O papel das empresas com a saúde mental

Normas buscam ampliar discussões sobre a saúde mental no trabalho e requerem resposta proativa das organizações.

Nos últimos anos, o cenário global de saúde mental tem se mostrado cada vez mais preocupante. Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou dados alarmantes: cerca de 1 bilhão de pessoas viviam com transtornos mentais em 2019, e 15% dos adultos em idade laboral já haviam enfrentado algum tipo de transtorno.

Esse quadro afeta especialmente jovens que vão entrar ou estão entrando no mercado de trabalho, evidenciando uma crise que não pode ser ignorada.

Em resposta a essa situação, os 194 Estados-membros da OMS assinaram compromisso para acelerar o Plano de Ação Integral de Saúde Mental, lançado em 2013 com prazo prorrogado até 2030, se comprometendo com metas globais para transformar a saúde mental da população, como por exemplo, aumentar os investimentos em saúde mental e fomentar a colaboração intersetorial, de forma a reduzir riscos, e permitir que estas pessoas participem plenamente da sociedade.

Referidas medidas se mostram relevantes e pertinentes, quando analisamos o panorama atual do Brasil. De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o país viu um aumento expressivo nos benefícios concedidos por transtornos mentais e comportamentais entre 2022 e 2023.

Em 2022, foram 178.420 concessões por doenças não relacionadas ao trabalho (categoria B31), número que subiu para 247.504 em 2023, um aumento impressionante de 38,7%.

Esse aumento não se limita apenas aos casos de doenças não ocupacionais. O número de benefícios por transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho (categoria B91) também permanece significativo.

Transtornos ansiosos, episódios depressivos e reações ao estresse são os principais responsáveis por estes tipos de afastamentos no Brasil. E, embora o aumento nesses casos não tenha sido tão expressivo, o cenário permanece estável, sem indícios de melhora.

Uma mudança importante, que pode agravar essa situação, foi a inclusão da Síndrome de Burnout na lista de doenças relacionadas ao trabalho, feita pelo Ministério da Saúde em novembro de 2023. O burnout, já reconhecido pela OMS como um distúrbio relacionado ao excesso de trabalho, tende a aumentar os afastamentos classificados como doenças ocupacionais, gerando mais encargos tanto para o INSS quanto para as empresas.

O governo considera que a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional que causa exaustão extrema, estresse e esgotamento físico, sendo a principal causa da doença justamente o excesso de trabalho. Ou seja, quando o trabalhador recebe um diagnóstico de burnout, são grandes as chances de que, no caso de eventual afastamento previdenciário, este seja classificado como uma doença relacionada ao trabalho.

Não podemos deixar de considerar, ainda, que alguns benefícios concedidos por doença não relacionada ao trabalho, são recorrentemente questionados junto ao Judiciário, e tem sua modalidade convertida para doença relacionada ao trabalho, seja por ações movidas contra o próprio INSS, seja por ações movidas contra os empregadores.

Com base em dados divulgados pela OMS, estima-se que anualmente 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos em razão de depressão e ansiedade, custando à economia global quase US$ 1 trilhão. No Brasil, como já destacado, essa realidade se reflete nos números crescentes de afastamentos. É evidente que a saúde mental já é um problema social de grandes proporções, e as empresas têm um papel crucial na tentativa de revertê-lo.

Neste contexto, foi publicada a Portaria MTE 1.419, de 27 de agosto de 2024, que altera a Norma Regulamentadora nº 1 do Ministério do Trabalho e Emprego, exigindo que as empresas passem a gerenciar, também, os riscos psicossociais no ambiente de trabalho. A nova regra entra em vigor em 26 de maio de 2025, e até lá as empresas terão que adaptar seus processos para atender a essas novas demandas.

Essa mudança traz desafios consideráveis. Entre os pontos de atenção, destacam-se a necessidade de incluir a avaliação de riscos psicológicos nos Programas de Gerenciamento de Riscos (PGR) e de realizar treinamentos regulares focados em saúde mental. A participação ativa dos trabalhadores na identificação desses riscos e a criação de uma cultura de saúde no trabalho também serão fundamentais.

Além disso, as empresas que não se adequarem poderão enfrentar multas, ações judiciais e um aumento no Fator Acidentário de Prevenção (FAP), o que implicará em mais custos tributários.

A saúde mental no trabalho é um tema central nas discussões atuais e requer uma resposta proativa das empresas. Não se trata apenas de cumprir a legislação, mas de assumir uma responsabilidade social que impacta diretamente a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores. Portanto, este é o momento de as empresas se adaptarem a essa nova realidade, que apresenta grandes desafios.

 

Artigo publicado originalmente no JOTA.

Receita Federal eleva Imposto de Renda das transmissoras de energia elétrica

Em solução de consulta, órgão altera base de cálculo de receitas de operação e manutenção.

A Receita Federal publicou entendimento que eleva o Imposto de Renda (IRPJ) das transmissoras de energia elétrica. Esse aumento veio com a alteração, por meio de solução de consulta, da margem de presunção de lucro sobre receitas de operação e manutenção de infraestrutura. A decisão, segundo tributaristas, pode abrir uma nova frente de contencioso com a União.

Na Solução de Consulta nº 250, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), o órgão informa que a margem de presunção de lucro deve ser de 16% para o IRPJ e de 12% para a CSLL – até então, as empresas aplicavam 8% e 12%, respectivamente. Essa é a fatia sobre a qual incidirão as alíquotas dos tributos recolhidos pelas empresas que operam no regime do lucro presumido. Assim, uma margem maior significa que o imposto devido será mais alto, mesmo sem a alteração na alíquota.

Em 2018, na Solução de Consulta Cosit nº 259, a Receita já tinha determinado a aplicação de margem de presunção de lucro de 16% para o IRPJ, segundo o tributarista Diogo Olm Ferreira, sócio do VSBO Advogados. Mas a orientação teria sido revogada.

A Receita testa teses e depois tem de lançar programas para reduzir a litigiosidade”
— Celso Costa

Desde então, em outras orientações sem efeito vinculante, a Receita Federal vinha adotando a margem de 8% para o IRPJ, conforme explica Ferreira. A da CSLL se manteve em 12%. A mudança de entendimento, sustenta o advogado, vai abrir uma nova frente de questionamentos judiciais.

Para Leonardo Lucci, tributarista do Gaia Silva Gaede, a mudança trouxe insegurança para o contribuinte. “É um risco relativamente alto continuar considerando a margem de 8% para o IRPJ e de 12% para a CSLL. Embora os entendimentos judiciais sejam mais favoráveis aos contribuintes, existe o risco de autuação”, diz.

A controvérsia vem a reboque de outra ainda maior, com o mesmo cerne de discussão: a separação, para fins contábeis, da fase de construção e de prestação de serviços das transmissoras de energia. Para adequar as empresas brasileiras ao sistema de demonstrações financeiras internacionais, a Lei nº 12.973, de 2014, instituiu a diferenciação das atividades de construção, recuperação, reforma, ampliação ou melhoramento de infraestrutura vinculados a contrato de concessão de serviço público (artigo 15, inciso III, alínea “e”).

Em 2015, a Solução de Consulta Cosit nº 174 definiu que as receitas com construção da transmissora deveriam ser tributadas com base na nova previsão legal, que instituiu margem de presunção de lucro de 32% para o IRPJ e para a CSLL. Contra esse entendimento, muitos contribuintes se insurgiram na Justiça, e conseguiram decisão favorável.

Segundo levantamento de Diogo Olm Ferreira, foram proferidas desde 2015, em segunda instância, 30 decisões sobre o assunto. Deste total, 21 foram favoráveis aos contribuintes. Apenas os Tribunais Regionais Federais (TRFs) da 5ª e 6ª Regiões não analisaram o tema ainda.

Em abril, por exemplo, a 4ª Turma do TRF-2 negou um recurso da Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional e manteve a margem de presunção de lucro de 8% para o IRPJ de uma transmissora. “Embora se possa alegar que a impetrante tenha assumido as obrigações de construir e de manter as instalações de transmissão, não se deve perder de vista que referidas incumbências se apresentam como meio necessário para viabilizar a atividade-fim (prestação do serviço de transmissão de energia elétrica)”, diz o acórdão (processo nº 5005875-27.2019.4.02.5101).

Em maio de 2023, o TRF-3 também decidiu que uma transmissora “não é prestadora de serviços de construção civil estrito senso e nem a sua receita advém dessa espécie de atividade empresarial; ao contrário, é remunerada (receita anual permitida – RAP) em contrapartida aos serviços de transporte de carga (fornecimento de energia elétrica)” – (processo nº 5019886-78.2018.4.03.6100).

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), não há precedente colegiado, apenas uma decisão monocrática que avaliou o mérito, do ministro Francisco Falcão, de agosto de 2023, desfavorável ao contribuinte (AResp 2211982).

Para Celso Costa, sócio do Machado Meyer, ao também reafirmar o entendimento de presunção de lucro de 32% para a fase de construção na nova solução de consulta, a Receita privilegia uma ficção contábil sobre a atividade real.

“A natureza da empresa é transmitir energia elétrica. Ao construir uma nova linha, a empresa não está no negócio da construção, até porque na maior parte das vezes ela contrata uma construtora para fazer isso, terceiriza. Ela não está fazendo aquilo para ter receita de construção, mas para viabilizar o objeto-fim, de transmissão de energia”, afirma.

Se a base para o questionamento judicial da margem de 32% está na definição que a Receita aplica para a etapa de construção, a instituição, nessa nova solução de consulta, da margem de 16% na operação e manutenção também pode gerar uma controvérsia semelhante, de acordo com Diogo Olm Ferreira. Isso porque, acrescenta, a Receita considera que o serviço prestado pelas transmissoras de energia é de transporte.

Segundo o artigo 15, parágrafo 1º, inciso III, alínea “a”, da Lei nº 12.973, acrescenta, a atividade de transporte deve ser tributada a partir de presunção de lucro de 16%, exceto nos casos de transporte de carga, cuja margem de presunção seria de 8%.

Até agora, a interpretação da Receita tinha sido de que o transporte de energia equivale ao de carga. Agora, com a nova normativa, ela passou a encarar a transmissão como um tipo de transporte “sui generis”. Os tributaristas criticam essa interpretação.

“Se o transporte não for de carga, deve ser de seres humanos”, diz Ferreira. “No caso da energia, que deve ser equiparada à mercadoria, tem que se tratar como transporte de carga.”

A energia é equiparada à carga para tributação pelo ICMS, aponta Celso Costa, e assim é tratada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “A Receita vem testando teses, o que é um horror. Depois, tem de lançar programas para reduzir a litigiosidade, todo ano surge um novo programa para resolver o problema que a própria Receita criou”, diz.

Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.

 

Por: Luiza Calegari.

Fonte: Valor Econômico.

 

ANPD intensifica sua atuação em processos de fiscalização e sanção

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”) tem intensificado sua atuação fiscalizatória e sancionatória, ou seja, tanto em relação as medidas de monitoramento e prevenção, como as medidas repressivas.

Assim, processos que antes eram instaurados, majoritariamente, para fiscalização e responsabilização de entes pertencentes ao setor público, atualmente foram expandidos para fiscalização e eventual sanção de empresas do setor privado, principalmente para a avaliação de empresas que tratam de dados pessoais em larga escala.

Nesse cenário, tem se destacado o setor de raspadores e agregadores de dados – também conhecidos como data brokers ou corretores de dados, plataformas que coletam e organizam dados disponíveis na internet  ou outras fontes, cuja operação exige grande transparência no tratamento de dados pessoais.

Conforme dados publicados pela ANPD, há em andamento 4 (quatro) medidas repressivas envolvendo o setor de raspadores e agregadores de dados, todas instauradas entre 2023 e 2024. São processos preparatórios, instaurados com o objetivo de colher indícios de prática de infração, podendo a ANPD, a partir disso, analisar a pertinência da instauração de processo administrativo sancionador em face do agente investigado.

As empresas do setor financeiro também têm sido objeto de fiscalização por parte da ANPD. Assim, destaca-se que empresas dos dois setores citados figuram, até o momento, como fiscalizadas pelo órgão, em processos de ações preventivas da ANPD e de monitoramento, todos instaurados no ano de 2024. Os principais temas analisados são voltados à inteligência artificial generativa e ao compartilhamento de dados pessoais entre instituições financeiras e correspondentes bancários, para oferta de empréstimos consignados.

A tendência é de que medidas nesse sentido aumentem, uma vez que referido setor consta no Mapa de Temas Prioritários da ANPD, que prevê o mapeamento dos temas relevantes a serem objeto de fiscalização.

Também são temas prioritários do órgão: (i) direitos dos titulares, especialmente no escopo do tratamento realizado pelo Poder Público, plataformas digitais, setor financeiro e setor de telecomunicação; (ii) tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes no ambiente digital; e (iii) inteligência artificial para reconhecimento facial e tratamento de dados biométricos.

Em relação aos processos sancionatórios, a partir dos processos já concluídos e disponibilizados ao público pela ANPD, nota-se a aplicação majoritária da sanção de advertência e imposição de medidas corretivas, bem como a publicização da infração por meio de comunicados em sites oficiais.

Para mais informações, consulte os profissionais da área de Governança Corporativa e Programas de Compliance do GSGA.

Reforma tributária e previdência: VGBL escapa da taxação (por ora); entenda

A taxação dos Planos de previdência na modalidade VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) era uma demanda dos governadores dentro das discussões da regulamentação da reforma tributária.

segunda etapa da regulamentação da reforma tributária votada ontem (30) rejeitou pontos que interessam especialmente aos investidores que utilizam planos de previdência na modalidade VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) como ferramenta de planejamento sucessório. O texto que seguiu para o Senado não prevê a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre esses planos deixados como herança ou doação.

O VGBL é uma modalidade mais indicada para quem faz a declaração simplificada do imposto de renda. Sem a cobrança do ITCMD, os beneficiários têm como obrigação tributária apenas o imposto de renda sobre os rendimentos obtidos no plano.

“Essa decisão garante que o planejamento sucessório com o VGBL continue vantajoso, especialmente em comparação com outros bens, sujeitos ao ITCMD. E é uma alternativa ainda mais atrativa para planejamento sucessório especialmente em estados onde a alíquota de ITCMD pode chegar a 8%”, comenta Waldir de Lara, advogado e fundador da Larafy Contabilidade.

O ITCMD é um tributo estadual que incide sobre o patrimônio. Na transferência por falecimento da pessoa, todos os bens passam por um inventário, que pode ser judicial ou extrajudicial, onde é feito oa cobrança do ITCMD. A taxação era uma demanda dos governadores, que enxergam essa tributação como fonte extra de arrecadação e que alegam que esse instrumento é usado por quem busca transferir patrimônio com menor impacto tributário. A proposta, no entanto, teve resistência das operadoras desses planos e não contou com apoio do governo federal.

O texto será apreciado no Senado, já com mudanças de ontem. Caso os senadores façam alterações, o texto terá que ser novamente avaliado pela Câmara antes de ir à sanção.

“O projeto de reforma previa que valores mantidos em VGBL por menos de cinco anos seriam tributados, enquanto aqueles com mais de cinco anos continuariam isentos, pois não seriam considerados elisão fiscal (formato mais vantajoso de pagamento de tributos). A proposta era tributar apenas valores mantidos por menos de cinco anos para evitar perda de arrecadação e assegurar que o instrumento fosse usado conforme sua finalidade original”, contextualiza Georgios Anastassiadis, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados.

“Com a exclusão dessa norma do projeto de regulamentação, quem usa o VGBL para transferir recursos financeiros para os herdeiros pode continuar fazendo isso sem tributação do ITCMD“, complementa.

O VGBL é tributado pelo IR com base no regime escolhido (progressivo ou regressivo), no momento do resgate ou recebimento de benefício.

Porém, a isenção do ITCMD pode não ser definitiva. Diogo Hiluey, do Serur Advogados, lembra que não há uma lei federal regendo o assunto e que a controvérsia ainda não está totalmente resolvida. “Alguns estados já aprovaram leis que buscam tributar esses planos de previdência. Na hipótese de falecimento do titular, dependendo da legislação do estado, poderá haver a cobrança do ITCMD, que, contudo, pode ser contestada judicialmente”, explica.

Hoje, o assunto está sendo discutido no judiciário. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Segunda Turma já decidiu que os valores recebidos por beneficiários de VGBL em decorrência da morte do segurado não integram a herança e, portanto, não podem ter ITCMD cobrado.

Já no Supremo Tribunal Federal (STF), a controvérsia será decidida por meio do Tema 1214, que determinará se os valores e direitos referentes ao PGBL e VGBL, recebidos pelos beneficiários em caso de morte do titular, configuram uma “transmissão causa mortis” para fins de cobrança do ITCMD. O julgamento no STF foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes após três votos contra a cobrança do ITCMD, proferidos pelos ministros Dias Toffoli (relator), Alexandre de Moraes e Flávio Dino.

Por: Gabriela da Cunha.

Fonte: Valor Investe.

Boletim Semanal: Direito de Brasília

1.PODER EXECUTIVO

1.1 Foi publicado o Decreto nº 12.225, de 18 de outubro de 2024, que regulamenta critérios para afastar a qualificação de países com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado.

De acordo com o decreto, países que não tributam a renda à alíquota mínima de 17%, mas que realizem investimentos significativos no Brasil, poderão ser excluídos da qualificação de “tributação favorecida” ou de “regime fiscal privilegiado”. Consideram-se investimentos a aquisição de títulos do governo brasileiro ou investimentos diretos no capital de empresas brasileiras, com prazos e montantes anuais compatíveis com o PIB do país investidor, priorizando capital fixo e atividades sustentáveis.

1.2 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa RFB nº 2230, de 18 de outubro de 2024, que alterou a IN RFB nº 2198, para excluir da obrigação mensal de apresentar a Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), as pessoas jurídicas imunes e torná-las dispensadas da apresentação.

1.3 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa RFB nº 2231, de 18 de outubro de 2024, que regulamenta o trânsito aduaneiro de mercadorias destinadas a países limítrofes com os quais o Brasil possui acordo de transporte terrestre internacional. A norma abrange mercadorias em trânsito aduaneiro que utilizam o regime de depósito franco para operações de recepção, armazenagem e preparação para exportação. Certas mercadorias, como aquelas cuja importação é proibida ou que apresentam indícios de fraude quanto à origem ou destinação, estão excluídas desse regime. Além disso, a concessão do trânsito aduaneiro dependerá da aprovação de outros órgãos de controle, conforme exigido pela legislação aplicável.

1.4 O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) publicou a Portaria CARF nº 1642,  de 17 de outubro de 2024, que estende temporariamente a especialização da Segunda Seção de Julgamento e da Segunda Turma da Câmara Superior do CARF para julgar processos sobre contribuições previdenciárias, incluindo substituições e contribuições devidas a terceiros, desde que ainda não tenham sido sorteados. Em casos de retorno de diligências ou embargos, os processos serão redistribuídos à turma responsável pela decisão anterior ou, se extinta, à seção competente original.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta terça-feira, dia 22/10, a Primeira Turma do STF finalizou o julgamento do seguinte caso:

2.1.1 AgInt no RE 1439539: Discute se incide o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) sobre o adiantamento da legítima.

O relator, Min. Flávio Dino, apresentou voto afirmando que o fato gerador do Imposto de Renda é a aquisição de disponibilidade de renda ou acréscimos patrimoniais. Na avaliação do Ministro, a renda não se tornou disponível para o doador com a transmissão. O caso retornou com o voto-vista do Min. Luiz Fux, que, em síntese, acompanhou o relator e destacou que a base de cálculo do Imposto de Renda, que corresponde ao acréscimo patrimonial, não se confunde com a do ITCMD, que é o valor dos bens doados.

Resultado: A turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso da União, para afastar a incidência do Imposto de Renda sobre o adiantamento da legítima.

2.2 Nesta terça-feira, dia 22/10, a Primeira Turma do STJ iniciou o julgamento dos seguintes casos:

2.2.1 REsp 2120610: Discute a compensação de débitos do ICMS Substituição Tributária (ICMS-ST) com créditos do ICMS próprio.

A relatora, Min. Regina Helena, destacou em seu voto que a legislação estadual proíbe a compensação pretendida, entendendo ser correta a interpretação do Tribunal em relação à legislação aplicável.

A Ministra também enfatizou que os créditos de ICMS têm natureza meramente escritural, podendo ser utilizados apenas para compensar débitos de operações próprias e não débitos de substituição tributária. Reiterou que a legislação do Estado de São Paulo veda expressamente a compensação de créditos acumulados em operações próprias com débitos de substituição tributária. A vedação está amparada no art. 170 do CTN, que atribui competência aos Estados para regulamentar as normas de apuração e compensação do imposto.

Por fim, a Ministra afirmou basear-se em precedentes do STJ e do STF, reforçando que a não cumulatividade do ICMS não garante um direito irrestrito à compensação, sendo necessária a previsão legal específica para a compensação de créditos de ICMS no regime de substituição tributária.

Assim, a Ministra negou provimento ao recurso do contribuinte, reiterando a validade das disposições da legislação estadual aplicáveis ao caso e a necessidade de cumprimento dos requisitos legais para a compensação de créditos de ICMS.

Após seu voto, o Min. Gurgel de Faria pediu vista.

2.2.2 REsp 1861107: Discute o redirecionamento da execução fiscal da pessoa jurídica contra o sócio, já falecido e, posteriormente, contra os herdeiros e ainda o reconhecimento da impenhorabilidade do imóvel por se tratar de bem de família.

O relator, Min. Paulo Sérgio Domingues, assentou que não há diferença substancial entre a penhora no rosto dos autos e a penhora direta do bem de família. Ressaltou que o Tribunal de origem já havia analisado a impenhorabilidade do bem, afirmando que não se estendia a herdeiros que não residiam no imóvel.

O Ministro concluiu seu voto no sentido de que, por se tratar de bem de família destinado à moradia de um dos herdeiros, a penhora não poderia ser admitida. O fundamento principal foi a proteção integral conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/90, que impede a alienação em hasta pública, exceto quando o imóvel for divisível e sua divisão não comprometer a função social de moradia.

Relembrou o Ministro   posição consolidada da corte que assegura a impenhorabilidade da integralidade do bem de família, mesmo quando parte dos herdeiros não resida no imóvel.

Por fim, o Ministro deu provimento ao recurso para declarar impenhorável a totalidade do bem de família e, consequentemente, desconstituir a penhora incidente sobre o imóvel, onde residem os herdeiros do falecido.

Após seu voto, pediu vista o Min. Gurgel de Faria.

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou, na sexta-feira, dia 18/10, uma proposta que altera a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21). A medida proíbe sócios, administradores ou acionistas controladores de utilizarem mais de uma empresa para participar de uma mesma licitação, visando evitar fraudes e garantir maior competitividade. A proposta também exige o detalhamento das informações sobre sócios no Portal Nacional de Contratações Públicas. Agora, o texto segue para a Comissão de Constituição e Justiça

3.2 A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou, na sexta-feira, dia 18/10, o Projeto de Lei nº 7.877/17, que permite ao Conselho Monetário Nacional (CMN) fixar limites para transações financeiras em espécie. A proposta visa combater crimes como lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. O CMN deverá definir tetos para saques, depósitos e pagamentos de cheques em dinheiro, determinando que transações acima desses valores sejam realizadas por meios eletrônicos. O projeto segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça.

3.3 A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira, dia 22/10, o Projeto de Lei nº 2.490/22, que modifica a regra de retenção e recolhimento do Imposto de Renda sobre juros enviados ao exterior. A proposta determina que o remetente dos juros, no Brasil, será responsável pela retenção e recolhimento do tributo. A matéria ainda será avaliada pela Comissão de Constituição e Justiça.

3.4 Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou, na terça-feira, dia 22/10, o Projeto de Lei nº 1.765/2019, que prorroga até 31 de dezembro de 2031 a isenção do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) para cargas das regiões Norte e Nordeste. A medida visa compensar o afastamento geográfico e os maiores custos logísticos enfrentados por essas regiões. O texto, modificado pela Câmara para estender o benefício até 2027, agora segue para o Plenário do Senado em regime de urgência.

3.5 A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, na quarta-feira, dia 23/10, o plano de trabalho para a regulamentação da reforma tributária. O plano prevê 11 audiências públicas na CCJ e duas sessões temáticas no Plenário, com a participação de governadores e prefeitos. O primeiro debate abordará novos tributos e a reorganização da economia nacional, com início marcado para 29/10. A meta é concluir a análise até o fim do ano, sem aumentar a carga tributária e preservando os incentivos regionais.

Lei nº 14.973 – Possibilidade de atualização do valor dos bens imóveis e Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária

Diante do cenário de necessidade de aumento da arrecadação pelo Governo Federal para reduzir os impactos financeiros da desoneração da folha de pagamentos, em setembro/2024, foi publicada a Lei nº 14.973 que trouxe a possibilidade de atualização do valor dos bens imóveis para o valor de mercado e instituiu o Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária (RERCT-Geral).

 

1. Atualização do valor dos bens imóveis

Como regra geral os valores dos bens imóveis registrados para fins fiscais são refletidos nas declarações fiscais pelo valor do custo de aquisição. Ocorre que, com o passar do tempo, há valorização dos referidos imóveis e acaba existindo uma diferença entre os dois valores.

Essa diferença entre o valor de mercado e o valor do custo de aquisição seria tributável quando ocorresse uma alienação, por exemplo. Ocasião na qual deveria ser apurado o ganho de capital da operação para oferecimento à tributação, de acordo com as alíquotas regulares das pessoas físicas e jurídicas.

A nova legislação trouxe uma janela de oportunidade para que tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas atualizem o valor de seus imóveis para o valor de mercado, independentemente de sua alienação.

Diante das regras trazidas, esse movimento de atualização, que é opcional, deve ser avaliado pontualmente pelos contribuintes, para certificar a efetiva necessidade e a existência de reflexos financeiros positivos da atualização.

Como atrativo para que os contribuintes optem pela atualização do valor de seus imóveis, foram estabelecidas alíquotas mais vantajosas, veja-se:

  • Pessoas físicas: IRPF (4%) aplicado sobre o ganho de capital apurado
  • Pessoas jurídicas: IRPJ (6%) e CSLL (4%) sobre o ganho de capital apurado, sem direito a depreciação fiscal.

Ordinariamente, as alíquotas aplicáveis nesses casos seriam de 15% a 22%no caso das pessoas físicas e 34% (15% de IRPJ, 10% de adicional de IRPJ e 9% de CSLL) para as pessoas jurídicas.

Apesar do incentivo decorrente da redução das alíquotas, os contribuintes devem ficar atentos, pois o novo valor de mercado será gradualmente incorporado ao custo de aquisição do imóvel no cálculo do ganho de capital em futuras vendas, sendo somente pleno após 15 anos da data de atualização.

Outro ponto, é que esse benefício só poderá ser aproveitado a partir do quarto ano após a atualização, já que nos primeiros três anos o novo valor não será considerado.

Para definição do percentual do novo valor que será aplicável nos casos de alienações posteriores, deve ser observada a tabela progressiva constante na legislação, que inicia a partir de 36 meses (8% de aproveitamento), e completamente aproveitada após 180 meses (100% de aproveitamento).

Assim, diante dessa limitação temporal ao aproveitamento integral do novo valor de mercado, é importante avaliar cuidadosamente os planos de cada contribuinte para a venda dos imóveis que se pretende atualizar, a fim de determinar se a antecipação do imposto é realmente vantajosa.

 

2. RERCT-Geral

O novo regime de regularização de bens trazido pela lei é uma reinstituição do primeiro regime dessa natureza trazido pela Lei nº 13.254/16, mas com uma vantagem adicional.

No RERCT-Geral poderão ser regularizados bens, recursos ou direitos de origem lícita, que não foram declarados ou foram declarados com omissão/incorreções.

Diferentemente dos regimes anteriores, o novo regime permite a regularização de ativos mantidos no Brasil, e não apenas de ativos mantidos ou oriundos do exterior. Essa novidade deve fazer com que um maior número de contribuintes tenha interessa em aderir do programa.

A principal vantagem do regime, além da efetiva regularização dos bens, é a extinção da punibilidade de diversos crimes contra a ordem tributária, tais como a prestação de declarações falsas, fraude em fiscalizações, entre outros crimes fiscais e cambiais.

O valor dos ativos a serem regularizados deverá corresponder ao seu valor em 31/12/2023. No caso de bens no exterior, conversão em moeda nacional deverá ser feita pela cotação do dólar fixada, para venda, pelo Banco Central do Brasil, para o último dia útil do mês de dezembro de 2023 (R$ 4,8413).

Além da declaração dos bens, para adesão ao regime os contribuintes deverão recolher o Imposto de Renda, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%, acrescido de multa de 100% do valor do imposto.

Outra oportunidade é para os contribuintes que já participaram do RERCT anterior. Há possibilidade de complementação da declaração entregue em 2016 para identificar bens e direitos adquiridos desde então, conforme as novas regras estabelecidas pela Lei nº 14.973/2024.

O prazo para adesão do RERCT-Geral é até 15/12/2024.

A nova lei traz duas importantes oportunidades para quem deseja otimizar a situação fiscal: a atualização do valor dos imóveis, que pode reduzir tributos futuros, e o RERCT-Geral, que oferece uma forma segura de regularizar ativos não declarados. No entanto, é essencial considerar cuidadosamente as disposições trazidas pela lei, os custos envolvidos e os benefícios a longo prazo.

A Lei nº 14.973/24 trouxe oportunidades para proprietários de imóveis e contribuintes com ativos não declarados. Com a possibilidade de atualização do valor dos imóveis para fins fiscais e o novo Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária (RERCT-Geral), os contribuintes têm agora oportunidades de otimizar sua situação tributária e regularizar ativos. No entanto, cada medida exige uma análise detalhada da situação individual, para garantir que a adesão seja realmente vantajosa e segura a longo prazo.

 

Ilegalidade da tarifa portuária THC2 (ou SSE)

Depois de duas décadas de batalhas travadas judicialmente e inúmeras derrotas, as empresas prestadoras de serviços de logística portuária finalmente conseguiram obter, no Tribunal de Contas da União (TCU) e, também, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a declaração de ilegalidade da cobrança da tarifa de Serviço de Segregação de Entrega (chamada SSE, ou THC2). A SSE ou THC2, como comumente conhecida, é uma tarifa imposta pelos operadores dos terminais marítimos (porto molhado) aos operadores dos terminais retroalfandegados (porto seco), pela movimentação e entrega das mercadorias fora do terminal marítimo.

Muito embora a SSE ou THC2 encontre sustentação em atos infralegais editados pela ANTAQ, com base na competência regulamentar outorgada pela Lei n. 10.233/2001, em decisão publicada em 27/09/2024 (RESP n.º 1.899.044/SP), a 1ª Turma Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a cobrança da referida SSE/THC2 é ilegal e configura um abuso de posição dominante, em violação à Lei de Defesa da Concorrência.

O fundamento da decisão do STJ é que os operadores portuários concorrem com os recintos alfandegários independentes (os retroportos ou portos secos) no mercado secundário pelo serviço de armazenagem alfandegada de cargas. Ao impor aos recintos independentes uma cobrança adicional pela movimentação horizontal das cargas no porto, os operadores portuários podem restringir as margens de lucro de seus concorrentes no mercado de armazenagem de cargas provenientes do exterior.

Os recintos independentes, por sua vez, não têm nenhuma autonomia para decidir com qual terminal portuário operar, uma vez que a decisão sobre qual porto utilizar na operação de importação já é tomada pelo armador ou importador no início da importação. A decisão da 1ª Turma do STJ representa uma inovação na jurisprudência, uma vez que, até então, prevaleciam no Judiciário decisões que consideravam legítima a cobrança da tarifa, havendo decisões dos Tribunais de Justiça e da Justiça Federal – e da 2ª Turma do próprio STJ – que a validavam. Houve inovação também no fato de a 1ª Turma ter aplicado uma análise antitruste, a despeito de se tratar de um setor regulado e cuja agência reguladora (ANTAQ) detém competência para promover ajustes tarifários, bem como para fomentar a competição, ficando vencida, a esse respeito, a Ministra Regina Helena Costa.

Ao adentrar a análise sob o ponto de vista do direito de concorrência, o STJ vai na linha de julgamento do CADE proferido em 2021, no qual o órgão administrativo de defesa da concorrência condenou operador portuário por abuso de posição dominante, bem como
2/2 impôs multa de R$ 9 milhões. Por seu turno, o Tribunal de Contas da União (TCU), em decisão publicada em 04/09/2024 (Acórdão 1825/2024), houve por denegar, por unanimidade, recurso da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) interposto contra a decisão que declarou ilegal a cobrança da tarifa e determinou à agência a suspensão da resolução que validava a cobrança, ao não identificar transparência na composição da tarifa que permitisse individualizá-la, ou, ainda, distingui-la da THC1, de modo que ensejaria o risco de duplicidade de cobrança.

Embora a decisão da 1ª Turma do STJ não seja vinculante, ela se dá num cenário de pronunciamentos do TCU e do CADE pela ilegalidade da cobrança da THC2/SEE. Por essas razões, ganhou força a tese jurídica de que a cobrança de SEE/THC2 é ilegal e, como consequência, caso a ANTAQ não a interrompa, há possibilidade de as empresas que recolhem a referida tarifa ajuizarem ações judiciais contra os operadores
portuários para afastar a sua cobrança, bem como para recuperar os valores pagos no passado.

 

Artigo publicado originalmente no Portos e Navios.

Medida Provisória mantém alíquota zero de medicamentos importados

No dia 25/10/2024, foi publicada a Medida Provisória nº 1.271/2024, que estabelece obrigações das empresas de comércio eletrônico na realização de remessas internacionais no âmbito do regime de tributação simplificada (RTS) e mantém a redução da alíquota do Imposto de Importação (II) em 0% sobre medicamentos importados, no âmbito do RTS, por pessoa física, cujo valor não exceda US$ 10.000,00.

A edição da MP foi necessária para que manter a desoneração de medicamentos importados, anteriormente prevista na Medida Provisória nº 1.236/2024 (e, por consequência, na Portaria MF nº 156/99), cuja vigência perdurou até 25/10/2024.

A referida desoneração para medicamentos importados tem prazo determinado até 31/03/2025, e se aplica a produtos acabados que pertencem às classes de medicamentos importados, desde que atendidos os requisitos fixados pelo controle administrativo e observada a regulamentação prevista pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil sobre o tema (que até o momento não ocorreu).

A Medida Provisória 1.271/24 já está em vigor, mas precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, bem como, se houver sua aprovação como projeto de lei de conversão, de sanção presidencial para se tornar lei definitivamente.

Para maiores informações, consulte os profissionais das áreas de Aduaneiro e Tributário do Gaia Silva Gaede Advogados.

ITBI ganha normas em proposta que regulamenta a reforma tributária; bom ou ruim para o investidor?

Atualmente, a legislação prevê o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis sobre a transferência do bem fora do contexto de heranças e não há unanimidade entre os municípios sobre o momento de exigência do tributo.

O segundo projeto de lei complementar de regulamentação da reforma tributária, que já passou pela Câmara, segue para o Senado sem a emenda que tentava alterar o texto para que o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) fosse cobrado com base no valor dos contratos de compra e venda. A proposta que será analisada pelo Senado prevê utilizar para o cálculo do imposto o maior valor entre o venal (valor de mercado negociado à vista em condições normais) ou o de transferência (aquele registrado em cartório). Especialistas ouvidos pelo Valor Investe comentam se o texto prejudica ou beneficia o cenário para a pessoa física.

Atualmente, a legislação prevê que o ITBI incide sobre a transferência do bem fora do contexto de heranças e não há unanimidade entre os municípios sobre o momento de exigência do tributo, se na escritura ou no registro do imóvel. A base de cálculo a ser adotada para o imposto – valor venal de referência, valor para fins de cálculo do IPTU ou valor de mercado – é tema de discussão há bastante tempo.

O parecer aprovado na Câmara permite uma cobrança sobre o valor venal ou de transferência, o que for maior, e não sobre o valor da venda em si. Ou seja, quem compra um imóvel por R$ 500 mil cujo valor de mercado é R$ 800 mil, terá que pagar o percentual do ITBI sobre sobre o valor mais alto, que pode ser superior ao que foi efetivamente pago na transação.

Waldir de Lara, advogado e fundador da Larafy Contabilidade, entende que a proposta de legislação pretende evitar que imóveis sejam declarados com valores abaixo do mercado para reduzir o imposto. “Essa medida visa garantir que o imposto reflita o valor real da transação e traz maior previsibilidade para o comprador, que tem mais clareza na tributação, especialmente em locais onde há distorções entre o valor venal e o valor de mercado”.

Já Georgios Anastassiadis, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, defende que ao não considerar que a base de cálculo seja apenas o valor de transferência, a pessoa física sai prejudicada. “O ITBI acaba majorado, a meu ver, indevidamente, pois a base de cálculo não deveria ser o valor de mercado. Não sou obrigado a transacionar um imóvel pelo valor de mercado. Posso comprá-lo por mais ou menos, conforme a vontade das partes, pois se trata de um direito privado e disponível”, sustenta.

Na avaliação de Eduardo Krutman, sócio do RMMG Advogados, a redação atual gera novas controvérsias entre fisco e contribuintes.

“O texto objetiva estabelecer um critério único e claro, ou seja, tornar o processo de cobrança mais simples. Mas a redação acaba trazendo uma sistemática de apuração que dá margem para o fisco adotar um valor de base de cálculo diverso do valor de transferência do imóvel (constante no contrato). E também parece desalinhada do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu que o valor adotado pelo contribuinte na transação reflete o valor real do bem”.

O texto aprovado também possibilita aos municípios e Distrito Federal prever hipótese de antecipação do pagamento do ITBI opcional aos contribuintes, bem como a fixação de uma alíquota inferior do imposto caso ele seja pago antecipadamente. Isso valerá inclusive para os contratos de promessa de compra e venda do imóvel (na planta).

Leonardo Alves de Abreu, advogado do Moreau Advogados, também compartilha da visão que o projeto com o segundo pacote de medidas da reforma tributária impacta as conquistas obtidas pelos contribuintes no Judiciário e abre espaço para práticas fiscais que podem ser abusivas.

“Para investidores pessoas físicas, essas possíveis alterações representam um risco à segurança e à previsibilidade oferecidas pelas regras atuais. Para empresas do setor, as novas propostas podem significar custos adicionais e maior burocracia nas operações, enquanto os municípios vislumbram um aumento na arrecadação”.

 

Regras vigentes e impostos aplicáveis

ITBI: Continua sendo calculado com base no maior valor entre o venal e o de transferência. A alíquota do ITBI varia conforme o município, normalmente entre 2% e 3%.

Outros encargos: O comprador também pode estar sujeito a custos com cartório e registro, além do eventual imposto de renda sobre ganho de capital, se o imóvel for vendido futuramente com lucro.

Debate no Senado

A reforma tributária foi aprovada no fim do ano passado, mas precisa de regulamentação para ser aplicada. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), esperava para esta segunda-feira (4) que o relatório fosse votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com o texto seguindo direto para o Plenário. Mas o cancelamento de audiências públicas na CCJ alterou o calendário proposto pelo relator da proposta, senador Eduardo Braga (MDB-AM). A expectativa era do parecer sobre a reforma ser entregue até o fim do mês. Como os senadores farão modificações de mérito, o projeto precisará retornar para nova votação na Câmara dos Deputados.

A Câmara dos Deputados tem pressa para que o Senado devolva o projeto da tributária, para poder votar ainda neste ano e enviar para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os presidentes da Câmara e do Senado querem terminar seus mandatos com a regulamentação sancionada pelo governo. Esse também é um desejo da equipe econômica do presidente Lula, mas o prazo tem se mostrado cada vez mais apertado.

A regulamentação é o segundo passo para a implementação efetiva do sistema tributário, prevista para começar em 2026 e ser concluída no início de 2033.

Controle e conformidade marcam concessão das Loterias de SP

No dia 1º de novembro de 2024, em pregão realizado na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), o consórcio formado por um grupo português, Consórcio Aposta Vencedora, sagrou-se vencedor após arrematar a outorga para concessão de loterias, pelo prazo de 15 (quinze) anos, no Estado de São Paulo.

Embora as modalidades de jogos e apostas previstas na licitação não compreendam as populares apostas de quota fixa, as chamadas “Bets”, o Contrato de Concessão trouxe obrigações para a concessionária que incorporam preceitos da Lei 14.790/23 (“Lei das Bets”), além de inovar ao abordar preocupações que esse mercado trouxe à economia e à sociedade.

Atualmente, as Bets funcionam com autorizações temporárias concedidas pela Secretaria de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda. Essas autorizações, para se tornarem definitivas, serão objeto de análise e cumprimento dos requisitos fixados pela legislação e normativos vigentes.

Apesar de o Contrato de Concessão vincular apenas a concessionária vencedora e o Governo, sem produzir efeitos para terceiros, o mercado que explora Bets, especialmente as casas de apostas, pode vislumbrar algumas tendências do que o Governo e órgãos reguladores estão pensando em termos de normatização, fiscalização e controle.

Destacam-se cinco pontos do Contrato de Concessão que merecem atenção e podem inspirar normativos e alterações legislativas:

O primeiro ponto é a obrigatoriedade de mecanismos de integridade, ou “compliance”. O Contrato de Concessão, ao contrário da Lei das Bets, prevê a obrigatoriedade de a concessionária implantar um programa de compliance, por meio de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, além da aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra o Governo, alinhados à Lei Federal nº 12.846/2013 e seu Decreto Regulamentador 11.129/21 (“Lei Anticorrupção”).

Nota-se que o Governo ressaltou a importância do compliance dentro da operadora de jogos e apostas, e não apenas para a integridade destinada às apostas, como se limita a Lei das Bets e a Portaria SPA/MF 827/2024.

O segundo ponto de destaque é a necessidade de auditoria independente e registros contábeis. Diferentemente da Lei das Bets, que não dispõe sobre a completude e precisão dos registros contábeis, o Contrato de Concessão prevê a obrigação de a concessionária manter a contabilidade e demonstrações financeiras auditadas por auditor independente, conforme as práticas contábeis adotadas no Brasil, as normas expedidas pelo Conselho Federal de Contabilidade – CFC e as Interpretações, Orientações e Pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC.

O terceiro ponto é o reporte obrigatório de apostadores ganhadores. Em relação às preocupações com a prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e ocultação de bens, assim como a Lei das Bets, o Contrato de Concessão também prevê a obrigatoriedade da implantação de mecanismos de controle ao engajamento nessas condutas.

Contudo, ao contrário da Lei das Bets e normativos correlatos, que tratam do reporte de operações consideradas suspeitas e atípicas, o Contrato de Concessão estabelece a obrigação de reporte ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF da identificação dos apostadores ganhadores, promovendo maior efetividade e transparência aos controles de prevenção desses ilícitos.

O quarto item é a prevenção do jogo excessivo e do endividamento. Com diversas notícias relacionadas ao impacto das Bets na economia e ao superendividamento de apostadores, especialmente de pessoas vulneráveis, o Contrato de Concessão foi mais assertivo do que a Lei das Bets quando o assunto é vício em jogos.

Segundo o Contrato de Concessão, a concessionária deverá criar uma área específica dedicada à prevenção do jogo excessivo e situações de endividamento. A Lei das Bets não aborda questões de superendividamento.

Por fim, o quinto ponto se refere à tributação e obrigações fiscais previstas. O Contrato de Concessão estabelece como obrigação da concessionária o recolhimento dos tributos incidentes sobre suas atividades, incluindo a retenção e recolhimento do Imposto de Renda na Fonte incidente sobre a premiação paga, bem como o cumprimento da legislação tributária, buscando meios mais eficientes, conforme os mecanismos disponíveis na legislação.

Tal disposição também é replicada na Lei das Bets e nas normas fiscais da Receita Federal, especificamente na IN/RFB nº 1.500/2014, em seu artigo 19, parágrafo único, inciso IV, que foi introduzido pela IN/RFB nº 2.191/2024, que trata da tributação de jogos e apostas.

Portanto, é uma tendência que, em termos de tributação de prêmios pagos aos apostadores, sejam mantidas as regras vigentes.

Não podemos esquecer que o Contrato de Concessão foi celebrado com o Governo e, portanto, é natural que tenha mais rigor do que relações meramente privadas, pautadas pela liberdade de contratar e livre iniciativa.

Anatel terá que bloquear 1.443 bets

Contudo, é notável que assuntos relevantes, especialmente os discutidos no escopo do avanço das Bets, foram objeto de atenção por parte do Governo na concessão da exploração de modalidades lotéricas no Estado de São Paulo, representando uma ótima oportunidade para que as Bets antecipem essas preocupações e os temas que já estão no radar das autoridades.

Artigo publicado originalmente no Monitor Mercantil.