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Anete Mair Maciel Medeiros e Matheus Filipe de Moraes Sousa Despesas decorrentes de negociações coletivas: insumos e créditos de PIS/Cofins 8 de agosto de 2023

O conceito de insumo deve ser analisado para além da cadeia produtiva, ou seja, se enquadra no conceito de insumo tudo que seja utilizado, empregado ou consumido, ainda que indiretamente, no desenvolvimento da atividade empresarial.

A sensação de viver um eterno círculo de repetição parece ser algo corriqueiro no direito de tomada de crédito do PIS e da COFINS no regime não cumulativo.

De certo que, apesar das discussões, o STF¹ consignou que caberia ao legislador infraconstitucional, por ser uma técnica de apuração e não um princípio, tratar da não cumulatividade desses tributos, desde que respeitadas as respectivas matrizes constitucionais, os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção da confiança.

Recentemente, a RFB – Receita Federal do Brasil, por meio de sua coordenação geral de tributação aprovou a solução de consulta COSIT 57 de 3/3/23 e a solução de consulta 154, de 24/6/23 que chamam atenção para um ponto: a impossibilidade de tomada de crédito de PIS/Pasep e Cofins, em decorrência de dispêndios exigidos por convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Esse posicionamento da RFB causa uma certa estranheza ou mesmo uma possível ilegalidade, isso sem considerar uma eventual violação à Constituição Federal.

É notório que a principal discussão acerca possibilidade do creditamento das referidas contribuições gravita em torno do conceito de insumos, na medida que as leis disciplinadoras das contribuições – leis 10.637/02 e 10.833/03 – não conceituaram o termo “insumos”.

Apesar disso, há mais de cinco anos, o STJ afirmou, em sede de Recurso Repetitivo, que “conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.”²

Não obstante a clareza do julgado, ao interpretar a decisão vinculativa, a RFB, por meio do parecer normativo cosit 05/18, limitou o creditamento aos insumos empregados no processo produtivo, excluindo créditos anteriores e posteriores ao processo produtivo.

Ocorre que o STF, ao julgar o Tema 756/STF – RE 841.979, reiterou o posicionamento do STJ de que os insumos não se limitam ao processo produtivo, devendo albergar “não só em gastos relacionados com aquele processo formativo de produtos, mas também em outros quanto a bens ou serviços imprescindíveis ou importantes para o exercício de sua atividade econômica.” ³

Em síntese, tanto o STJ quanto o STF entenderam que são passíveis de creditamento todos os gastos “imprescindíveis ou importantes” para o exercício de atividade econômica como um todo.

Esse entendimento vem sendo replicado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão responsável pela “última palavra” na seara administrativa.

Apenas para exemplificar, o CARF, no dia 18/7/23, analisou se “insumos de insumos” geram créditos de PIS/Cofins. Em apertada síntese, os “insumos dos insumos” são os produtos e serviços utilizados na própria produção do insumo. A 3ª CSRF, à unanimidade, entendeu que o contribuinte faria jus aos créditos de PIS/COFINS decorrentes de serviços ou bens utilizados na produção da cana de açúcar, que era insumo da fabricação do bem final, como o açúcar e álcool.

Tal posicionamento só reforça que não está correta a limitação imposta pela RFB, desde que seja demonstrada e provada a essencialidade, relevância e a sua imprescindibilidade para o desempenho da atividade.

De concluir, pois, que o conceito de insumo deve ser analisado para além da cadeia produtiva, ou seja, se enquadra no conceito de insumo tudo que seja utilizado, empregado ou consumido, ainda que indiretamente, no desenvolvimento da atividade empresarial.

No último ano, a Receita Federal publicou a IN 2121/22, para tentar acomodar e codificar as evoluções normativas e interpretavas acima expostas. Em que pese a manutenção do conceito de insumo vinculado ao processo produtivo, interessante foi a inserção nessa definição dos bens ou dos serviços especificamente exigidos por norma legal ou infralegal. Veja-se:

“Art. 177. Também se consideram insumos, os bens ou os serviços especificamente exigidos por norma legal ou infralegal para viabilizar as atividades de produção de bens ou de prestação de serviços por parte da mão de obra empregada nessas atividades.

Esse acréscimo vai ao encontro do próprio posicionamento do STJ, quando do julgamento do Tema Repetitivo 779, de que o conceito de insumos deveria englobar também aqueles dispêndios decorrentes de imposição legal, pois caso a empresa não realizasse os gastos, incorreria em infração à lei.

Noutro giro, sem qualquer respaldo, o parágrafo único do mesmo artigo afirma que o disposto no caput não se aplica às hipóteses em que a exigência dos bens ou dos serviços decorrem de celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho.

Assim, muito embora se possibilite a tomada de crédito de bens e serviços exigidos por imposição legal e infralegal, essa faculdade não se estende aos acordos e convenções coletivas de Trabalho.

Essa disposição é um tanto quanto contraditória. Ao que parece, a RFB não se atentou à natureza jurídica dos acordos e convenções coletivas, à Constituição e à CLT.

Conforme relatado anteriormente, além da instrução normativo em comento, a RFB publicou duas Soluções de Consulta, em que “não se consideram insumos os vales-refeição, vales-alimentação e uniformes fornecidos pela pessoa jurídica a seus funcionários que trabalham no processo de produção de bens ou de prestação de serviços, ainda que o referido fornecimento decorra de norma contida em Convenção Coletiva de Trabalho” e “os dispêndios com assistência à saúde prestada por pessoa jurídica não são considerados insumos e, por conseguinte, não geram créditos da Contribuição do PIS/Pasep, ainda que decorra de norma contida em convenção ou acordo coletivo de trabalho.”

Ora, tal posicionamento, baseado simplesmente no parágrafo único do art. 177 da IN 2121/22, diverge do diploma legal que rege a matéria, do entendimento doutrinário e do entendimento do STF sobre o tema, pois as negociações têm força normativa.

Souza e Nascimento¹⁰ definem muito bem os dois institutos – acordos e convenções coletivas – e corroboram seu papel normativo. Veja-se:

O Acordo Coletivo de Trabalho consiste em uma negociação feita entre os sindicatos representativos de uma categoria profissional e uma ou mais empresas da correspondente categoria, a fim de que as normas estabelecidas no documento sejam aplicadas no âmbito da empresa, assim como dispõe o art. 611, parágrafo primeiro, da CLT. Já a Convenção Coletiva de Trabalho, por sua vez, consiste em uma negociação realizada entre os sindicatos representativos de uma categoria profissional e o sindicato patronal, com intuito de estabelecer normas para a categoria econômica e profissional, amparado pelo art. 611 da CLT. Esses instrumentos representam fontes formais autônomas do direito do trabalho, fazendo lei entre as partes. (grifou-se)

De igual maneira e sem adentrar na discussão acerca da constitucionalidade ou não da Reforma Trabalhista, o legislador concedeu às convenções e acordos coletivos um status supralegal, isto é, os acordos e convenções, respeitados os ditames constitucionais, sobressaem ao legislado.

Apenas para demonstrar esse caráter supralegal, a CLT, em seu art. 611-A¹¹, afirma, categoricamente, que “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”.

Ademais, o legislador constitucional apontou a prevalência do negociado sobre o legislado, valorizou as convenções e os acordos coletivos de forma enfática, reconhecendo-os como direito fundamental dos trabalhadores (art. 7º, XXVI, da CF) e elevando-os a instrumento essencial da relação trabalhista.

De certo que, justamente pela clareza da opção do constituinte de privilegiar a força normativa dos acordos e convenções coletivas de trabalho, o STF passou a entender que acordos e convenções coletivas de trabalho podem, inclusive, dispor de forma contrária à lei, demonstrando sua “superioridade” em relação ao disposto na legislação.

Tal entendimento restou consolidado no do julgamento do Tema de Repercussão Geral 1046. O Pleno aprovou a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.”

Ressalte-se que os ministros, em diversas passagens¹² ¹³, apontaram essa prevalência e o caráter normativo e impositivo das negociações coletivas.

Em suma, apesar de haver divergência acerca do conteúdo e limite dos acordos e convenções coletivas, é evidente que todos os personagens do direito – doutrinadores, legisladores e julgadores – entendem pela natureza normativa e supralegal das negociações coletivas, quando da instituição de benefícios ao trabalhador.

Vale ressaltar que as negociações coletivas culminam em um contrato sinalagmático ou bilateral, que gera, em regra, direitos e deveres de forma proporcional aos contratantes¹⁴. À semelhança de um contrato civil, o descumprimento injustificado de um acordo ou convenção coletiva não fica isento de consequências, contudo, além da própria esfera jurídica, há reverberação nas esferas político-social, que muitas vezes são mais prejudiciais que as sanções judiciais. Melhor dizendo, as negociações coletivas criam para as partes deveres e direitos que, à semelhança da lei, devem ser cumpridos, sob pena de responsabilização.

Isto posto, as negociações coletivas devem ser cumpridas e geram dispêndios às empresas, dispêndios que são essenciais e relevantes para a atividade econômica. Ora, basta imaginar o descumprimento do acordado e a possibilidade de movimentos grevistas. Sem o cumprimento do acordado, a atividade econômica em si pode parar, em virtude de greves.

Não bastasse isso, vale lembrar que os contratos de negociações coletivas, exatamente por seu caráter bilateral, contêm disposição segundo a qual os empregadores que não cumprirem o acordo coletivo podem ser multados. As empresas podem, portanto, ter prejuízos em decorrência da aplicação da multa pactuada.

Tais apontamentos só corroboram a possibilidade de tomada de crédito de dispêndios decorrentes de negociações coletivas, seja pela natureza jurídica e poder normativo delas, seja pelos efeitos práticos da ausência de cumprimento, demonstrando assim a essencialidade, relevância e imprescindibilidade dos gastos decorrentes das negociações coletivas para o desempenho da atividade.

Entende-se, portanto, que a limitação insculpida no parágrafo único do art. 177 da IN 2121/22, bem como os recentes posicionamentos da RFB evidenciado em soluções de consulta, que vedam a tomada de crédito de dispêndios decorrentes de negociações coletivas, é, no mínimo, equivocada. Impossibilitar a tomada de crédito nesse caso, acaba por desvirtuar a essencialidade da não cumulatividade dos tributos em discussão.

Denota-se acertada, pois, a possibilidade de apuração de créditos de PIS e COFINS decorrentes de despesas para fins de adequação às negociações coletivas, pelo que decorrentes de imposição legal, sendo, conseguintemente, gastos relevantes, indispensáveis e essenciais à atividade produtiva.

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¹ Tema 756/STF – RE 841.979

² Tema 779 – Recurso Especial 1.221.170/PR.

³ Voto do Min. Toffoli – Inteiro Teor do Acórdão – Página 18 de 89

 PAF’s nº 10850.720407/2013-22, 10850.720408/2013-77, 10850.720409/2013-11, 10850.720410/2013-46, 10850.720415/2013-79, 10850.720622/2013-23 e 10850.720666/2013-53 – Acórdãos pendentes de publicação

 Medeiros e França. Tema 756/STF: permanece o conceito de insumo estabelecido pelo STJ. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/378114/tema-756-stf-permanece-o-conceito-de-insumo-estabelecido-pelo-stj

Aditamento de Voto no RESP 1221170 / PR- Min. Mauro Campbell – p. 1  aborda esse ponto. Veja-se: “após ouvir atentamente ao voto da Min. Regina Helena, sensibilizei-me com a tese de que a essencialidade e a pertinência ao processo produtivo não abarcariam as situações em que há imposição legal para a aquisição dos insumos (v.g., aquisição de equipamentos de proteção individual – EPI). Nesse sentido, considero que deve aqui ser adicionado o critério da relevância para abarcar tais situações, isto porque se a empresa não adquirir determinados insumos, incidirá em infração à lei”

Art. 177. […] Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica nas hipóteses em que a exigência dos bens ou dos serviços decorrem de celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho.

Solução de Consulta COSIT nº 57 de 3 de março de 2023

Solução de Consulta nº 154, de 24 de julho de 2023

¹⁰ SOUZA, Arthur Kevin de e NASCIMENTO, Carlos Francisco do. O negociado sobre o legislado: o posicionamento do Supremo Tribunal Federal. 2022. Disponível em: : http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v11i13.35363

¹¹ Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de trabalho; XI – troca do dia de feriado; XII – enquadramento do grau de insalubridade; XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV – participação nos lucros ou resultados da empresa.

¹² Assim, ainda que de forma não exaustiva, entendo que a jurisprudência do próprio TST e do STF considera possível dispor, em acordo ou convenção coletiva, ainda que de forma contrária a lei sobre aspectos relacionados a: (i) remuneração (redutibilidade de salários, prêmios, gratificações, adicionais, férias) e (ii) jornada (compensações de jornadas de trabalho, turnos ininterruptos de revezamento, horas in itinere e jornadas superiores ao limite de 10 horas diárias, excepcionalmente nos padrões de escala doze por trinta e seis ou semana espanhola). – Voto do Min. Gilmar Mendes – Tema 1046

¹³ Não se pode descurar que a própria CARTA MAGNA prevê a prevalência dos acordos coletivos de trabalho mesmo quando importe redução de direitos trabalhistas; a título de exemplo, cito o inciso VI do art. 7º da CF, que dispõe “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo” – Voto do Min. Alexandre de Moraes – Tema 1046

¹⁴ Nesse sentido, Santiago afirma que “pelas suas características, os acordos e convenções coletivas constituem contratos bilaterais, que fixam obrigações recíprocas para as categorias econômica e profissional, relativas a condições de trabalho” – SANTIAGO, Rafael da Silva. Teoria dos contratos coletivos: repercussões do direito civil no direito do trabalho. 2018. 414 f., il. Tese (Doutorado em Direito)-Universidade de Brasília, Brasília, 2018. P. 94

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.