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A proximidade do fim do prazo para que empresas e investidores estrangeiros informem à Receita Federal quem são os seus beneficiários finais, ou seja, a pessoa física que tem o controle de toda a estrutura, vem provocando correcorre nos escritórios de advocacia. A principal demanda é de companhias com dificuldade em obter tais dados da matriz, sediada no exterior, e que, por esse
motivo, temem não conseguir atender a regra que foi imposta pelo governo brasileiro.
O prazo limite para a apresentação desses dados é o dia 31 deste mês – sem prorrogação, segundo nota enviada pela Receita ao Valor . A pena para as empresas que não cumprirem a obrigação é a suspensão do CNPJ.
Isso, na prática, inviabiliza as operações aqui no Brasil. Sem o CNPJ as empresas ficam impedidas, por exemplo, de transacionar com os bancos, o que inclui movimentar conta corrente, realizar aplicações financeiras ou obter empréstimos.
Esse é um tema que superaqueceu agora, em razão do prazo, mas não é novo. A determinação para que empresas e investidores estrangeiros revelem os seus beneficiários finais foi imposta pela Receita Federal em maio de 2016 por meio da Instrução Normativa (IN) nº 1634, que dispõe sobre o CNPJ. Foi um dos movimentos do governo para combater a corrupção, a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro.
As empresas ficaram obrigadas, com essa IN, a apresentar toda a sua cadeia de participação societária até alcançar as pessoas físicas caracterizadas como beneficiárias finais. Então, por exemplo, uma empresa limitada, com sede no Brasil, cuja estrutura tem ainda uma empresa operacional acima, que fica na França, e uma ou mais holdings no controle, precisa demonstrar toda essa estrutura e indicar as pessoas que estão lá no topo.
Na norma consta que essas pessoas são aquelas com influência significativa – que tenham, direta ou indiretamente, mais de 25% do capital social da entidade estrangeira ou que exerçam a preponderância nas deliberações sociais e tenham o poder de eleger a maioria dos administradores.
“Parece simples se pensarmos em uma estrutura pequena. Só que existem casos, aqui mesmo no escritório, em que há 25 empresas em uma única estrutura”, pondera o advogado Guilherme Roxo, do Gaia Silva Gaede Advogados.
O cumprimento da obrigação se torna ainda mais complexo porque toda essa cadeia está localizada fora do país e a empresa que opera aqui no Brasil precisa não só conseguir a informação de quem é quem, mas também obter os documentos que comprovam isso (principalmente os atos societários).
Ana Paula de Ros, sócia da área Internacional do Martinelli Advogados, diz que a banca destacou uma equipe só para lidar com essa demanda. “Muitos clientes estão com dificuldade. Tem várias empresas de fora que não querem abrir, que entendem a informação como sigilosa”, afirma.
Nesses casos há dois desdobramentos: as matrizes têm enviado uma declaração, registrada em cartório, informando a sua composição societária e quem são as pessoas com mais de 25% do capital (sem especificar quanto exatamente cada uma delas possui) ou, em outra situação, uma declaração informando que não existe ninguém com participação acima de 25% e indicando somente o nome do administrador que tem o poder de gestão.
A Receita foi procurada pelo Valor para informar se esses documentos seriam suficientes para atender o que determina a instrução normativa. Mas limitou-se a informar, por meio de nota, que se reuniu com representantes da B3 e de entidades – entre elas a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), a Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (Abvcap) e a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) – e que a posição foi a de que “a grande maioria do setor não apresenta óbice à entrega da informação”.
Afirmou ainda que não há previsão para que o prazo de 31 de dezembro seja prorrogado. “Uma porque está estabelecido com bastante antecedência. Duas porque os canais para a entrega digital e facilitada dos documentos foram estabelecidos, permitindo o cumprimento tempestivo da obrigação.”
Advogados acreditam que haverá judicialização desse tema se a Receita Federal, de fato, começar a suspender o CNPJ de empresas estrangeiras. Já há aposta, no meio jurídico, inclusive, de que essa será uma das principais discussões na Justiça em 2019.
“Estamos falando de uma obrigação pesada e sem base legal”, diz Mauricio Chapinoti, do escritório TozziniFreire Advogados. “Não há lei no país determinando que as empresas identifiquem o seu beneficiário final. Isso consta somente na instrução normativa.”
Ele tem recomendado aos clientes com dificuldade em obter as informações da matriz que apresentem o que conseguirem, mesmo que os dados e os documentos sejam parciais, e informem que tentaram obter todas as informações. “Demonstra boa-fé”, afirma o advogado. “Essa não é uma informação fácil e dependendo do caso é até impossível de se conseguir. Existem estruturas feitas justamente para não ter essa informação transmitida.”
Se, posteriormente, a Receita questionar a documentação que foi apresentada, ele contextualiza, abre-se um processo administrativo e se discute com o Fisco. E, se num caso extremo, houver a suspensão do CNPJ, a empresa ainda terá a possibilidade de discutir a questão judicialmente.
POR JOICE BACELO
FONTE: VALOR ECONÔMICO – 10/12/2018 ÀS 05H00