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O novo entendimento do STF sobre a não prevalência da coisa julgada individual nas relações jurídicas de trato continuado 14 de fevereiro de 2023

Na última quarta-feira (08/02), o Supremo Tribunal Federal – STF finalizou o julgamento dos Temas 881 e 885, que tiveram como controvérsia a possibilidade de um contribuinte, que obteve decisão favorável em matéria tributária com trânsito em julgado, perder automaticamente seu direito em razão de entendimento superveniente do STF que considere a cobrança constitucional, desde que proferido em ação direta ou em sede de repercussão geral (no caso concreto, o julgamento envolveu a Contribuição Social sobre o Lucro – CSL)   

Por unanimidade, os ministros entenderam que a decisão posterior, em ação direta de inconstitucionalidade ou em sede de repercussão geral, pode rescindir a coisa julgada, permitindo assim, nas relações jurídicas de trato continuado/sucessivo, a cobrança de tributos mesmo que os contribuintes estejam protegidos pela coisa julgada individual.   

Mas, o que trouxe mais surpresa aos contribuintes não foi isso. A maior surpresa desses julgados residiu no afastamento da modulação dos efeitos da decisão, pois, por apertada maioria de votos (6×5), os ministros permitiram a exigência retroativa de tributos pela RFB, quando já existir decisão anterior do STF, em repercussão geral ou em controle concentrado, reconhecendo a constitucionalidade daquela cobrança do tributo.   

Veja-se a tese que foi fixada: “1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das sentenças transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.”  

Do ponto de vista prático, diante da ausência de modulação dos efeitos dessa decisão pelo STF, a administração tributária poderia, independente de ação rescisória, proceder ao lançamento e cobrança dos tributos que deixaram de ser pagos pelos contribuintes por força de decisão judicial favorável transitada em julgado, relativamente a fatos geradores posteriores à respectiva decisão do STF, sendo desnecessário o manejo de ação rescisória, com a observância, porém, da anterioridade tributária anual e nonagesimal, conforme definido nos Temas 881 e 885. 

A nosso ver, tal como foi julgado em 08/02, há uma contradição no que o STF decidiu em relação ao respeito à Segurança Jurídica, pois, se por um lado reconheceu a necessidade de se respeitar o Princípio da Anterioridade em relação à decisão do STF que venha a alterar o entendimento da coisa julgada individual, por outro lado não considerou que essa decisão aqui comentada, proferida no dia 08/02, por ser a decisão que trouxe efetivamente ao nosso ordenamento jurídico este entendimento, também precisaria dar aos contribuintes a mesma proteção dos Princípio da Anterioridade e da Irretroatividade.    

O que se espera, sob a ótica jurídica, nesse momento, é que em sede de embargos de declaração, essa contradição seja percebida e que seja corrigido esse entendimento, de forma que essa nova orientação seja válida para todos os contribuintes apenas para as situações futuras, não atingindo aquelas já juridicamente consolidadas e protegidas no passado pela coisa julgada.   

Não obstante, ainda que esse entendimento não venha a ser revisto, espera-se que a Suprema Corte esclareça o alcance da não modulação para outros tributos que não sejam a CSL (objeto dos casos sob julgamento quando da tese fixada para os Temas 881 e 885). Isto porque a situação que permeia a segurança jurídica em cada caso concreto (cada discussão de inconstitucionalidade de tributo) pode variar, requerendo solução outra, em termos de modulação, do que aquela (de não modulação) adotada para a CSL.   

Essa possibilidade, de modulação em cada caso concreto, foi destacada pelo Ministro Luis Roberto Barroso, relator de um dos processos em questão, em entrevista concedida logo após o julgamento.  O Ministro não esclareceu, contudo, como poderia ser revista essa questão da modulação para os demais tributos no que se refere aos muitos casos já julgados pela Suprema Corte em sede de controle concentrado de constitucionalidade ou em repercussão geral em que as modulações foram apreciadas em épocas anteriores a esse novo entendimento e quando, portanto, não houve amplo debate sobre os reflexos na economia, em cada caso concreto, de uma interrupção automática dos efeitos temporais das sentenças transitadas em julgado em relação aos demais tributos que não a CSL.  Até porque essa interrupção automática não estava definida em nosso ordenamento jurídico naquele tempo – ao contrário, o Superior Tribunal de Justiça tinha, inclusive, julgamento em recurso repetitivo em sentido diverso (Tema 340¹), o que reforça ainda mais o caráter inovador (agora, em 2023) dessa surpreendente decisão da Suprema Corte.   

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¹ Tema 340, Tese fixada: Não é possível a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) do contribuinte que tem a seu favor decisão judicial transitada em julgado declarando a inconstitucionalidade formal e material da exação conforme concebida pela Lei 7.689/88, assim como a inexistência de relação jurídica material a seu recolhimento. O fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade.” 

 

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