Arrendamento como atividade rural para fins do IR

Contribuintes devem revisar preventivamente seus contratos para evitar alegações de simulação pela Receita Federal.

Recentemente, a Receita Federal tem intensificado autuações fiscais visando desqualificar contratos de parceria rural, alegando que tais contratos são, na verdade, arrendamentos dissimulados. Segundo a RFB, essa requalificação afastaria o regime tributário especial da atividade rural, conforme previsto na Lei 8.023/1990, passando-se a exigir o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) sobre a totalidade dos rendimentos recebidos pelo proprietário do imóvel rural em decorrência da parceria.

O argumento central da RFB é que a descaracterização da atividade rural afasta o tratamento fiscal benéfico previsto na Lei 8.023/90. A fiscalização alega simulação de parceria rural para ocultar arrendamento, tratando os rendimentos como aluguel e, em alguns casos, impondo uma penalidade agravada de 150%.

Para desqualificar o contrato de parceria rural, a fiscalização frequentemente aponta que o proprietário do imóvel não assume os riscos da atividade rural, nem arca com custos ou despesas. Vale lembrar que tanto a parceria rural quanto o arrendamento são contratos agrários previstos pelo Estatuto da Terra (Decreto 4.504/64), e visam implementar a reforma agrária e uma política agrícola baseada em justiça social e aumento de produtividade (art. 1º).

Ambos os contratos conferem posse ou uso temporário da terra para atividades agrícolas, pecuárias ou agroindustriais, sendo que a cessão do uso da terra é um elemento comum a ambos. A diferença crucial é que no arrendamento há remuneração fixa, enquanto na parceria rural o proprietário compartilha os riscos da atividade, com sua remuneração baseada nos frutos da exploração rural, conforme estipulado em contrato.

A Lei 8.023/1990, em sua essência, visa fomentar a atividade rural, a qual é premissa indispensável de ambas as modalidades de contrato agrário reguladas pelo Estatuto da Terra (arrendamento e parceria). Logo, não há justificativa para privilegiar, do ponto de vista fiscal, a parceria em detrimento do arrendamento quando ambas são formas jurídicas igualmente previstas e válidas para atingir a finalidade de fomentar a produtividade e o acesso às terras em bases equitativas, ambas satisfazendo – portanto – os objetivos do incentivo fiscal conferido.

Apesar de diferenças técnicas, os institutos possuem grande semelhança, havendo inclusive expressa previsão de que as partes poderão, a qualquer tempo, pactuar a transformação do contrato de parceria em arrendamento (art. 50 do Decreto 59.566/1966).

No caso do arrendamento, a remuneração do proprietário não se sujeita aos riscos de variação de preços, mas o limite de remuneração está atrelado ao valor cadastral do imóvel, não podendo superar 15% de seu valor ou 30% nos casos de glebas de exploração intensiva. Em contrapartida, a remuneração da parceria está atrelada aos frutos, ficando o limite de remuneração do proprietário, em tais casos, restrito ao percentual sobre os frutos. Em ambos os casos, no entanto, há, como premissa básica e essencial, a existência de exploração de atividade rural, sobre a qual recai tratamento tributário diferenciado.

No limite, pode haver parceria agrícola que consista apenas em ceder o direito de uso à terra nua (sendo, na prática, muito semelhante ao arrendamento), não havendo, em tal exemplo, nenhum motivo para estabelecer tratamento tributário desigual entre arrendamento e parceria, apenas porque há um diferente critério para definição de preço entre elas.

Nessa linha, a Lei 8.023/90 não exclui o arrendamento do conceito de atividade rural. O art. 13 da Lei 8.023/90, que tem sido apontado pela RFB e por alguns especialistas como a estabelecer tal exclusão, em verdade, não veicula tal regra. Tal dispositivo, na realidade, comporta duas diferentes interpretações, nenhuma delas implicando uma lista exaustiva de situações para as quais os incentivos fiscais da Lei 8.023/90 estariam disponíveis.

Tanto é assim que não há, no referido dispositivo, menção ao proprietário que explora, ele próprio, a atividade rural, não havendo sentido algum em se concluir que, por ser omitido no dispositivo, tal proprietário estaria excluído do incentivo fiscal conferido pela Lei 8.023/90.

Uma primeira possibilidade é que tal dispositivo (art. 13) trata somente de situações em que haja exploração conjunta da atividade rural, o que justificaria uma regra a esclarecer que a tributação do resultado da atividade compartilhada deve se dar separadamente, na proporção dos rendimentos que couberem a cada parte.

Nesse cenário, faria sentido mencionar apenas os parceiros rurais, e não o arrendador, porque, no caso dos parceiros, o contrato estabelecerá a participação e a extensão dos rendimentos de cada um, devendo a tributação observar tal proporção, desde que comprovado no contrato, problema que não existe no caso do arrendante.

Uma segunda possibilidade seria que o artigo trata de situações de pluralidade de arrendatários e parceiros em um mesmo imóvel, algo muito comum na realidade de tais relações, sendo que a segregação do resultado tributável entre eles deve se dar proporcionalmente, na medida em que comprovado documentalmente. Novamente, não haveria necessidade de mencionar o arrendante nestas situações.

Por outro lado, a legislação do Estatuto da Terra deve prevalecer sobre a Lei 4.506/1964, legislação de Imposto de Renda (que classifica, de um modo geral, rendimentos de arrendamentos como aluguéis, e não decorrentes de atividade rural), devido à especificidade do contrato agrário.

Em conclusão, os contribuintes devem revisar preventivamente seus contratos de parceria rural para evitar alegações de simulação pela RFB, porém, nota-se que mesmo sendo qualificada como arrendamento, a atividade continua sendo rural e elegível para o regime tributário especial da Lei 8.023/1990.

*Artigo publicado originalmente no Jota.

CNJ retoma cadastro compulsório de empresas no Domicílio Judicial Eletrônico

Acerca do cadastro das empresas no Domicílio Judicial Eletrônico (DJE) e respectivos prazos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) havia estabelecido que:

1) Para empresas com sede no Rio Grande do Sul, microempresas, MEI e empresas de pequeno porte que não têm endereço eletrônico cadastrado na REDESIM, o prazo de cadastro foi prorrogado para dia 30/09/2024;

2) Microempresas, MEI e empresas de pequeno porte que têm endereço eletrônico cadastrado na REDESIM, o cadastro será feito de forma automática, extraindo informações cadastradas no referido sistema. Contudo, ainda não existe previsão de quando a sincronização entre os sistemas DJE e REDESIM será feita;

3) Demais empresas privadas, de médio e grande porte, o prazo para cadastro se encerrou em 30/05/2024 e a partir de então foi iniciado o cadastro compulsório, importando informações cadastradas perante a Receita Federal do Brasil. Esse cadastro compulsório foi interrompido no mês de junho/2024, até que o CNJ adequasse o sistema para impedir que as empresas pudessem realizar a abertura de intimações direcionadas aos advogados.

A respeito dos procedimentos e prazos indicados nos itens 1 e 2 acima não houve alteração.

Mas há novidade quanto ao item 3. O CNJ informou que em 07/08/2024 retomou o cadastro compulsório das empresas privadas de grande e médio porte. Segundo esclarecido por esse órgão, as pessoas jurídicas que se enquadram nessas categorias e ainda não se registraram na plataforma do DJE serão inscritas automaticamente, a partir de dados da Receita Federal. O CNJ estima que a conclusão desse cadastro ocorrerá até final de agosto/2024.

Reproduzimos a seguir as recomendações do CNJ para as empresas que forem cadastradas compulsoriamente:

“As pessoas jurídicas que forem cadastradas compulsoriamente deverão seguir estes passos:

  1. Acessar domicilio-eletronico.pdpj.jus.br.
  2. Fazer login na opção gov.br com seu certificado digital (e-CNPJ).
  3. Atualizar seus dados na plataforma.
  4. Verificar se há comunicações processuais destinadas ao CNPJ da empresa.”

Considerando as normativas vigentes e as recomendações do CNJ, chamamos a atenção para os seguintes pontos sensíveis:

  • Empresas de médio e grande porte ainda não cadastradas no DJE, devem seguir o roteiro do CNJ acima para regularizar seu cadastro o quanto antes e a partir de então iniciar o monitoramento periódico do sistema DJE .

 

  • A ausência de regularização do cadastro e de acesso ao sistema pode acarretar a incidência de multa. O prazo para leitura de citação no sistema DJE é de 3 dias úteis, sob pena de fixação de multa de até 5% sobre o valor da causa, e o prazo para leitura de intimações pessoais e ofícios é de 10 dias corridos. Ainda que nesse segundo caso não haja previsão legal direta de multa, eventual descumprimento da ordem ali indicada também poderá ser interpretado como ato atentatório à dignidade da justiça, passível de aplicação de multa no mesmo percentual e base de cálculo anteriormente indicados.

 

  • A alteração recente do sistema para impedir que as empresas acessem as intimações processuais destinadas aos advogados não significa que as empresas não devem mais acessar o DJE.

 

  • As empresas cadastradas devem manter ou criar uma rotina de monitoramento do sistema, porque as citações, intimações pessoais e ofícios são comunicações destinadas exclusivamente às empresas e deverão ser por essas acessadas e lidas no sistema DJE, sob pena de aplicação da já mencionada multa e outros prejuízos processuais.

 

  • As intimações processuais poderão ser acessadas pelas empresas via DJE, mas somente após o advogado cadastrado como procurador no processo ter feito a respectiva abertura da intimação. Isso traz mais segurança aos advogados, pois terão controle sobre o prazo processual a ser cumprido, e conforto às empresas, que poderão saber o conteúdo das intimações processuais, sem a necessidade de reportá-las aos advogados da causa, que já estarão previamente cientes.

 

Para mais informações, consulte os profissionais das áreas Tributária, Trabalhista e Resolução de Disputas e Arbitragem do GSGA.

 

CNJ inicia cadastro compulsório de grandes e médias empresas no Domicílio Judicial Eletrônico – Portal CNJ

[1] No informe divulgado pelo GSGA constam orientações complementares sobre acesso e monitoramento do DJE: https://gsga.com.br/cnj-estabelece-novos-prazos-e-diretrizes-para-o-domicilio-judicial-eletronico-providencias-e-cuidados-necessarios/.

Câmara vota tributação de ‘dividendos desproporcionais’; entenda

Nesta quarta-feira (14) os destaques do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108 serão votado na Câmara dos Deputados. O texto inclui uma mudança que visa tributar ‘dividendos desproporcionais’.

Os deputados irão analisar um ponto que tem sido considerado ‘alargamento do conceito de doação’, prevendo a incidência de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre dividendos que possuam disparidade na distribuição dentre acionistas.

Esse tipo de fenômeno geralmente ocorre em empresas familiares ou que há uma disparidade no quadro societário e controladores – ou detentores de fatia maior – recebam mais proventos do que os demais acionistas.

A prática funciona de forma análoga a pagamento de bônus e, conforme a normativa atual, não é vetada e tampouco tributada.

 

Impacto da tributação de dividendos desproporcionais

Segundo Luiz Henrique Mazetto Veronezi, sócio do PLKC Advogados, caso aprovada, essa mudança afetará apenas as empresas limitadas que podem estipular em seu contrato social a distribuição desproporcional de lucros.

Tal mudança afetará os planejamentos tributários e sucessórios, especialmente no caso das empresas que distribuam lucros desproporcionais por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação. As empresas terão que fundamentar a sua distribuição desproporcional para não caracterizar doação”, explica.

André Malinoski Munoz, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados comenta que, é muito difícil determinar, já neste momento, caminhos alternativos que possam ser aplicados em todos os casos pois ainda não está clara a abrangência desta nova tributação.

O especialista destaca que essa alteração pode afetar negativamente planejamentos sucessórios e similares porque é razoavelmente comum que esse tipo de operação envolva distribuições desproporcionais de lucros.

“Por exemplo, no contexto de planejamentos sucessórios, esse procedimento é utilizado para garantir que os pais (sucedidos) continuem recebendo a maior parte dos rendimentos do patrimônio, mesmo não possuindo mais a propriedade integral dos ativos”, comenta.

 

Volume de judicializações pode aumentar

Rafael Ujvari, da Briganti Advogados, comenta que o texto da reforma tributária pode aumentar o número de judicializações, dado que os termos utilizados são abrangentes.

O texto diz: Consideram-se, ainda, como doações, para fins da incidência do ITCMD, em transmissões entre pessoas vinculadas: os atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados.

Ujvari analisa que a falta de clareza ao trazer a expressão “justificativa negocial passível de comprovação” no texto da reforma tributária é um “ensejador de uma possível enxurrada de ações judiciais para resguardo de direitos” e pode trazer a sensação de insegurança jurídica aos contribuintes.

“Cabe salientar que essa expressão acima ‘justificativa negocial’ também poderia ser facilmente localizada nos incontáveis julgamentos no âmbito do CARF, já amplamente criticados pelos doutrinadores e estudiosos do Direito, pelo alto grau de subjetividade, influência de supostos requisitos desprovidos de fundamentação legal, o que por si só, resulta em latente insegurança jurídica aos contribuintes”.

Sobre formas de contornar essa tributação dos dividendos, o advogado comentar que uma das saídas mais simples e diretas é a mudança efetiva e formalizada de capital e reorganização societária, que venha a resultar em algum tipo de desproporção, já que o texto prevê essa possibilidade, ou seja, se a companhia alterar seu quadro societário de forma que a distribuição resulte nos exatos termos, não há o que se falar em riscos de autuações.

Por: Eduardo Vargas.

Fonte: Suno.

Lei da Igualdade Salarial – Prazo para preenchimento de relatório de transparência

Termina em 30 de agosto de 2024, o prazo semestral para as empresas, com 100 ou mais empregados, preencherem o formulário para o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, pelo site do Emprega Brasil (Portal Emprega Brasil).

A partir das informações disponibilizadas, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) produzirá um relatório, que será disponibilizado às empresas até o dia 16 de setembro e que visa fazer uma comparação entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades no ambiente de trabalho.

Ao receber este relatório do MTE, as empresas deverão publicá-lo, em seus canais de comunicação, até o dia 30 de setembro de 2024.

Caso seja descumprida alguma disposição da legislação, poderá ser aplicada multa administrativa no valor de até 3% da folha mensal de salários do empregador, limitado a 100 salários-mínimos.

Na hipótese de ser identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, a empresa será notificada pela Auditoria Fiscal do Trabalho para que elabore, no prazo de 90 dias, um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre mulheres e homens.

Assim, recomendamos que as empresas estejam atentas às atuais práticas internas de remuneração e eventual necessidade de revisão dos critérios remuneratórios para cumprimento da obrigação legal, nos prazos acima indicados

Para mais informações, procure os profissionais de Trabalhista do GSGA.

Norma da Receita extrapola Lei do Carf ao restringir benefícios em autuações, dizem tributaristas

Uma instrução normativa (IN) da Receita Federal publicada no mês passado promoveu novas restrições a benefícios no pagamento de autuações fiscais após condenações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decididas pelo voto de qualidade. E os tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o assunto apontam que as restrições são indevidas, porque vão além das previsões da Lei do Carf

A lei em questão, sancionada em 2023, retomou, após três anos, a regra do voto de qualidade: em caso de empate nos julgamentos de disputas tributárias do Carf, o voto decisivo é do presidente da seção — posição sempre ocupada por representantes do Fisco.

Porém, o texto legal estabeleceu que, caso a disputa seja decidida pelo voto de qualidade favorável ao Fisco, as multas aplicadas no auto de infração são excluídas e a representação fiscal para fins penais (RFFP, que consiste em uma comunicação ao Ministério Público sobre possível crime tributário) é cancelada.

Já a IN 2.205/2024 restringiu essas hipóteses e determinou que elas não se aplicam a multas isoladas, aduaneiras, moratórias, por responsabilidade tributária, de existência de direito creditório e nos casos em que for constatada a decadência.

A lei também estabeleceu que a exclusão de multas e o cancelamento da RFFP valem para casos já julgados pelo Carf e ainda pendentes de análise de mérito no respectivo Tribunal Regional Federal até a data da publicação da norma — 20 de setembro de 2023. Mas a nova IN prevê que esses benefícios não se aplicam a casos julgados de forma definitiva no Carf antes de 12 de janeiro do ano passado.

 

Na contramão

De acordo com Daniel Ávila, sócio-diretor do escritório Locatelli Advogados, as restrições ao afastamento das penalidades estão “na contramão daquilo que foi definido para mitigar os impactos do retorno do voto de qualidade”.

Ele também critica a data de aplicação dos benefícios estipulada pela norma da Receita: “Novamente, surge no Sistema Tributário uma IN em desrespeito à lei, inovando para restringir, em vez de simplesmente instrumentalizar a lei. Sob o pretexto de regular e aclarar, na realidade, a Receita Federal distorce e limita aquilo que foi decidido pelo Poder Legislativo”.

Em artigo publicado na ConJur, as tributaristas Clara Barbosa e Letícia da Gama também ressaltaram que “a lei não estabelece limitações quanto ao tipo de multa aplicada, pelo que qualquer multa deveria ser cancelada”.

Para elas, a instrução normativa, “a pretexto de regulamentar a Lei 14.689/2023”, acabou violando seus preceitos, “retirando do contribuinte parte dos direitos que a lei já lhe havia garantido”.

Na visão das advogadas, “a legalidade de todas essas mudanças introduzidas pela IN 2.205/2024 é questionável, pois a Receita Federal não pode implementar alterações tão significativas por ato infralegal, sob pena de usurpação do Poder Legislativo e extrapolação do decidido pelo Congresso. Noutros termos, uma instrução normativa não pode ser mais dura do que a lei”.

Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados, destaca que a Lei do Carf “não discrimina quais multas seriam excluídas” em caso de decisão pelo voto de qualidade. Ela entende que “há um conflito normativo, já que a IN, a pretexto de regulamentar, extrapola o comando legal”.

“As instruções normativas possuem o dever de regulamentar leis e decretos”, explica Anete. “O que não pode ser permitido é a extrapolação, independentemente do viés, do comando legal. A instrução não pode infirmar o comando legal, tampouco conceder a mais.”

Segundo Anali Sanchez Menna Barreto, sócia do Menna.Barreto Advogados, a instrução normativa “está em completo descompasso com as disposições da Lei nº 14.689/2023”. Ela considera que a IN restringiu de forma indevida os benefícios, pois “a Receita não poderia restringir e eleger quais multas seriam passíveis de exclusão”. A advogada também vê como indevida a diminuição da data de “corte”.

Anali lembra que a instrução normativa não pode alterar o que consta da lei. “Portanto, essas restrições, por estarem em desacordo com a lei, não podem ser mantidas.”

“O regramento de uma lei até pode ser estabelecido por meio de uma instrução normativa, no entanto, ela não pode ultrapassar o limite da lei que ela visa q regulamentar”, indica a advogada. Ou seja, qualquer IN deve estar subordinada à lei que regulamenta. E qualquer restrição ao texto da lei “só poderia ser realizada por ato com força de lei”, segundo ela. Por isso, é “impossível” que uma IN “insira mudanças ou extrapole o que a lei já dispôs”.

Julgamento do STJ

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu nesse sentido ao julgar a IN que regulamentou a forma de cálculo dos preços de transferência.

“O fato de que a Lei 14.689/2023 não fez qualquer restrição quanto às multas excluídas no julgamento por voto de qualidade já induz à conclusão pela ilegalidade das restrições da IN 2.205/2024”, pontua Cristiano Luzes, sócio do Serur Advogados. Ele recorda que “o regulamento deve se prestar à execução da lei” e “não poderia inovar ou restringir, sobretudo quando se trata de uma regra de garantia que regulamenta o in dubio pro reo em matéria de multa fiscal”.

Regras como as da IN 2.205/2024, “que estabelecem dispensa ou redução de penalidades, somente podem ser instituídas por lei”. Isso é estabelecido pelo inciso VI do artigo 97 do Código Tributário Nacional. No caso dos efeitos temporais, Luzes vê uma ilegalidade “mais explícita”, pois a própria lei já havia determinado que as regras se aplicam a casos pendentes de julgamento nos TRFs.

“Infelizmente, esse tema continuará produzindo tensões entre a Fazenda e os contribuintes, com litígios que devem ser levados às cortes judiciais”, avalia o advogado.

Daniel Ávila também acredita que a “violação ao princípio da legalidade poderá desaguar no Poder Judiciário, que, mais uma vez, terá de impor limites às instruções normativas que extrapolam sua razão de ser”.

Por: José Higídio.

Fonte: Conjur.

Boletim Semanal: Direito de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 Normas publicadas:

1.1.1 Lei nº 14.948, de 2 de agosto de 2024, que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono. A lei estabelece a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, cria incentivos fiscais e o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (REHIDRO) e cria o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC). Também altera as Leis nº 9.427/1996 e nº 9.478/1997, para incluir diretrizes relacionadas ao hidrogênio.

1.1.2 Medida Provisória nº 1.251, de 7 de agosto de 2024, que altera a Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, para isentar do imposto de renda os prêmios em dinheiro pagos a atletas olímpicos e paralímpicos pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) ou pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em razão da conquista de medalhas. Essa isenção se aplica desde 24 de julho de 2024.

1.1.3 Decreto nº 12.132, de 7 de agosto de 2024, que define o percentual do prêmio do Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), conforme a Lei Complementar nº 207, de 2024. O decreto também altera o Decreto nº 6.306, de 2007, ajustando a alíquota do IOF sobre o SPVAT. As unidades federativas que realizarem a cobrança do SPVAT receberão 1% do valor arrecadado como restituição das despesas de cobrança.

1.2 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa RFB nº 2209, de 6 de agosto de 2024, que altera a Instrução Normativa SRF nº 588, de 21 de dezembro de 2005, sobre a tributação de planos de benefício de caráter previdenciário, Fapi e seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência. A principal mudança permite que participantes de planos de contribuição definida ou variável optem por um regime de tributação alternativo até o momento do benefício ou resgate, aplicável a partir de 11 de janeiro de 2024.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta terça-feira, dia 06/08, o STF finalizou o julgamento do seguinte caso:

2.1.1 RE 662976 – TEMA 1204: Obrigatoriedade de a execução fiscal ser proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado, mesmo quando isso implique o ajuizamento e processamento da ação executiva em outro Estado da Federação.

Tese fixada: A aplicação do art. 46, § 5º, do CPC deve ficar restrita aos limites do território de cada ente subnacional ou ao local de ocorrência do fato gerador“.

Resultado: A Corte, à unanimidade, acompanhou o relator, Min. Dias Toffoli, para negar provimento ao ARE e fixar a tese acima.

2.2 Nesta sexta-feira, dia 09/08, o STF retomou o julgamento dos seguintes casos:

2.2.1 RE 662976: TEMA 619 –  Aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes de aquisições de bens destinados ao ativo fixo da empresa em operações de exportação.

O relator, Min. Dias Toffoli, manteve o voto proferido no sentido de cancelar o Tema 619, já que o Tema 633 abarca a matéria efetivamente debatida no caso concreto.

O Ministro aponta que, diferentemente do que propõe o acórdão de afetação, o caso não versa sobre o aproveitamento do crédito de ICMS decorrente da entrada de bens destinados ao ativo fixo da empresa, consideradas as operações de exportação e a referida emenda constitucional.

Em verdade, versa, desde o início, sobre créditos de ICMS oriundos de bens de uso ou consumo destinados a estabelecimento produtivo, relacionados com a produção de mercadoria destinada à exportação para o exterior e o advento da EC nº 42/03, matéria abarcada pelo Tema 613.

Após propor o cancelamento do Tema 619, votou por dar provimento ao RE do Estado do RS, aplicando a tese do Tema 633 – “A imunidade a que se refere o art. 155, § 2º, X, a, CF/88, não alcança, nas operações de exportação, o aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes de aquisições de bens destinados ao uso e consumo da empresa, que depende de lei complementar para sua efetivação.

Os demais Ministros ainda não se manifestaram.

2.2.2 EDcl’s no RE 599658 – TEMA 630 e 684: Pedido de modulação dos efeitos da decisão, a fim de que possua efeitos somente após a publicação do acórdão de mérito.

Tese aprovada para os dois temas (Tema 630 e 684):É constitucional a incidência da contribuição para o PIS e da COFINS sobre as receitas auferidas com a locação de bens móveis ou imóveis, quando constituir atividade empresarial do contribuinte, considerando que o resultado econômico dessa operação coincide com o conceito de faturamento ou receita bruta, tomados como a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais, pressuposto desde a redação original do art. 195, I, da Constituição Federal“.

O relator, Min. Alexandre de Moraes, votou por desprover o pedido de modulação, sob o entendimento de que “inexistem razões de segurança jurídica ou interesse social que justifiquem a modulação dos efeitos da decisão.

Ressalta que a locação de bens móveis e imóveis, enquanto objeto do contrato social da pessoa jurídica, enquadra-se como faturamento da pessoa jurídica, na medida em que configura resultado econômico da atividade empresarial desenvolvida, para fins da incidência do PIS/COFINS.

Os demais Ministros ainda não se manifestaram.

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 A Câmara dos Deputados, na sexta-feira, dia 02/08, deu destaque ao segundo projeto da reforma tributária, que trata da regulamentação do comitê gestor do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O Projeto de Lei Complementar nº 108/24, que será votado em agosto, define as atribuições e o funcionamento do comitê, essencial para garantir maior transparência e eficiência na administração e fiscalização do IBS, que substituirá o ICMS e o ISS.

3.2 A Câmara dos Deputados, na terça-feira, dia 06/08, iniciou a análise do Projeto de Lei nº 2597/24, que institui o marco legal dos seguros. A proposta abrange a regulamentação do mercado de seguros, visando estruturar um marco legal que traga mais clareza e proteção aos consumidores. A proposta passará pelas comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania antes de seguir para votação no plenário.

3.3 A Câmara dos Deputados, na terça-feira, dia 06/08, analisou o Projeto de Lei nº 1016/24, que estabelece novas regras para o acesso a processos trabalhistas. A proposta determina que as consultas a processos poderão ser feitas de forma eletrônica, mas somente por advogados e partes diretamente envolvidas, garantindo maior privacidade e segurança das informações. O projeto ainda passará pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público, e de Constituição e Justiça e de Cidadania antes de ser votado em plenário.

3.4 A Câmara dos Deputados discutiu na quinta-feira, dia 08/08, o Projeto de Lei nº 1312/24, que obriga os peritos informarem se têm impedimento para participar do processo de arbitragem. A medida busca aumentar a transparência e a confiança no processo de arbitragem, garantindo que todos os envolvidos estejam cientes de qualquer impedimento que possa afetar a imparcialidade do perito. A proposta ainda será analisada pelas comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania, e de Trabalho, em caráter conclusivo.

3.5 O Senado apresentou na terça-feira, dia 06/08, o plano de trabalho sobre a regulamentação da reforma tributária no Senado. O plano inclui uma série de audiências públicas para discutir diferentes aspectos da reforma, conforme as seguintes datas e temas:

13/08 – Aspectos gerais do PLP 68/2024;

20/08 – Não cumulatividade plena e restrições indevidas no PLP 68/2024;

27/08 – Impacto da reforma tributária sobre a cadeia produtiva da construção civil;

28/08 – Tecnologia e inovação na reforma tributária;

03/09 – Impacto da reforma tributária no setor de comércio e serviço; 10/09 – Cashback na cesta básica;

17/09 – Regimes aduaneiros especiais, Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) e regimes de bens de capital;

24/09 – Regimes diferenciados específicos;

01/10 – Simples nacional, Zona Franca de Manaus e áreas de livre comércio;

08/10 – Imposto seletivo;

15/10 – Transição e fiscalização;

22/10 – Apresentação do relatório final. O plano será examinado pelas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e de Assuntos Econômicos.

3.6 O Comitê de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, na terça-feira, dia 06/08, aprovou o texto do Projeto de Lei nº 3670/23, que concede a isenção do FGTS e da contribuição previdenciária na contratação de trabalhadores já aposentados. A proposta vai para o plenário para discussão final.

3.7 A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, na quarta-feira, dia 07/08, aprovou o texto do Projeto de Lei nº 2840/22, que prorroga a licença maternidade em casos de internação hospitalar do recém-nascido. O projeto busca oferecer mais suporte às mães, cujos filhos enfrentam complicações médicas após o parto, garantindo que possam acompanhar o tratamento sem perder o direito à licença. A proposta seguirá para discussão no plenário, onde será debatida a extensão dos benefícios e a aplicação da nova legislação.

3.8 A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, na quarta-feira, dia 07/08, aprovou o texto do Projeto de Lei n. 3190/23, que estimula o microcrédito produtivo. O projeto pretende oferecer condições mais favoráveis para a concessão de crédito, incluindo taxas de juros reduzidas e garantias mais acessíveis. A medida será encaminhada para votação no plenário do Senado.

3.9 O Senado anunciou que debaterá os impactos dos jogos de cassino online, do tipo caça-níquel, em audiência pública. A discussão abordará os efeitos desses jogos sobre a economia, a sociedade e as questões regulatórias associadas. O objetivo é avaliar os riscos e benefícios relacionados à legalização e regulamentação desses jogos, além de discutir possíveis medidas para proteger os consumidores e prevenir problemas relacionados ao vício em jogos de azar.

Bets | Regime sancionador da exploração de apostas de quota fixa

Em julho de 2024, foi publicada a Portaria nº 1.233/2024 (“Portaria”) pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (“SPA/MF”), que regulamenta o regime sancionador no âmbito da exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa (“Bets”).

Assim, a Portaria determina que são infrações administrativas passíveis de responsabilização administrativa do agente regulado:

  • explorar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa sem prévia autorização da SPA/MF;
  • realizar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa sem prévia autorização da Secretária de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda;
  • opor embaraço à fiscalização da Secretária de Prêmios e Apostas;
  • deixar de fornecer à Secretária de Prêmios e Apostas documentos, dados ou informações, cuja remessa seja imposta por Lei ou Regulação ou fornecê-los em desacordo com os prazos e as condições estabelecidas nas normativas que regulamenta a matéria;
  • divulgar publicidade ou propaganda comercial de operadores de loteria de apostas de quota fixa não autorizados pelo Ministério da Fazenda; e
  • executar, incentivar, permitir ou, de qualquer forma, contribuir ou concorrer para práticas atentatórias à integridade esportiva, à incerteza do resultado esportivo, à transparência das regras aplicáveis ao evento esportivo, à igualdade entre os competidores e qualquer outra forma de fraude ou interferência indevida apta a afetar a lisura ou a higidez das condutas associadas ao desempenho idôneo da atividade esportiva.

 

As penalidades aplicáveis variam desde advertência e multa sobre o produto de arrecadação, no valor de 0,1% a 20%, limitado a R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), até a suspensão das atividades, cassação da licença e a inabilitação da pessoa física responsável pela casa de apostas, para operar como dirigente, administrador ou qualquer cargo que conste no contrato social de casa de aposta por 20 (vinte) anos.

A Portaria ainda vê a obrigatoriedade de os entes regulados cumprirem as obrigações relativas à Prevenção de Lavagem de Dinheiro, previstas na Lei 9.613/1998. Caso não sejam cumpridas as previsões sobre o tema, as penalidades aplicáveis são aquelas previstas no artigo 12 da referida Lei, tais quais advertência, multa, inabilitação temporária e até cassação ou suspensão do exercício de atividade, operação ou funcionamento.

Por fim, a normativa detalha o rito que norteará o trâmite do Processo Administrativo Sancionador na SPA, resguardado o direito de defesa, a oportunidade de recurso após decisão condenatória em primeira instância administrativa e a possibilidade de celebração de Termo de Compromisso entre o agente regulado e a SPA, exceto para o descumprimento das obrigações relativas à Prevenção de Lavagem de Dinheiro.

Para mais informações, procure os profissionais do departamento de Regulatório, Governança Corporativa e Programas de Compliance do GSGA.

STJ decide que decisões do CARF não são normas complementares do Direito Tributário

É necessária uma definição sobre quais decisões administrativas podem ser consideradas práticas reiteradas e quais requisitos devem ser cumpridos para que as decisões do CARF possuam eficácia normativa.

As decisões do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais devem ser consideradas normas complementares no contexto do art. 100 do CTN – Código Tributário Nacional? De acordo com a recente decisão do STJ no julgamento do AREsp 2.554.882/SP, as decisões do CARF não possuem tal aplicabilidade. O STJ manteve penalidades contra uma empresa, contrariando o entendimento anterior do TRF-3, que havia favorecido o contribuinte com base na jurisprudência do CARF. O STJ afirmou que “as decisões proferidas pelo CARF não podem ser enquadradas como práticas reiteradamente observadas e aceitas pelas autoridades administrativas, previstas no art. 100, III, do CTN”.

Conforme o art. 100, inciso III do CTN, são normas complementares “as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas”. O parágrafo único do mesmo artigo estabelece que a observância dessas normas exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

Um contribuinte aplicou o entendimento vigente do CARF em suas operações fiscais. Anos depois, com a mudança de entendimento do CARF, o contribuinte foi autuado e ingressou com ação judicial, alegando legítima expectativa baseada nas decisões anteriores do CARF, e solicitou o afastamento de juros e multas com base nos arts. 100, III, e 112 do CTN.

O TRF-3 acolheu o pleito, fundamentando sua decisão no fato de que as práticas reiteradamente observadas pelo CARF serviram de parâmetro para a conduta fiscal do contribuinte, que agiu de boa-fé.

Contrariando o TRF-3, a 2ª turma do STJ concluiu que as decisões do CARF não podem ser enquadradas como práticas reiteradamente observadas nos termos do art. 100, III, do CTN. O relator, ministro Francisco Falcão, argumentou que a “existência de inúmeras decisões administrativas sobre um determinado tema evidencia, na verdade, instabilidade do entendimento da Administração Tributária, visto que a Fiscalização adota posicionamento contrário ao contribuinte e divergente daquele observado pelo CARF”, impedindo a classificação dessas decisões como estáveis e confiáveis.

A decisão destacou que o art. 100, II, do CTN possui previsão específica para enquadrar as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa como normas complementares, exigindo que a lei lhes atribua eficácia normativa.

A divergência entre as decisões do TRF3 e do STJ revela um conflito interpretativo sobre a natureza e a força normativa das decisões do CARF. Enquanto o TRF-3 considerou a jurisprudência do CARF como prática reiterada e excludente de penalidades, o STJ entendeu que a multiplicidade de decisões evidencia a ausência de estabilidade necessária.

Essa divergência traz importantes implicações para os contribuintes, que podem ser penalizados mesmo ao seguirem entendimentos administrativos previamente consolidados, gerando insegurança jurídica. A decisão do STJ ressalta a necessidade de uma definição sobre quais decisões administrativas podem ser consideradas práticas reiteradas e quais requisitos devem ser cumpridos para que as decisões do CARF possuam eficácia normativa.

Diante deste cenário, resta concluir que o entendimento do STJ sobre a inaplicabilidade das decisões do CARF como normas complementares conforme o art. 100, III, do CTN, marca um importante precedente na jurisprudência tributária. Este posicionamento reforça a exigência de estabilidade e clareza nas práticas administrativas para a proteção dos direitos dos contribuintes, e destaca a necessidade de regulamentação mais rigorosa e precisa sobre a eficácia normativa das decisões administrativas.

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

Marco Legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono é aprovado

O Governo Federal sancionou, em 02.08.2024, a Lei nº 14.948, que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, dispõe sobre a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, institui incentivos para a indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono e o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, dentre outras alterações legais (“Marco Legal do Hidrogênio”).

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”) foi definida como entidade competente para regular, autorizar e fiscalizar as diversas atividades da indústria do hidrogênio de baixo carbono (“H2”), seus derivados e carreadores, sem prejuízo da competência de outras agências reguladoras, a depender do processo de produção do H2 utilizado.

Por sua vez, coube ao Conselho Nacional de Política Energética (“CNPE”) definir, em regulamento e diretrizes, o Programa Nacional do Hidrogênio (“PNH2”), incluindo a execução da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono.

O Marco Legal também instituiu o Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (“SBCH2”), voltado à promoção da utilização do hidrogênio de forma sustentável a partir das informações contidas em certificado emitido por empresa certificadora do produto hidrogênio e seus derivados. O SBCH2 será inicialmente de adesão voluntária pelos produtores de hidrogênio ou seus derivados, e poderá ser utilizado para fins de reporte e de divulgação.

Estabeleceu-se o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (“Rehidro”), a fim de fomentar o desenvolvimento tecnológico e industrial, a competitividade e a agregação de valor nas cadeias produtivas nacionais, ainda pendente de regulamentação.

O Marco Legal previu ainda a possibilidade de convalidação das autorizações para a produção de H2 e seus derivados vigentes na data de publicação da Lei em até 180 dias após sua publicação, mediante análise de conformidade.

Por fim, ressalta-se que o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (“PHBC”), que concederia créditos tributários à indústria do H2, conforme previstos originalmente, foi objeto de veto presidencial sob a alegação de contrariedade ao interesse público ao violar a legislação financeira e orçamentária e insegurança jurídica para implementação da estratégia de ampliação da oferta e produção do hidrogênio de baixo carbono.

Para mais informações, consulte os profissionais do time de Sustentabilidade Corporativa do GSGA.

Início da adaptação de documentos fiscais à Reforma Tributária

Em face da aprovação do Projeto de Lei Complementar (“PLP”) nº 68/2024 pela Câmara dos Deputados e da evolução das discussões do texto no Senado Federal, a Secretaria Executiva do Comitê Gestor da NFS-e publicou duas Notas Técnicas (2024.001 e 2024.002), que detalham as alterações dos leiautes da Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (“NFS-e”) e do Conhecimento de Transporte Eletrônico (“CT-e”), a fim de incorporar as informações do Imposto sobre Bens e Serviços e da Contribuição Sobre Bens e Serviços (IBS e CBS, respectivamente).

Com a publicação das referidas Notas Técnicas, busca-se atender à disposição do artigo 56 do PLP 68/2024, que determina a obrigatoriedade da União, dos Estados e dos Municípios de “adaptarem os sistemas autorizadores e aplicativos de emissão simplificada de documentos fiscais eletrônicos vigentes para utilização de leiaute padronizado que permita aos contribuintes informarem os dados relativos ao IBS e à CBS”, além de permitir que tanto as administrações tributárias, quanto os contribuintes, se familiarizem com as mudanças decorrentes das alterações nas regras de tributação.

Dentre as modificações promovidas pelas Notas Técnicas, estão a inclusão de grupos de informações relativas às informações comuns ao IBS e à CBS, de valores brutos do IBS e da CBS e de totalizadores dos novos tributos. Há também a criação de novos grupos de informações contendo elementos específicos da CBS e do IBS Municipal e Estadual.

Além da NFS-e, as alterações serão aplicáveis aos seguintes documentos:

  • Conhecimento de Transporte Eletrônico;
  • Conhecimento de Transporte Eletrônico para Outros Serviços;
  • Bilhete de Passagem Eletrônico;
  • Nota Fiscal de Energia Elétrica Eletrônica; e
  • Nota Fiscal Fatura de Serviço de Comunicação Eletrônica.

 

Importante notar que a Nota Fiscal Eletrônica e a Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica serão tratadas em comunicações específicas.

De acordo com a Nota Técnica 2024.001, a implantação das mudanças em ambiente de homologação inicia-se em 01/09/2025 e a implantação das mudanças em ambiente de produção inicia-se em 31/10/2025, podendo os elementos das Notas Técnicas serem alterados, conforme o resultado das fases de implementação, além de eventuais alterações no texto do PLP 68/2024.

Esta novidade é muito importante porque marca o início da adaptação dos documentos fiscais aos novos tributos introduzidos pela Reforma Tributária, sendo essencial que os contribuintes se familiarizem, desde já, com o novo layout desses documentos e, se possível, já deem início ao processo de parametrização de seus sistemas operacionais e fiscais.

Para mais informações, consulte os profissionais do time de Tributário do GSGA.