Apropriação de créditos PIS/Cofins sobre P&D Aneel pelas empresas de energia

Um singular e relevante precedente para outras companhias do setor elétrico.

A Lei 9.991/00 instituiu o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (P&D) no setor elétrico, regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Esta legislação determina que concessionárias de geração, distribuição e empresas autorizadas à produção independente de energia elétrica devem investir, anualmente, no mínimo 1% de sua Receita Operacional Líquida (ROL) em programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D Aneel).

Sob o ponto de vista tributário, o regime não cumulativo do PIS e da Cofins aplica-se às empresas do setor elétrico tributadas pelo lucro real, incidindo sobre a receita bruta auferida pelas empresas sob as alíquotas de 1,65% para o PIS e de 7,6% à Cofins. Nesse regime, é permitido que os contribuintes deduzam créditos relativos a insumos utilizados em suas atividades, reduzindo, assim, o valor dos tributos devidos.

O conceito de insumo foi definido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp 1.221.170 (Tema 779), que definiu insumos como bens e serviços essenciais e relevantes para o desenvolvimento da atividade empresarial.

No referido julgamento, o STJ entendeu que são relevantes para o desenvolvimento da atividade empresarial as despesas decorrentes de imposição legal, sob o fundamento de que o eventual descumprimento de uma obrigação legal obsta a própria atividade da empresa na forma que deveria ser regularmente exercida.

A Receita Federal, em consonância com este entendimento, editou a Instrução Normativa RFB 2.021/2021, que, no art. 176, § 1º, inciso I, considera insumos os bens ou serviços cuja utilização decorra de imposição legal, mesmo após a etapa do processo produtivo.

As despesas obrigatórias com o P&D Aneel, estabelecidas pela Lei 9.991/00, enquadram-se neste conceito de insumo, pois decorrem de imposição legal e são, dessa forma, relevantes e obrigatórias para a atividade empresarial das concessionárias de energia elétrica.

Porém, a Receita Federal, ao analisar a temática na Solução de Consulta 300/2024, negou o enquadramento dessas despesas como insumos, sob o fundamento de que tais despesas não se relacionam diretamente com a produção de bens ou a prestação de serviços.

Ao desconsiderar a natureza de imposição legal dessas despesas, a Receita negligenciou os critérios estabelecidos pelo STJ e pela própria normativa administrativa da Receita Federal.

Em situações semelhantes, sob esse fundamento, tanto a Receita como o Judiciário têm reconhecido o direito dos contribuintes de apropriar créditos de PIS e Cofins sobre desembolsos que decorrem justamente de obrigação legal, como, por exemplo, as despesas com o tratamento de efluentes, resíduos industriais e águas residuais,[1] despesas com vale-transporte fornecido aos funcionários,[2] despesas com equipamentos de proteção individual (EPIs)[3] etc.

Trata-se, portanto, de uma postura incoerente da Receita Federal ao não aplicar ao P&D Aneel o mesmo entendimento conferido a outras despesas decorrentes de imposição legal, pois desconsiderou os critérios estabelecidos STJ e o seu próprio entendimento consubstanciado nas referidas soluções de consulta.

Diante dessa posição contraditória do fisco, obtivemos decisão do Judiciário que reconheceu “o direito da parte impetrante de se apropriar dos créditos de PIS e Cofins sobre as despesas obrigatórias com programa de pesquisa e desenvolvimento, instituídas pela Lei 9.991/2000”, sob o fundamento de que as despesas obrigatórias com P&D, por decorrerem de imposição legal, devem ser consideradas insumos e, portanto, passíveis de creditamento de PIS e Cofins.

Conforme noticiado pelo jornal Valor Econômico,[4] esta é provavelmente a primeira decisão relativa à discussão proferida pelo Judiciário, o que representa um singular e relevantíssimo precedente para outras empresas do setor elétrico que enfrentam a mesma questão.

Assim, à luz desses fundamentos, entendemos que as despesas obrigatórias com o P&D Aneel, estabelecidas pela Lei 9.991/00, devem ser consideradas insumos para fins de apropriação de créditos não cumulativos de PIS e Cofins pelas empresas do setor de energia elétrica, diante da obrigatoriedade legal destas despesas, bem como do amplo entendimento do Judiciário e da própria Receita Federal reconhecendo o direito ao crédito em situações análogas.


[1] Solução de Consulta COSIT nº 1/2021

[2] Solução de Consulta COSIT nº 45/2020

[3] TRF4, AC 5016413-69.2020.4.04.7108, Rel. Des. Paulo Paim Da Silva, 1ª T., J. 18/12/24.

[4] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/10/22/justica-garante-a-engie-creditos-de-pis-cofins-sobre-gastos-com-pesquisa-e-desenvolvimento.ghtml. 

*Artigo publicado originalmente no JOTA.

STJ mantém IRPJ e CSLL sobre ganhos com depósito judicial

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou recurso (embargos de declaração) apresentado por contribuinte e manteve decisão a favor da tributação dos ganhos obtidos com a correção, pela Selic, de depósitos judiciais. O julgamento, realizado ontem, foi unânime.

O STJ já tinha ratificado, em 2023, a incidência, sobre essa correção, do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. O contribuinte, então, tentou, em novo recurso, reverter o entendimento adotado, o que foi negado (REsp 113 8695). Os depósitos judiciais são feitos para garantir eventual pagamento no final do processo.

A discussão é antiga no STJ. Em 2013, a 1ª Seção já tinha julgado a questão e voltou ao tema, no mesmo recurso, envolvendo a Hering, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2021, declarou a inconstitucionalidade da tributação da Selic sobre a repetição de indébito (Tema 962) – a devolução de tributos pagos indevidamente.

Os contribuintes tinham esperança de vitória porque, no caso de indébito tributário, o STJ corrigiu seu próprio precedente e afastou a tributação sobre ganhos com a Selic. Porém, no caso dos depósitos judiciais, a 1ª Seção decidiu manter o entendimento – e valerá como palavra final, já que o STF considera o tema infraconstitucional.

Segundo explica Anete Mair Medeiros, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados, que defendeu o contribuinte no processo, havia omissões e obscuridades no acórdão que manteve o entendimento pró-Fisco, que não foram enfrentadas nesse julgamento pelo STJ.

O primeiro argumento é de que a própria Receita Federal, na Solução de Consulta nº 116, de 2016, entendeu que o depósito judicial “se aproxima de um pagamento sujeito à condição resolutiva”, e por isso “deve receber o mesmo tratamento dado à repetição do indébito tributário”. Se esse raciocínio fosse aplicado ao julgamento, não haveria tributação em nenhum dos casos.

Outra contradição da decisão foi ter reconhecido, para assentar a não tributação no caso do indébito, que não é possível segmentar a natureza da Selic entre lucros cessantes e danos emergentes. Para decidir sobre o depósito judicial, no entanto, o entendimento não foi aplicado.

Por fim, o STJ citou um julgamento do Supremo que decidiu que a tributação da Selic do depósito judicial tinha natureza infraconstitucional (Tema 1243). A respeito disso, a 1ª Seção entendeu que a tese já firmada a respeito do assunto tinha sido “preservada” pelo Supremo. Segundo a defesa do contribuinte, no entanto, a decisão não inviabilizou a análise do caso.

“Nada impedia que o STJ aplicasse o precedente do indébito tributário, que foi firmado pelo Supremo, e chegasse ao mesmo resultado para o depósito judicial”, diz Anete Medeiros. “Dizer que cabe ao STJ analisar não significa que ele precisa analisar de forma diferente do próprio Supremo. Pelo contrário, pode aplicar a mesma razão de decidir.”

Na sessão de ontem do STJ, no entanto, os argumentos do contribuinte foram rechaçados. A negativa tinha partido do relator do processo, ministro Mauro Campbell Marques, que não compõe mais o colegiado. Ele votou em julgamento de agosto de 2024 para negar os embargos, mas o julgamento foi suspenso por pedido de vista.

Segundo ele, o julgado do STF tinha sido claro para “excluir do âmbito de aplicação a incidência do IRPJ e da CSLL sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito, não cabendo a esta Corte estender essa exclusão”. Ele foi acompanhado pelos demais ministros. Benedito Gonçalves, que apresentou ontem voto-vista, vai redigir o acórdão.

Para Fabrício Parzanese, sócio do Velloza Advogados, apesar das relativas diferenças entre as situações de devolução de impostos pagos a mais e a devolução de depósitos judiciais, é incongruente analisar a tributação sobre a mesma taxa nos dois casos de forma diferente.

“Em ambos os casos, a Selic incide em função de indisponibilidade financeira que o contribuinte teve que enfrentar. E tanto a repetição de indébito quanto o levantamento do depósito judicial só ocorrem quando o contribuinte estava certo, venceu no processo”, afirma ele, acrescentando que, no âmbito federal, o dinheiro do contribuinte vai para uma conta única do Tesouro. “A circunstância distinta é irrelevante para a natureza dos juros.”

Danielle Chinellato, do Innocenti Advogados, aponta que a decisão cria um cenário em que o contribuinte precisa definir uma estratégia tributária. “Se optam pela repetição do indébito, sem a incidência de IRPJ/CSLL sobre os juros Selic, haverá maior demora na restituição dos valores. Se depositam judicialmente, recebem de volta os valores mais rápido, mas com tributação sobre os juros Selic.”

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que não iria se manifestar.

Por: Luiza Calegari.

Fonte: Valor Econômico.

Sustentabilidade – Setores portuário, aquaviário, aeroviário e aeroportuário

Em 27 de janeiro de 2025, o Ministério de Portos e Aeroportos (“Ministério”) publicou a Portaria nº 58/2025, que institui a Política de Sustentabilidade e o Pacto pela Sustentabilidade e estabelece diretrizes para a governança ambiental, climática e social nos setores portuário, aquaviário, aeroviário e aeroportuário.

A Política de Sustentabilidade tem como principais objetivos alinhar práticas institucionais aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“ODS”), fortalecer a governança ambiental, climática e social no setor e promover transparência, inclusão e descarbonização. Ela está estruturada em três eixos principais, a saber:

  • Planejamento e Governança, que foca no aprimoramento da gestão, certificações e financiamento sustentável;
  • Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, voltado para ações de adaptação climática e descarbonização; e
  • Responsabilidade Social, que busca promover inclusão, respeito aos direitos humanos e engajamento comunitário.

Por sua vez, a inscrição no Pacto pela Sustentabilidade, mecanismo de adesão voluntária à Política de Sustentabilidade, deve ser realizada no portal do Ministério, e seus signatários devem apresentar anualmente uma agenda de sustentabilidade a ser por eles cumprida, contendo um portfólio de projetos, estudos e programas, com respectivos cronogramas e orçamentos, além de ações nos eixos de Meio Ambiente, Responsabilidade Social e Governança.

Entre os benefícios do Pacto pela Sustentabilidade, estão o reconhecimento público por meio da concessão do Selo de Sustentabilidade, o acesso a banco de dados de práticas sustentáveis aplicáveis ao ambiente empresarial e o fortalecimento da competitividade logística, garantindo alinhamento às melhores práticas internacionais. Além disso, as empresas signatárias terão prioridade na habilitação de debêntures, na análise de projetos, nos critérios de desempate das premiações e na tramitação de processos administrativos e de licenciamento no Ministério.

A Política de Sustentabilidade será de adesão obrigatória pelo Ministério e suas entidades vinculadas; todavia, será de adesão facultativa aos agentes privados dos setores portuário, aquaviário, aeroviário e aeroportuário.

Para mais informações, consulte os profissionais da área de Sustentabilidade Corporativa do GSGA.

Vetos da reforma tributária ameaçam fundos de investimento

Mudança na tributação pode comprometer segurança jurídica e planejamento financeiro dos investidores.

Em janeiro deste ano, em cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente da República sancionou o PLP 68 de 2024, agora Lei Complementar 214 de 2025, que trata da tão falada reforma tributária do consumo.

A reforma tributária trouxe consigo diversas mudanças no Sistema Tributário Nacional, dentre as quais se destaca a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), que serão impactantes para os setores econômicos do país.

De início, cabe ressaltar que os novos tributos possuem como fato gerador todas as operações onerosas, decorrentes de qualquer tipo de ato ou negócio jurídico, que resultem no consumo de bens, serviços e direitos. Não obstante isso, incidem também sobre determinadas operações não onerosas, como o fornecimento de bens e serviços para o uso e consumo pessoal do próprio contribuinte, se pessoa física, ou de empregados e administradores, quando pessoa jurídica, alcançando, também, operações realizadas a valor inferior ao de mercado.

Além da sanção, o presidente apresentou um total de dezoito vetos, destacando-se aqueles que, na prática, tornam quaisquer fundos de investimentos como possíveis contribuintes do IBS e da CBS. Em relação a esses vetos em particular, a justificativa foi a de que não há autorização constitucional para que tais fundos de investimentos, e os fundos patrimoniais, deixem de ser considerados contribuintes dos novos tributos.

Vale lembrar que os fundos são mecanismos de investimentos coletivos que reúnem recursos financeiros de diversos investidores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, com o objetivo de obter ganhos a partir da aplicação conjunta em ativos financeiros, como títulos e valores mobiliários.

Constituídos sob a forma de condomínio e sem personalidade jurídica, os fundos de investimento operam de acordo com as normas da CVM e possuem regulamento próprio, em que estão detalhadas as regras sobre o seu objetivo, sua política de alocação de recursos, os tipos de ativos negociados, os riscos envolvidos, as taxas de administração e demais despesas, além do regime de tributação e outras informações essenciais aos participantes.

Assim, sob a óptica jurídica, nota-se que, independentemente de haver ou não previsão constitucional nesse sentido, o mero ato de junção de recursos para serem investidos conjuntamente não faz dos fundos de investimento contribuintes dos novos tributos, uma vez que, via de regra, não praticam os seus respectivos fatos geradores (operações que proporcionam o consumo de bens, serviços ou direitos).

Nos parece claro que os vetos tiveram como objetivo sujeitar ao IBS e à CBS os fundos que efetivamente realizam atividades sujeitas à incidência tributária, tal como os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs), que cobram aluguéis de seus imóveis, ou os Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagro), por exemplo. Contudo, ao mesmo tempo, dos vetos resultam a possibilidade de tributação sobre os demais fundos, o que, em nosso entendimento, contraria a nova legislação complementar e a própria Constituição Federal.

Dito de outro modo: com os vetos, o Poder Executivo acaba por trazer insegurança jurídica aos investidores, ao permitir a possibilidade de que esses, ainda que em tese, tenham que arcar financeiramente com a tributação pelo IBS e CBS, consequentemente reduzindo seus ganhos, a partir de uma equivocada e extensiva interpretação dos fatos geradores desses tributos, alcançando de forma indevida os fundos de investimento.

Nesse ponto, vale destacar que não estamos aqui a tratar do serviço de assessoria e administração dos fundos, que é prestado por um gestor, com o intuito de realizar as aplicações e executar as decisões previamente definidas pelos investidores. Essa atividade efetivamente corresponde ao fato gerador dos novos tributos e, por isso, já está contemplada na nova lei complementar.

Ocorre que, diante dessas circunstâncias, parece-nos claro que, em nome da segurança jurídica e da adequada interpretação dos fatos geradores do IBS e da CBS, é necessária uma profunda reflexão se os fundos de investimentos indistintamente devem constar como potenciais contribuintes desses novos tributos, dado que, em geral, não praticam os seus fatos geradores. Isso porque, com os vetos, não apenas os FIIs ou o Fiagro serão contribuintes dos novos tributos, mas, sim, todos os fundos, que poderão, como consequência, perder sua atratividade no mercado financeiro.

Muito provavelmente esse cenário resultante dos vetos comprometerá diretamente o planejamento financeiro dos agentes envolvidos com os fundos de investimento, tendo em vista as suas expressivas movimentações financeiras. Por essa razão, é importante e recomendável que o Congresso pondere, com muita parcimônia, sobre a possível derrubada desses vetos presidenciais, mantendo a segurança jurídica dos investidores e a própria coerência das novas regras da tributação sobre o consumo.

Artigo publicado originalmente no JOTA.

Impactos da nova jornada dos motoristas profissionais

Decisão do STF sobre a jornada dos motoristas impacta empresas de transporte, aumentando custos e exigindo ajustes do tempo de trabalho.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucionais trechos do artigo 235-C da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), trouxe mudanças significativas para as empresas de transporte rodoviário e seus motoristas. A decisão, resultante da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5322, afeta a jornada de trabalho e os direitos dos motoristas profissionais, gerando reflexos econômicos e operacionais para o setor.

Foram declarados inconstitucionais os dispositivos legais que permitiam a redução ou o fracionamento dos intervalos entre jornadas e do descanso semanal remunerado, bem como os trechos que excluíam, do tempo de efetivo trabalho, o período em que o motorista ficava à disposição do empregador para o carregamento/descarregamento de mercadorias ou durante fiscalização em barreiras fiscais ou alfandegárias, conhecido como “tempo de espera”.

Desde a Reforma Trabalhista, em 2017, esse chamado tempo de espera não era considerado tempo efetivo de trabalho e seria remunerado na proporção de 30% do valor do salário-hora normal.

Com a declaração de inconstitucionalidade, o tempo de espera passa a ser considerado hora de efetivo trabalho, e o motorista passará a receber horas extras a partir da extrapolação da jornada contratual.

As horas extras são remuneradas com adicional mínimo de 50%, o que aumentará o valor da folha de pagamento das empresas que possuem motoristas empregados, além de gerar desafios para a gestão das horas e das escalas de trabalho desses profissionais.

Não se pode deixar de notar que o aumento do valor da folha de pagamento das empresas de transporte também gera impactos na economia em geral, na medida em que poderá desencadear um aumento no custo dos produtos transportados para o consumidor final.

De acordo com dados publicados pelo Ministério dos Transportes, a Secretaria Nacional de Trânsito estima que existam mais de 3,5 milhões de caminhões em circulação no Brasil e que cerca de 75% de todas as mercadorias movimentadas pelo território brasileiro utilizem o modal rodoviário.

Ou seja, a decisão possui consequências que afetam a sociedade brasileira como um todo, e não apenas as empresas atuantes no ramo de transporte de cargas rodoviárias e seus motoristas.

Além dos impactos já destacados, não estava claro, na decisão do STF, qual o momento de sua aplicação: se valeria para casos vigentes ou apenas para novos casos, ou ainda se haveria alguma modulação de seus efeitos.

Em razão disso, foram opostos embargos de declaração pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), pleiteando esclarecimentos do STF acerca da modulação dos efeitos da decisão.

Acertadamente, a nosso ver, os embargos da CNTTT foram acolhidos parcialmente para, entre outros pontos, modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, atribuindo-lhes eficácia ex nunc, a contar da publicação da ata do julgamento de mérito da ADI, ou seja, a partir de 14/08/2024.

Um dos argumentos utilizados para conferir eficácia temporal diferenciada ao julgado foi a possível emergência de um passivo trabalhista superior a R$ 250 bilhões, devido ao afastamento de uma norma que vinha sendo aplicada há anos pelas empresas e que se presumia constitucional, o que poderia gerar um aumento expressivo de novas ações trabalhistas, inclusive para reverter decisões já proferidas em processos encerrados.

Ou seja, caso não houvesse a modulação dos efeitos da decisão, a segurança jurídica seria gravemente afetada, já que as empresas seriam punidas por aplicarem a norma anteriormente vigente.

Diante do exposto, é certo que as empresas de transporte rodoviário de cargas precisarão rever suas práticas de gestão de tempo e jornada dos motoristas, tendo em vista que o controle rigoroso e preciso do tempo de espera se torna essencial para evitar passivos trabalhistas decorrentes de autuações por descumprimento das normas modificadas e possíveis condenações, garantindo, assim, o cumprimento das diretrizes impostas pela nova jurisprudência do STF.

Artigo publicado originalmente no Monitor Mercantil.

Quanto você vai pagar de imposto com a reforma tributária?

Alguns produtos podem ter valores reduzidos com a reforma, enquanto outros devem ficar mais caros.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, em 16 de janeiro, a Lei Complementar 214, que regulamenta a reforma tributária no Brasil. Embora os efeitos práticos só sejam percebidos nos próximos anos, vale a pena entender os impactos das medidas desde já.

A reforma busca simplificar o sistema tributário brasileiro. No lugar de cinco impostos atuais, haverá um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de “natureza dual”, com uma parte administrada pela União e outra pelos Estados e municípios.

A parcela arrecadada pela União irá compor a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que reunirá o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Os Estados e municípios ficarão com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que agregará o Imposto sobre o Comércio de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual, e o Imposto sobre Serviços (ISS), de competência municipal.

O governo deve divulgar nos próximos dias a futura alíquota padrão do IVA. Segundo Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária, a taxa pode ficar em torno de 28%. Se confirmada, deve ser a maior alíquota de IVA do mundo, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Os impactos da reforma no bolso do brasileiro

Enquanto alguns produtos devem ser menos taxados com a implementação da reforma, outros podem sofrer um aumento de tributação. É o que explica Mauricio Moscovici, sócio de tributário do Franco Leutewiler Henriques Advogados (FLH).

“Vale destacar a ampliação da carga tributária sobre os produtos sujeitos à incidência do novo imposto seletivo, tais como bebidas alcoólicas e açucaradas. Já os produtos da alimentação básica do brasileiro terão alíquotas diferenciadas e isenções que devem levar a uma menor carga tributária”, afirma.

O chamado imposto seletivo, também conhecido como imposto do pecado, prevê uma taxação maior para produtos que prejudicam a saúde ou o meio ambiente. Ou seja, ele será equivalente ao IVA mais um percentual extra a ser definido futuramente.

Já os produtos da cesta básica nacional, que terão alíquota zero, são:

  • Açúcar;
  • Arroz;
  • Aveias;
  • Café;
  • Carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foie gras);
  • Cocos;
  • Farinha de mandioca e tapioca;
  • Farinha de trigo;
  • Feijões;
  • Fórmulas infantis;
  • Grão de milho;
  • Leite fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de ultrapasteurizado; leite em pó, integral, semidesnatado ou desnatado; e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica;
  • Manteiga;
  • Margarina;
  • Mate;
  • Óleo de babaçu;
  • Pão francês;
  • Peixes e carnes de peixes (exceto salmonídeos, atuns, bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos);
  • Queijos tipo mussarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino;
  • Raízes e tubérculos;
  • Sal.

Por outro lado, existem produtos cujo imposto incidente terá redução de 60% em relação à alíquota padrão. Veja quais são eles:

  • Amido de milho;
  • Cereais não contemplados com alíquota zero;
  • Crustáceos (exceto lagostas e lagostim);
  • Extrato de tomate;
  • Farinha, grumos e sêmolas, de cereais; grãos esmagados ou em flocos, de cereais;
  • Fruta de casca rija regional, amendoins e outras sementes;
  • Leite fermentado, bebidas e compostos lácteos;
  • Mel natural;
  • Óleo de soja, de milho, canola e demais óleos vegetais (com exceção de óleo de babaçu, que está na cesta de 100%);
  • Pão de forma;
  • Polpas de frutas sem açúcar, edulcorantes e conservantes;
  • Produtos hortícolas, frutas e vegetais;
  • Sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem açúcar, edulcorantes e conservantes.

Para calcular os impactos para o bolso do consumidor, montamos uma ferramenta que mostra os impostos atuais incidentes sobre esses produtos e os tributos que serão cobrados após a reforma:

Para verificar a tabela acesse o link – Quanto você vai pagar de imposto com a reforma tributária? – Educação Financeira – Estadão E-Investidor – As principais notícias do mercado financeiro.

O estudo foi feito pela consultoria tributária da MCS Markup, considerando um IVA de 28% e os impostos cobrados hoje no município e no Estado de São Paulo. O levantamento não contemplou os produtos sujeitos ao imposto seletivo, já que a alíquota adicional incidente sobre eles ainda não foi definida.

A ferramenta mostra apenas as variações na tributação, não nos preços dos produtos. Isso porque os valores das mercadorias são influenciados por outros fatores além dos impostos, como custos de produção, efeitos do câmbio e questões sazonais.

Para especialistas, no entanto, a tendência é de que as empresas repassem as mudanças nos custos tributários aos preços finais dos produtos e serviços. Rodrigo Lazaro, sócio do FCR Law, destaca que será importante, por exemplo, criar mecanismos para verificar se a isenção para a cesta básica irá se refletir nos respectivos preços dos alimentos.

“Não adiantará termos criado regimes específicos e reduções de carga se a acomodação do mercado permitir que esse tratamento fiscal favorecido não se reflita em redução no preço final”, destaca.

Um outro ponto relevante da reforma tributária é o aumento da transparência nos preços. O sistema atual permite que os tributos incidam em diferentes fases da cadeia produtiva, causando um “efeito cascata”. Dessa forma, o imposto destacado na nota fiscal representa, muitas vezes, apenas uma parcela da carga tributária.

“Atualmente, convivemos com incoerências como a de comprar a mesma banana, no mesmo mercado, com uma delas pagando mais tributo que a outra. Essa disparidade ocorre porque, por exemplo, uma banana pode ter passado por dois transportes, enquanto a outra passou por apenas um, acumulando tributos ao longo da cadeia”, explica Eduardo Froehlich Zangerolami, sócio do Barcellos Tucunduva Advogados.

Segundo ele, com a reforma, o consumidor final continuará sendo quem arcará com o tributo, assim como é hoje. A grande vantagem, porém, será a transparência. Todos saberão exatamente quanto estão pagando de tributo e quanto estão desembolsando pelo produto em si. “Por exemplo, ao adquirir uma televisão de R$ 1 mil, ficará claro que, desses R$ 1 mil, que parte vai corresponder aos tributos pagos pelo consumidor final.”

Cashback para famílias de baixa renda

Uma das novidades da reforma tributária é o chamado cashback, que representa a devolução de impostos para famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). A medida busca tornar o sistema tributário brasileiro mais progressivo – modelo em que os mais pobres pagam proporcionalmente menos tributos que os mais ricos.

Marcelo John, do escritório Schiefler Advocacia, explica que o modelo de cashback prevê a restituição de 100% da CBS e 20% do IBS nas seguintes situações:

  • Aquisição de botijão de gás de até 13 kg;
  • Operação de fornecimento domiciliar de energia elétrica;
  • Abastecimento de água, esgotamento sanitário e gás canalizado;
  • Operação de fornecimento de telecomunicações.

Nos demais casos, a devolução será na proporção de 20% de CBS e IBS. “Esse mecanismo será extremamente benéfico para as famílias de baixa renda, garantindo um aumento em seu poder de compra”, afirma John.

Quando a reforma vai ser sentida pelo consumidor?

Jorge Luiz de Brito Júnior, sócio de tributário do Gaia Silva Gaede Advogados, explica que a reforma tributária começará a ser implementada a partir de 2026, quando se inicia a cobrança de IBS e CBS em alíquotas teste. “A aplicação integral da CBS já começa a partir de 2027, enquanto o novo modelo passa a vigorar integralmente em 2033”, diz.

A expectativa é de que os impactos sejam sentidos pelos consumidores a partir de 2027. “Acreditamos que os efeitos não serão sentidos no bolso já no primeiro ano de implementação, em 2026, pois os novos tributos pagos pelas empresas poderão ser compensados com os tributos do sistema antigo. Contudo, este impacto deve aumentar gradativamente de 2027 a 2033, à medida em que os tributos tradicionais serão reduzidos até a extinção”, afirma Moscovici, sócio de tributário do FLH.

Como se preparar até lá?

Mesmo que os efeitos demorem a ser percebidos pela população em geral, compreender os detalhes da reforma agora ajuda a projetar o quanto as novas medidas poderão influenciar o orçamento no longo prazo.

De acordo com Bruno Lessa Meireles, professor dos cursos de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Brasil, vale a pena reavaliar hábitos de consumo e identificar os produtos que poderão se tornar mais vantajosos graças à redução de impostos. Por outro lado, é recomendado repensar o consumo daqueles que podem ter a tributação aumentada, como os impactados pelo imposto seletivo.

“O melhor caminho é acompanhar as propostas e anúncios do governo, revisar hábitos de compra — seja trocando marcas, ou avaliando se ainda vale a pena manter certos consumos — e conferir se você poderá ser contemplado por devoluções do sistema de cashback”, recomenda Meireles.

Segundo ele, ao longo do período de transição da reforma tributária, ter uma reserva de emergência e registrar despesas em planilhas ou aplicativos de controle financeiro é outro passo essencial. A reserva de emergência ajuda a estar mais protegido contra eventuais gastos extras ou surpresas que surjam de última hora — e manter um bom planejamento diminui a chance de precisar acionar essa reserva.

Por: Beatriz Rocha.

Fonte: Estadão.