Vantagens para novos residentes podem ser mais onerosas que a tributação regular
Nos últimos anos e pelas mais variadas circunstâncias, não só brasileiros, mas também cidadãos de outros países, têm optado pela mudança de país. Via de regra, a migração geográfica acaba redundando na mudança de residência fiscal.
Evidentemente, a alteração desse status quo subjetivo acaba gerando implicações imediatas, não só em relação às rendas do trabalho quanto no que concerne às rendas derivadas de ativos financeiros. Até se poderia dizer que a temática não seria nova em termos de tributação internacional (vg tie breaker rules do artigo 2 OCDE, regras de saída). Contudo, a verdade é que os tratados contra a dupla tributação não foram acomodados para tanto, e, por conseguinte, não são instrumentos adequados para lidar com essa diáspora global.
De fato, de uma hora para outra, o direito tributário internacional se viu instado a lidar com uma situação potencializada pelo pós-Covid, e que é extremamente paradoxal: enquanto os países estimulam a concessão de vistos de residência, garantindo ainda benefícios fiscais, como a manutenção do status de não residente fiscal para novos residentes, por outro lado endureceram ou criaram (como o Brasil) suas respectivas leis de CFC (controlled foreign corporations) para pessoas físicas.
Ou seja, uma espécie de harmful tax competition entre o que quer atrair a pessoa física, isentando de rendimentos do exterior o novo residente, e o que quer manter a pessoa física em seu país, mas gravando os rendimentos do exterior. E por mais que os países se esforcem para criar parâmetros para tratar do tema, a verdade é que não existe solução uniforme.
Prova nesse sentido é a miscelânea de regras/standards produzida sobre a matéria. No âmbito da OCDE existe uma superposição de soft law, que tem de conviver com o hard law interno sobre a temática. Vide o informe da OCDE que trata da questão como um problema único de arrecadação, que se poderia denominar de “BIPS” (base erosion income shifting). Acaba por não explicar como se resolve o suposto problema, quando “o problema” não tem por causa unicamente o planejamento e sim uma escolha pessoal de onde viver. (informe “Why do OECD countries offer tax relief programmes to atract foreigns migrants and returning nationals, OCDE, junho 2024).
Um exemplo foi o pós-regularização no Brasil de ativos no exterior em 2013 (anistia). Notório que muitos brasileiros fixaram residência em Portugal, aproveitando-se da qualidade de vida naquele País e o regime do RNH (residente não habitual). Seja através do uso de PFIC’s em jurisdições favorecidas ou até mesmo pelo fato do Brasil produzir situações de baixa tributação (ex lucro presumido ou não tributação local no ganho de capital para certos investimentos) o regime de RNH se tornou extremamente favorável aos brasileiros que mudaram a residência para Portugal.
Só que passados os 10 anos de vigência do regime aliado ao fim do RNH anterior (com a expectativa do RNH 2.0), aqueles que fixaram residência plena em Portugal, não só deixaram de ter o RNH, como passaram a se defrontar com o regime de CFC – pessoas físicas de Portugal. O agravante é que o CFC português, a exemplo de outros países europeus, é jurisdicional, transacional e conceitual all at once, ou seja, extremamente complexo. E mais contradição normativa.
Em 2021 ao transpor uma diretiva da União Europeia restrita a CFC das empresas, alguns países decidiram harmonizar o regime de transparência (TFI), estendendo alguns de seus dispositivos para pessoas físicas. Ocorre que ao tentar extirpar o uso de empresas de holdings de pessoas físicas (PFIC) mundo afora, a UE acabou criando os seus próprios refúgios fiscais em Estados-membros da zona.
Tal se deve ao fato de que as regras de CFC, por vezes, não podem ser oponíveis aos tratados constitutivos da UE, em virtude do princípio da livre movimentação de capitais. E essas antinomias acabam tendo o respaldo do Tribunal da UE, o qual, a partir de vários precedentes, afirmou uma doutrina que privilegia a livre movimentação de capitais em detrimento unicamente da arrecadação dos Estados-membros, pela via das normas antiabuso
Não bastasse, há ainda a incidência dos tratados contra a dupla tributação. Só que nessas hipóteses, ao invés de ajudar, as normas convencionais, ou claramente são inaplicáveis (compatibilidade entre regras de CFC e tratados) ou colocam os rendimentos do exterior em uma situação de discriminação, desafiando o artigo 24 da CM da OCDE.
É o que acontece por exemplo, no caso de tratados com clausulas de isenção de dividendos, especialmente em paises como o Brasil (também outros tantos países latino-americanos que contém regra de participation exemption). Aplicada literalmente, levaria a uma situação em que um não residente brasileiro pessoa física residente de um país europeu, e que tenha resultados por uma participação societária em uma empresa brasileira produtora de rendas “semipassivas” (vg. royalties e imóveis), poderia ter uma tributação mais gravosa que se recebesse dividendos de uma empresa do próprio país.
Tal se deve ao fato de que as regras de CFC para pessoas físicas na Europa, normalmente trazem a aplicação de alíquotas mais elevadas equiparadas a rendimentos do trabalho, em média até 50%, enquanto juros e dividendos em média até 25%.
Conclusivamente, vivemos em um cenário de legítima aspiração à mudança de residência com o enquadramento em regimes de atratividade fiscal para novos residentes. Contudo, e na mão inversa, tais benefícios podem restar ser mais onerosos que a tributação regular, a depender do enquadramento nas regras de CFC para as pessoas físicas (sem falar em exit taxes). Adaptando o ditado, sem uma devida análise substantiva na legítima opção de fixar residência em outro país, o barato pode sair caro e o “não” tão caro pode sair barato.
Fonte: JOTA