Contribuintes devem revisar preventivamente seus contratos para evitar alegações de simulação pela Receita Federal.
Recentemente, a Receita Federal tem intensificado autuações fiscais visando desqualificar contratos de parceria rural, alegando que tais contratos são, na verdade, arrendamentos dissimulados. Segundo a RFB, essa requalificação afastaria o regime tributário especial da atividade rural, conforme previsto na Lei 8.023/1990, passando-se a exigir o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) sobre a totalidade dos rendimentos recebidos pelo proprietário do imóvel rural em decorrência da parceria.
O argumento central da RFB é que a descaracterização da atividade rural afasta o tratamento fiscal benéfico previsto na Lei 8.023/90. A fiscalização alega simulação de parceria rural para ocultar arrendamento, tratando os rendimentos como aluguel e, em alguns casos, impondo uma penalidade agravada de 150%.
Para desqualificar o contrato de parceria rural, a fiscalização frequentemente aponta que o proprietário do imóvel não assume os riscos da atividade rural, nem arca com custos ou despesas. Vale lembrar que tanto a parceria rural quanto o arrendamento são contratos agrários previstos pelo Estatuto da Terra (Decreto 4.504/64), e visam implementar a reforma agrária e uma política agrícola baseada em justiça social e aumento de produtividade (art. 1º).
Ambos os contratos conferem posse ou uso temporário da terra para atividades agrícolas, pecuárias ou agroindustriais, sendo que a cessão do uso da terra é um elemento comum a ambos. A diferença crucial é que no arrendamento há remuneração fixa, enquanto na parceria rural o proprietário compartilha os riscos da atividade, com sua remuneração baseada nos frutos da exploração rural, conforme estipulado em contrato.
A Lei 8.023/1990, em sua essência, visa fomentar a atividade rural, a qual é premissa indispensável de ambas as modalidades de contrato agrário reguladas pelo Estatuto da Terra (arrendamento e parceria). Logo, não há justificativa para privilegiar, do ponto de vista fiscal, a parceria em detrimento do arrendamento quando ambas são formas jurídicas igualmente previstas e válidas para atingir a finalidade de fomentar a produtividade e o acesso às terras em bases equitativas, ambas satisfazendo – portanto – os objetivos do incentivo fiscal conferido.
Apesar de diferenças técnicas, os institutos possuem grande semelhança, havendo inclusive expressa previsão de que as partes poderão, a qualquer tempo, pactuar a transformação do contrato de parceria em arrendamento (art. 50 do Decreto 59.566/1966).
No caso do arrendamento, a remuneração do proprietário não se sujeita aos riscos de variação de preços, mas o limite de remuneração está atrelado ao valor cadastral do imóvel, não podendo superar 15% de seu valor ou 30% nos casos de glebas de exploração intensiva. Em contrapartida, a remuneração da parceria está atrelada aos frutos, ficando o limite de remuneração do proprietário, em tais casos, restrito ao percentual sobre os frutos. Em ambos os casos, no entanto, há, como premissa básica e essencial, a existência de exploração de atividade rural, sobre a qual recai tratamento tributário diferenciado.
No limite, pode haver parceria agrícola que consista apenas em ceder o direito de uso à terra nua (sendo, na prática, muito semelhante ao arrendamento), não havendo, em tal exemplo, nenhum motivo para estabelecer tratamento tributário desigual entre arrendamento e parceria, apenas porque há um diferente critério para definição de preço entre elas.
Nessa linha, a Lei 8.023/90 não exclui o arrendamento do conceito de atividade rural. O art. 13 da Lei 8.023/90, que tem sido apontado pela RFB e por alguns especialistas como a estabelecer tal exclusão, em verdade, não veicula tal regra. Tal dispositivo, na realidade, comporta duas diferentes interpretações, nenhuma delas implicando uma lista exaustiva de situações para as quais os incentivos fiscais da Lei 8.023/90 estariam disponíveis.
Tanto é assim que não há, no referido dispositivo, menção ao proprietário que explora, ele próprio, a atividade rural, não havendo sentido algum em se concluir que, por ser omitido no dispositivo, tal proprietário estaria excluído do incentivo fiscal conferido pela Lei 8.023/90.
Uma primeira possibilidade é que tal dispositivo (art. 13) trata somente de situações em que haja exploração conjunta da atividade rural, o que justificaria uma regra a esclarecer que a tributação do resultado da atividade compartilhada deve se dar separadamente, na proporção dos rendimentos que couberem a cada parte.
Nesse cenário, faria sentido mencionar apenas os parceiros rurais, e não o arrendador, porque, no caso dos parceiros, o contrato estabelecerá a participação e a extensão dos rendimentos de cada um, devendo a tributação observar tal proporção, desde que comprovado no contrato, problema que não existe no caso do arrendante.
Uma segunda possibilidade seria que o artigo trata de situações de pluralidade de arrendatários e parceiros em um mesmo imóvel, algo muito comum na realidade de tais relações, sendo que a segregação do resultado tributável entre eles deve se dar proporcionalmente, na medida em que comprovado documentalmente. Novamente, não haveria necessidade de mencionar o arrendante nestas situações.
Por outro lado, a legislação do Estatuto da Terra deve prevalecer sobre a Lei 4.506/1964, legislação de Imposto de Renda (que classifica, de um modo geral, rendimentos de arrendamentos como aluguéis, e não decorrentes de atividade rural), devido à especificidade do contrato agrário.
Em conclusão, os contribuintes devem revisar preventivamente seus contratos de parceria rural para evitar alegações de simulação pela RFB, porém, nota-se que mesmo sendo qualificada como arrendamento, a atividade continua sendo rural e elegível para o regime tributário especial da Lei 8.023/1990.
*Artigo publicado originalmente no Jota.