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Gerson Stocco de Siqueira, Ísis Calissi Brisolla Tavares e Érica Maia Fialho Sucessão patrimonial a partir da reforma tributária 28 de março de 2024

Cenário atual é de grande importância para as famílias realizarem planejamento patrimonial e sucessório

A promulgação da Emenda Constitucional 132 implementou significativas alterações no Sistema Tributário Nacional, as quais alcançam o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), impactando diretamente os planejamentos patrimoniais e sucessórios.

Dentre as principais alterações no ITCMD, instituiu-se que as suas alíquotas, obrigatoriamente, devem ser progressivas, de modo que, quanto maior for o valor do quinhão, do legado ou da doação, maior será a tributação sobre ele (respeitando-se o limite atual de alíquota máxima de 8%¹), bem como que nas sucessões de bens móveis, títulos e créditos, o imposto será devido ao Estado onde era domiciliado o falecido, não sendo mais recolhido ao Estado em que processado o inventário ou arrolamento.

Outra importante alteração foi a autorização para cobrança do ITCMD nos casos em que o doador tenha domicílio ou residência no exterior, ou em que o falecido possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.

Para estas hipóteses era exigida prévia e necessária edição de Lei Complementar Federal (LC) específica dispondo sobre o assunto, tendo, inclusive, em 2021, o STF decidido que, diante da inexistência desta LC, os Estados não poderiam cobrar o ITCMD sobre doações recebidas por residentes no exterior e sobre herança quando o falecido vivia fora do país ou teve o inventário processado no exterior, concluindo pela inconstitucionalidade de leis estaduais que estabeleciam a cobrança nestas hipóteses (Tema 825).

Mesmo na falta, ainda, da LC, a EC 132 prevê que, até que o legislativo promulgue tal ato, o Distrito Federal e os Estados poderão cobrar o imposto nas doações realizadas por residentes no exterior e nas heranças quando o de cujos morava fora do país ou teve o inventário processado no exterior.

Ou seja, de acordo com as novas regras, tornou-se prescindível a edição de Lei Complementar para a definição da competência tributária nas referidas situações, estabelecendo-se que, até que Lei Complementar regule tal matéria, o imposto sobre doação realizada por doador residente ou domiciliado no exterior competirá ao Estado ou ao Distrito Federal onde se situa o donatário ou, caso o donatário também possua residência ou domicílio no exterior, competirá àquele Estado onde se situar o bem ou ao Distrito Federal.

Em relação aos bens transmitidos por sucessão localizados no exterior, o imposto incidente competirá ao Estado onde o falecido era domiciliado, ou, quando esse residia ou era domiciliado no exterior, deverá ser recolhido ao Estado de domicílio do sucessor ou legatário ou, ainda, ao Distrito Federal.

Denota-se da Emenda à Constituição que as novas regras estipuladas para a cobrança do ITCMD não terão prazo de transição, isto é, as alterações se aplicam às sucessões abertas desde a data de publicação do ato normativo.

Contudo, as alterações implementadas dependem, para sua plena eficácia, da regulamentação diretamente por lei estadual específica, nos termos do art. 146, III, do CTN, não podendo os Estados ou Distrito Federal instituir ou majorar tributos sem lei que os estabeleça.

Assim, as alterações no ITCMD dependerão da edição de lei estadual ou distrital específica, sendo que a vigência dessas deverá obedecer aos princípios da anterioridade anual (produzindo efeitos no exercício social subsequente à publicação da lei) e nonagesimal (entrando em vigor, no mínimo, 90 dias após a publicação da lei).

Por outro lado, nos Estados cuja legislação específica já adote a sistemática de progressividade das alíquotas do ITCMD e/ou já estipule a cobrança do imposto sobre as doações e sucessões no exterior (ainda que o dispositivo correspondente tenha sido considerado inconstitucional pelo STF), poder-se-á entender que o efeito da reforma será imediato, de modo que, em uma primeira análise, os dispositivos legais com tais previsões teriam plena eficácia e validade para serem aplicáveis.

Significa dizer que para essas hipóteses, como a atual previsão na legislação estadual está em linha com as alterações implementadas pela Emenda Constitucional em comento, poderá não prevalecer o princípio da anterioridade, restando afastada a cláusula pétrea contida no mencionado art. 146 da CF/88, em linha com o que restou decidido pelo STF ao julgar matéria análoga referente ao diferencial de alíquotas do ICMS².

Apesar disso, é importante destacar que, no caso de transmissão de herança de pessoa falecida no exterior antes da promulgação da EC 132, as regras a serem observadas em relação ao ITCMD serão aquelas em vigor ao tempo do óbito e não ao tempo da partilha e/ou conclusão do inventário, ainda que pendente estes últimos, pois, o fato gerador do ITCMD na transmissão da herança ocorre no momento da abertura da sucessão, o que se dá momento do óbito do de cujus , quando, inclusive, ocorre a transmissão dos bens aos herdeiros e legatários. Logo, a lei aplicável é a vigente à época do fato gerador.

Diante desse contexto, observa-se que as alterações implementadas no Sistema Tributário no tocante ao ITCMD impactaram diretamente os planejamentos patrimoniais e sucessórios, gerando, por exemplo, maior onerosidade em razão da progressividade da alíquota do ITCMD.

No entanto, como tais alterações, em regra, dependem, para sua plena eficácia, da regulamentação diretamente por lei estadual específica, não podendo os estados ou Distrito Federal instituir ou majorar tributos sem lei que os estabeleça, o cenário atual (2024) revela-se de grande importância para as famílias realizarem um planejamento patrimonial e sucessório, adotando, para tanto, um estudo mais aprofundado e estratégico sobre o tema, sob pena de sofrem os impactos decorrentes das alterações ocorridas no ITCMD, o que também ocasionará impactos significativos no planejamento patrimonial e sucessório. Note-se, por fim, que sequer a alíquota máxima de 8% está assegurada, pois se o Senado aumentar o percentual, o imposto sobre herança ficará mais caro ainda nos próximos anos.


¹  A alíquota de 8% está apoiada na Resolução 9, de 1992, do Senado Federal. O Projeto nº 57/2019, de autoria do Senador Cid Gomes, prevê o aumento da alíquota máxima do ITCMD para 16%. Esse projeto ainda aguarda relatoria.

²  Tema 1.094/STF: “I – Após a Emenda Constitucional 33/2001, é constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa, física ou jurídica, que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, devendo tal tributação estar prevista em lei complementar federal. II – As leis estaduais editadas após a EC 33/2001 e antes da entrada em vigor da Lei Complementar 114/2002, com o propósito de impor o ICMS sobre a referida operação, são válidas, mas produzem efeitos somente a partir da vigência da LC 114/2002.”

 

*Artigo publicado originalmente no JOTA.