Mídia

Giovani Oliveira Baptista e Jorge Facure Tributação da licença de uso de software: entre contradições e incertezas 16 de agosto de 2023

Judiciário dará a última palavra sobre mais uma situação de insegurança tributária e que representa diversos problemas para as empresas que atuam neste segmento econômico.

A Receita Federal, recentemente, publicou a solução de consulta COSIT 107/23, que alterou seu tradicional entendimento de que para a importação de softwares não customizáveis, não incidiria o PIS e COFINS – Importação.

A mudança de entendimento é relevante e traz impactos na carga tributária, que, do ponto de vista do PIS e COFINS, se antes não era tributada, agora passar a sofrer carga tributária de 9,25% dessas contribuições.

O entendimento tradicional da Receita Federal, exemplificado pela solução de consulta COSIT 303/17, é de que, por não serem prestação de serviço e o valor aduaneiro dessa transação ser nulo, os valores pagos a título de licenciamento de uso de software na importação não atraem a incidência de PIS e COFINS – Importação.

Além de, a partir desse novo posicionamento, fixar a tributação do PIS e COFINS – Importação, a Receita Federal também declarou seu entendimento acerca da incidência de outros dois tributos, o IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte e a CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.

Para a CIDE, a Receita Federal se limitou a declarar aquilo que está expresso em lei, no sentido de que para o licenciamento de uso de software somente incide a referida contribuição interventiva caso haja transferência de tecnologia.

Porém, há uma pequena mudança de posicionamento no que se refere ao Software as a Service (SaaS), pois anteriormente a Receita Federal, na solução de consulta COSIT 191/17, entendia que, por ser o SaaS um serviço técnico, incidiria a CIDE. Com o tratamento indistinto dado à importação de software para uso dado pela solução de consulta 107/23, é possível se entender que não há mais a incidência da CIDE também para o SaaS.

Por sua vez, para o IRRF, a Receita Federal entendeu que os pagamentos realizados ao exterior seriam royalties, já que decorrem da exploração de direitos autorais e o software, sendo uma criação do espírito humano, é tutelado pelos direitos autorais.

Contudo, na mesma solução de consulta 107/23, a Receita Federal entende que, para o PIS e COFINS – Importação, o pagamento seria uma contraprestação de uma prestação de serviços, em razão de o STF ter superado a distinção entre software de prateleira e por encomenda na ADI 5.659/MG, para entender que o software, como produto do esforço humano, seria uma prestação de serviços.

O problema nessa concepção é que não se pode entender que o mesmo pagamento seria royalties e contraprestação de uma prestação de serviços ao mesmo tempo, uma vez que são entendimentos contraditórios. A solução para esse impasse, na visão da Receita Federal, é dizer que cada tributo tem seus contornos próprios e balizas legais.

A posição não convence. Ironicamente, se tem a mesma afirmação sobre a superação, pelo STF, da distinção entre software de prateleira e por encomenda, já que esta se deu no âmbito de um conflito de competências entre o ISS e o ICMS, sendo expressamente associada ao critério objetivo considerado pela jurisprudência do STF, que adota a solução dos conflitos entre município e Estado  nas chamadas atividades mistas pela previsão em lei complementar do ISS (se não estiver previsto na lei complementar do ISS, então é possível a tributação pelo ICMS).

Existem, ainda, outras questões relacionadas, como a possibilidade de vigência imediata deste entendimento para os fatos geradores posteriores à publicação da solução de consulta, sem sequer respeitar o prazo de noventa dias previsto pela Constituição Federal em caso de aumento de tributos (anterioridade nonagesimal), uma vez que se está violando o princípio da proteção à confiança do contribuinte, que confiava no posicionamento anterior da Receita Federal como correto, ou mesmo se o resultado desta “prestação de serviços” seria em território nacional, regra para incidência do PIS e COFINS – Importação, na forma do art. 1º, §1º, inciso II, da lei 10.865/04.

Ainda, é possível questionar a ausência de valor aduaneiro na importação de licença de uso de software, base de cálculo do PIS e COFINS – Importação, posição adotada anteriormente pela Receita Federal e que não foi sequer analisada pelo STF no julgamento da ADI 5.659/MG.

Dentre muitos possíveis questionamentos sobre esse novo entendimento, que representa significativo aumento na carga tributária, a única certeza é que o judiciário dará a última palavra sobre mais uma situação de insegurança jurídica tributária, sob pena de se chancelar interpretação contraditória e que representa diversos problemas para as empresas que atuam neste segmento econômico ou necessitam da licença de uso de software para praticar suas atividades.

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.