Juros sobre capital próprio – As mudanças que afetam as empresas

A norma a ser sancionada também dispõe que a nova fórmula de cálculo dos JCP aplicar-se-á a partir de 1º de janeiro de 2024.

São anunciadas alterações no cálculo dos Juros Sobre Capital Próprio – JCP a partir da aprovação pelo Senado Federal, na última quarta-feira (20/12/23), do texto modificado da Medida Provisória 1.185/23, através do PL de Conversão 20, DE 2023 (PLC 20). O texto segue para sanção presidencial.

O PLC não altera alíquota de IRF – que continua de 15% – ou mesmo a condicionante de existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

Todavia, modifica a base incidental, vale dizer, o patrimônio líquido ajustado, sobre o qual o cálculo dos JCP é efetuado com a aplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP pro rata tempore.

A comparação das bases de cálculo dos JCP pode ser ilustrada como segue:

Haverá outros ajustes na base dos JCP a saber:

– Não serão consideradas as variações positivas no patrimônio líquido decorrentes de atos societários entre partes dependentes que não envolvam efetivo ingresso de ativos à pessoa jurídica, com aumento patrimonial em caráter definitivo, independentemente do disposto nas normas contábeis.

Aqui uma dúvida submerge do texto aprovado nas Casas Legislativas Federais: o resultado positivo de equivalência patrimonial não fará parte da composição dos JCP? Ou, na medida em que a norma dispõe sobre atos decorrentes entre partes dependentes, podemos entender que “receitas entre entidades com dependência societária”, seriam negócios efetivamente praticados entre as partes, mas que não gerem aumento de patrimônio da sociedade receptora da receita?

– O outro ajuste previsto no texto é que devem ser computados (i) eventuais lançamentos contábeis redutores efetuados em rubricas de patrimônio líquido que não decorram de variações positivas no PL entre partes dependentes, quando derivarem dos mesmos fatos que deram origem a lançamentos contábeis positivos efetuados naquelas rubricas; e (ii) valores negativos registrados em conta de ajuste de avaliação patrimonial decorrentes de atos societários entre partes dependentes.

Veja-se que o texto parece responder as questões expostas acima, no sentido de que os resultados positivos de equivalência patrimonial deixam de compor a base incidental da TJLP para fins de determinação dos JCP.

Para fins dos JCP são caracterizadas como partes dependentes quando o adquirente e o alienante são controlados, direta ou indiretamente, pela mesma parte ou partes ou existir relação de controle entre o adquirente e o alienante.

A norma a ser sancionada também dispõe que a nova fórmula de cálculo dos JCP aplicar-se-á a partir de 1º de janeiro de 2024.

Neste particular outra discussão será travada, pois certamente as empresas que calcularem os JCP ainda em 2023 (neste finalzinho de ano) poderão se apropriar da fórmula atualmente vigente, mas em 2024, mesmo usando o patrimônio líquido formado em 2023, deverão adotar a novel legislação. Certamente mais um contencioso virá pela frente.

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

 

JCP de anos anteriores: deliberar em 2023 ou não, eis a questão

Importante avaliar a possibilidade dos benefícios que esse instrumento pode proporcionar antes que as mudanças propostas, se aprovadas, sejam implementadas.

A reforma tributária tem sido um dos assuntos mais comentados do momento. Isso porque a Câmara aprovou, há poucos dias, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19. Essa aprovação representa uma resposta aguardada pelo empresariado brasileiro, que há décadas busca uma reforma tributária que, para além da redução de carga, também simplifique o nosso sistema.

No entanto, o que observamos em 2023 se assemelha mais a um canteiro de obras robusto do que a uma mera reforma. Trocadilhos à parte, ao longo deste ano diversos Projetos de Lei, Medidas Provisórias e Instruções Normativas foram apresentados, além de importantes julgamentos nos tribunais superiores, todos relacionados a questões tributárias.

Dentre os temas em debate, que variam desde o retorno do voto de qualidade até alterações nas regras de tributação das subvenções para investimentos, preços de transferência, fundos de investimentos no País e offshores, encontra-se o fim da dedutibilidade dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP).

Criada em 1995 pela lei 9.249, em seu art. 9°, a dedutibilidade dos JCP é uma ferramenta importante para as empresas brasileiras remunerarem o capital investido pelos sócios ou acionistas. Sobre o valor dos JCP contabilizados, incide IRRF à alíquota de 15%, resultando, em regra, em um ganho tributário de 19% devido à diferença entre a alíquota do IRRF e a alíquota conjunta de 34% do IRPJ e da CSLL, reduzidos pela dedutibilidade dos juros na fonte pagadora.

Contudo, desde a instituição dos JCP, a Receita Federal do Brasil (RFB) tem buscado restringir a utilização desse instrumento pelas empresas. Por meio de Instruções Normativas e Soluções de Consulta, a RFB, de forma ilegal, estabeleceu que é vedada a dedução dos JCP que tenham como base de referência contas do patrimônio líquido relativas a exercícios anteriores ao seu efetivo reconhecimento contábil, os chamados “JCPs de anos anteriores”.

Todavia, o art. 9° da lei 9.249/95 não estabelece qualquer limite temporal para o pagamento dos JCP, condicionando apenas à existência de lucros correntes ou acumulados em montante igual ou superior ao dobro do valor pago a título de JCP.

Após diversas autuações por parte da RFB, essa questão chegou à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), última instância administrativa de julgamento, que, na maioria das decisões proferidas, confirmou o posicionamento da RFB.

Ainda no âmbito administrativo, de 2020 a 2022, observaram-se algumas decisões favoráveis aos contribuintes, proferidas pela CSRF, em virtude da sistemática de desempate pró-contribuinte, estabelecida pelo art. 19-E da lei 10.522/02.

Entretanto, com o retorno do voto de qualidade, reinserido no ordenamento jurídico pela lei 14.689/23, é provável que a jurisprudência da CSRF volte a ser majoritariamente desfavorável aos contribuintes.

Na esfera judicial, desde 2009, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Recurso Especial (REsp) 1.086.752, firmou o entendimento de que a legislação não impõe que a dedução dos JCP deva ser feita no mesmo exercício financeiro em que realizado o lucro da empresa. Em outras palavras, permitiu a dedução dos JCP de anos anteriores.

O fato de a decisão proferida pelo STJ em 2009 não vincular os Tribunais Regionais Federais (TRFs) fez com que, a depender da região, fossem proferidas decisões com entendimentos distintos ao longo dos anos.

Para o TRF da 3ª Região, por exemplo, a legislação não impôs restrição temporal para a contabilização e consequente dedução da despesa com os JCP de anos anteriores ao do efetivo pagamento.

Por outro lado, o TRF da 4ª Região possui decisões no sentido de que a competência para deliberação do pagamento dos JCP é limitada ao próprio exercício do ato societário, sem possibilidade de deduzir a despesa de forma acumulada.

Recentemente, a 1° e a 2° turma do STJ (REsp 1.971.537/SP e 1.955.120/SP) reafirmaram o entendimento favorável aos contribuintes sobre a questão, possibilitando às empresas a dedução dos JCP “no momento do pagamento a seus sócios/acionistas”. Para o STJ, a única condição legalmente estabelecida é a existência de lucros no exercício ou de lucros acumulados e reserva de lucros que representem ao menos duas vezes os JCP que serão pagos.

Considerando a tendência da consolidação da jurisprudência do STJ a favor dos contribuintes, o que pode, inclusive, repercutir nos TRFs, e a busca do Governo Federal por aumentar a arrecadação visando equilibrar o déficit fiscal, foi encaminhado à Câmara o Projeto de Lei (PL) 4.258/23. Este projeto veda a dedução dos JCP na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

O PL em questão encontrou grande resistência no Congresso, levando o Governo Federal a buscar alternativas ao fim da dedutibilidade dos JCP. Essas alternativas incluem, por exemplo, a exclusão das reservas de incentivos fiscais da base de cálculo dos juros. Tais medidas foram incorporadas à MP 1.185/23, que trata sobre as subvenções para investimento, e serão aplicáveis a partir de 1º de janeiro de 2024.

Assim, ainda existe uma janela de oportunidade que pode ser aproveitada pelos contribuintes em 2023, especialmente no que tange à base de cálculo, sem as restrições impostas pela MP, e aos JCP de anos anteriores. Em meio ao foco na reforma tributária, é importante que seja avaliada a possibilidade de aproveitamento dos benefícios que esse instrumento pode proporcionar antes que as mudanças propostas, se aprovadas pelos nossos congressistas, sejam implementadas.

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

Voto de qualidade: Nova IN regulamenta a exclusão de multa e juros

Publicada no dia 21 de dezembro de 2023 a Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.167/2023, que trata da regularização dos débitos tributários que tiveram decisão favorável à Fazenda Nacional pelo critério de desempate do voto de qualidade, de modo a permitir ao contribuinte a regularização com a exclusão da multa e redução dos juros, conforme hipótese definida no art. 25-A do Decreto nº 70.235/1972.

A Lei nº 14.689/2023 incluiu o art. 25-A no texto do Decreto nº 70.235/1972, que trata do processo administrativo fiscal federal. Essa, dentre outras alterações, foi a responsável pelo retorno ao modelo anterior de critério de desempate pelo voto de qualidade – não sendo mais presumido o resultado favorável ao contribuinte em caso de empate no julgamento realizado pelo CARF ou CSRF.

Dentre os principais pontos da regulamentação da IN nº 2.167/2023, elencam-se os seguintes:

❯   A exclusão automática da multa da infração mantida pelo voto de qualidade e o cancelamento da representação fiscal para fins penais;

❯   Toda disposição regulamentar apenas se aplica à parcela controvertida do crédito tributário;

❯   Parcelamento em até 12 (doze) prestações, mensais sucessivas, do crédito mantido pelo voto de qualidade, com redução de 100% dos juros de mora, mantendo a suspensão da exigibilidade do crédito tributário nesse período;

❯   As reduções previstas na regulamentação não são cumulativas com outras previstas em lei;

❯   No caso da opção pelo parcelamento, a dívida será consolidada na data do requerimento, que deverá ser formalizado no prazo de até 90 (noventa) dias, contados da ciência do resultado de julgamento definitivo;

❯   O deferimento do parcelamento é condicionado ao pagamento da integralidade ou da 1ª (primeira) prestação, sendo cabível recurso administrativo no caso de indeferimento, conforme rito dos arts. 56 a 49 da Lei 9.784/1999;

❯   O valor de cada prestação do parcelamento será acrescido de juros Selic;

❯   É possível a utilização de créditos de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL. Nessa hipótese, os débitos serão extintos sob condição resolutória de homologação pela RFB, no prazo de 5 (cinco) anos;

❯   Permite-se a utilização de precatório para pagamento do crédito tributário;

❯   A exclusão do programa de parcelamento, no caso de inadimplemento de pagamento de qualquer parcela, por prazo superior a 30 (trinta) dias. A exclusão somente se efetiva quando o contribuinte, devidamente comunicado da irregularidade, não sanar o recolhimento em até 30 (trinta) dias da ciência, cabendo recurso administrativo nos mesmos moldes do indeferimento do requerimento;

A rescisão do parcelamento ocorre no caso de (i) definitividade da decisão de exclusão ou (ii) da definitividade da decisão de indeferimento da utilização dos créditos de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL, quando não efetuado o pagamento do saldo devedor indevidamente amortizado. Com a rescisão, o crédito tributário terá exigibilidade imediata de sua totalidade, com a perda da redução dos juros de 100%.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

A Lei do CARF após a rejeição de vetos pelo Congresso Nacional

Aproximadamente três meses após a publicação, com vetos, da Lei do CARF (Lei nº 14.689/23), que retomou o voto de qualidade e alterou outras disposições legais, o Congresso Nacional, em sessão conjunta finalizada em 14/12/23, analisou os vetos do Poder Executivo (relembre os principais dispositivos vetados aqui).

Dos 14 vetos presidenciais, os Senadores e Deputados rejeitaram o veto a cinco disposições previstas no projeto de lei.

Na derrubada de vetos, foi mantida a inclusão do § 7º ao art. 9º da Lei nº 6.830/80, que, agora, passa a assegurar ao contribuinte o direito de não sofrer a liquidação antecipada das garantias (seguro-garantia e fiança bancária) apresentadas em execução fiscal para viabilizar a discussão judicial da exigência do tributo.

Este dispositivo garante a manutenção da garantia apresentada pelo contribuinte durante todo o processo judicial, sendo que sua liquidação somente poderá acontecer no caso de desfecho desfavorável definitivo.

Outro dispositivo legal que retornou à Lei do CARF após a derrubada do veto da Presidência foi o art. 14 e seus §§ 1º e 2º, o qual estabelece que o montante da multa que exceda a 100% do crédito tributário, esteja ele inscrito ou não em dívida ativa, deverá ser cancelado.

Para casos em que a execução fiscal está em andamento, a PGFN deverá realizar o imediato cancelamento da multa, sem a necessidade de provocação do contribuinte.

Por outro lado, caso o contribuinte tenha realizado o pagamento, desde que respeitado o prazo prescricional de cinco anos, poderá propor medida judicial para recuperar o valor pago e utilizá-lo para restituição ou compensação de tributos.

Vale lembrar que a Lei do CARF, ao retomar a sistemática do voto de qualidade, trouxe alguns benefícios que se aplicam aos débitos mantidos pelo CARF por essa sistemática de julgamento, tais como a exclusão das multas e o cancelamento da representação fiscal para fins penais e a exclusão dos juros, o parcelamento e a utilização de prejuízo fiscal, base negativa e precatórios ao contribuinte que optar pelo pagamento do crédito tributário.

Agora, com a derrubada dos vetos, passam também a integrar a Lei do CARF a impossibilidade de liquidação antecipada de garantia e o cancelamento da multa que exceda a 100% do valor do crédito tributário principal.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

Lei Estadual nº 21.860/23: Instituição da transação tributária no Estado do Paraná

Por meio da Lei nº 21.860/23, o Governo do Paraná instituiu a transação tributária para resolução de litígio tributário envolvendo débitos de natureza tributária e não tributária, o que representa um grande avanço do Estado na regularização fiscal de suas empresas.

A transação, a ser celebrada entre a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e o contribuinte devedor, poderá ser realizada em duas modalidades:

1. Transação na cobrança de créditos do Estado

Esta modalidade comporta (i) a transação individual por proposta tanto do contribuinte como da PGE e (ii) a transação por adesão à proposta da PGE, aplicando-se a quaisquer dos débitos passíveis de transação.

A proposta de transação poderá envolver benefícios cumulativos, tais como:

(i) a concessão de descontos em multas e juros para os créditos de baixa ou improvável recuperação (conceito este que deverá ser definido pela SEFAZ/PR);

(ii) prazos e formas de pagamentos especiais (como diferimento, parcelamento e a moratória);

(iii) oferecimento, substituição ou alienação de garantias;

(iv) utilização de créditos acumulados e de ressarcimento de ICMS (inclusive de ICMS-ST) para compensação da dívida tributária principal de ICMS, multa e juros, limitados a 75% do saldo remanescente após eventual concessão de descontos; e

(v) utilização de precatórios expedidos em desfavor do Estado do Paraná, limitados a 75% do saldo remanescente após eventual concessão de descontos.

O prazo de quitação da transação não poderá ser superior a 120 meses (10 anos) e os descontos concedidos não poderão implicar redução superior a 65% do valor dos créditos a serem transacionados.

Além disso, as vantagens da transação não poderão ser cumuladas com outros benefícios concedidos ao crédito tributário pela legislação e também não serão admitidas outras concessões não previstas na Lei para quitação dos débitos (tais como a dação em pagamento de bens móveis ou imóveis ou a prestação de serviços).

Os requisitos e o formato dessa modalidade de transação (transação individual) ainda dependem de regulamentação da PGE, mas devem observar parâmetros como a perspectiva de êxito da cobrança, a idade da dívida, a capacidade de pagamento do devedor e o seu histórico fiscal.

2. Transação no contencioso judicial de relevante e disseminada controvérsia jurídica tributária 

Esta modalidade comporta apenas a transação por adesão à proposta da PGE e aplica-se apenas aos débitos relacionados a controvérsias jurídicas relevantes.

A transação por adesão dependerá da expedição de edital pela PGE.

Entendemos que as disposições da Lei nº 21.860/23 possuem muitas similaridades com as disposições da transação tributária federal, representando um avanço do Estado do Paraná na regularização fiscal das empresas nele sediadas.

Além das disposições sobre transação tributária, vale destacar que a Lei também alterou algumas previsões da Lei nº 20.634/21, que instituiu o Programa Retoma Paraná no contexto da crise econômica ocasionada pela pandemia da Covid-19.

Com as alterações, as empresas em falência, recuperação judicial ou que foram baixadas no cadastro estadual (CAD/ICMS) até 31/10/23 podem aproveitar os benefícios concedidos no Programa Retoma Paraná para débitos decorrentes de fatos geradores ocorridos até 31/07/23. Essa extensão do programa passará a valer após regulamentação do Governo do Paraná (que ainda não foi realizada) e terá prazo de adesão de 180 dias contados a partir de sua regulamentação.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

 

Liquidação antecipada de seguro garantia na recuperação judicial

Resposta do STJ poderá ter impactos desastrosos para empresas nesta condição

A legislação exige do contribuinte que queira discutir a cobrança de créditos tributários por meio de Embargos à Execução a apresentação de uma das modalidades de garantia previstas na Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80), dentre as quais se encontra o seguro garantia.

Muito embora o seguro garantia seja equiparado ao depósito em dinheiro, tem se tornado cada vez mais comum a União requerer a liquidação antecipada da referida garantia após a prolação de sentença que julga improcedentes os Embargos à Execução Fiscal.

Nesses pedidos, a União argumenta que, devido à ausência de efeito suspensivo no Recurso de Apelação a ser interposto pelo contribuinte, não haveria obstáculo para o prosseguimento da Execução Fiscal.

Em decorrência da liquidação antecipada do seguro garantia, os valores assegurados serão objeto de imediato depósito judicial, o qual posteriormente será repassado para a Conta Única do Tesouro Nacional, podendo estes valores serem utilizados pelo Estado para fins orçamentários.

A jurisprudência, que por muito tempo foi desfavorável à liquidação antecipada do seguro garantia, atualmente tem se posicionado no sentido de ser possível a liquidação antecipada quando não há atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto pelo contribuinte¹.

Sobre esse aspecto, é importante destacar que, a fim de tentar pacificar a jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou essa matéria à sistemática dos recursos repetitivos por meio dos Recursos Especiais 2.077.314/SC, 2.093.036/SP e 2.093.033/SP, os quais ainda pendem de apreciação.

Assim, mesmo que não encerrado o processo judicial, com possível reforma da decisão de 1ª instância pelos tribunais, o contribuinte acaba sofrendo de maneira desmedida o impacto da cobrança do crédito tributário, tendo que retirar de seu caixa valores muitas vezes milionários (até bilionários), apenas para possibilitar que a União utilize os recursos depositados judicialmente, ainda que não possa convertê-los em renda definitivamente, o que somente será possível após o trânsito em julgado da ação judicial.

Embora o tema mereça maior análise, em especial considerando a possibilidade de o contribuinte arguir o efeito suspensivo em sua apelação no tribunal de 2ª instância, outro aspecto relevantíssimo tem sido deixado de lado nas discussões sobre a liquidação antecipada de seguro garantia, que merecerá nossa atenção nesse breve artigo: a situação especial das empresas em recuperação judicial.

Nesse sentido, muito embora o posicionamento recente do STJ seja desfavorável aos contribuintes em geral, na medida em que vem permitindo a liquidação antecipada da garantia prestada, é preciso se destacar que este entendimento não pode ser aplicado de forma indiscriminada, sendo necessário que se faça uma análise adequada do caso, em especial quando se trata de empresas em recuperação judicial.

Nas decisões que deferem o pedido da União de liquidação antecipada de garantia é possível se verificar a limitação a apenas citar o atual posicionamento do STJ, sem fazer a devida análise da condição de uma empresa em recuperação judicial. É dizer, uma vez que sua situação de vulnerabilidade econômico-financeira será desproporcionalmente impactada por uma medida dessa natureza, desconsidera-se por completo o fato de que a liquidação antecipada do seguro garantia poderá, inclusive, levar à convolação em falência da empresa, seja pelo descumprimento do plano de recuperação judicial ou pelo descumprimento de obrigação não sujeita à recuperação judicial.

A preocupação com a superação da crise econômico-financeira da empresa é a própria finalidade da recuperação judicial. Para que seja assegurada a recuperação econômica da empresa, a Lei 11.105/05 determina uma série de providências, tal como a suspensão de execuções de dívidas contra a empresa pelo prazo de 180 dias (prorrogável por igual período), tudo para que a empresa, ao iniciar sua recuperação judicial, tenha assegurado um fôlego financeiro para que seja viabilizado seu soerguimento.

Embora os créditos tributários estejam excluídos dessa suspensão – o chamado stay period – a lei não permite que créditos tributários sejam alheios à recuperação judicial, sendo para isso determinado até mesmo que o juízo da execução fiscal coopere com o juízo da recuperação judicial, para que eventuais atos de constrição que recaiam sobre bens essenciais ao prosseguimento da atividade da empresa sejam substituídos.

Seria um contrassenso até mesmo às próprias garantias previstas em lei que os créditos tributários já garantidos por apólice de seguro garantia em juízo prosseguissem em cobrança, com nefastos prejuízos financeiros ao plano de recuperação judicial e à própria continuidade da atividade empresarial.

É o contrário da lógica da recuperação judicial privilegiar créditos tributários já garantidos em juízo em detrimento da recuperação da empresa. Isso sem considerar que, neste caso, se viola, também, o princípio da menor onerosidade da execução para o devedor, uma vez que, dentre os meios menos onerosos para garantir o juízo, escolhe-se aquele mais oneroso para a empresa em recuperação judicial.

Nesse aspecto, o próprio STJ (ainda que apenas em decisões monocráticas), em casos de liquidação antecipada da garantia de empresas em recuperação judicial, tem afastado essa possibilidade, à luz dos princípios da preservação e função social da empresa, proporcionalidade, razoabilidade e princípio da menor onerosidade, devido ao grave dano consubstanciado no comprometimento do Plano de Recuperação Judicial.²

Entretanto, apesar desses precedentes – que não são colegiados – a matéria pende de  consolidação na jurisprudência, o que gera inaceitável insegurança jurídica para as empresas em recuperação judicial.

Há que se perguntar, considerando os valores jurídicos em jogo, se seria razoável e proporcional inviabilizar a atividade de uma empresa, potencialmente prejudicando inúmeros empregos – direta e indiretamente – para que a União utilizasse valores que podem nem mesmo virem a ser convertidos em renda, caso a decisão judicial seja posteriormente reformada.

Mais que isso: seria condizente com o objetivo precípuo da recuperação judicial, que é justamente viabilizar a superação da crise econômico-financeira da empresa?

Entendemos que não. Até mesmo por uma perspectiva arrecadatória, encerrar a atividade empresarial para privilegiar uma liquidação antecipada de seguro garantia terminaria por inviabilizar o adimplemento de inúmeros outros créditos tributários, acabando por diminuir a pretensão arrecadatória do Estado, sob a justificativa de possibilitar uma liquidez de caixa do Estado que é meramente temporária, em prejuízo de uma empresa que tenta viabilizar sua atividade e garantir arrecadação contínua aos fiscos em anos futuros, de acordo com os trâmites legais.

Com a provável definição do tema em sede de recurso repetitivo, a questão que não pode deixar de ser respondida – mesmo que o STJ decida de maneira desfavorável aos contribuintes – é se este precedente se aplica para empresas em recuperação judicial.

A resposta poderá ter impactos desastrosos não só para as empresas em recuperação judicial, mas também para os inúmeros empregos que dependem destas empresas. É esperar e ver.


¹ Cite-se nesse sentido o entendimento externado no AgInt no AREsp 1.756.612/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 03/10/2022 e AREsp 2.160.267/SP, Min. Assusete Magalhães, DJe 18/10/2022.

² Ver REsp 2065252/RJ de 26/04/2023, e AgInt no Resp 1918593/RJ, de 28/04/2022.

 

*Artigo publicado originalmente no JOTA.

Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 Normas publicadas:

1.1.1 Lei nº 14.753, de 12 de dezembro de 2023 altera a Medida Provisória nº 2.199-14, de 24 de agosto de 2001, para fixar novo prazo para a aprovação de projetos beneficiados com incentivos fiscais de redução e reinvestimento do imposto sobre a renda e adicionais nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

1.1.2 Lei nº 14.754, de 12 de dezembro de 2023 dispõe sobre a tributação de aplicações em fundos de investimento no País e da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior e dá outras providências.

1.2 O Ministério da Fazenda publicou a Portaria Normativa MF nº 1.584, de 13 de dezembro de 2023 que dispõe sobre transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e de pequeno valor.

1.3 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Portaria RFB nº 387, de 13 de dezembro de 2023 que institui o piloto do Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal – Confia e prorroga a realização do Teste de Procedimentos.

 

2. PODER EXECUTIVO

2.1 Na última quarta-feira, dia 13/12, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizou/retomou os julgamentos dos seguintes casos relevantes:

2.1.1 REsp 1896678 e REsp 1958265: Tema 1125 – Possibilidade de exclusão do valor correspondente ao ICMS-ST da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo contribuinte substituído.

O processo retornou com o voto-vista da Min. Assusete Magalhães, em que acompanhou o relator por entender que o ICMS-ST se trata de mera sistemática de recolhimento e por este motivo, não poderia alterar o decidido pela STF no Tema 69.

Tese aprovada:O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva”.

Resultado: No REsp 1896678, em que o recorrente é o contribuinte, a Seção, por unanimidade, conheceu em parte do REsp e, nesta extensão, deu provimento. Já no REsp 1958265, em que figura como recorrente a Fazenda Nacional, negou provimento ao REsp.

2.1.2 EREsp 1571933 – Discute a legitimidade do SENAI para lançar, fiscalizar e cobrar administrativamente uma contribuição adicional das empresas voltada a incentivar programas de formação profissional, mesmo após a Lei 11.457/2007.

A Primeira Seção em sessão anterior, por maioria, negou provimento aos embargos de divergência, para declarar a ilegitimidade do SENAI de realizar a cobrança da contribuição adicional. Após o julgamento, restou ser definida a proposta de modulação feita pelo Min. Mauro Campbell.

O Min. Gurgel de Faria destacou que o processo não tem efeito vinculante, e portanto, não gera efeito ultra partes. Razão pela qual, se mostra inócua a modulação de efeitos, uma vez que os tribunais e órgãos administrativos não estão obrigados a seguir o entendimento. Os demais Ministros acompanharam o Min. Gurgel de Faria, com exceção do Min. Mauro Campbell que manteve sua posição.

Resultado: A Primeira Seção, por maioria, negou provimento aos embargos de divergência e à proposta de modulação, nos termos do voto do Min. Gurgel de Faria, vencidos o relator, Min. Og Fernandes e Min. Mauro Campbell Marques.

2.1.3 REsp 1898532 e REsp 1905870: TEMA 1079 – Definir se o limite de 20 (vinte) salários-mínimos é aplicável à apuração da base de cálculo de “contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”, nos termos do art. 4º da Lei n. 6.950/1981, com as alterações promovidas pelos arts. 1º e 3º do Decreto-Lei n. 2.318/1986.

A Min. Regina Helena, em assentada anterior, afirmou que os artigos 1º e 3º do Decreto-Lei 2318/1986 promoveram a revogação do caput e do parágrafo único do artigo 4° da Lei n.º 6.950/1981, o qual estendia a limitação da base de cálculo a 20 salários-mínimos, prevista no caput, às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.

O Min. Mauro Campbell de início afirmou que acompanha a relatora, mas, por razões diversas e abriria divergência sobre as teses para expandir e abarcar o interesse das múltiplas entidades terceiras que ingressaram no feito ou que tenham interesse em razão da similitude da base de cálculo, a fim de evitar a proliferação de demandas.

Quanto ao primeiro tópico da tese, o Ministro entende que se o salário de contribuição era o núcleo comum da base de cálculo de todas as exações, ao seu ver, assim, não prospera a ideia de que a norma contida o parágrafo único do artigo 4º da Lei n.º 6.950/1981 não teria atingido as contribuições patronais destinadas aos serviços sociais autônomos SENAI, SESI, SESC e SENAC, pois estas últimas incidiram sobre a folha de salário e aquela norma tratava apenas de salário de contribuição. Destaca ainda, que o parágrafo único do artigo 4º da Lei n.º 6.950/1981 não se refere a tais contribuições em razão da existência de lei especial, especificamente o art. 1º do Decreto-Lei 1.861/1981.

Quanto ao segundo tópico da tese, a revogação feita pelo 3º do Decreto-Lei 2318/1986 não retirou do mundo jurídico o caput e o parágrafo único do artigo 4° da Lei n.º 6.950/1981, mantendo sua utilidade residual para as contribuições diversas daquelas do SENAI, SESI, SESC e SENAC e da base de cálculo a elas referenciadas.

Sendo assim, não prospera o argumento de que os artigos 1º e 3º do Decreto-Lei 2318/1986 teriam revogado totalmente o caput do artigo 4° da Lei n.º 6.950/1981 e com ele seu parágrafo único. A expressão “para efeito” é um claro indicativo de que a vontade do legislador foi apenas reduzir a eficácia da norma e, portanto, trata-se de apenas de uma derrogação e não a retirada total do mundo jurídico (ab-rogação).

Quanto à modulação, destaca que, para a Min. Regina Helena, a modulação seria necessária para ter superação de jurisprudência, uma vez que são reiteradas as decisões de ambas as turmas da corte em sentido contrário.

Contudo, entende o Ministro que, de acordo com os parágrafos 3º e 4º do art. 927 do CPC, é possível a modulação de efeitos quando há “alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos”, tendo em vista a preservação do interesse social, da proteção da confiança e da isonomia.

De acordo com o Ministro, há apenas um precedente isolado da Primeira Turma que abarcou a contribuição ao INCRA e sobre período específico. Após a decisão, a Corte teve outras três decisões monocráticas no âmbito da Segunda Turma e nenhuma delas foi apreciada pelo colegiado. Portanto, votou contra a proposta de modulação pela ausência de jurisprudência pacífica da corte sobre o tema.

Resultado parcial: Após o voto do Min. Mauro Campbell, pediu vista regimental a Min. Regina Helena, aguardam os demais Ministros.

Tese proposta pela relatora, Min. Regina Helena:1. A norma contida no parágrafo único do artigo 4º da Lei n.º 6.950/1981 limitava o recolhimento das contribuições parafiscais cuja base de cálculo fosse o salário de contribuição 2. Os artigos 1º e 3º do Decreto Lei n.º 2.318/1986, ao revogarem o caput e o parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/1981, extinguiram, independentemente da base de cálculo eleita, o limite máximo para recolhimento das contribuições previdenciárias e parafiscais devidas ao SENAI, SESI, SESC e SENAC”.

Modulação de efeitos proposta pela relatora, Min. Regina Helena: “Eficácia ex nunc, tão somente em relação às empresas que ingressaram com ação judicial e/ou pedido administrativo até a data do início do julgamento (25/10/2023), restringindo-se a limitação da base de cálculo, porém, até a publicação do acórdão”.

Tese proposta pelo Min. Mauro Campbell: “1. O conceito de salário contribuição deixou definitivamente de ser influente para os cálculos das contribuições parafiscais das empresas a partir de 1º de junho de 1989, quando o art. 5º da MP 63/89, convertido em art. 3º da Lei 7787 combinado com a primeira parte do art. 14 da Lei 5580, mudou a base de cálculo das tais contribuições para ‘o total das remunerações’, conceito atual de folha de salários. 2. A partir de 1º de junho de 1989, foi esvaziada a eficácia do art. 4º, parágrafo único da Lei 6950, que estabeleceu o teto limite para contribuições parafiscais das empresas que sejam estabelecidas com base no salário contribuição, norma que permanece formalmente em vigor. 3. O teto limite de vinte vezes o maior salário-mínimo vigente no país, previsto no art. 4º, parágrafo único da Lei nº 6950/1981 não se aplica para as bases de cálculo das contribuições ao SESI SENAI, SESC e SENAC, salário educação INCRA, DPC, FAER, SEBRAE, SENAR, SEST, SENAT, SESCOOP, APEX, ABDI e a todas as contribuições parafiscais das empresas de cuja base cálculo não participe o conceito de ‘salário de contribuição”.

2.1.4 REsp 1974197, REsp 2000020 e REsp 2006644: TEMA 1170 – Definir se é cabível a incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos a empregado, a título de décimo terceiro salário proporcional, referente ao aviso prévio indenizado.

O relator, Min. Paulo Sérgio Domingues, limitou-se a propor a tese em razão do pedido de vista do Min. Gurgel de Faria.

Tese proposta pelo Min. Paulo Sérgio Domingues:A contribuição previdenciária patronal incide sobre os valores pagos ao trabalhador a título de 13º salário proporcional ao aviso prévio indenizado”.

Resultado parcial: No REsp 1974197, após o voto-vista do Relator, Min. Paulo Sérgio Domingues, conheceu, em parte, do Recurso Especial da Fazenda Nacional e, nessa extensão, negou-lhe provimento. Ademais, no REsp 2000020 e no REsp 2006644, deu provimento aos Recursos Especiais da Fazenda Nacional. Em seguida, pediu vista antecipada o Min. Gurgel de Faria.

 

3. PODER EXECUTIVO

3.1 O plenário do Senado Federal aprovou na última quarta-feira, dia 13/12, a indicação de Flávio Dino para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e de Paulo Gonet para o cargo de Procurador-Geral da República (PGR).

3.2 O Congresso Nacional derrubou na última quinta-feira, dia 14/12, cinco vetos à Lei nº 14.689, de 20 de setembro de 2023, que disciplina o voto de qualidade no CARF, entre outras providências. Com a derrubada, fica impossibilitada a liquidação antecipada do seguro-garantia ou carta fiança pela União antes do trânsito em julgado do processo. Também foi reintegrado ao texto o cancelamento de multas que excedam 100% do valor do crédito tributário apurado.

3.3 A Câmara dos Deputados divulgou a aprovação da Reforma Tributária (PEC 45/2019) em dois turnos. Os impostos federais IPI, PIS e Cofins serão transformados na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS); e o imposto estadual ICMS e o imposto municipal ISS serão unificados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Há previsão também dentre outros diversos pontos, do “imposto do pecado”, o Imposto Seletivo (IS), com o objetivo de desestimular os produtos prejudiciais à saúde, meio ambiente etc. Há expectativa para promulgação do texto nesta quarta-feira, dia 14/12.

Decisão sobre financiamento fica para a próxima COP, no Azerbaijão

Desafio é desatar nó entre países ricos e emergentes e incluir iniciativa privada

A COP28, em Dubai, começou com uma boa notícia: a aprovação do Fundo de Perdas e Danos, que canalizará recursos de países desenvolvidos para nações emergentes atingidas de modo irreversível pelas mudanças climáticas. Especialistas que aguardavam avanços em relação ao tema, prenunciados pelo tom positivo do início das negociações, porém, se frustraram. A questão mais ampla entrou na pauta da próxima Conferência das Partes, em 2024, quando, segundo documento oficial, “os governos devem estabelecer novo objetivo de financiamento climático, que reflita a urgência do desafio”.

Até o momento, o que há de concreto é a promessa de aporte por parte dos governos de nações desenvolvidas de cerca de US$ 700 milhões para perdas e danos, o equivalente a menos de 0,2% das perdas irreversíveis sofridas pelo resto do planeta, decorrentes do aquecimento global.

“Os danos dos eventos climáticos extremos nos países em desenvolvimento já somam muito mais que bilhões de dólares anuais. Os países desenvolvidos não querem se comprometer com valores, só aceitaram contribuir para o fundo de maneira genérica”, lamenta o físico Paulo Artaxo, que fez parte do seleto grupo de cientistas globais que participaram da formulação de textos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) da ONU.

O Fundo de Perdas e Danos, a ser hospedado pelo Banco Mundial, demandaria mais de US$ 400 bilhões por ano para dar conta dos reparos necessários. Entre os aportes prometidos até agora estão os dos Estados Unidos, de US$ 17 milhões, menos de 5% dos recursos destinados pelo governo americano à Ucrânia para a guerra em curso, além dos de União Europeia (US$ 240 milhões), Japão (US$ 10 milhões), Reino Unido (US$ 75 milhões), Alemanha (US$ 100 milhões) e Emirados Árabes (US$ 100 milhões). Historicamente, segundo dados do WRI, EUA e UE, principais emissores, respondem por 37% do acumulado global de gases geradores do efeito estufa.

Já a meta coletiva de financiamento vem sendo discutida desde a COP de 2021, em Glasgow, e os países têm até a COP29, de 2024, para definir a nova meta. Até o momento, está em vigor acordo de 2009 no qual nações desenvolvidas se comprometeram a financiar as emergentes em US$ 100 bilhões por ano. “Esse valor é insuficiente e não foi cumprido. Existe desconfiança nas negociações porque os países em desenvolvimento argumentam que os desenvolvidos pedem mais esforços, mas sequer liberaram o prometido”, diz Stela Herschmann, consultora do Observatório do Clima. Estimativas de especialistas mostram necessidade de valores muito superiores.

Estudo lançado na COP28 calcula serem necessários investimentos de US$ 2,4 trilhões ao ano até 2030 em adaptação, transição energética e perdas e danos em países em desenvolvimento. Outro estudo, da Agência Internacional de Energia, estima em US$ 2 trilhões/ano o montante necessário apenas para mitigação em países emergentes, até 2030, para o planeta atingir emissões líquidas zero em 2050.

“Veremos os países desenvolvidos dizendo que não têm mais recursos públicos para o clima e tentando convencer os emergentes a buscar fontes alternativas via bancos multilaterais e iniciativa privada”, prevê Bruno Toledo Hisamoto, especialista em negociação climática do Instituto Climainfo.

Além das divergências em relação a valores, as negociações começam a trazer para o debate a necessidade da participação de empresas no financiamento climático. Rodrigo Sluminsky, diretor de captação da Laclima, associação de advogados de mudanças climáticas da América Latina, diz que, até o Acordo de Paris, as tratativas giravam em torno de crédito concedido por países desenvolvidos. “A tendência é trazer os recursos privados como essencial para o financiamento de clima”, afirma.

Economistas do FMI, em artigo recente intitulado “Emerging Economies Need Much More Private Financing for Climate Transition”, ressaltam que diante da limitação do investimento público, o setor privado precisará participar com 80% do montante necessário.

O físico Artaxo tem visão semelhante. “Há 50 anos o lucro das empresas de petróleo acumula várias centenas de trilhões de dólares. Agora, quem paga o prejuízo do dano das emissões é o poder público, o consumidor, e não as indústrias, que ficam com o lucro. Isso é correto? É ético?”, questiona. Tais questões animarão a COP29, no Azerbaijão, país onde um terço da economia depende do petróleo.

 

POR MÔNICA MAGNAVITA

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 19/12/2023

Arcabouço jurídico consistente pauta atração de investimentos

Para advogados, regulação é urgente porque avanço de projetos verdes exige tempo e demanda estrutura de longo prazo

As discussões multilaterais durante a COP28 indicam que um arcabouço jurídico claro e consistente nos âmbitos nacional e global será fundamental para a atração de investimentos em meio ao cenário de emergência climática. Outros desafios serão a construção de pontes entre os países para viabilizar um mercado de carbono consistente e um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia que viabilize o avanço de atividades com baixa emissão de carbono com a participação da população local nas decisões.

A avaliação, feita ao Valor, é de advogados que participaram da conferência global realizada em Dubai, nos Emirados Árabes. “Do ponto de vista jurídico, a diferença é que agora os países precisam ter legislações próprias para definir questões relacionadas ao mercado de carbono. Ao mesmo tempo, têm compromissos e metas nacionais declarados, que impactam a esfera pública e o setor privado”, explica o advogado especialista em mercado de carbono, Ludovino Lopes.

Para o advogado, o investidor sabe lidar com risco financeiro, mas não gosta de lidar com o risco regulatório. “Sabemos que os projetos levam até 20 anos para serem implantados e é preciso uma estrutura de longo prazo. Por isso, é essencial que o país comece a trabalhar na regulação o quanto antes”, afirma Lopes.

Entre os temas de destaque estão as revisões das NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada, sigla em inglês) em 2025. São as metas estabelecidas por cada país com a avaliação dos objetivos alcançados a cada cinco anos. “Serão necessárias novas metas para a questão do metano e cadeias como a de proteína animal e agronegócio deverão sentir mais o impacto das mudanças”, explica o sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, Rodrigo Sluminsky.

Segundo ele, a construção de uma legislação consistente é fundamental para a competitividade de países que querem estar na dianteira da atração de investimentos. “O Brasil já começou a fazer atualizações nas questões relacionadas às florestas, porque o governo sabe que será cobrado”, pondera Sluminski.

Para a advogada Ana Carolina Rocha, presidente da Rede Amazônidas Pelo Clima, o modelo necessário de desenvolvimento para a Amazônia, comunitário e com baixas emissões, procura corrigir os erros dos anteriores. “Os grandes projetos que foram pensados para a Amazônia por pessoas de fora não deram certo e acabaram por criar bolsões de pobreza”, afirma.

O Projeto de Lei 412/2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), seria o primeiro passo para melhor definição das regras do mercado de carbono no país. “É o começo para criarmos as bases e iniciarmos a curva de aprendizagem em um campo complexo e sofisticado, de difícil implementação, mas que precisa ser feito. Para engajar outros atores, o governo brasileiro precisa ter essa governança bem montada”, avalia Caroline Prolo, sócia da Fama Recapital e cofundadora da Laclima, entidade que reúne advogados da América Latina em defesa do clima.

Ao mesmo tempo, pondera o advogado Ludovino Lopes, o Brasil precisa construir as pontes com os mercados internacionais de carbono, de créditos de água e serviços ambientais. “É importante avaliar como outros países estão se posicionando, olhar os exemplos a nossa volta porque vamos nos colocar em um mercado extremamente competitivo e essa é a economia do futuro.”

Para o setor privado, as questões relacionadas ao Global Stocktake – balanço das ações adotadas para mitigar o avanço do aquecimento global – irão definir as regras do jogo para os próximos anos. “É ali que estão as diretrizes do que as empresas precisarão ajustar”, explica Flávia Bellaguarda, presidente da Laclima

Com a proximidade da COP30, prevista para ser realizada em Belém (PA), em 2025, as atenções estão voltadas para o Brasil e abrem oportunidades para governos e empresas acessarem financiamentos. “Os setores estão na ânsia de ‘como é que eu surfo essa onda?’, mas é preciso ter uma estrutura preparada, que a lição de casa seja feita, e muitos ainda estão patinando nesse quesito”, avalia a advogada.

Na esfera pública, ela considera que poucos municípios possuem planos de ação climática estabelecidos, com análise de risco e vulnerabilidade. É o caso de Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador. Bellaguarda explica que o calcanhar de Aquiles é sempre o financiamento, já que a maior parte dos municípios não tem estrutura para  desenvolver as ações. “Também existe muita dificuldade em entender como fazer essa conexão entre o que temos na COP e a realidade das cidades”, pondera.

Com o avanço das ações, Sluminsky acredita que possíveis disputas possam surgir, mas afirma ser pouco provável um conflito entre nações. Além disso, a tendência é de que as estruturas e discussões fiquem mais complexas e sofisticadas, o que, segundo Bellaguarda, trará a necessidade de estabelecer um novo foro para mediar a pauta climática. “Conforme o cenário global relacionado ao clima piore – e vai piorar -, seremos pressionados a encontrar outros mecanismos de governança global, além da COP, que tem suas limitações. Ainda não sabemos o que é, mas irá existir”, diz Bellaguarda.

 

POR JULIANA RIBEIRO

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 19/12/2023

ALERJ aprova Projeto de Lei para instituir taxa de fiscalização sobre as atividades de petróleo e gás

O PL nº 1.473/2023 aprovado em 13/12/2023 pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) prevê a instituição da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás –TFPG

De acordo com a proposta legislativa, a incidência da taxa se justificaria pelo poder de polícia exercido pelo Instituto Estadual do Ambiente – INEA na fiscalização das atividades de exploração e produção de petróleo e gás realizadas no Estado do Rio de Janeiro.

Se aprovado, as operadoras deverão recolher mensalmente por cada ‘área sob contrato’ de Concessão, Partilha ou Cessão Onerosa, o montante equivalente a 10.000 (dez mil) UFIR-RJ, o que corresponde em 2023 a R$ 43.329,00.

Vale destacar que essa é mais uma tentativa do legislativo fluminense de instituir a taxa, que já foi objeto da Lei nº 7.182/2015, considerada em 2020 pelo Supremo Tribunal Federal inconstitucional por ocasião do julgamento da ADI 5480.

Naquela ocasião, em linhas gerais, a decisão judicial consignou que a base de cálculo da taxa não era proporcional ao custo das atividades de fiscalização exercidas pelo INEA, caracterizando uma excessiva onerosidade, uma vez que as taxas de acordo com a jurisprudência do próprio STF, pela sua natureza contraprestacional, devem se relacionar aos custos da entidade fiscalizadora.

Em 2021, a ALERJ já havia feito uma nova tentativa de instituir a TFPG, mas o PL nº 5.190/2023 foi vetado em sua integralidade pelo atual governador do Estado do Rio de Janeiro no começo de 2022, que adotou como justificativas a ausência de proporcionalidade entre o valor a ser arrecadado e o orçamento do INEA no ano, bem como a inconstitucionalidade material da cobrança da taxa.

Em que pese o montante arrecadado proposto no PL nº 1.473/2023 seja inferior àqueles previstos nas propostas legislativas anteriores, a discussão jurídica em torno da proporcionalidade da cobrança ainda restaria possível, considerando a abrangência das atividades de fiscalização sobre o setor.

Ademais, a proposta prejudica a segurança jurídica dos investimentos em petróleo e gás no território fluminense, adicionando um novo custo e controle para as sociedades, que desempenham atividade bastante representativa para a economia do Estado, e por conseguinte, arrecadação dos tributos estaduais.

O Projeto de Lei nº 1.473/2023 foi encaminhado para que o Governador do Estado do Rio de Janeiro se manifeste em até quinze dias úteis pela sanção ou veto da proposta, conforme art. 155 da Constituição Estadual. Se aprovado, a nova legislação estará em vigor a partir de 01/04/2024.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Aduaneira do GSGA.