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STF inicia o julgamento do RE 714.739/SC, tema que além da relevância e abrangência, ganha ainda mais amplitude neste momento de profunda crise econômica e social em razão da pandemia.
No dia 5/2/21 e em meio à pandemia da COVID-19, o STF iniciou o julgamento do RE 714.739/SC, afetado em repercussão geral, onde se discute a constitucionalidade ou não da imposição, pelos Estados, por conveniência da arrecadação, de tributação excessiva via fixação de alíquotas majoradas do ICMS (superiores às alíquotas ordinárias estabelecidas nas leis estaduais) sobre o fornecimento de energia elétrica e sobre serviços de telecomunicação, sob o prisma do princípio da seletividade do ICMS, disposto no inciso II, do §2°, do artigo 155, da CF/88.
Fundado no entendimento de que a exigência tributária deve estar harmonizada aos direitos fundamentais à vida, à dignidade da pessoa humana e ao desenvolvimento social e tecnológico do país, o ministro Marco Aurélio, relator do recurso, proferiu voto reconhecendo o direito pleiteado pelo consumidor (Lojas Americanas S/A) e determinando a redução da tributação, pelo Estado de Santa Catarina (caso em exame), dos serviços de energia elétrica e telecomunicação, “uma vez inequívoco tratar-se de bens e serviços de primeira necessidade, a exigir a carga tributária na razão inversa da imprescindibilidade”, afirmando ainda que, “adotada a seletividade, o critério não pode ser outro senão a essencialidade”. O precedente valerá para todas as demais Unidades da Federação.
Em seu voto, o min. relator aduz, ainda, que a redução da carga tributária do ICMS sobre itens essenciais como energia e telecomunicação, para determinar a observância das alíquotas gerais internas de cada estado, “não se trata de anômala atuação legislativa do Judiciário”, afirmando ser competência do Poder Judiciário a “glosa do excesso e, consequentemente, a recondução da carga tributária ao padrão geral, observadas as balizas fixadas pelo legislador comum”.
Nesse sentido, o relator do recurso, ao final de seu voto, sugere a fixação da seguinte tese jurídica pelo Plenário do STF: “Adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços.”
Já o segundo voto disponibilizado sobre o tema, proferido pelo ministro Alexandre de Moraes, diverge em parte do entendimento do relator, e declara a inconstitucionalidade da majoração da alíquota do ICMS somente para serviços de telecomunicação, sob o fundamento de que, no caso da energia elétrica, o Estado de Santa Catarina, ao estabelecer alíquotas diferenciadas para consumidores “pessoas físicas”, em razão do volume de Kwh consumidos, observa o princípio da seletividade do ICMS para a energia elétrica, sob o aspecto da capacidade contributiva.
Nesse aspecto, ao mesmo tempo em que afirma ser “evidente que o princípio da seletividade (…) veda a atribuição de alíquotas sobre mercadorias e serviços essenciais maiores ou iguais às aplicáveis em relação às mercadorias e serviços não essenciais e supérfluos”, reconhecendo expressamente que, de acordo com a Constituição Federal, o princípio da seletividade está atrelado à necessária observância da essencialidade do produto ou do serviço, o i. ministro justifica seu entendimento na necessidade de observância de outros parâmetros, como consumo e até mesmo requisitos subjetivos do consumidor (porte, pessoa física ou jurídica, segmento etc.), a fim de associar a seletividade à capacidade contributiva.
No entanto, na linha do entendimento esposada pelo voto vogal, uma família de baixa renda que, por patente necessidade em razão do número de pessoas, trabalho ou até por doença familiar, consome 200 hwh/mês em sua residência, deverá pagar mais ICMS (tributado a 25%) do que um grande empresário que, residindo sozinho e trabalhando fora da sua residência a maior parte do dia, consome 150 kwh/mês (tributado a 12%), o que, de fato, não atende ao princípio da seletividade sob o prima da capacidade contributiva.
Assim, o i. ministro sugere a fixação de tese jurídica no sentido de que “O ente tributante pode aplicar alíquotas diferenciadas em razão da capacidade contributiva do consumidor, do volume de energia consumido e/ou da destinação do bem”, o que pode permitir a manutenção da discricionariedade dos Estados na imposição de alíquotas do ICMS sem a necessária observância da essencialidade do bem, e a dificuldade de acesso, por milhões de brasileiros, a produtos e serviços imprescindíveis à vida e ao desenvolvimento do próprio país, como é o caso de acesso à energia elétrica e serviços de telecomunicação.
Atualmente, o julgamento encontra-se sobrestado em razão do pedido de vista formulado pelo ministro Dias Toffoli, devendo ser retomado daqui a algumas semanas.
O tema, além da extrema relevância e abrangência, ganha ainda mais amplitude em um momento como este, de profunda crise econômica e social em razão da Pandemia da COVID-19, já que é inimaginável a manutenção do próprio Estado (no sentido social e econômico) sem que haja a possibilidade de trabalho remoto e estudo à distância, o que só ocorre através da utilização constante de energia elétrica e de telecomunicações, serviços essenciais à vida e que necessariamente precisam ser prestados de forma adequada, eficaz e acessível a todos.”
*Artigo postado originalmente no Migalhas.