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Enio Zaha e Heitor Cesar Ribeiro STJ e as subvenções para investimentos 26 de setembro de 2023

O tema, dada a sua relevância, ainda deverá ser objeto de importantes discussões, tanto nas esferas administrativa e judicial quanto na esfera legislativa

As alterações trazidas pela Lei Complementar nº 160/2017, seguidas de posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), trouxeram novos contornos para a qualificação dos benefícios de ICMS concedidos pelos Estados como subvenções para investimentos no contexto da tributação de IRPJ e CSLL.

Dentre as diversas discussões que o tema provoca, a que mais tem chamado a atenção é a qualificação das isenções e reduções de ICMS em cadeias desoneradas do imposto como subvenções para investimentos no contexto do “efeito de recuperação”.

Recapitulando, o STJ (EREsp 1.517.492) já havia decidido que os créditos presumidos de ICMS não integram as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, porque, caso fossem tributáveis, haveria a possibilidade de esvaziamento ou redução do incentivo fiscal estadual e, além disso, seria desvirtuado o modelo federativo, que prevê a repartição das competências tributárias entre União, Estados e municípios.

Assim, tais créditos não devem ser tributados pelo IRPJ e CSLL em vista da inconstitucionalidade dessa tributação, independentemente do preenchimento de qualquer requisito previsto na legislação infraconstitucional, notadamente a necessidade de constituição da Reserva de Incentivos Fiscais.

Posteriormente, o STJ (Tema 1.182) definiu que os demais benefícios de ICMS podem ser considerados subvenções em vista da expressa previsão no caput do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, e não em decorrência da inconstitucionalidade dessa tributação. Por esse motivo, a tributação do IRPJ e da CSLL somente pode ser afastada se forem cumpridos os requisitos previstos na lei.

A justificativa utilizada pelo STJ para diferenciar os créditos presumidos dos demais benefícios de ICMS se baseou no chamado “efeito de recuperação”, que, supostamente, sempre se aplicaria a todos os benefícios fiscais, com exceção dos créditos presumidos.

Para se chegar a essa conclusão, o STJ partiu da premissa de que as reduções e isenções do ICMS no curso do ciclo a que esteja o produto não beneficiaria o consumidor final, porque a diferença seria recuperada pelo Fisco por meio da aplicação da tributação mais elevada nas operações posteriores. Esse seria o “efeito de recuperação”, porque o benefício não implicaria renúncia fiscal; diferentemente, tratar-se-ia meramente de um diferimento no recolhimento do imposto.

Em que pese essa premissa, em muitos casos as reduções do ICMS se aplicam a todo ciclo de determinados produtos, alcançando também o consumidor final, como nos produtos alimentícios que compõem a cesta básica, insumos agrícolas e veículos adaptados para pessoas com deficiência física, por exemplo.

Nessa conjuntura, os Estados renunciam à arrecadação do ICMS em prol da indução de algum comportamento esperado por parte dos cidadãos e/ou agentes econômicos, havendo uma efetiva repercussão nos cofres públicos, não havendo que se falar em “efeito de recuperação”.

Portanto, adotando-se os conceitos trazidos pelo próprio STJ, as conclusões do ERESP 1.517.492/PR deveriam também se aplicar às reduções de ICMS que alcançam toda a cadeia de consumo, e não somente os créditos presumidos do imposto, porque, em ambos os casos, uma tributação de IRPJ e CSLL representaria uma ofensa ao pacto federativo.

Dessa maneira, os contribuintes deveriam ter reconhecido o seu direito de excluir das apurações de IRPJ e CSLL as isenções e reduções de ICMS sobre produtos que são desonerados até a venda ao consumidor final, sem que seja necessária a observância a qualquer requisito previsto no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

Vale observar, por outro lado, que as autoridades fiscais e o governo federal têm resistido em aceitar sequer o entendimento de que as isenções e reduções de ICMS possam ser consideradas como subvenções, mesmo que o valor não tributado pelo IRPJ e CSLL sejam destinados à Reserva de Incentivos Fiscais.

Nesse sentido, a Receita Federal tem emitido comunicados de autorregularização aos contribuintes informando que o órgão não admite o enquadramento das isenções reduções como subvenções, porque, nesses casos, haveria somente o diferimento do imposto para a etapa posterior da cadeia ou, então, o benefício seria dirigido ao adquirente final da mercadoria, que não é contribuinte.

Em que pese o entendimento da Receita Federal, o STJ, no julgamento do Tema 1.182, deixou claro que a análise do tribunal não era sobre a possibilidade de exclusão dos benefícios fiscais em questão das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, porque essa possibilidade está clara na lei; o ponto controverso foi somente a necessidade ou não do cumprimento de requisitos legais para a possibilidade de exclusão fiscal. Assim, o entendimento das autoridades fiscais carece de base legal e jurisprudencial.

De outro ângulo, o governo federal editou a Medida Provisória nº 1.185/2023, com efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024, que pretende reformular completamente o efeito fiscal das subvenções para investimentos, gerando várias restrições aos contribuintes. De todo modo, essa medida provisória ainda se encontra sujeita à conversão em lei.

Verifica-se, assim, que o tema, dada a sua relevância para muitas empresas, ainda deverá ser objeto de importantes discussões, tanto nas esferas administrativa e judicial quanto na esfera legislativa. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.