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O governo federal enfrentou um acalorado debate ao enviar o Projeto de Lei n.º 2.384/23 à Câmara dos Deputados. Essa proposta, agora convertida na Lei n.º 14.689/23, objetivou restaurar o voto de qualidade em situações de empate nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), revertendo, assim, uma mudança importante introduzida pela Lei n.º 13.988/20.
O CARF desempenha um papel fundamental no debate tributário, na qualidade de órgão colegiado do Ministério da Economia, que julga os recursos de ofício e voluntário, interpostos em face dos acórdãos das Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJ’s), bem como os recursos de natureza especial.
Enquanto as DRJ’s, primeira instância administrativa fiscal, são compostas somente por auditores-fiscais da RFB, no CARF, as Turmas de Julgamento e as Câmaras Superiores de Recursos Fiscais (CSRF) são paritárias, o que confere maior imparcialidade aos julgamentos realizados pelo órgão.
Infere-se, pois, diante da composição do órgão, a efetiva possibilidade de empate nas votações no CARF, o que torna necessária a aplicação de técnicas de julgamento para o desempate.
Desde o Decreto n.º 70.235/72, até a introdução da Lei n.º 13.988/20, que previa, na hipótese de empate, a resolução do caso de forma favorável ao contribuinte, vigorou no CARF o desempate pelo voto de qualidade.
Segundo esse modelo, o Presidente do órgão julgador, que no caso do CARF é sempre um representante do fisco, ao final de um julgamento que terminou em empate, terá o seu voto duplicado, de maneira a decidir o caso em apreciação.
Assim, quando os conselheiros não conseguirem chegar a um acordo, o voto decisivo, que competirá ao Presidente, tende a ser favorável ao fisco, conforme se verifica na prática.
O retorno do voto de qualidade faz parte do pacote de medidas econômicas apresentado no início do ano pelo atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o objetivo de ampliar a arrecadação do Fisco. Com essas medidas, estima-se um aumento de cerca de R$ 59 bilhões nas arrecadações.
Além da proposta da volta do voto de qualidade no CARF, o projeto de lei trouxe outros temas sensíveis aos contribuintes, como a transação tributária, a exclusão de multas e o cancelamento de representação fiscal para fins penais, nas hipóteses de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade, a classificação dos contribuintes com base em sua conformidade tributária e aduaneira, entre outros.
No entanto, os vetos do Presidente da República em exercício (Geraldo Alckmin), retirou tópicos importantes do projeto de lei, a exemplo dos trechos que alteravam a Lei de Execuções Fiscais; que dispunham sobre métodos preventivos para a autorregularização de tributos; que permitiam transação tributária específica em determinadas circunstâncias, para casos de decisão favorável à União por meio do voto de qualidade; que versavam sobre redução de multas e penalidades.
Infere-se, pois, que muitas das medidas favoráveis ao contribuinte, aprovadas pelo Congresso Nacional, foram rechaçadas pelo Executivo, quando da conversão do PL n.º 2.384/23 na Lei n.º 14.689/23, ao passo que outras não tão palatáveis foram mantidas, como é o caso do retorno do voto de qualidade.
Resta, pois, o questionamento acerca da manutenção efetiva da paridade nas votações do CARF, porquanto com o retorno do voto de qualidade, tem-se, na prática, o cômputo de mais um voto de representante da Fazenda no julgamento, muito embora possa, eventualmente, ser favorável ao contribuinte.
*Artigo publicado originalmente no Estadão.