O curtailment está em alta: semanalmente acompanhamos o desenrolar das discussões envolvendo a Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL” ou “Agência”) e os geradores renováveis, com as idas e vindas de decisões judiciais que abalam a segurança jurídica dos negócios desenvolvidos no país.
É quase unanimidade que a atual regulação deve se manter adequada às atuais necessidades do mercado de energia. O assunto esteve em debate na 3ª fase da Consulta Pública nº 45/2019-ANEEL, que discutiu a prioridade dos cortes na geração das centrais renováveis solares e eólicas.
Relembrando o tema: curtailment, ou tecnicamente falando, constrained-off, nos termos da regulação atual, seriam cortes ou paralisações de usinas eólicas ou solares decorrentes de indisponibilidades de instalações externas às usinas, atendimentos a requisitos de confiabilidade elétrica ou simplesmente razões energéticas, assim determinados pelo Operador Nacional do Sistema (“ONS”).
Ocorre que a regulação setorial somente reconhece o direito à indenização em casos de cortes de geração decorrentes de indisponibilidades externas, após atingido um patamar mínimo de horas por ano civil, denominado pela ANEEL de “limite regulatório” e pelos geradores de “franquia”. Tal decisão regulatória tem sido questionada pelos geradores, uma vez que suas usinas acabam impedidas de gerar energia elétrica não somente nessa hipótese.
A situação torna-se ainda mais sensível quando são discutidos os critérios utilizados pelo ONS na definição do curtailment. Os geradores alegam falta de transparência em relação tanto aos critérios técnicos utilizados na definição dos agentes que serão atingidos pelos cortes como na classificação do tipo de curtailment ocorrido, à luz de todas as três hipóteses existentes. Segundo eles, muitos dos cortes são relacionados a atrasos nas obras das linhas de transmissão, mas não são classificados como restrição externa, oque afasta a possibilidade de os agentes de geração impactados serem indenizados.
E a insatisfação do mercado não para por aí. Os geradores alegam que a Lei nº10.848/2004 e seu decreto regulamentador (Decreto nº 5.163/2004) determinaram o pagamento de encargo (nesse caso, os Encargos de Serviço do Sistema – ESS) para compensar os cortes de geração de energia, sem, contudo, restringir as situações passíveis de indenização, o que comprovaria a ilegalidade da regulação atualmente vigente.
Também alegam que os cortes decorrem de um risco sistêmico não deveria impactar a previsibilidade financeira e operacional das centrais geradoras, até mesmo porque os respectivos pareceres de acesso à rede de transmissão não apontam a existência de restrições às conexões das usinas e, consequentemente, ao escoamento da energia por elas gerada.
Por outro lado, a ANEEL defende que a regulação vigente possui embasamento legal, e que o integral ressarcimento dos geradores impactados pelo curtailment via encargos setoriais não seria aplicável. Para a Agência, tal situação representaria um deslocamento dos riscos do negócio de geração de energia aos consumidores de todo o país, o que poderia representar um impacto econômico bilionário nas faturas de energia.
A ANEEL tem defendido a ciência por parte dos geradores de que a capacidade instalada de suas usinas tem superado a demanda por energia, sem ajustes no ritmo de implantação de novas usinas, as quais acabariam por não cumprir com os padrões operativos definidos pelo ONS.
Dada a demora da Agência em apresentar uma nova solução regulatória ao problema – que, diga-se de passagem, é enfrentando pelos reguladores de diversos países – o caminho adotado pelos geradores renováveis é pela judicialização. Trata-se de alternativa para suspender temporariamente o impacto financeiro decorrente da aplicação estrita das regras atuais.
O desafio que se busca endereçar é, portanto, encontrar um equilíbrio entre o estabelecimento de uma regulação robusta e, ao mesmo tempo, capaz de acompanhar a evolução do mercado de energia. A solução passa por reestabelecer a segurança jurídica para investidores e consumidores. Prolongar uma solução regulatória capaz de endereçar o problema do curtailment de maneira estrutural será o pior cenário a todos.
Fonte: Canal Energia.