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Nova norma amplia dever das empresas com saúde mental e pode elevar ações trabalhistas.
Em 2024, o Brasil atingiu o maior número de afastamentos por transtornos mentais nos últimos dez anos. O dado é do Ministério da Previdência Social e representa um aumento de 68% em relação a 2023. Em um país que registrou 54 afastamentos por transtornos mentais a cada hora, a saúde psicológica no ambiente de trabalho deixou de ser uma questão apenas de bem-estar para se tornar um imperativo legal.A nova redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) entra em vigor com caráter educativo no dia 26, mas sua vigência legal começa apenas em maio do próximo ano. O texto incorpora os riscos psicossociais ao Programa de Gerenciamento de Riscos das empresas. O impacto? Uma transformação profunda nas obrigações legais e práticas das organizações — e uma potencial escalada nas ações judiciais por danos à saúde mental.
De invisível a obrigatório
Em meio à uma crise de saúde mental, a nova NR-1 chega não só para reconhecer os possíveis causadores de transtornos mentais no ambiente de trabalho, mas também para responsabilizar as empresas por garantir um ambiente seguro aos colaboradores. A principal mudança é a inclusão obrigatória dos riscos psicossociais — como estresse, burnout e assédio moral — no Programa de Gerenciamento de Riscos. “A responsabilidade legal dos empregadores se amplia, já que os riscos mentais passam a ter o mesmo peso que os físicos, químicos ou biológicos. O descuido pode ser agravante em processos judiciais envolvendo afastamentos por saúde mental”, afirma o advogado trabalhista Henrique Melo, sócio do NHM Advogados.O movimento certamente segue uma tendência global de atenção aos impactos psicológicos do trabalho. “A norma reflete o expressivo crescimento dos casos de transtornos mentais no mundo corporativo. Agora, se a empresa não mapeia ou não age diante de riscos evidentes, pode ser responsabilizada civil e administrativamente”, reforça Melo.
Saúde mental no trabalho: exigências crescem e punições também
Para Fábio Chong de Lima, sócio trabalhista do L.O. Baptista, a nova norma é um marco. “Trata-se de um avanço significativo. O reconhecimento da saúde mental como risco ocupacional amplia obrigações e reforça a responsabilização. Por consequência, a empresa que negligenciar pode enfrentar autuações, TACs, ações civis públicas e até danos morais coletivos”, afirma.Vanessa Larizzatti Maia Rossi, advogada trabalhista do Gaia Silva Gaede, detalha os efeitos jurídicos: “A ausência de mapeamento e de um plano de ação para mitigar riscos psicossociais pode resultar em multas do Ministério do Trabalho e ações judiciais. Além disso, impacta o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e pode fortalecer a tese de nexo causal em ações individuais.”A advogada reforça que “mapear os riscos e não agir será visto como omissão”. Mesmo que o nexo entre doença e trabalho precise de comprovação técnica, a jurisprudência tende a ser mais favorável ao trabalhador se os riscos já constarem nos documentos da empresa.
Nova NR-1: Um desafio cultural
O caminho da adaptação com toda a certeza não será simples. Segundo Fábio Chong, sócio trabalhista do L.O. Baptista, um dos maiores entraves é a subjetividade da saúde mental: “Diferente dos riscos físicos, os psicossociais são difíceis de mensurar. Some-se a isso o estigma, a falta de capacitação e a resistência orçamentária”.Vanessa Rossi, do Gaia Silva Gaede, aponta também a carência de conhecimento técnico e a urgência por mudança cultural. “É preciso envolver todos os níveis hierárquicos para que percebam a importância do tema. Por isso, lideranças devem ser treinadas e políticas internas precisam estar claras e acessíveis.”A psicóloga e analista de RH Giovanna Campos Servilha destaca que, embora tardio, o reconhecimento desses riscos é um avanço. “Vivemos em um sistema econômico onde trabalhar é uma necessidade vital, mas a relação que temos com o trabalho está adoecida. A produtividade foi colocada acima do bem-estar humano.”
Ela observa que os sintomas de adoecimento mental costumam ser ignorados pelas empresas: “Queda de produtividade, irritabilidade, isolamento, desânimo, dores físicas e oscilações de humor são sinais de alerta que frequentemente passam despercebidos ou são tratados como fraqueza”.
O papel do RH e da psicologia organizacional na NR-1
Os especialistas destacam que a nova NR-1 exige um esforço conjunto entre jurídico, RH e Medicina do Trabalho. “Mapeamento com metodologias validadas, pesquisa de clima, análise de absenteísmo, controle de ponto e indicadores de saúde mental são ferramentas importantes”, explica Vanessa Rossi, do Gaia Silva Gaede.Giovanna Servilha defende que o psicólogo organizacional deve estar à frente das mudanças: “Seu papel é técnico e estratégico. O profissional deve ajudar a construir políticas de prevenção, oferecer atendimento psicológico e atuar na capacitação das lideranças e conscientização das equipes acerca de questões de saúde mental”.A psicóloga acredita que, se implementada com seriedade, a nova NR-1 pode ter um impacto real: “Mas é preciso que isso vá além do papel. Para que mudanças reais aconteçam na saúde mental dos trabalhadores, a preocupação com os riscos psicossociais e suas implicações deve fazer parte da cultura das empresas, não apenas como uma exigência normativa, mas como um interesse genuíno pelo bem-estar do colaborador. É isso que fará a diferença no longo prazo.”
Uma nova era para a segurança do trabalho
Com a vigência adiada para 25 de maio de 2026, as empresas têm pouco mais de um ano para se adequar. Henrique Melo, sócio do NHM Advogados, recomenda que aproveitem o prazo para estruturar ações robustas: “Não é só adequação documental. É uma revisão profunda das práticas. Os riscos psicossociais precisam ser diagnosticados e combatidos com a mesma seriedade que se combate um vazamento de gás.”A psicóloga Giovanna Servilha destaca ainda que “é possível sim promover ambientes emocionalmente seguros, no entanto, isso requer conscientização, engajamento e mobilização coletiva. Trabalhar em um ambiente saudável é um direito humano fundamental”.A nova NR-1 não cria apenas uma nova obrigação legal — ela inaugura uma nova era nas relações de trabalho. Uma era em que a saúde mental, enfim, é tratada com o peso que merece.
Por: Reinaldo Rinaldi.
Fonte: Análise Advocacia.