Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa RFB Nº 2.267, de 27 de maio de 2025, que modifica trechos da Instrução Normativa RFB Nº 2.237, de 4 de dezembro de 2024, que regula a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTFWeb. Nesta alteração, o art. 3º agora inclui, entre os contribuintes obrigados, as demais pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pelo recolhimento dos tributos mencionados no art. 8º. Além disso, foi instituído o art. 16-A, que estabelece os procedimentos e prazos para os contribuintes que optaram por dividir em quotas o pagamento do IRPJ e da CSLL referentes ao 4º trimestre de 2024.

 

2.PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta quarta-feira, dia 28/05, o Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do seguinte caso relevante:

2.1.1 RE 928943: TEMA 914 – Incidência da CIDE sobre remessas ao exterior.

O relator, Min. Luiz Fux, defendeu a constitucionalidade da CIDE sobre remessas ao exterior, disciplinada pela Lei nº 10.168/2000. O Ministro ponderou que a CIDE se insere na competência exclusiva da União e, conforme jurisprudência da corte sobre as contribuições de intervenção no domínio econômico, seria desnecessária a exigência de lei complementar.

Ademais, ressaltou que não há exigência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas arrecadadas.

Apesar da constitucionalidade da CIDE, afirmou que a incidência do tributo deve se limitar à remuneração decorrente da exploração ou transferência de tecnologia, alertando contra a ampliação indevida que incluísse remessas relativas a direitos autorais, software sem transferência tecnológica e serviços não relacionados à inovação.

Teses propostas pelo relator, Min. Luiz Fux:

“(i) Constitucionalidade da CIDE sobre remessas financeiras decorrentes de contratos envolvidos na exploração ou transferência de tecnologia; (ii) Limitação da incidência à remuneração decorrente da exploração ou transferência de tecnologia, excluindo remessas de direitos autorais, software sem transferência tecnológica e serviços não tecnológicos.”

O Min. Flávio Dino abriu divergência, sustentando a manutenção da ampliação da base de incidência. Argumentou que a redação vigente há 25 anos garante segurança jurídica, previsibilidade e responsabilidade fiscal, permitindo a aplicação do tributo também a outras operações compatíveis com o fomento à ciência e tecnologia.

Tese proposta pelo Min. Flávio Dino:

“(i) É constitucional a CIDE destinada a financiar o programa de estímulo à interação universidade-empresa para apoio à inovação, instituída pela Lei nº 10.168/2000;

(ii) É vedado qualquer tipo de destinação diversa daquela voltada à ciência e tecnologia.”

2.2 Nessa terça-feira, dia 27/05, o presidente Lula indicou o desembargador Carlos Pires Brandão, do TRF-1, para ocupar a vaga de ministro do STJ. O desembargador passará por sabatina no Senado Federal e, se aprovado, será oficialmente nomeado pelo chefe do Executivo, sucedendo a Min. Assusete Magalhães.

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 A Comissão de Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 28/05, quarta-feira, o Projeto de Lei Complementar 226/24, que eleva o limite de faturamento anual para enquadramento como startup de R$ 16 milhões para R$ 50 milhões. A proposta visa permitir que empresas em estágio mais avançado, mas ainda dependentes de políticas de incentivo, usufruam dos benefícios do Marco Legal das Startups. O projeto ainda será analisado pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de seguir para o Plenário da Câmara.

3.2 A Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados aprovou, em 29/05, quinta-feira, o Projeto de Lei 2700/24, que estende às pequenas permissionárias de distribuição de energia elétrica — geralmente cooperativas de eletrificação rural — a mesma subvenção econômica aplicada às concessionárias de pequeno porte que atendem até 350 gigawatts-hora de consumo. A proposta visa garantir justiça tarifária, permitindo que pelo menos 52 cooperativas tenham acesso ao subsídio financiado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), possibilitando a cobrança de tarifas de energia menores dos consumidores. O projeto ainda será analisado, de forma conclusiva, pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), antes de seguir para votação no Plenário da Câmara e, posteriormente, para o Senado.

3.3 O Senado aprovou, em 29/05, quinta-feira, o Projeto de Lei 1.281/2022, que estabelece regras simplificadas para a produção artesanal de cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal, incluindo a isenção de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O projeto segue agora para sanção presidencial.

3.4 A Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal aprovou, em 28/05, quarta-feira, o Projeto de Lei 292/2024, que isenta do Imposto de Renda (IR) a remuneração e os rendimentos de aposentadoria e pensão recebidos por pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) ou por seus representantes legais, até o limite de R$ 8.472,00 mensais, equivalente a 6 (seis) salários-mínimos de 2024. A proposta visa aliviar o ônus financeiro das famílias que enfrentam desafios significativos relacionados à saúde, educação e integração social dos autistas. O texto segue para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que terá a palavra final.

3.5 A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal aprovou, em 28/05, quarta-feira, o Projeto de Lei 4.719/2020, que isenta de tributos federais a doação de medicamentos à União, estados, municípios, Distrito Federal e entidades beneficentes. A proposta visa incentivar a doação de medicamentos com pelo menos 6 (seis) meses de validade, ampliando o acesso a tratamentos essenciais e reduzindo o desperdício de remédios próximos do vencimento. A isenção abrange o PIS/Pasep, COFINS e o IPI, e as doações devem ser destinadas exclusivamente à distribuição gratuita. O projeto ainda será analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) antes de seguir para o Plenário do Senado.

3.6 O Plenário do Senado Federal aprovou, no dia 27/05, terça-feira, o Projeto de Lei Complementar 234/2020, que amplia a participação de microempresas e empresas de pequeno porte em compras públicas. Segue agora para análise na Câmara dos Deputados.

Gaia Silva Gaede Advogados marca presença no “Congresso da IFA Latam”

Encontro aconteceu no Paraguai, de 20 a 22/5.

Entre os dias 20 e 22/5, o Gaia Silva Gaede Advogados esteve em Assunção/Paraguai para participar do “Congresso da IFA Latam”, um dos principais fóruns de debate sobre tributação internacional na América Latina.

A International Fiscal Association (IFA) é uma organização não governamental dedicada ao estudo do Direito Tributário, reconhecida por sua atuação técnica, neutra e independente. A IFA LATAM representa a entidade na região e organiza, anualmente, um encontro que reúne profissionais de diversos países para compartilhar experiências, analisar tendências e discutir os desafios do setor.

Nesta edição, o sócio Marcos Catão, responsável pela unidade de Madrid, encerrou seu mandato à frente da presidência do Comitê Regional Latino-Americano da IFA. O sócio Gustavo Noronha, do escritório do RJ, será o representante brasileiro no Comitê, que já discute as próximas edições do congresso: em Antígua/Guatemala, em 2026, e em Punta del Este/Uruguai, em 2027.

O congresso também abriu espaço para debates relevantes sobre mobilidade internacional e tributação de pessoas físicas. A advogada Tânia Cuentas, da unidade de SP, integrou o painel promovido pelo Women of IFA Network (WIN). Completando a delegação do escritório, o sócio Cassiano Bernini, também de SP, acompanhou as discussões técnicas e participou dos encontros promovidos ao longo dos três dias de programação.

Fonte: Migalhas.

Por que os créditos superprivilegiados merecem atenção

A recuperação de crédito no Brasil é um dos maiores gargalos do Poder Judiciário e um problema que tira o sono dos credores. Afinal, a dificuldade na execução forçada das dívidas não decorre apenas da ineficiência jurisdicional, mas também, e principalmente, da ocultação e inexistência de patrimônio em nome dos devedores.

Para tentar evitar parte desses problemas, a alternativa aos credores é a vinculação de garantia aos negócios realizados — seja de ordem pessoal, como é o caso da fiança, ou de natureza real, vinculada a imóvel, como é o caso da hipoteca [1].

A garantia hipotecária tem dupla finalidade: assegurar o conhecimento de terceiros sobre o débito vinculado ao imóvel e, mais importante, garantir a preferência do crédito hipotecário sobre outras potenciais dívidas do devedor.

Portanto, a hipoteca acautela que o credor terá preferência sobre outras dívidas do devedor (anterioridade) e altera a natureza do crédito, que deixa de ser quirografário (comum) e passa a ser privilegiado.

Dessa forma, em caso de inadimplemento, a hipoteca garantirá que o imóvel hipotecado será expropriado para satisfazer o crédito hipotecário antes de qualquer outro débito do devedor, certo? Nem sempre.

Obstáculo invisível

O problema que enfraquece a hipoteca está diretamente relacionado com os chamados créditos superprivilegiados, os quais fazem justiça ao seu nome, por conta de seu poder frente aos créditos de outra natureza.

De acordo com o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) [2], confirmado pelos demais tribunais [3], os créditos que ostentam a qualidade de superprivilegiados são aqueles de natureza trabalhista (verba alimentar [4]) e tributários, que estão nessa categoria por conta de sua relevância social [5].

Na prática, isso significa que esses créditos terão prioridade absoluta sobre as outras dívidas do devedor, independentemente da anterioridade da hipoteca sobre a dívida, posição que tem por consequência o esvaziamento da garantia.

Nesse contexto, a jurisprudência evidencia que, “existindo pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem, deve-se verificar a existência das preferências que, na ordem, são: créditos trabalhistas, fiscais e aqueles decorrentes de direito real de garantia” [6].

Em outras palavras, coexistindo vários débitos sobre o mesmo imóvel, o credor hipotecário somente receberá após a quitação dos créditos superprivilegiados.

Mais preocupante, ainda, é que essa posição estende seus efeitos para reconhecer que a preferência dos créditos superprivilegiados não depende da realização de penhora [7] e, no caso dos créditos tributários, nem mesmo é necessário que exista ação de execução [8].

Portanto, mesmo que a hipoteca (ou penhora anterior [9]) tenha sido regularmente registrada sobre o imóvel, sem qualquer anotação prévia de outras dívidas vinculadas a créditos superprivilegiados — ou, na verdade, antes mesmo da existência dessas dívidas —, estes terão preferência no recebimento do produto da expropriação judicial do bem.

Ilusão da segurança

Embora esse cenário não seja uma novidade, é fato que o entendimento contraria o senso comum (que, por vezes, vê na hipoteca a segurança do adimplemento) e, por conta disso, torna-se questão inquietante aos credores hipotecários.

O que está em jogo não é apenas a mitigação da garantia, mas também a frustração de expectativa legítima do credor de boa-fé que, mesmo adotando todas as cautelas cabíveis, eventualmente poderá ser agraciado com a notícia de que seu crédito, dito “privilegiado”, foi esvaziado e está no “final da fila” de pagamentos.

O risco é concreto porque, quando uma empresa entra em crise financeira, é natural que essa passe a inadimplir todas as espécies de obrigações — principalmente, aquelas relacionadas com débitos fiscais e trabalhistas, que representam a maior parte da carga de despesas vinculadas à atividade empresarial.

A lição que fica, portanto, é ter a consciência da fragilidade da hipoteca, que não é uma garantia de pagamento da dívida, e, mais do que isso, a importância de sempre efetuar pesquisa prévia sobre a situação do devedor, providência que auxiliará para evitar surpresas desagradáveis e a perda de tempo e dinheiro.

O que você, credor, pode fazer?

Nesse cenário, sempre que a realidade permitir, a constituição de alienação fiduciária como garantia vem como a melhor alternativa para trazer maior segurança aos credores.

Afinal, com a constituição de alienação fiduciária, a propriedade resolúvel do imóvel é transferida ao credor desde a formalização do negócio, restando apenas a posse direta do bem com o devedor.

Isso significa que, até o pagamento do débito, o credor tem a segurança de que o bem vinculado não poderá ser objeto de penhora de outras dívidas [10] — inclusive, daquelas relacionadas com os créditos superprivilegiados —, já que o imóvel não integra mais o patrimônio do devedor.

Essa condição irradia efeitos até mesmo para excluir o credor fiduciário [11] dos efeitos de eventual recuperação judicial do devedor [12], fato que, além de garantir a preferência, também afasta o risco de deságio e parcelamento no pagamento do crédito.

A “cereja do bolo” é que a alienação fiduciária retira a necessidade de intervenção do Poder Judiciário na execução da garantia, vez que o procedimento de expropriação do bem será exclusivamente extrajudicial, por meio do Registo de Imóveis — ou seja, mais rápido, barato e eficaz.

E tudo isso basicamente com o mesmo custo financeiro e operacional da hipoteca, visto que, de igual forma, a alienação fiduciária pode ser realizada por instrumento particular (sem escritura pública) e sua validade apenas dependerá de seu registro na matrícula do imóvel.

Dessa forma, sendo a insegurança na recuperação de crédito uma realidade no Brasil, conhecer os riscos e adotar os instrumentos mais eficazes na garantia dos negócios, contando com prévia análise jurídica especializada, é essencial aos credores e faz toda a diferença entre o pagamento do crédito ou amargar (mais uma) execução frustrada no Poder Judiciário.

[1] A despeito da existência de outras espécies de garantia real, a prática mostra que a hipoteca é a favorita dos credores particulares, sendo as demais (como penhor e anticrese) pouco utilizadas.

[2] REsp n. 594.491/RS, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 2/6/2005, DJ de 8/8/2005, p. 258

[3] Apenas a título de exemplo: TJ-PR 00748321720228160000 Curitiba, Relator.: Shiroshi Yendo, Data de Julgamento: 13/05/2023, 15ª Câmara Cível, Data de Publicação: 15/05/2023

[4] Aqui, portanto, também incluídos os honorários advocatícios – conforme referendado pelo STF no recente julgamento do Tema 1220, realizado em março de 2025.

[5] Já que serão utilizados para promover a subsistência do credor e a manutenção do Estado, respectivamente.

[6] STJ – REsp: 1278545 MG 2011/0141726-7, Relator.: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 02/08/2016, T3 – 3ª TURMA, Data de Publicação: DJe 16/11/2016

[7] REsp n. 1.987.941/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/5/2022, DJe de 5/5/2022.

[8] REsp n. 1.998.763/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 2/10/2023, DJe de 4/10/2023

[9] Embora mais sensível ao credor hipotecário, a sombra dos créditos superprivilegiados também alcança as execuções de créditos sem preferência (quirografários) – os quais, ainda que tenham sido os primeiros a penhorar imóvel, podem ser preteridos na ordem de pagamento até o levantamento do produto da alienação do bem.

[10] Não se desconhece a recente posição da Segunda Seção do STJ sobre a possibilidade de penhora de imóvel alienado fiduciariamente por dívidas de condomínio – e que esses créditos podem resultar na penhora do bem em garantia. Conduto, essa condição não prejudica o fato de que a alienação fiduciária é uma garantia mais segura do que a hipoteca.

[11] Aquele que detém crédito vinculado à alienação fiduciária.

[12] Por disposição legal expressa, conforme art. 49, § 3º, da Lei 11.101/05.

 

Artigo publicado originalmente no Conjur.

Para onde vai o dinheiro do imposto de renda?

Ao pagar o imposto de renda, as pessoas normalmente se perguntam para onde vão os recursos arrecadados todos os anos.

O que acontece

O imposto de renda é arrecadado pela União por meio da Receita Federal. Porém, 50% do valor arrecadado é repartido com os Estados, Distrito Federal e municípios, conforme previsto no artigo 159, inciso I, da Constituição Federal, como explica Heitor Cesar Ribeiro, sócio da área Tributária do escritório Gaia Silva Gaede Advogados. Desta maneira, apenas metade do valor arrecadado fica, de fato, com a União.

A Constituição Federal não vincula a utilização dos recursos arrecadados a qualquer alocação específica. Assim, o montante pode ser utilizado pelos entes federativos para financiar serviços públicos, como saúde, educação e segurança, entre outros.” – Heitor Cesar Ribeiro, sócio da área Tributária do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.

Além disso, o próprio contribuinte pode destinar parte do seu imposto a projetos sociais e culturais. Uma forma de estimular a proteção às crianças, adolescentes e idosos, atividades culturais, audiovisuais e desportivas. Quem declara o IRPF no modelo Completo pode escolher o destino de 6% daquela soma, direcionando-a a:

  • Fundos especiais de proteção à criança, ao adolescente e ao idoso;
  • Projetos de incentivo à cultura (Lei Rouanet);
  • Projetos de produção audiovisual;
  • Projetos relacionados às atividades desportivas (até 7% a partir de 01/01/2023).

 

Doação é utilizada como dedução do IR. Durante o ano, os valores podem ser doados diretamente aos fundos especiais e aos projetos previamente aprovados pelos órgãos competentes. Nestes casos, a doação é utilizada como uma dedução do IRPF devido, quando do preenchimento da declaração anual.

Alternativamente, para os fundos especiais de proteção à criança, ao adolescente e ao idoso, também é possível fazer a destinação na própria declaração. Basta o contribuinte acessar o registro de doações e pagamentos, escolhendo a entidade para a qual pretende reverter parte de seu imposto devido.

A vantagem de se fazer essas destinações é que o contribuinte passa a ter maior participação nas decisões quanto à utilização do imposto pago. Além disso, o contribuinte pode escolher destinar os recursos a entidades e projetos de seu interesse ou que revertam em benefício ao seu município ou Estado.” – Heitor Cesar Ribeiro, sócio da área Tributária do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.

Por: Neide Martingo.

Fonte: Uol.

A indenização por danos decorrentes da mora aduaneira

Certamente, todos aqueles que, de alguma forma, atuam na rotina aduaneira já se depararam com percalços na efetivação dos despachos de importação ou exportação de mercadorias, especialmente em decorrência dos movimentos grevistas frequentemente deflagrados pelos auditores da Receita Federal do Brasil. Todavia, e sem qualquer juízo de valor sobre as reivindicações da categoria, o exercício do direito de greve — embora assegurado pelo art. 37, inciso VII, da Constituição Federal — deve ser necessariamente compatibilizado com o Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos, nos termos do art. 9º da Lei nº 7.783/1989.

Tal direito também deve observar o Princípio da Eficiência Administrativa, que, no caso específico da atividade aduaneira, deve ser interpretado em conjunto com o disposto no art. 4º do Decreto nº 70.235/1972, o qual estabelece o prazo de oito dias para a conclusão do desembaraço aduaneiro.

Não obstante essas determinações legais, além dos episódios envolvendo greves, outra forma deveras prejudicial aos que dependem dos serviços aduaneiros pode ser verificada quando se extrapola o prazo legal de oito dias por terem sido formuladas exigências com pouca ou nenhuma relação com o processo de importação ou exportação em si, tão somente para simular movimentação e prorrogar, de forma artificial e indefinida, o referido prazo.

Tais paralisações ou exigências desproporcionais podem — e devem — ser combatidas por meio de Mandado de Segurança, com vistas a assegurar a liberação da mercadoria dentro do prazo legal, conforme respaldo consolidado na jurisprudência dos tribunais federais.

Mas, diante desse cenário de ilegalidade, poderá o contribuinte, que deu início regular ao processo de importação ou exportação e sofreu atrasos imputáveis exclusivamente à mora da Administração Pública, buscar a reparação dos danos perante o Poder Judiciário? A resposta é afirmativa.

Independentemente do motivo (greve, ineficiência ou outro qualquer), quase sempre os atrasos na regularização dos trâmites aduaneiros acarretam vários prejuízos e, para que se obtenha êxito nas demandas judiciais, o contribuinte deverá, em primeiro lugar, identificar corretamente a natureza de seu dano e, depois, produzir as provas adequadas para quantificá-lo.

Tratando-se de perda de carga perecível, haverá dano pela perda da própria carga, mas em todos os casos, de bens perecíveis ou não, é bastante provável que haja custos adicionais com armazenagem prolongada, aumento do preço do frete e/ou seguro, demurrage e, sobretudo, as multas contratuais em razão de descumprimento de prazos com seus clientes. Em face de todos esses eventos, o interessado poderá requerer reparação de danos materiais (emergentes), acompanhados de todas as provas e cálculos.

Noutros casos, e os exemplos clássicos são as frutas secas do Natal e o bacalhau da Páscoa, as mercadorias retidas perderão muito do valor após as datas comemorativas e, provavelmente, restarão encalhadas até perecerem. Nessas situações o pedido deverá ser endereçado sob a forma de lucros cessantes, preocupando-se o demandante com a demonstração clara do lucro suprimido (decorrente do não faturamento), o que pode se dar por meio de comprovações de anos anteriores ou mesmo de um business plan específico.

Já quando se tratar de importações/exportações destinadas a eventos específicos, tais quais exposições, concursos ou disputas esportivas, diante da impossibilidade de quantificação, a indenização poderá ser requerida através da Perda de uma Chance. Por fim, menos comum, mas não descartado, está o pedido de danos morais para quando a “mora aduaneira” for a causadora de abalo na reputação da pessoa, física ou jurídica (súmula 227 do E. STJ), como acontece, por exemplo no descumprimento de vários contratos ensejando notícias desairosas que venham a pioram a imagem do indivíduo ou empresa no seu meio profissional.

Corroborando o exposto acima, a E. 13ª Turma do TRF-1 decidiu, por ocasião do recente julgamento da Apelação nº 0015288-98.2015.4.01.3200, manter condenação da União em danos materiais e morais decorrentes da retenção indevida de embarcação, por parte da Receita Federal do Brasil pois “a retenção baseou-se em presunções infundadas sobre a capacidade financeira da autora, sem amparo em provas concretas” e, ainda, que o “dano material foi demonstrado por meio de notas fiscais que indicam os valores de armazenamento e aluguel de reboque (…)” enquanto o “dano moral foi configurado pela retenção prolongada e injustificada dos bens, sendo aplicável a Súmula 227 do STJ, que admite a reparação moral a pessoa jurídica.”

Conclui-se, portanto, que a “mora aduaneira”, independentemente de sua causa, viola o princípio da eficiência administrativa e pode causar várias espécies de danos indenizáveis ao contribuinte, que devem buscar no Poder Judiciário tal reparação.

Artigo publicado originalmente no Portos & Navios.