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Rodrigo Sluminsky no Valor Econômico Decisão sobre financiamento fica para a próxima COP, no Azerbaijão 19 de dezembro de 2023

Desafio é desatar nó entre países ricos e emergentes e incluir iniciativa privada

A COP28, em Dubai, começou com uma boa notícia: a aprovação do Fundo de Perdas e Danos, que canalizará recursos de países desenvolvidos para nações emergentes atingidas de modo irreversível pelas mudanças climáticas. Especialistas que aguardavam avanços em relação ao tema, prenunciados pelo tom positivo do início das negociações, porém, se frustraram. A questão mais ampla entrou na pauta da próxima Conferência das Partes, em 2024, quando, segundo documento oficial, “os governos devem estabelecer novo objetivo de financiamento climático, que reflita a urgência do desafio”.

Até o momento, o que há de concreto é a promessa de aporte por parte dos governos de nações desenvolvidas de cerca de US$ 700 milhões para perdas e danos, o equivalente a menos de 0,2% das perdas irreversíveis sofridas pelo resto do planeta, decorrentes do aquecimento global.

“Os danos dos eventos climáticos extremos nos países em desenvolvimento já somam muito mais que bilhões de dólares anuais. Os países desenvolvidos não querem se comprometer com valores, só aceitaram contribuir para o fundo de maneira genérica”, lamenta o físico Paulo Artaxo, que fez parte do seleto grupo de cientistas globais que participaram da formulação de textos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) da ONU.

O Fundo de Perdas e Danos, a ser hospedado pelo Banco Mundial, demandaria mais de US$ 400 bilhões por ano para dar conta dos reparos necessários. Entre os aportes prometidos até agora estão os dos Estados Unidos, de US$ 17 milhões, menos de 5% dos recursos destinados pelo governo americano à Ucrânia para a guerra em curso, além dos de União Europeia (US$ 240 milhões), Japão (US$ 10 milhões), Reino Unido (US$ 75 milhões), Alemanha (US$ 100 milhões) e Emirados Árabes (US$ 100 milhões). Historicamente, segundo dados do WRI, EUA e UE, principais emissores, respondem por 37% do acumulado global de gases geradores do efeito estufa.

Já a meta coletiva de financiamento vem sendo discutida desde a COP de 2021, em Glasgow, e os países têm até a COP29, de 2024, para definir a nova meta. Até o momento, está em vigor acordo de 2009 no qual nações desenvolvidas se comprometeram a financiar as emergentes em US$ 100 bilhões por ano. “Esse valor é insuficiente e não foi cumprido. Existe desconfiança nas negociações porque os países em desenvolvimento argumentam que os desenvolvidos pedem mais esforços, mas sequer liberaram o prometido”, diz Stela Herschmann, consultora do Observatório do Clima. Estimativas de especialistas mostram necessidade de valores muito superiores.

Estudo lançado na COP28 calcula serem necessários investimentos de US$ 2,4 trilhões ao ano até 2030 em adaptação, transição energética e perdas e danos em países em desenvolvimento. Outro estudo, da Agência Internacional de Energia, estima em US$ 2 trilhões/ano o montante necessário apenas para mitigação em países emergentes, até 2030, para o planeta atingir emissões líquidas zero em 2050.

“Veremos os países desenvolvidos dizendo que não têm mais recursos públicos para o clima e tentando convencer os emergentes a buscar fontes alternativas via bancos multilaterais e iniciativa privada”, prevê Bruno Toledo Hisamoto, especialista em negociação climática do Instituto Climainfo.

Além das divergências em relação a valores, as negociações começam a trazer para o debate a necessidade da participação de empresas no financiamento climático. Rodrigo Sluminsky, diretor de captação da Laclima, associação de advogados de mudanças climáticas da América Latina, diz que, até o Acordo de Paris, as tratativas giravam em torno de crédito concedido por países desenvolvidos. “A tendência é trazer os recursos privados como essencial para o financiamento de clima”, afirma.

Economistas do FMI, em artigo recente intitulado “Emerging Economies Need Much More Private Financing for Climate Transition”, ressaltam que diante da limitação do investimento público, o setor privado precisará participar com 80% do montante necessário.

O físico Artaxo tem visão semelhante. “Há 50 anos o lucro das empresas de petróleo acumula várias centenas de trilhões de dólares. Agora, quem paga o prejuízo do dano das emissões é o poder público, o consumidor, e não as indústrias, que ficam com o lucro. Isso é correto? É ético?”, questiona. Tais questões animarão a COP29, no Azerbaijão, país onde um terço da economia depende do petróleo.

 

POR MÔNICA MAGNAVITA

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 19/12/2023