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Uma análise mais detida da operação e da legislação correspondente faz-nos concluir pela caracterização das operações com CBIO como atividade financeira para fins tributários.
Muito se tem discutido sobre a natureza dos créditos de descarbonização (CBIO), principalmente para fins de tributação de PIS e COFINS. Embora não haja posicionamento do Fisco e a jurisprudência sobre o tema ainda seja incipiente, parece-nos claro que as negociações destes títulos nos mercados organizados possuem natureza de atividade financeira.
Primeiramente, é importante mencionar que, em atendimento aos compromissos assumidos no Acordo de Paris para o Clima, o Brasil criou a Política Nacional de Biocombustíveis, cujos objetivos são a contribuição com uma relação entre eficiência energética e redução da emissão de gases causadores do efeito estufa, expansão do uso de biocombustíveis na matriz energética brasileira e fomento da participação competitiva dos diversos biocombustíveis no mercado econômico.
No âmbito deste programa, foi criado o CBIO, que é um ativo ambiental gerado por produtores e importadores de biocombustíveis e registrado sob a forma escritural nos livros ou registros de instituições financeiras contratadas para essa finalidade. Sua originação efetiva-se mediante solicitação do emissor primário (produtor ou importador de biocombustível) em até 60 dias contados a partir da emissão da nota fiscal de compra e venda do biocombustível. Cada CBIO equivale a uma tonelada de CO² que deixou de ser emitida devido ao uso de biocombustíveis, ao invés de combustíveis fósseis.
A negociação do CBIO é feita em mercados organizados, inclusive por meio de leilões, e tem como destinatário final os distribuidores de combustíveis, que utilizam estes créditos para compensar o não atingimento da sua meta individual de redução de emissões de gases de efeito estufa. Assim, os distribuidores, ao comercializarem uma quantidade de combustíveis fósseis acima de sua meta individual de descarbonização, poderão adquirir o CBIO e valer-se deste ativo para o cumprimento de sua cota.
O CBIO permanece válido a partir de sua emissão até sua aposentadoria (comprovante de atendimento às metas compulsórias pelo distribuidor de combustíveis), em que há a retirada definitiva de sua circulação, de modo a impedir qualquer futura negociação do crédito. Portanto, a negociação do CBIO, desde a sua originação pelo produtor ou importador de biocombustível até a sua utilização pelo distribuidor de combustíveis, pode ser objeto de múltiplas negociações nos mercados organizados por qualquer investidor ou interessado.
Dito isso, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis se manifestou no sentido de que o CBIO não pode ser considerado um ativo financeiro para fins de preparo e divulgação das demonstrações financeiras dos agentes que negociam estes títulos. Referido Comitê, por outro lado, deixou claro que a classificação contábil por ele adotada, por ter fundamentos econômicos, não deve ser utilizado para enquadramento jurídico e tributário do CBIO.
Assim, sob a perspectiva jurídica, a CVM dispôs que o CBIO é um ativo elegível para composição de fundos de investimento em decorrência não só de sua liquidez e valor de mercado, mas também da obrigatoriedade de registro e negociação em ambiente de negociação de valores mobiliários e ativos financeiros (B³), bem como de escrituração por instituições financeiras. Ademais, o CBIO foi incluído no rol de ativos financeiros, desde que registrado em sistema autorizado pela CVM ou pelo Banco Central do Brasil ou negociado em mercado organizado.
Isso aponta para a natureza jurídica do CBIO enquanto ativo financeiro, especialmente considerando que deve ser escriturado por instituição financeira autorizada pelo Banco Central do Brasil e é transacionado no mercado financeiro. Sua regulação apenas afasta tal caracterização quando negociados em mercados voluntários – em que o CBIO é comercializado espontaneamente pelas sociedades empresárias que buscam compensar suas emissões de GEE, à margem de escrituração e controle oficial.
Segundo a classificação jurídica, resta claro que as negociações com o CBIO devem ter natureza de atividade financeira para fins tributários. O vínculo indireto do CBIO com a atividade de produção, importação ou comercialização de biocombustível não desqualifica o enquadramento das negociações pelos agentes que negociam o ativo ambiental como atividade financeira. Isso, porque a receita auferida nessas negociações não deriva do preço cobrado pela venda dos biocombustíveis, mas, sim, da negociação do ativo no mercado financeiro.
Dessa maneira, o CBIO é um título de natureza financeira, dissociado das vendas de biocombustíveis, por mais que se origine da atividade produtiva. Sendo assim, por ser um crédito escriturado e negociado sob a regulação da CVM e do Banco Central do Brasil, ele tem caráter fundamentalmente financeiro – o que é ratificado pela possibilidade de sua inclusão em carteiras de negócios mediante fundos de investimento.
Assim, reconhece-se que as receitas decorrentes dessas negociações devem ser tributadas pelo PIS e a COFINS à alíquota global de 4,65%, típica das receitas financeiras, e não pela alíquota global de 9,25%, como se se tratasse de uma operação mercantil.
Diante do exposto, embora ainda estejamos longe de uma consolidação de entendimento sobre o tema, sem que haja sequer um posicionamento das autoridades fiscais e a jurisprudência ainda seja incipiente, uma análise mais detida da operação e da legislação correspondente faz-nos concluir pela caracterização das operações com CBIO como atividade financeira para fins tributários.
Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.