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Neste artigo, o advogado Rodrigo Sluminsky, do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, explica como as empresas podem elevar os níveis de governança e não deixar de lado os resultados financeiros
Não tem outro jeito de explicar. A crise climática é a maior ameaça à nossa coexistência. Somos réus confessos na incapacidade de reduzir ou limitar emissões antrópicas de gases de efeito estufa. E a nossa habilidade para lidar com eventos extremos é ardilosa e inadequada. Em virtude de condições assimétricas, nem todos percebem da mesma forma. Então falhamos novamente ao tentar adaptar ou compensar perdas e danos em casos de vulnerabilidade e pouca resiliência.
Essa história não é nova, porém hoje ela está sendo contada para mais gente. E tudo indica que o tempo está se esgotando. O modelo atual nos leva para um 2030 extremamente desafiador, com metas importantes sendo frustradas. Dificilmente preservaremos as relações como estruturadas até os dias de hoje.
Boa parte das empresas e instituições sabe disso e tem se organizado em torno da agenda de sustentabilidade. É sobre essa agenda que eu gostaria de tratar aqui.
Sob a égide das Nações Unidas, a expressão “desenvolvimento sustentável” ganhou vida e simplificou para onde deveríamos seguir. Consolidando seu conceito básico, isto é, o que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. E promovendo conteúdo programático tal qual a Agenda 21, os Objetivos do Milênio e, mais recentemente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O primeiro problema dessa agenda é que ela foi idealizada há muito tempo, ainda que tenha sido atualizada de tempos em tempos. Para se ter ideia, praticamente metade das emissões globais de gases de efeito estufa ocorreu nos últimos trinta anos. O segundo problema é que ela até hoje não conversa com os donos do dinheiro.
A expressão “ESG” surge para sensibilizar os donos do dinheiro. Trata-se da integração de aspectos ambientais, sociais e de governança na decisão de investimento. A maneira adequada de utilizá-la é tratando de investimentos financeiros e, sobretudo, em algum ambiente institucional ou setorial. Ocorre que o ESG trilhou um caminho heterodoxo. Da prototipagem de métricas à proliferação de índices, códigos, regras e modelos de reporte. De forma inesperada, ESG tomou vida própria. Dentro da indústria, nas reuniões de conselho, em eventos corporativos. ESG se tornou indispensável.
Minha crítica é sobre a falta de clareza. A essência do desenvolvimento sustentável estaria na garantia de necessidades básicas perpetuada entre gerações. ESG surge então para canalizar recursos para esse objetivo. E embora implícito, nenhum deles está baseado na crise climática.
Não é só contraintuitivo. O uso indiscriminado do ESG para a estratégia de descarbonização da economia tem um belo apelo para climate-washing. Por isso é necessário simplificar, contextualizar e aprofundar. Trazer complexidade aleatória para o debate beneficia quem não está comprado na agenda.
O que estamos reproduzindo hoje não é sustentável nem caminha para a descarbonização necessária. Uma infinidade de índices, padrões, frameworks, códigos e regras que raramente se conecta. Analisar isoladamente aspectos ambientais, sociais e de governança é mais uma anomalia, inclusive pela natureza sistêmica e integrada da agenda.
Desenvolvimento sustentável é de fato um conceito mais intangível. ESG surge então dentro de empresas para elevar os níveis de governança em novo contexto de melhores práticas. Ocorre que nada disso está realmente conectado com o resultado das companhias. Mas o que poderia ser diferente?
A nossa proposta está no conceito de sustentabilidade corporativa.
Dentro de empresas ou organizações, sustentabilidade é um direcionador estratégico importante e não originalmente ligado a providências socioambientais. Trata-se de garantir a perenidade das atividades com base em ações planejadas e bem executadas. Do estabelecimento de modelos de negócios perenes e adequados ao compliance em suas atividades. É, portanto, uma questão de boa governança.
Ocorre que ESG e sustentabilidade não são exatamente a mesma coisa, ainda que usados da mesma forma. Sustentabilidade é um mindset na forma de conduzir os negócios, ESG tem um apelo à gestão financeira estratégica, voltada para investimentos responsáveis. É uma questão de perspectiva, ou o nível em que os diversos stakeholders atuam dentro das organizações.
Acontece que o conceito atual de sustentabilidade, baseado nas premissas do desenvolvimento sustentável e alavancado por meio da retórica ESG, que escancara a responsabilidade das empresas na crise climática, não tem garantido efetividade frente aos desafios contemporâneos.
Essa incoerência pode não ser proposital, embora empresas e instituições se aproveitem da confusão em benefício próprio. Uma grande parte delas, inclusive de boa-fé, acabam desenhando seu planejamento estratégico em conceitos equivocados de sustentabilidade e perpetuando junto a stakeholders certa inconsistência de premissas.
O advogado passa a ser essencial no escrutínio das decisões estratégicas das companhias direcionadas à sustentabilidade.
Dentro do ambiente corporativo, advogados com o poder-dever de reagir à desinteligência de conceitos. Não importa o tamanho da inadequação, sempre haverá aquele que, com a diligência que nos cabe, indicará os equívocos e atuará na respectiva remediação. Caberá ao advogado, portanto, por sua formação científica e pela consolidação de sua prática, entender a regulação aplicável e interpretá-la de maneira adequada, mapear os riscos e apoiar na consolidação das boas práticas.
Ao mesmo tempo, ocorrem mais regras, diretrizes, códigos, regulamentos, manuais, guias, certificações, nos seus mais diversos aspectos da sustentabilidade corporativa, uma entropia incompatível com o desenvolvimento sustentável. Cabe ao advogado resgatar essa essência da sustentabilidade ao descomplicar sua tradução. É nosso dever dominar a técnica e contextualizar a aplicação, transmitindo com altivez e segurança nossa recomendação.
Sustentabilidade corporativa é, portanto, o resultado do avanço consistente das boas práticas modernas aplicadas de forma responsável dentro do ambiente corporativo por gestores comprometidos com a crise climática e o propósito de suas organizações. E ao advogado caberá sempre o papel essencial de qualificar o debate frente aos despropósitos.
O cenário não é catastrófico. Existem inúmeras corporações e advogados efetivamente comprometidos. O ecossistema onde atuamos tem sofrido alguns contratempos, mas deve se recuperar com altivez. E os princípios e regras de direito internacional, sobretudo sob o guarda-chuva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, consolidam a segurança jurídica necessária à ação.
Estamos conscientes de que existe um intenso trabalho na consolidação de direitos que reverberam todos os dias pelo mundo. Além da dinâmica de questões ligadas a temas ambientais, o foco em governança e mudanças climáticas acaba inescapável. Precisamos priorizar setores estratégicos e hard-to-abate emissions. Devemos acelerar o movimento global de transição energética, acordando regras para o phasedown de combustíveis fósseis, inclusive com phase-out estratégico muito antes de 2050. Devemos privilegiar a transição justa e coerente com as premissas do desenvolvimento sustentável.
A interpretação dessas regras, a contextualização da sua aplicação e o apoio na gestão dos riscos físicos e de transição serão feitos por profissionais que conhecem o ecossistema empresarial, entendem o fluxo de investimentos e se mantêm ativos nessa agenda de sustentabilidade corporativa. E sem dúvidas, a trajetória da descarbonização das empresas estará fundamentada na orientação de um bom advogado, aquele que saberá transmitir a seus clientes que a estratégia mais acertada deverá de alguma forma, com a responsabilidade que nos cabe, assegurar o papel de cada organização na solução da crise climática.
*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.