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Anete Mair Maciel Medeiros no Valor Econômico STJ decide que nova regra para liberação de garantia vale para execução fiscal em andamento 8 de fevereiro de 2024

Lei nº 14.689/2023 estabeleceu que resgate só pode ser feito após o fim do processo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a nova legislação que impede a Fazenda Nacional de levantar antecipadamente garantia apresentada pelo contribuinte, antes do fim de ação de cobrança (execução fiscal), deve ser aplicada mesmo nos processos em curso. O entendimento foi adotado pela ministra Regina Helena Costa ao rejeitar pedido de julgamento do tema por meio de recurso repetitivo.

Na época em que o assunto foi apontado para possível julgamento com efeito repetitivo – o que poderia provocar a suspensão de todos os processos a respeito -, havia, segundo a ministra Assusete Magalhães, ao menos 15 acórdãos e 449 decisões monocráticas do STJ sobre a questão.

Na prática, a decisão é favorável aos contribuintes porque, em geral, eles contratam seguro ou fiança para garantir o pagamento à Fazenda Nacional, em caso de derrota judicial. Mas muitas vezes, a pedido dos procuradores, antes da decisão final (trânsito em julgado), eles também precisavam fazer um depósito prévio, para a chamada “liquidação antecipada”. Esses valores iam direto para o caixa do Tesouro Nacional.

Em setembro do ano passado, porém, foi editada a Lei nº 14.689, proibindo a liquidação antecipada. Mas então nasceu a dúvida se a norma seria válida apenas para as execuções fiscais propostas dali em diante. A ministra Regina Helena Costa se posicionou com base nessa legislação e no Código de Processo Civil (CPC).

Ela analisou três processos apontados como “representativos de controvérsia” para definir se o assunto seria julgado por meio de recurso repetitivo. Um dos casos é da indústria de alimentos Seara, outro da fábrica de vestuário Hering e o terceiro da Nec Latin America, de redes e segurança na internet (REsp 2077314, REsp 2093036 e REsp 2093033).

De acordo com a magistrada, após a edição da Lei nº 14.689 não haveria mais motivo para julgamento com efeito repetitivo. Essa norma incluiu o parágrafo 7º no artigo 9º da Lei de Execuções Fiscais para proibir a satisfação prévia do seguro garantia: “As garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo só serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada”.

A ministra destacou que, por tratar-se de uma norma processual, a Lei nº 14.689 é aplicável imediatamente a todos os processos em curso, conforme dispõe o artigo 14 do CPC. “A questão ora controvertida recebeu disciplina legislativa específica e exauriente, prejudicando, assim, o prosseguimento da afetação”, diz Regina. “Ademais, cuida-se de norma de caráter claramente processual, a autorizar, portanto, sua aplicação aos feitos em curso (CPC/2015, artigo 14).”

Segundo a advogada tributarista Fernanda Secco, sócia do Velloza Advogados, os contribuintes começaram a questionar no Judiciário a liquidação antecipada porque apresentavam garantia no processo e, no decorrer da execução fiscal, eram surpreendidos com o pedido da Fazenda. “Os contribuintes tinham que pagar duas vezes, primeiro para a seguradora e, depois, ao fazer o depósito [do valor em discussão], antes do trânsito em julgado”, afirma.

“Mesmo se a liquidação antecipada foi determinada, mas não depositada, vale a lei”

— Leonardo Furtado

Agora, para Fernanda, provavelmente, os magistrados do país vão replicar o entendimento da ministra Regina Helena Costa em todos os processos em andamento. “Desde a edição da Lei nº 14.689, já temos apontado nos processos individuais essa alteração legislativa de vedação da liquidação antecipada”, diz. “ Como o posicionamento da ministra oficializa que o que está nessa legislação vale para todos os processos em curso, nosso argumento é reforçado”, acrescenta.

A advogada Anete Mair Maciel, sócia do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, que representa a Cia Hering em um dos processos, concorda que o posicionamento do STJ corrobora com os argumentos dos contribuintes. Mas em relação aos casos já julgados de maneira desfavorável, ela entende que não deve ser aplicada a Lei nº 14.689. “Isso porque norma processual não se aplica a atos pretéritos”, afirma. Na decisão, a ministra não falou nada sobre atos consolidados.

Apenas no caso de haver no processo a determinação de liquidação antecipada, mas que ainda não aconteceu na prática, acrescenta Anete, seria possível tentar pedir ao magistrado a aplicação da nova legislação. “Via de regra, a seguradora tem um prazo de 30 dias para operar a liquidação. Nesse período, pode ser feita esta tentativa.”

A Fazenda Nacional, que antigamente defendia a liquidação antecipada, afirma não ter interesse em recorrer da decisão do STJ. “Lutávamos bastante no Judiciário contra a vedação da liquidação antecipada, mas, como ela foi incorporada na lei, não tem mais como a gente se opor”, afirma Leonardo Furtado, procurador da Fazenda Nacional.

Segundo Furtado, mesmo se a liquidação antecipada foi determinada, mas não depositada, vale a legislação nova. “Poderá, nesse caso, ser necessário apresentar carta fiança”, diz. Contudo, o procurador alerta que o depósito prévio feito no passado não é afetado pela nova lei ou pela decisão do STJ.

 

POR LAURA IGNACIO

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 08/02/2024