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Rodrigo Sluminsky no Valor Econômico Agenda ESG: Transição energética ganha maturidade em 2024 e mostra que não se trata de troca de lâmpadas 15 de fevereiro de 2024

Segundo especialistas, há várias frentes de descarbonização em andamento e muitas oportunidades para o Brasil nos próximos anos

A agenda climática parece ter entrado de vez na estratégia de negócios. Com a regulação em alguns mercados apertando o cerco contra empresas que poluem muito, desmatam e não têm um plano de descarbonização, reforçada por a uma pressão de investidores e clientes na mesma direção, muitas companhias – inclusive brasileiras – já anunciaram mudanças em suas operações.

Uma pesquisa feita pela consultoria Deloitte em 2023 com executivos C-level revelou que o assunto “Mudanças Climáticas” está entre os três focos prioritários da alta administração. O assunto também aparece na lista de prioridades dos conselhos de administração para 2024 na pesquisa anual publicada pela consultoria EY. A transição energética – como tem sido chamada a mudança de uma economia baseada em combustíveis de origem fóssil para opções renováveis e mais limpas – é onde boa parte dos esforços dos planos de descarbonização está concentrado.

E não são apenas intenções. O investimento global na transição energética de baixo carbono aumentou 17% em 2023, atingindo US$ 1,77 trilhão, de acordo com o relatório Energy Transition Investment Trends 2024, recém-publicado pela fornecedora de pesquisas BloombergNEF (BNEF). O montante é recorde e, segundo os autores do documento, demonstra a resiliência da transição para energias limpas num ano de turbulência geopolítica, taxas de juro elevadas e inflação de custos.

Contudo, especialistas da BNEF destacam que o atual nível de investimentos em tecnologias de energia limpa não é “nem de longe” suficiente para que o mundo atinja o patamar de carbono neutro até 2050. De acordo com o relatório, seria necessário triplicar esse volume para US$ 4,8 trilhões por ano entre 2024 e 2030, para chegar ao combinado no Acordo de Paris. “Só uma ação determinada por parte de quem toma decisões políticas pode desbloquear este tipo de mudança radical”, diz Albert Cheung, vice-CEO da BNEF, no documento.

O Brasil era, em 2023, a sexta maior economia do mundo em investimentos em transição energética, com US$ 34,8 bilhões aplicados, segundo a Bloomberg. Foi o país, entre os emergentes, que mais recebeu investimentos para projetos de energia sustentável – 11% do total entre 2015 e 2022, de acordo com dados do relatório de investimentos da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

Investimento Global em Transição Energética por setor — Foto: BloombergNEF

Mas, segundo especialistas, dadas as características únicas do país – matriz mais limpa que a média global, vocação natural para hidrogênio verde, mercado de etanol desenvolvido e alto volume de resíduos agropecuários que podem servir de insumo energético – o potencial é atrair bem mais capital nos próximos anos.

“Todos os temas de energia – renováveis, biogás, biometano, biomassa, eletrificação – estão acelerando. A energia está ficando mais barata e, com isso, as empresas estão conseguindo unir o útil ao agradável, ou seja, reduzem emissões a um custo menor de produção”, comenta Henrique Ceotto, sócio da consultoria McKinsey.

Em relatório publicado em novembro de 2022, a McKinsey mapeou três avenidas associadas à economia verde nas quais o Brasil pode assumir o protagonismo: energia renovável, energia e materiais de base biológica, e mercados de carbono. Juntas, essas avenidas representam um mercado de mais de US$ 125 bilhões – US$ 31 bilhões em energia renovável, US$ 59 bilhões nos projetos de energia e materiais de base biológica, e US$ 35 bilhões com mercados de carbono.

No caso de energias renováveis, Ceotto acredita que, com os juros da economia caindo, e ofertas mais interessantes no setor financeiro, a geração eólica e solar tende a acelerar. “Alguns bancos oferecem até kit para instalar uma mini usina solar em fazendas e telhados de casa com a condição do cliente pagar com o diferencial da conta de energia. Este tipo de produto incentiva o mercado”, diz.

Em 2023, o Brasil bateu recorde de energia limpa, com 93% vindo de fontes renováveis, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Mais da metade da energia gerada no ano passado (50 mil megawatts médios – MWm) vem de hidrelétricas, mas as usinas solares e eólicas têm acelerado o ritmo, com alta de 24% em relação a 2022, somando 13 mil MWm. Segundo projeção da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), só a energia vinda do sol deve atrair R$ 39 bilhões em novos investimentos em 2024.

Empresas de energia, como Eneva, EDP, AES, Brookfield, Cemig e outras já estão expandindo seu portfólio de renováveis, enquanto as petroleiras também buscam alternativas para diminuir sua dependência de receita de combustíveis fósseis. Só a Petrobras pretende investir US$ 5,2 bilhões em eólica e solar até 2028, como apresentou no final do ano passado.

“Dentro do universo de combustíveis fósseis, uma busca pela eficiência deve ser prioridade, com captura de carbono, uso de biocombustíveis, otimização na produção e no refino. Tudo isso é parte essencial da estratégia de sobrevida da indústria”, diz Rodrigo Sluminsky, sócio da área de Sustentabilidade Corporativa do Gaia, Silva, Gaede Advogados.

Ele lembra que, para indústrias de difícil abatimento de emissões, como mineração, siderurgia, construção civil e logística, além de soluções inovadoras, o mercado de carbono deve ser mais um dos instrumentos para reforçar a busca por eficiência. “Na COP 28, em Dubai, falou-se muito de que o mundo precisa, até 2030, triplicar os esforços em renováveis e duplicar em eficiência, ambos igualmente difíceis”, diz.

A estimativa da McKinsey é de crescimento de 47% para energias solar e eólica até 2040, um potencial de US$ 11 bilhões em receitas. Além do interesse do capital, os custos decrescentes da tecnologia e infraestrutura de geração devem ajudar. A projeção é de diminuição de 46% no custo nivelado de energia (LCOE) para geração de energia solar e 27% de redução para geração de energia eólica durante este período.

Para Rodrigo Sluminsky, sócio da área de Sustentabilidade Corporativa do Gaia, Silva, Gaede Advogados, geração de energia renovável é um pilar essencial da transição e deve ser liderado por eólica e solar – com muita folga. “Fontes alternativas adicionais como hidrogênio devem ser essenciais para o longo prazo, 2050, mas, pensando nas metas até 2030, o foco deve ser em escalar o que já existe”, comenta, citando posicionamentos da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena). Ele lembra que já é “bem difícil” passar de 40% para 77% da matriz energética (que inclui elétrica) renovável no Brasil até 2030, visto como ideal para o Brasil.

“A necessidade de transição energética global vai muito além da energia renovável somente. Claro que é preciso aumentar a oferta de energia renovável, mas também é necessário, em paralelo, melhorar o uso da energia, trabalhar na eficiência energética”, comenta Sluminsky, do Gaia, Silva, Gaede Advogados.

Ele cita como um dos exemplos a busca por eficiência e redução do uso de energia. Isso pode ser feito desde troca de maquinários para equipamentos mais modernos, implantação de tecnologias para gestão de perdas e controle de consumo desnecessário substituição de combustíveis renováveis para seus fornos, até repensar a forma como se faz negócio.

“A transição energética vai muito além de trocar lâmpada”, diz Sluminsky. “Vai além também da geração de energia renovável. Trata-se de integrar toda a cadeia de suprimento para o conceito amplo de eficiência energética”, comenta.

Na prática, defende, uma empresa deveria passar a observar de forma holística se as matérias-primas que utiliza, a forma com que produz, embala, transporta e entrega ao cliente, assim como o pós-venda, são as opções menos poluentes. Mas, o advogado mesmo pontua que se já é difícil para empresas descarbonizar suas operações próprias, garantir que a cadeia faça o mesmo é um grande desafio, um dos principais gargalos hoje na agenda e dá como exemplo a mobilidade elétrica.

“A expectativa é que haja, nos próximos anos, um salto enorme em eletrificação de frota, especialmente com o programa MOVER. Isso gera um enorme desafio de cadeia de suprimentos, baterias, eletropostos, mudança de cultura em oficinas etc.”, pondera Sluminsky.

O MOVER é um programa anunciado pelo governo federal no ano passado e que prevê incentivos de até R$ 19 bilhões em cinco anos para promover, entre outros objetivos, investimento em pesquisa e desenvolvimento ou produção tecnológica no país, associados à eletrificação e redução da pegada de carbono.

Energia vinda do campo

Outra forte tendência, segundo especialistas, para 2024 são os investimentos em matérias-primas de origem vegetal com potencial de gerar energia elétrica e térmica. O etanol se destaca como fonte para o crescente mercado de carros híbridos, movidos a etanol e energia elétrica, enquanto também pode servir de insumo para a produção de combustível sustentável de aviação (SAF).

A estimativa da consultoria Oliver Wyman é que o aumento da produção de etanol, biodiesel, diesel renovável, combustível de aviação sustentável (SAF) e gás natural comprimido pode reduzir entre 27,4 milhões e 71,3 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2 eq) até 2030.

Dentre os biocombustíveis, o SAF vem se destacando por seu potencial. A Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB) e a fabricante de aviões Boeing calculam, em um levantamento recente, que o Brasil pode gerar 9 bilhões de litros, sendo 6,5 bilhões vindos de resíduos do agro, especialmente cana-de-açúcar (palha e bagaço). Resíduos madeireiros (1,9 bilhão), gordura animal (0,36 bilhão), gases de escape de processos industriais (0,23 bilhão) e óleo de cozinha usado (0,23 bilhão) completam a lista.

Alguns países signatários do Corsia, acordo da aviação civil internacional para chegar a 2050 com emissões líquidas zero, já adotaram percentuais obrigatórios de uso de SAF, misturado à querosene de aviação. No Reino Unido, por exemplo, até 2030, as companhias aéreas precisam viajar com pelo menos 10% de SAF. A meta imposta pelo Corsia é que os operadores aéreos reduzam em 1% sua pegada de carbono a cada ano, a partir de 2027, até chegar em corte de 10% em 2037. O Brasil é signatário do Corsia, mas ainda não determinou percentuais. No ano passado foi lançado um projeto de lei que cria o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), que prevê aumento gradual da mistura de SAF ao querosene de aviação fóssil a partir de 2027.

Para o engenheiro Athos Rache Filho, consultor e empreendedor na área de energia, a grande virada de chave para o SAF e também outros biocombustíveis será na produção de 2ª geração, como é chamada aquela feita a partir de resíduos.

Ele destaca a Raízen como pioneira do tipo – foi a primeira a ter, no mundo, etanol certificado pela ISCC CORSIA Plus (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), programa da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), agência da ONU dedicada a descarbonizar o setor.

“A RBS analisou positivamente a utilização de biomassa como sendo a rota ideal para o Brasil e a boa notícia é que há diversas fontes de biomassa, de casca de arroz a cavaco de madeira proveniente de florestas industriais e resíduos urbanos”, afirma Rache Filho.

O consultor aponta ainda que só o Estado de São Paulo tem 170 das 400 usinas sucroalcooleiras no Brasil e é um dos maiores consumidores de combustíveis, o que torna ainda mais atrativa esta rota. “O Brasil como grande produtor agrícola se insere de forma importante neste conceito e, mais do que isso, é o maior produtor de açúcar e álcool de cana do mundo, o que resulta em um volume de biomassa de resíduo colossal”, diz.

A geração de gás a partir de lixo urbano, não reciclável, é, para ele, uma das principais oportunidades, dado que todos os municípios do país têm esse desafio com que lidar. “Só o aterro sanitário de Caieiras em São Paulo poderia produzir seguramente mais de 300 mil toneladas por ano do ‘petróleo verde’”, diz Rache Filho, se referindo a uma fala do presidente Lula na conferência do clima da ONU em dezembro passado, sobre o Brasil ser chamado, daqui a 10 anos, de “a Arábia Saudita da energia verde, da energia renovável”.

Empurrão da legislação

A política de promoção de biocombustíveis décadas atrás é vista, hoje, como uma aposta acertada e um grande diferencial competitivo do Brasil na economia verde. Porém, com a evolução da agenda de sustentabilidade, outras necessidades regulatórias são importantes para destravar investimentos, como uma taxonomia verde que coloque “os pingos nos is” do que é, de fato, um produto, um insumo, uma prática sustentável do que é parte da transição.

Outra questão, ainda ligada a classificação, é sobre o uso de áreas agricultáveis para produção de energia e não alimentos. “Pelo visto, podemos esperar que a concorrência entre a produção de alimentos e a produção de combustíveis deverá ser considerada nas análises e avaliações futuras de certificação”, acredita Rache Filho. Esse debate está levando, diz, à discussão sobre qual o “tom de verde” que pode ser atribuído a combustíveis combustíveis produzidos com esses insumos, como os óleos vegetais, a exemplo do de soja.

Para Ceotto, da McKinsey, a regulação não é fonte apenas de pressão para que essas agendas andem, mas, acima de tudo, dá segurança jurídica e institucional que pode destravar investimentos. “A geração distribuída de energia solar e biomassa para caldeiras de indústrias, por exemplo, são conhecidos e regulados. Para o mercado de créditos de carbono, biogás e biometano, está mais nebuloso; o de hidrogênio verde estámais nebuloso ainda”, diz. “O setor financeiro e os investidores esperam clareza regulatória. Ou seja, quando visualizarem isso, o dinheiro vai vir.”

Apesar de ser uma rota para o longo prazo, o hidrogênio verde pode ganhar um impulso este ano, segundo o executivo, se for aprovado o framework regulatório. Está em tramitação no Congresso um projeto de lei que detalha o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono e cria o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC). “Não me surpreende se for aprovado”, comenta Ceotto, citando o forte interesse de empresas e países pelo tema.

Especialistas destacam que a mensagem que o governo brasileiro tem dado é de que a descarbonização será um dos focos de políticas e incentivos. Além do Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), lançado em dezembro de 2023, também abrange investimentos em infraestrutura de energia e transporte sustentáveis. A recém-lançada Nova Indústria Brasil (NIB), política industrial que, entre outros pontos, buscará promover projetos de inovação e sustentabilidade da indústria (chamado de Mais Verde).