de exclusão de cobertura, de modo a afastar a isenção do IRPF, essa não seria a melhor interpretação dos fatos e da legislação.
Com efeito, o pagamento realizado pela seguradora possui natureza de cobertura de sinistro, conforme comentado anteriormente, porque o alcance da apólice foi alargado por meio da flexibilização da cláusula de exclusão de cobertura, de maneira que as autoridades fiscais não deveriam atribuir natureza diversa à verba paga ao segurado.
Sendo assim, diante de tantas incertezas, conclui-se que o mais adequado seria as autoridades fiscais se manifestarem sobre o assunto de maneira favorável aos contribuintes, dissipando-se as inseguranças jurídicas acima pontuadas de uma forma que incentive as seguradoras a pagarem as coberturas de sinistros decorrentes da COVID-19, mitigando-se, assim, os efeitos sociais perversos dessa pandemia.
*Heitor Cesar Ribeiro é advogado no escritório Gaia Silva Gaede Advogados, em São Paulo, e especialista em Direito Tributário
*Artigo postado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.