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Na Espanha, em regra geral, quando a Corte Constitucional decide pela inconstitucionalidade de uma Lei, essa decisão tem efeitos retroativos (para o passado), com ressalva da coisa julgada. Todavia, em algumas situações excepcionais já foram atribuídos efeitos prospectivos (somente para o futuro), sob o argumento de que os recursos públicos obtidos já teriam sido gastos.
No Brasil, a situação é muito parecida e ganha relevância nas causas de natureza tributária, pois, o debate no Supremo Tribunal Federal é cada vez mais comum, enquanto as decisões moduladoras são cada vez mais imprevisíveis, já que a lei não estabelece requisitos suficientes para aplicar medida tão excepcional.
Por causa disso, atualmente esse assunto tem gerado grande insegurança no empresariado, já que, apesar de várias causas tributárias de forte impacto econômico terem sido julgadas nos últimos anos, não há uniformidade em relação aos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade.
A grande expectativa atual é o fim que levará a chamada “causa tributária da década”, recentemente julgada em favor dos contribuintes, e que aguarda o Plenário da Corte votar a “modulação” dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das leis que exigem o recolhimento do PIS/COFINS sobre parcela relativa ao ICMS (RE nº 574.706).
Referida decisão irá definir se a inconstitucionalidade tem efeitos ex tunc (regra geral), o que garantiria a todos os contribuintes o direito de recuperar os valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos, ou se, excepcionalmente, esse direito será limitado.
Admitem-se três tipos de limitação temporal: i) ex tunc mitigado (escolha de um momento no passado, posterior à edição da lei e anterior ao julgamento, a partir do qual a decisão surtiria efeitos), modalidade que garantiria a repetição do indébito tributário apenas a quem tinha ação judicial; ii) ex nunc (valida todos os efeitos produzidos até a decisão), não permitindo a recuperação do passado; iii) pro futuro (fixa um marco temporal, posterior à decisão, até o qual a lei seria aplicada), mantida a cobrança.
O sistema jurídico brasileiro pauta-se na supremacia absoluta da Constituição Federal. Como consequência, toda norma inconstitucional teria que ser extirpada do ordenamento jurídico desde seu nascedouro, com efeitos ex tunc (tudo: passado, presente e futuro). O STF julgou dessa forma a maioria das teses tributárias.
Todavia, por razões de segurança jurídica, excepcional interesse social ou mudança repentina da jurisprudência consolidada, o STF já admitiu a modulação ex tunc mitigada (repetição somente para quem tinha ação judicial) em duas teses tributárias (RE 593.849 e Súmula Vinculante 8), e a eficácia ex nunc (da decisão em diante) ou pro futuro, respectivamente, em um caso cada (ADIN 4481 e ADIN 4171).
Sem uma definição legal do que seja “por razões de segurança jurídica”, “excepcional interesse social” e “virada jurisprudencial” (autorizadores da modulação), o histórico de votação dos atuais Ministros é muito importante para arriscar um prognóstico para a tese em questão e para outras de natureza tributária. Revela, por exemplo, que a perda de arrecadação não é suficiente para comprovar a presença do excepcional interesse social ou público a justificar a modulação. Ou seja, para o STF, o mero interesse econômico ou financeiro não serve de fundamento para a modulação, como amplamente defendido pelos Ministros Dias Toffoli e Carmen Lúcia, seguidos pelos votos dos Ministros Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Fux, e Rosa Weber.
Esses precedentes levam também a concluir que não há justificação para uma modulação com base na mudança de jurisprudência, quando a única jurisprudência contrária à tese é do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como defendido pelos Ministros Carmen Lucia e Gilmar Mendes e já debatido no caso da COFINS profissão regulamentada, em que também existia Súmula do STJ contrária à tese do STF.
Mantendo a coerência, portanto, o STF não poderia dar outro desfecho à discussão do “ICMS no PIS/COFINS”, que não a negativa de modulação. Se julgar de outra forma assumirá que, em matéria tributária, sempre caberá a modulação, já que o critério arrecadatório seria determinante ou, ainda, aceitará que se submete às decisões do STJ para modular discussões em razão de “virada jurisprudencial” naquela Corte.