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A tributação no Brasil favorece o uso de matérias-primas virgens —extraídas da natureza—
em detrimento de insumos derivados da reciclagem, que preservam recursos naturais,
segundo especialistas da indústria e do direito tributário.
Esse é um dos obstáculo ao avanço da reciclagem no Brasil, hoje estimada em apenas 4%
dos resíduos sólidos urbanos, e deriva de uma regra criada com o objetivo oposto:
incentivar a infraestrutura de reciclagem.
Até 2021, comerciantes de recicláveis não precisavam pagar PIS e Cofins sobre as vendas
dos insumos. As contribuições eram pagas pelas indústrias que transformam o resíduo em
matéria-prima reciclada, chamadas de transformadoras, a uma alíquota de 9,25%.
A ideia da política era diminuir o peso de tributos sobre quem vende resíduos recicláveis,
normalmente cooperativas, catadores ou sucateiros. A indústria, no entanto, reclama que a
legislação reduz o interesse na aquisição de matérias-primas recicladas porque a carga
tributária sobre o produto final aumenta, já que não há possibilidade de crédito.
Pelo regime comum, as transformadoras poderiam abater da cobrança final de impostos o
valor que gastaram com a aquisição do insumos reciclados. Mas, como a lei prevê a não
incidência sobre a venda dos reciclados, as empresas estavam proibidas de fazer o
desconto.
Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico) fez um estudo para mostrar o
impacto dessa proibição. A carga tributária efetiva para uma empresa que usa reciclados na
produção era de 6,44%, já com as deduções legais. Sem a proibição, ela caía a 5,32%.
Para as indústrias em geral, o valor chegava a 5,8%.
A entidade apresentou os dados ao STF (Supremo Tribunal Federal) para o julgamento de
um recurso sobre a validade da apuração de créditos de PIS e Cofins na aquisição de
insumos recicláveis.
Há três anos, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) declararam inconstitucional a
proibição da tomada de crédito, assim como a suspensão da cobrança de PIS e Cofins
sobre a vendas dos insumos recicláveis.
Lumy Mizukawa, que atuou em favor da Abiplast no processo, diz que em tese a decisão já
está valendo, ou seja, vendedores de insumos reciclados deveriam recolher PIS e Cofins. As transformadoras, por outro lado, poderiam tomar créditos. Mas isso pode mudar.
O STF julga agora recursos contra a decisão do Tribunal e debate a partir de quanto ela começa a valer. O julgamento não tem data para ser retomado. Ao menos 832 processos aguardam o desfecho do julgamento, conforme dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O problema para a Abiplast é os ministros terem extrapolado o escopo do recurso —o artigo
referente aos créditos— para decidir também sobre o pagamento de PIS e Cofins por
comerciantes de insumos recicláveis.
A entidade defende que a decisão se limite, de modo a manter o benefício fiscal na venda dos insumos.
“Do jeito que está, a matemática não é ideal”, afirma Lumy Mizukawa. “Contraria até a
premissa de proteção ao meio ambiente”.
A Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente) considera que o modelo
atual estabelece uma bitributação de reciclados, já que os materiais são encarados como
insumos comuns. Para ela, isso acontece no caso do PIS e da Cofins, bem como no do
ICMS, cuja alíquota média no país é 18%.
“O produto feito com reciclados fica mais caro”, afirma Pedro Maranhão, presidente da
entidade. “E o que acontece? Vale mais a pena comprar a matéria-prima virgem, porque ela
está mais barata que a reciclada por uma questão tributária.”
Para ele, “a indústria da reciclagem precisa de viabilidade econômica no mundo capitalista.
Tem que ter incentivo”.
Álvaro Rotunno, sócio da área tributária do Gaia Silva Gaede Advogados, discorda do
argumento da bitributação por enxergar a reintrodução do insumo reciclável na cadeia
produtiva como o início de um novo ciclo econômico, o torna possível a nova cobrança.
Ainda assim, sustentou a necessidade da concessão de benefícios tributários ao setor de
reciclagem. Segundo o advogado, a cobrança de PIS e Cofins nas vendas de matéria-prima
reciclada penaliza o mercado e fomenta a informalidade.
“Matérias-primas recicladas devem ser beneficiadas com incentivos fiscais para que a sua
comercialização seja competitiva com as matérias-primas virgens —mais nocivas ao meio
ambiente e com custo de fabricação geralmente mais baixo do que o das recicladas”, diz.
Por: Arthur Guimarães
Fonte: Folha de São Paulo