Insegurança jurídica para empresas com trabalhadores expostos ao ruído

Entendimento da Receita Federal tem gerado autuações por não recolhimento adequado do Adicional ao RAT.

A intensificação da fiscalização por parte da Receita Federal tem resultado em crescentes autuações de empresas pelo não recolhimento adequado do Adicional ao Risco Ambiental do Trabalho (RAT).

Essa exigência legal afeta diretamente organizações cujos trabalhadores estão expostos a condições especiais que podem comprometer a saúde, especialmente no que concerne ao agente nocivo “ruído”, em caráter permanente. Dependendo da atividade exercida e do tempo de trabalho necessário para a concessão da aposentadoria especial – 15, 20 ou 25 anos – o Adicional ao RAT pode variar em 12%, 9% ou 6%, respectivamente.

O principal desafio enfrentado pelas empresas não se limita à proteção da saúde dos trabalhadores, mas também engloba a minimização de custos tributários e a prevenção de passivos fiscais. No contexto específico do ruído, o limite de tolerância estabelecido é um fator crucial. Quando os níveis de exposição ultrapassam 85 decibéis, independentemente do uso de EPIs, tanto a jurisprudência quanto a Receita Federal entendem que o recolhimento do adicional é devido.

O fundamento para essa exigência baseia-se, equivocadamente, no precedente estabelecido pelo STF no Tema 555 que, em repercussão geral, firmou entendimento de que o uso de EPIs, embora reduza a intensidade do ruído, não elimina completamente os riscos à saúde em ambientes com níveis elevados de ruído, o que ensejou a edição do Ato Declaratório Interpretativo RFB 2/2019, o qual consolidou a exigência do recolhimento do Adicional ao RAT, mesmo quando a empresa fornece proteção adequada, desde que os níveis legais sejam excedidos.

Contudo, a aplicação extensiva do entendimento do Tema 555/STF para justificar a cobrança do Adicional ao RAT mostra-se inadequada. O julgamento do STF não abordou diretamente a legalidade ou a exigibilidade do tributo. Ao decidir sobre o direito à aposentadoria especial, o STF limitou-se a discutir a efetiva exposição do trabalhador ao ruído e os impactos sobre a saúde, sem declarar a inconstitucionalidade das normas tributárias vigentes relativas ao custeio do benefício, como o recolhimento do Adicional ao RAT.

Por isso, utilizar o Tema 555/STF como fundamento para exigir o Adicional ao RAT extrapola o escopo da decisão, violando a legalidade tributária prevista no art. 150, I, da CF, que estabelece que nenhum tributo será exigido ou aumentado sem lei que o estabeleça. A imposição de obrigações tributárias adicionais sem respaldo legislativo específico compromete a segurança jurídica das empresas e contraria a vedação constitucional à criação de tributos sem previsão legal expressa.

Caso se considere exclusivamente a legislação aplicável, na ausência de exposição habitual e permanente a agentes nocivos e comprovada a eficácia dos EPIs ou EPCs fornecidos aos empregados – cumprindo integralmente as normas de saúde e segurança do trabalho – poder-se-ia inferir que o contribuinte não estaria sujeito à incidência do Adicional ao RAT, por inteligência do art. 232, § 2º, da Instrução Normativa RFB 2.110/2022, que dispensa o recolhimento adicional quando comprovada a neutralização do agente nocivo.

Todavia, o entendimento da Receita, manifestado pelo ADI 2/2019, não só indica como tem, nos últimos meses, comprovado um elevado risco de autuação de empresas pelo não recolhimento do Adicional ao RAT nos últimos cinco anos. O Carf, apesar de possuir decisões isoladas favoráveis aos contribuintes, corrobora a interpretação da Receita Federal.

No Judiciário, apesar de existirem argumentos para contestar a cobrança, tais como a ausência de julgamento sob a perspectiva tributária e inexistência de declaração de inconstitucionalidade da dispensa prevista na legislação, têm sido proferidas decisões desfavoráveis, validando a exigência do adicional quando constatada a exposição a níveis de ruído superiores aos limites legais. Nessas decisões, a arguição de inconstitucionalidade ou ilegalidade da cobrança não tem sido acolhida.

Assim, as empresas enfrentam desafios significativos na mitigação do agente nocivo “ruído” e na interpretação das obrigações tributárias correlatas ao Adicional ao RAT. Embora a jurisprudência atual e o entendimento da Receita indiquem a exigibilidade do adicional mesmo com a adoção de medidas de proteção, há fundamentos jurídicos para contestar essa cobrança, especialmente no que tange ao princípio da legalidade tributária.

Convém pontuar, ainda, que inexiste decisão vinculante de Tribunais Superiores acerca da perspectiva tributário-previdenciária em relação tema. Inclusive, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em evento realizado na Fiesc, noticiou a pretensão de ajuizar Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para provocar o STF sobre o tema.

Ademais, o Tema Repetitivo 1.083/STJ, por seu turno, enfatiza a necessidade de comprovação da habitualidade e permanência da exposição para caracterizar a atividade especial, o que pode ser utilizado como argumento pró-contribuintes.

Cumpre ressaltar que a comprovação da neutralização dos riscos à saúde dos trabalhadores por meio de EPIs e EPCs eficazes é fundamental para reduzir riscos fiscais e fortalecer a posição das empresas em eventuais litígios administrativos ou judiciais, por intermédio da apresentação de laudos técnicos, tais como LTCAT, LRA-HO, PPRA e PCMSO.

Por isso, recomenda-se uma análise criteriosa e individualizada de cada caso, visando à adoção de estratégias jurídicas adequadas à defesa dos contribuintes.

Artigo publicado originalmente no JOTA.

Mercado de carbono regulado é instituído no Brasil

Em 12 de dezembro de 2024, foi publicada a Lei Federal nº 15.042/2024, a qual institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (“SBCE”), marcando um importante avanço na regulamentação do mercado regulado de carbono no país.

O SBCE será aplicável às atividades, às fontes e às instalações localizadas em território nacional que emitam ou possam emitir Gases de Efeito Estufa (“GEE”). Operadores responsáveis por instalações e fontes que emitam acima de 10.000 tCO2eq/ano deverão elaborar um plano de monitoramento e submeter ao órgão gestor do SBCE um relato de emissões e remoções de GEE. Por outro lado, operadores de fontes que emitam acima de 25.000 tCO2eq/ano, para além das obrigações acima mencionadas, também deverão compensar as suas emissões referentes ao período de compromisso a ser estabelecido pelo órgão gestor e enviar o relatório de conciliação periódica das obrigações.

Não foi submetida às regras desse sistema a produção primária agropecuária, tampouco os bens, as benfeitorias e a infraestrutura no interior de imóveis rurais a ela diretamente associados.

Em síntese, o SBCE adotou uma abordagem econômica denominada de “cap and trade”. O órgão gestor do SBCE distribuirá Cotas Brasileiras de Emissões (“CBEs”) aos operadores regulados, de forma gratuita ou onerosa, determinando o limite máximo de emissões para aquele setor (cap). Operadores que reduzirem as suas emissões abaixo da quantidade de CBEs distribuídas, poderão comercializar o excedente. Já os operadores que porventura emitirem GEEs acima da quantidade de CBEs recebidas, deverão compensar as suas emissões, seja com CBEs adquiridas no mercado ou com Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs) (trade).

Ambos os ativos – CBE e CRVE – são ativos fungíveis, transacionáveis, representativos da efetiva redução de emissões ou remoções de GEE de 1 tCO2eq. A diferença entre os dois está na origem: as CBEs serão outorgadas pelo órgão gestor; enquanto os CRVEs representam créditos gerados em projetos devidamente registrados no SBCE e que seguiram a sua metodologia (ainda a ser regulamentada).

Tais ativos, quando negociados no mercado financeiro de capitais, serão considerados valores mobiliários, sujeitos à Lei da Comissão de Valores Mobiliários (Lei Federal nº 6.385/1976).

Neste sentido, a CVM acaba de editar a Resolução CVM n. 223, de 16 de dezembro de 2024, que aprova a Orientação Técnica OCPC 10 – Créditos de Carbono, Permissões de Emissões (allowances) e Créditos de Descarbonização (CBIO), com os requisitos básicos de reconhecimento, mensuração e evidenciação de créditos de carbono, permissões de emissão e créditos de descarbonização (CBIOs), bem como disposição sobre os passivos associados, sejam eles decorrentes de obrigações legais ou não formalizadas, conforme definido no CPC 25 – Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes.

A cada período de compromisso, o Plano Nacional de Alocação estabelecerá, entre outros aspectos, o limite máximo de emissões, a quantidade de CBEs a ser alocada entre os operadores e a forma de alocação (se gratuita ou onerosa).

A rastreabilidade dos ativos será realizada por meio do Registro Central do SBCE, uma plataforma digital que (i) receberá e consolidará as informações sobre emissões e remoções de GEE; (ii) assegurará a contabilidade precisa de concessão, aquisição, detenção, transferência e cancelamento dos ativos; e (iii) rastreará as transações nacionais sobre os ativos nacionais e as transferências internacionais de resultados de mitigação.

Os ganhos obtidos da alienação dos ativos do SBCE serão tributados pelo Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza de acordo com as regras aplicáveis (i) ao regime em que se enquadra o contribuinte, nos casos dos desenvolvedores que inicialmente emitiram tais ativos; (ii) aos ganhos líquidos, quando auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias e de futuros e em mercados de balcão organizado; e (iii) aos ganhos de capital, nas demais situações. As disposições também são aplicáveis à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”) no caso de pessoa jurídica com apuração no lucro real, presumido ou arbitrado.

As receitas decorrentes das alienações de ativos não sofrem a incidência da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (“PIS/Pasep”) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“Cofins”).

O SBCE será implementado em 5 (cinco) fases, quais sejam:

 

Fase I: período de 12 (doze) meses, prorrogável por mais 12 (doze) meses, para a edição da regulamentação da lei, contado da entrada em vigor;

Fase II: período de 1 (um) ano para operacionalização dos instrumentos de relato de emissões;

Fase III: período de 2 (dois anos), no qual os operadores estão sujeitos somente ao dever de submissão do plano de monitoramento e apresentação do relatório de emissões e remoções de GEE;

Fase IV: vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação, com distribuição não onerosa de CBEs e implementação do mercado de ativos do SBCE; e

Fase V: implementação plena do SBCE, ao fim de vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação.

Clique aqui e confira o teaser.

Para mais informações, consulte os profissionais da área de Sustentabilidade Corporativa e Tributário do GSGA.

Apostar em bets no computador da empresa dá demissão por justa causa; veja cuidados

De identificar o acesso a sites de apostas até monitorar dados por geolocalizador, a tecnologia tem ajudado a resolver questões trabalhistas na Justiça.

Cada vez mais a Justiça do Trabalho vem usando a tecnologia para decidir as disputas entre empregados  e empregadores. Dois desses exemplos ocorreram recentemente, com a manutenção de demissões por justa causa por acesso a sites de aposta durante o horário de trabalho e com a condenação de um trabalhador a pagar multa por litigância de má-fé por falsas alegações de horas extras contra o empregador – a fraude foi comprovada pelo geolocalizador de celular.

O avanço das apostas virtuais foi tamanho que acabou chegando ao Judiciário, junto com as demissões por justa causa. E a tendência, segundo especialistas, é que continue crescendo, uma vez que o setor de bets já movimentou algo em torno de R$ 97 bilhões só em 2023 e pode chegar a R$ 130 bilhões neste ano, 34% a mais, como mostrou um levantamento da Strateg&, da PwC.

O vício por jogo de azar chegou aos tribunais com o caso de um trabalhador que acessava sites de apostas, sem permissão, pelo computador da empresa. A 6ª Vara do Trabalho de São Paulo acabou mantendo a demissão, pelas evidências, em sentença proferida em setembro.

Em outro caso, o Judiciário paulista condenou um trabalhador a pagar multas por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da Justiça por falsas alegações contra o empregador, pedindo horas extras. Porém, o geolocalizador do celular mostrou que o homem não tinha exercido suas funções por mais horas, pois não estava na empresa após os horários de término de expediente.

O juiz Régis Franco e Silva de Carvalho explicou que recorreu ao apoio técnico diante da controvérsia das alegações entre as partes. Por isso, pediu às operadoras de celular que fornecessem informações para comparação entre os horários de saída anotados no cartão de ponto e dados e a geolocalização do celular, que mostrou que o trabalhador já estava fora da região do estabelecimento.

O juiz não só negou as horas extras como condenou o trabalhador a pagar à União multa de 20% do valor da causa por mentir em juízo e ainda 9,99% sobre o valor da causa por litigância de má-fé.

O que dizem os especialistas

A advogada Beatriz Tilkian, sócia da área de Direito Trabalhista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, explica que o fornecimento de equipamentos pelo empregador o autoriza a realizar a fiscalização do modo como está sendo utilizado.

Além disso, por obrigações decorrentes da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), o empregador também pode criar políticas que limitem acessos a sites ou aplicativos considerados impróprios por algum motivo.

“O desvio de uso de equipamentos fornecidos pelo empregador pode causar penalidades, como advertências, ou até mesmo justa causa, em casos mais graves”, explica.

Diferenças no remoto e no presencial

O fato de o trabalho ser remoto ou presencial não altera a prerrogativa de fiscalização do uso de equipamentos fornecidos pelo empregador. Mas é recomendado que o empregador deixe bem claro para o empregado, ou expresso em suas políticas e regulamentos internos, que haverá fiscalização, seja remoto ou presencial, bem como dizer quais serão as penalidades aplicáveis.

Os especialistas frisam que a relação de emprego se caracteriza como uma relação de subordinação, em que o empregado recebe ordens do empregador. Durante o horário de trabalho, deve executar as tarefas que lhe são passadas, utilizando adequadamente os equipamentos fornecidos, com atenção especial às políticas e regulamentos internos. “Cabe ao empregador estabelecer regras de uso e penalidades bem definidas. Além disso, a CLT autoriza a dispensa por justa causa quando comprovada a prática constante de acesso a sites considerados proibidos pela empresa”, disse Beatriz.

De acordo com o advogado Sérgio Pelcerman, sócio da área trabalhista de Almeida Prado & Hoffmann, o trabalhador precisa estar ciente de que o acesso deve seguir regras de compliance, LGPD, sendo que, a transmissão indevida de dados, informações ou documentações gera responsabilidade civil objetiva, passível de apuração sob o âmbito criminal, cível e até mesmo levar ao desligamento por justo motivo. “Além da LGPD, as empresas podem estabelecer critérios para proibição de acesso a sites fora do limite laboral, como as bets”, afirma.

Segundo Pelcerman, não há diferença nas regras para o trabalho presencial, híbrido ou remoto, porque em todos os casos é passível de fiscalização de jornada e acessos. “As regras para o trabalho remoto e híbrido estão previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em especial na Lei nº 14.442/2022, que alterou a CLT para dispor sobre o trabalho remoto, e nas convenções e acordos coletivos de trabalho, que podem estabelecer condições específicas para cada uma das modalidades”, acrescenta.

De acordo com advogada trabalhista Aline Tavares, do Andrade GC Advogados, nem sempre a saída é a demissão diretamente. É possível a aplicação de advertências, suspensões ou, a depender do caso e gravidade, aplicação de justa causa.

Regras claras

Mas, segundo Henrique Mello, sócio do NHM Advogados, para que se chegue a isso é preciso que o empregador estabeleça regras claras e comunicação efetiva para que os empregados saibam quais os tipos de conteúdos são proibidos e quais serão as consideradas inadequadas no ambiente de trabalho. “Cabe à empresa dar a direção correta para que o funcionário saiba o que está previsto na prestação dos serviços e no uso dos equipamentos no ambiente de trabalho”, disse.

“Para aplicação de penalidades, é imprescindível a comprovação de violação clara das políticas da empresa e que o empregado foi previamente orientado sobre o uso indevido dos equipamentos”, afirma Fernando Zarif, sócio do Zarif Advogados

E quando o equipamento não é fornecido pela empresa?

Se o equipamento não for concedido pela empresa, os especialistas dizem que, em tese, eles não deveriam ser monitorados, pois não se caracterizaria como instrumentos de trabalho. Exceto se a empresa estabelecer algum tipo de política regulamentando o uso durante o horário de trabalho. Mas é claro que sistemas como mensagens de WhatsApp podem ser usada pelo empregado para comprovar trabalho.

“O monitoramento sempre precisa ser feito dentro dos limites da lei. O direito à privacidade e intimidade do empregado deve ser respeitado”, acrescenta Zarif.

Tecnologia e a Justiça

A Justiça do Trabalho começou, em 2020, uma ação institucional de formação e especialização de magistrados e servidores na produção de provas por meios digitais. A iniciativa, chamada Programa Provas Digitais, usa informações tecnológicas para auxiliar magistrados e magistradas na instrução processual, especialmente na produção de provas para aspectos controvertidos. O objetivo é proporcionar maior agilidade à tramitação processual e facilidade para a busca da verdade dos fatos, de acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Cooperação entre o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) promoveu diversas ações de capacitação sobre o tema. Já são mais de 660 profissionais da magistratura, servidores e servidoras com conhecimentos adquiridos por meio de webinários e de cursos específicos sobre o uso de cada uma das ferramentas.

Mas, afinal, o que são provas digitais?

Elas fazem parte de um novo contexto que surge na sociedade da informação, onde há uma produção constante de dados por parte dos dispositivos informáticos utilizados – a chamada big data. “Novas formas de condução da cultura da sociedade vêm com as novas tecnologias, e o Direito vem para regular isso”, afirma em nota Fabrício Rabelo Patury, promotor de justiça do Ministério Público da Bahia, um dos maiores especialistas no tema no país e um dos instrutores envolvidos no projeto. Como consequência, segundo Patury, é necessário adequar os meios de instrução também às novas ferramentas e informações disponíveis.

Em outras palavras, essa cultura de interação permanente com recursos tecnológicos produz inúmeros registros digitais, o que torna necessário repensar o modelo tradicional de produção de provas, baseado, principalmente, na oitiva de testemunhas. Dessa forma, a utilização de registros digitais para a demonstração de fatos é quase uma necessidade nos dias de hoje. “As provas digitais nascem para dar maior eficiência probatória ao processo, por atenderem a uma nova sociedade, digital e interconectada. Se todas as nossas condutas são realizadas em uma seara cibernética, é lá que vamos coletar os registros necessários para fazer prova dessa mesma conduta”, explica o especialista.

 

Por: Anna França.

Fonte: InfoMoney.

Boletim Semanal: Direito de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 Normas publicadas:

1.1.1 Lei nº 15.040, de 09 de dezembro de 2024, que estabelece regras para contratos de seguro privado e altera o Código Civil e o Decreto-Lei que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e regula as operações de seguros e resseguros. A legislação cria o Marco Legal dos Seguros. Anteriormente, não havia uma legislação que tratasse do tema de forma específica e toda a regulação era feita por normas da autoridade reguladora, a Susep (Superintendência de Seguros Privados). Desse modo, há um modelo dual, com a legislação somada à atuação da autoridade reguladora do setor. Entre as mudanças estão a proibição da extinção unilateral pela seguradora, a redução conjunta do risco e do valor proporcional do prêmio e a fixação de prazos e fatos específicos sobre a prescrição.

1.1.2 Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), dividindo o mercado em setores regulado e voluntário. Prevê ainda a criação de um órgão gestor responsável pela normatização e aplicação de sanções no setor regulado. A lei permite que as emissões de gases poluentes se revertam em ativos financeiros negociáveis.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta quarta-feira, dia 11/12, a Primeira Seção finalizou o julgamento do seguinte caso:

2.1.1 REsp 2091202, REsp 2091203, REsp 2091204 e REsp 2091205 – Tema 1223 – Discute a legalidade da inclusão do PIS e da COFINS na base de cálculo do ICMS.

O relator, Min. Paulo Sérgio Domingues, afirmou que a principal dúvida discutida no voto foi se o PIS e Cofins deveriam ou não ser incluídos na base de cálculo do ICMS, dado que essas contribuições são calculadas sobre o faturamento ou receita das empresas. O Ministro observou que, em decisões anteriores, tanto o STF quanto o STJ já se manifestaram sobre a possibilidade de repasse econômico dessas contribuições aos consumidores, especialmente em relação a serviços como telecomunicações e energia elétrica. Nessas situações, o entendimento consolidado foi de que o PIS e a  Cofins podem ser considerados como custos repassados ao consumidor, não incidindo diretamente sobre o preço final, mas sendo incluídos no cálculo do ICMS.

Além disso, o voto enfatizou a importância da segurança jurídica e da necessidade de clareza na legislação tributária. O Ministro argumentou que, se o legislador quisesse excluir o PIS e Cofins da base de cálculo do ICMS, teria criado um dispositivo legal específico para isso. Como não houve alteração legislativa nesse sentido, a inclusão dessas contribuições na base de cálculo do ICMS foi considerada legal, desde que houvesse o repasse econômico ao consumidor.

O Ministro também mencionou a jurisprudência do STJ, que tem se posicionado favoravelmente à manutenção da inclusão do PIS e da  Cofins na base de cálculo do ICMS e propôs a fixação de uma tese vinculante que ratificasse esse entendimento. Finalmente, concluiu que a decisão do STF no Tema 69 não se aplicava ao caso concreto, e, portanto, votou pela negativa de provimento ao recurso especial.

Tese fixada:A inclusão do PIS e COFINS na base de cálculo do ICMS atende à legalidade nas hipóteses em que a base de cálculo é o valor da operação, por configurar repasse econômico.”

2.2 O Superior Tribunal de Justiça (STJ) convocou o Des. Carlos Cini Marchionatti, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), para compor temporariamente a Segunda Seção e a Terceira Turma, colegiados especializados em direito privado. Sua entrada temporária na Corte acontece após a transferência do Min. Marco Aurélio Bellizze para a Primeira Seção e Segunda Turma.

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 O Senado aprovou no dia 10/12, terça-feira, o Projeto de Lei nº 3.671/24, que regulamenta o uso da inteligência artificial no Brasil. A proposta estabelece regras para a implementação e monitoramento da tecnologia, com foco na proteção de dados, transparência e responsabilidade, garantindo que os sistemas de IA sejam desenvolvidos e aplicados de forma ética e segura. O texto agora será encaminhado à Câmara dos Deputados para análise e possíveis modificações. Caso aprovada, a legislação pode oferecer um marco regulatório para o uso da IA em diversos setores da sociedade, incluindo saúde, segurança pública e comércio.

3.2 A Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado aprovou na quarta-feira, dia 11/12, quarta-feira, o Projeto de Lei nº 4.018/24, que propõe incentivo tributário a instituições privadas de pesquisa. O objetivo da proposta é fomentar o desenvolvimento de atividades de pesquisa científica e tecnológica no Brasil, oferecendo benefícios fiscais para as empresas que investirem em projetos de pesquisa e inovação. A proposta será analisada pelas comissões de Educação, Cultura e Esporte; e de Constituição, Justiça e Cidadania, em caráter conclusivo.

3.3 A Câmara dos Deputados aprovou na quinta-feira, dia 12/12, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 159/22, que prevê a eliminação da cobrança de roaming entre os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia). A proposta, apresentada pela Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, visa a implementação de um acordo assinado em 2019, que extingue os encargos de roaming internacional para usuários finais de telefonia móvel nos países do bloco. Com a medida, os usuários que viajarem dentro do Mercosul serão tarifados conforme o plano contratado no país de origem, sem custos adicionais. O projeto segue agora para análise do Senado.

3.4 O Senado aprovou na quinta-feira, dia 12/12, o Acordo entre o Governo Brasileiro e a Corte Permanente de Arbitragem, que estabelece o Brasil como uma das sedes dessa entidade. O acordo visa consolidar o país como um centro internacional de arbitragem, fortalecendo sua infraestrutura jurídica e ampliando a confiança de investidores e empresas na resolução de disputas internacionais. Com a aprovação do Senado, o projeto segue para promulgação.

3.5 O Plenário do Senado aprovou na quinta-feira, dia 12/12, o Projeto de Lei nº 1123/24, que autoriza a exploração de energia no mar, com incentivos para a produção de gás e carvão. A proposta visa fomentar o desenvolvimento energético no Brasil e diversificar a matriz energética nacional. O projeto, que ainda passará por revisão na Câmara dos Deputados, poderá ter grande impacto nas políticas energéticas e ambientais do país, ampliando o uso de recursos naturais e a geração de empregos. O texto será agora encaminhado à Câmara dos Deputados para análise e votação.

3.6 O Senado Federal concluiu na quinta-feira, dia 12/12, a regulamentação da reforma tributária sobre o consumo, com a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024. O texto aprovado agora retorna à Câmara dos Deputados com novas alterações, incluindo a redução de tributos sobre itens como a conta de água e a inclusão de mais produtos na cesta básica, como a erva-mate, amplamente consumida na Região Sul e no Mato Grosso do Sul. O relator do projeto, também acatou emendas que incluíram serviços funerários na tributação diferenciada e ajustes nas compras governamentais.

O PLP 68/2024 traz mudanças significativas na forma de tributação sobre bens e serviços, além de criar um sistema de cashback para devolução de tributos a famílias de baixa renda. Entre os itens que terão tributos reduzidos estão fraldas, biscoitos e bolachas e serviços artísticos. A reforma também aborda a isenção de tributos para uma lista de medicamentos, que será definida por lei complementar futura, e prevê a desoneração de itens como a cesta básica nacional de alimentos.

Uma das decisões mais polêmicas foi a exclusão de armas e munições do Imposto Seletivo (IS), o que gerou intensos debates no Plenário. A reforma ainda prevê a implementação de um Comitê Gestor temporário até 2025, para auxiliar na implementação do novo sistema tributário, com a expectativa de que ele entre em vigor totalmente em 2033.

A proposta agora aguarda nova análise na Câmara dos Deputados

3.7 O Senado Federal aprovou na quinta-feira, dia 12/12, a indicação de Marcello Terto e Silva para assumir o cargo de conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Além disso, o Senado também aprovou a indicação de Ulisses Rabaneda dos Santos para o cargo no CNJ. As aprovações ocorreram após a análise dos currículos e sabatinas pelos senadores. Agora, ambas as indicações seguem para sanção presidencial, para que os indicados possam tomar posse e iniciar suas funções no CNJ.

 

Prazo para atualizar valor de imóvel e pagar menos IR termina dia 16; veja regras

Contribuinte deve comparar medida com dispositivos de isenção que já existem para saber se descontos compensam.

Donos de imóveis têm, até a próxima segunda-feira (16), para pagar menos Imposto de Renda na atualização do valor de mercado de suas propriedades. O tributo incide sobre a valorização da propriedade que, no jargão econômico, tem um nome: ganho de capital. Ele é a diferença entre o valor de compra e o de mercado no momento em que a venda do imóvel acontece. E começa em 15%.

Mas a Lei 14.973/2024, aprovada em setembro, mudou as regras do jogo. Ela permitiu a antecipação da valorização de um imóvel (sem a necessidade de vender a casa) com o pagamento de uma alíquota fixa de apenas 4%.

Funciona assim: se você pagou R$ 100 mil pelo seu apartamento num passado distante, o certo foi ter declarado todo ano no IR, desde então, esse valor — não importa que o valor de mercado do apê tenha subido para R$ 1 milhão. Declara-se que ele vale R$ 100 mil.

E aí… Quando você vender por R$ 1 milhão, vai pagar 15% sobre R$ 900 mil.

Pela lei aprovada em setembro, você pode atualizar o valor do imóvel para R$ 1 milhão, pagar 4% sobre R$ 900 mil, e pronto. Se vender lá na frente por R$ 1 milhão, não vai pagar imposto sobre ganho de capital (é mais complexo do que isso, na verdade – siga neste texto para entender melhor as letras miúdas da lei).

A medida existe porque é boa para o governo. Em vez de esperar até o momento da venda para levar 15%, ganha 4% já na sua declaração de 2025. Um passarinho na mão em vez de dois voando. E o contribuinte a fim desse benefício tributário precisa correr: tem até 16 de dezembro para fazer o trâmite.

Veja como é incidência de imposto sem e com a aplicação da medida tributária nos imóveis:

Alíquotas sem a redução:

Pessoa Física: De 15% a 22,5% de Imposto de Renda, que incidem sobre o ganho de capital auferido pelo imóvel.
Pessoa Jurídica: as alíquotas somam até 34% (a depender do regime de tributação).

Alíquotas com a redução:

Pessoas físicas: arcam com alíquota de 4% de IR;
Pessoas Jurídicas: tem duas alíquotas: 6% de IRPJ (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas) e 4% de CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

Para quem compensa?

Agora, as letras miúdas da lei. Se você vender seu apartamento em até 36 meses (3 anos), vai ter de pagar os 15% de IR cheios sobre o ganho de capital — além de já ter pagado os 4%… Péssimo negócio.

É que a fórmula de cálculo prevista na nova legislação começa num abatimento de 0% para vendas ocorridas em até 3 anos. Depois o corte no imposto sobre ganho de capital vai aumentando gradualmente. Só após longos 180 meses (15 anos) ele chega a 100% — ou seja, ao momento em que não há mais imposto sobre ganho de capital.

Como diz José Luiz Ribeiro Brazuna, advogado tributarista e fundador do escritório Bratax: “O benefício será assegurado em sua integralidade apenas se o titular mantiver o bem sob sua propriedade durante 15 anos”.

Para o advogado tributarista Georgios Anastassiadis, sócio do Gaia Silva Gaede, a medida é vantajosa para quem tem um imóvel há bastante tempo registrado no IR com um valor baixo, mas que se valorizou.

“É necessário que haja uma expectativa de valorização contínua do imóvel. Se houver risco de desvalorização, antecipar o imposto pode ser um erro, pois o contribuinte acabaria pagando um tributo que não precisaria ser pago no futuro”, diz.

Anastassiadis também lembra que o contribuinte precisa ter liquidez (dinheiro em caixa) para realizar a operação. “Isso porque a pessoa não está vendendo o imóvel no momento, apenas atualizando o valor para pagar menos imposto futuramente. Sem uma venda, não há entrada de dinheiro do comprador, então é necessário ter recursos disponíveis para pagar o imposto”.

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Para quem não compensa?

Os contribuintes também precisam comparar a nova legislação com os dispositivos de isenção já existentes e saber quando vão vender o imóvel para calcular se os descontos valem a pena.

A nova medida, por exemplo, não compensa para quem vende um imóvel e compra outro em um intervalo de até 180 dias porque, neste caso, há isenção de imposto. Esse mecanismo pode ser usado a cada cinco anos, segundo artigo 39 da Lei 11.196/2005 e na Instrução Normativa 599/2005, da Receita Federal.

A isenção também é garantida ao proprietário que possui um único imóvel e o vende por até R$ 440 mil.

Imóvel de herança

A nova legislação também alcança imóveis em processos de sucessão patrimonial. Cada herdeiro pode atualizar a parcela que lhe cabe do imóvel, explica a advogada Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados & Associados.

“A atualização deve ser realizada considerando o valor proporcional à fração [obtida pelo herdeiro] no imóvel”, reforça a especialista. Neste caso, o herdeiro deve seguir 4 passos, segundo Daniela Vlavianos:

  1. Fazer a avaliação do imóvel para determinar seu valor de mercado;
  2. Preparar a documentação que comprove a herança e a fração que possui do imóvel;
  3. Solicitar a atualização ao órgão responsável pela administração tributária de sua localidade, geralmente, a prefeitura;
  4. Verificar se há necessidade de pagamento de algum imposto devido à atualização do valor (ITCMD, IPTU, ITBI e outras taxas administrativas).

 

A tributarista Juliana Assolari, do escritório Lassori Advogados, também entende que não é exigido que coproprietários façam a atualização em conjunto.

“Se uma pessoa física receber, por exemplo, 50% de um imóvel no valor de R$ 100 mil e desejar atualizar o valor para R$ 500 mil, entendo que é possível, mesmo que o coproprietário decida não efetuar a atualização”, diz Assolari. “O [requisito] para obter o benefício é que o contribuinte tenha declarado o imóvel em seu Imposto de Renda”.

Imóvel no exterior

Segundo a Receita Federal, a medida também vale para imóveis no exterior. “Imóveis que façam parte de entidades controladas no exterior e bens de trust podem ser atualizados, desde que a pessoa física seja responsável pela declaração desses bens”, explica o órgão.

Como atualizar o valor do imóvel?

Você precisa emitir uma declaração, a Dabim (Declaração de Opção pela Atualização de Bens Imóveis). Onde? No e-CAC (Centro Virtual de Atendimento), da Receita Federal. Para ter acesso ao sistema, você precisa de uma conta Gov.br nível prata ou ouro.

Além de formalizar a declaração, você deverá pagar o tributo. A Receita diz que o preço atualizado do imóvel será considerado na data de apresentação da Dabim ou do pagamento.
Dá para simular as regras da nova medida contratando um especialista tributário. E importante lembrar: a atualização de valor dos imóveis exige avaliação prévia detalhada porque, uma vez feita, não há volta.

Por: Dhiego Maia.

Fonte: InvestNews.

Desafios na liquidação de julgados no processo administrativo tributário federal

Sabe-se que a fase de liquidação de julgado no processo judicial é embasada nos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, uma vez que se está diante de atos tendentes a atingir o patrimônio de particulares. E no processo administrativo federal tributário? Há essa preocupação pelo legislador infraconstitucional?

A liquidação de sentença no âmbito judicial prevê duas modalidades: a liquidação por arbitramento, quando determinado pela sentença ou convencionado pelas partes, ou pelo procedimento comum, quando há necessidade da resolução litigiosa na liquidação, conforme os artigos 509 a 512 do CPC/2015.

Essa fase processual proporciona ao particular uma série de garantias processuais e constitucionais, assegurando que a parte tenha a oportunidade de contestar quaisquer inconsistências no valor final apurado após o trânsito em julgado da decisão de mérito nos autos.

O CPC/2015 ainda permite a interposição de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias relacionadas à liquidação (parágrafo único do artigo 1.015), reforçando o direito de o contribuinte contestar eventuais irregularidades e garantindo o acesso a mecanismos recursais eficazes.

Em relação ao processo administrativo tributário federal, importante mencionar, logo de início, que não há uma legislação específica que trate da liquidação de julgados, sendo o processo apenas regulamentado pelo Decreto nº 70.235/1972, o qual estabelece os procedimentos para a constituição do crédito tributário e a resolução de litígios fiscais.

Embora os atos preparatórios relacionados à constituição do crédito tributário, como a lavratura do auto de infração, sejam etapas iniciais do processo administrativo tributário, o julgamento administrativo em primeira instância ocorre nas Delegacias de Julgamento da Receita Federal do Brasil (DRJs), responsáveis por analisar o mérito das defesas apresentadas pelos contribuintes contra autos de infração ou decisões administrativas de natureza creditória (despachos decisórios).

O acórdão da DRJ pode ser questionado por meio de recurso voluntário ou remetido de ofício ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) caso o contribuinte seja vencedor em controvérsias de alta relevância econômica [1].

O Carf, como instância superior, revisa os acórdãos proferidos pelas DRJs e desempenha papel crucial na uniformização da interpretação das normas tributárias. Contudo, mesmo após o trânsito em julgado de um acórdão do Carf, resta à Receita Federal do Brasil executar os atos de liquidação e cumprimento da decisão, o que envolve, geralmente, a realização de cálculos.

Lacuna normativa e o Parecer Normativo nº 02/Cosit

Essa fase final, executada sob a responsabilidade das Delegacias da Receita Federal do Brasil, é essencial para materializar os direitos e obrigações reconhecidos no julgamento. Entretanto, diferentemente do que ocorre no processo judicial, o processo administrativo tributário carece de disposições expressas que detalhem os procedimentos de liquidação, limitando-se a atribuir ao órgão preparador a tarefa de promover os cálculos necessários. Essa lacuna normativa muitas vezes compromete a transparência e a segurança jurídica, gerando a necessidade de judicialização para a correta execução do julgado.

Embora o Regimento Interno do Carf permita a oposição de embargos de declaração para sanar obscuridades, contradições ou omissões nos acórdãos, tal recurso não abrange a fase de liquidação, limitando-se à revisão de aspectos formais da decisão colegiada. Consequentemente, equívocos ou excessos cometidos durante a execução administrativa da decisão transitada em julgado frequentemente permanecem sem mecanismos eficazes de contestação na esfera administrativa, comprometendo a segurança jurídica e os direitos do contribuinte.

Visando sanar essa omissão do legislador infraconstitucional sobre a matéria em questão, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) emitiu o Parecer Normativo nº 02/2016 vedando a interposição de recursos contra o ato de liquidação do acórdão do Carf, salvo em casos de erro de fato, nos quais o contribuinte pode apresentar um pedido de revisão com base em uma interpretação extensiva do artigo 149 do CTN.

O reconhecimento, pela Cosit, da possibilidade de se formular um pedido de revisão é um passo na direção correta, mas ainda insuficiente para cobrir todas as lacunas existentes, pois dependerá da interpretação do órgão administrativo, o que pode não assegurar plenamente o direito do contribuinte. Ainda mais porque da decisão que indefere o pedido de revisão, não cabe recurso – o que, por si só, coloca em dúvida se os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa estão sendo devidamente aplicados no referido caso.

Essa comparação revela que, enquanto o CPC/2015 oferece um conjunto mais robusto de ferramentas recursais e de controle, o processo administrativo tributário federal apresenta graves limitações na fase de liquidação, restringindo a capacidade do contribuinte de questionar irregularidades de maneira efetiva.

Como consequência, é comum que contribuintes sejam forçados a recorrer ao Poder Judiciário para garantir a correta aplicação de decisões administrativas, transformando a judicialização em uma necessidade diante da ausência de alternativas suficientes na esfera administrativa.

Um exemplo disso é o acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região nos autos da Apelação Cível nº 5001487-54.2018.4.04.7205 (j. 10/11/2021), através do qual negou provimento ao recurso de apelação da União, para confirmar a sentença que entendeu que o acordão proferido pelo Carf havia sido liquidado incorretamente pela Delegacia da Receita Federal do Brasil.

No caso acima citado, o contribuinte se viu obrigado a judicializar a matéria para garantir a intepretação correta do acórdão transitado em julgado do Carf. Caso houvesse uma legislação federal que possibilitasse o contraditório e a ampla defesa na fase de liquidação de julgado (no processo administrativo tributário), provavelmente essa situação seria resolvida no próprio âmbito administrativo.

Apesar dos avanços trazidos pela reforma tributária no PLP 68/2024, ainda não foram incluídas disposições específicas para melhorar os procedimentos de liquidação de julgados no âmbito administrativo federal. O projeto, atualmente em tramitação no Senado, prioriza a simplificação tributária, mas deixa de abordar mecanismos que garantam maior proteção ao contribuinte nessa fase, mantendo as lacunas que frequentemente levam à judicialização.

A ausência de regulamentação específica para a fase de liquidação de julgados no processo administrativo tributário evidencia uma lacuna que compromete a segurança jurídica e os direitos fundamentais dos contribuintes. Sem mecanismos claros que assegurem o direito à manifestação e à contestação nessa etapa, os contribuintes enfrentam barreiras administrativas que os levam, inevitavelmente, ao Poder Judiciário como única alternativa viável para fazer valer suas garantias.

Em conclusão, esse cenário reforça a urgência de uma reforma legislativa federal que contemple regras precisas para a liquidação e execução de julgados administrativos, garantindo transparência, previsibilidade e o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Com uma regulamentação mais robusta, seria possível reduzir a sobrecarga do Poder Judiciário, proporcionando maior eficiência ao sistema tributário e promovendo um ambiente mais equilibrado para a resolução de conflitos.


[1] Art. 1º O Presidente de Turma de Julgamento de Delegacia de Julgamento da Receita Federal do Brasil (DRJ) recorrerá de ofício sempre que a decisão exonerar sujeito passivo do pagamento de tributo e encargos de multa, em valor total superior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais). – Portaria MF nº 2/2023

 

Artigo publicado originalmente no Conjur.

RFB Altera Regras da DCTFWeb

Em 05/12/2024, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa RFB nº 2.237, que revoga, a partir de 1º de janeiro de 2025, a IN RFB nº 2.005/2021. Com isso, a DCTF será extinta, e a DCTFWeb se tornará o único instrumento para a declaração de débitos tributários administrados pela RFB.

A partir de 2025, a DCTFWeb incluirá informações sobre tributos como IRPJ, IRRF, IPI, IOF, CSLL, PIS/Cofins, Contribuições Previdenciárias e Sociais, CIDE, entre outros. A elaboração ocorrerá com base em dados do eSocial, EFD-Reinf ou pelo novo Módulo de Inclusão de Tributos (MIT), que permite incluir tributos não abrangidos pelos sistemas anteriores. Exemplos incluem:

 

  • Tributos gerais: IRPJ, IRRF, IPI, IOF, CSLL, PIS/Cofins, exceto aqueles retidos na fonte ou incidentes sobre a folha de salários, que devem ser declarados no eSocial ou na EFD-Reinf;
  • Tributos específicos: Regime Especial de Tributação (RET) para incorporadoras imobiliárias e contribuições devidas por Sociedades Anônimas do Futebol (SAF).

 

A DCTFWeb mensal deve ser entregue até o dia 25 do mês seguinte ao fato gerador, antecipando-se para o dia útil anterior quando a data cair em dia não útil. Para contribuintes sem movimento, basta uma declaração inicial, válida enquanto não houver novos fatos geradores.

Além disso, foram criadas modalidades da DCTFWeb com prazos específicos: (i) DCTFWeb Anual: Relativa ao décimo terceiro salário; (ii) DCTFWeb Diária: Aplicável a espetáculos desportivos; (iii) DCTFWeb Aferição de Obras: Relacionada à construção civil; e (iv) DCTFWeb Reclamatória Trabalhista: Tributos decorrentes de ações judiciais na Justiça do Trabalho.

Com a exclusividade da DCTFWeb, a aplicação do instituto da denúncia espontânea se torna mais complexa, pois o DARF é gerado apenas após a declaração. Assim, o pagamento prévio do débito, necessário para configurar denúncia espontânea, pode ser inviabilizado. Como alternativa, o contribuinte pode recolher o tributo via DARF avulso e posteriormente retificar a DCTFWeb para incluir o débito. Após esse procedimento, deve-se solicitar a vinculação do DARF no e-CHAT da RFB.

Porém, o tempo para vinculação do DARF pode atrasar a obtenção de CND ou CPEN, impactando operações que exigem regularidade fiscal, como participação em licitações e financiamentos.

Para mais informações, consulte os profissionais da área de Tributário do Gaia Silva Gaede Advogados.

Arbitragem se destaca na resolução de conflitos entre países

Método é usado até para a resolução de questões climáticas e ambientais entre Estados.

A arbitragem tem sido cada vez mais utilizada na comunidade internacional para resolução de litígios entre países, como questões climáticas, ambientais (exploração de recursos naturais) e de fronteiras. O mecanismo é usado até mesmo para tentar solucionar disputas entre Estados que estão em guerra. No entanto, no Brasil o uso do procedimento arbitral ainda não é tão comum nestas situações.

Com o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945, imaginou-se que com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Corte Internacional de Justiça (CIJ), as guerras fossem substituídas por processos pacíficos num tribunal permanente internacional como meio de resolução de litígios entre os países.

No entanto, não foi isso que aconteceu. De lá para cá, inúmeros conflitos armados eclodiram em diversas partes do mundo e, com isso, houve um enfraquecimento dos mecanismos multilaterais de solução de litígios, como a própria ONU e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Neste cenário, especialistas apontam que a arbitragem tem se destacado como ferramenta de superação de disputas entre Estados.

“Estes organismos foram idealizados como espaços neutros. No entanto, temos assistido a uma utilização destes fóruns, principalmente a ONU, por alguns países que impõem uma pauta ideológica. Isto enfraquece estes fóruns, que passam a ser olhados como instituições parciais. Este descrédito abre espaço para a arbitragem, que oferece flexibilidade, rapidez e um processo mais adaptado às necessidades específicas das partes envolvidas naquela discussão específica. Além disso, a arbitragem não depende diretamente de instituições supranacionais, sendo construída a partir do consenso entre os Estados envolvidos na disputa, o que pode ser visto como uma vantagem em um cenário de fragmentação multilateral e fortalecimento de relações bilaterais”, afirma Gabriel Zugman, sócio do Domingues Advogados.

A arbitragem é um mecanismo extrajudicial de solução de litígios. Por ser menos burocrático, o processo arbitral costuma ser mais ágil do que uma ação judicial. Na arbitragem, as partes em disputa concordam, em uma cláusula de arbitragem, em submeter a controvérsia a um árbitro ou a um tribunal privado, que, ao final do processo, deve decidir quem tem razão.

Instituída em 1899 e sediada em Haia, na Holanda, a Corte Permanente de Arbitragem (CPA) foi criada para facilitar a arbitragem e outras formas de resolução de conflitos entre países. Nos anos 30 do século XX, passou a realizar arbitragens entre Estados e particulares. Em 2023, a CPA administrou 246 casos, 82 dos quais tiveram início no mesmo ano, de acordo com o relatório anual da entidade.

Os processos em tramitação na corte no ano passado referem-se a uma variedade de assuntos. Um deles é uma arbitragem entre o Azerbaijão e a Armênia, sobre o Tratado da Carta de Energia (acordo multilateral que entrou em vigor em 1988 sobre proteção do investimento, de resolução de diferendos, de trânsito e de comércio no setor da energia).

O Qatar e os Emirados Árabes Unidos são partes num procedimento arbitral sobre a Constituição da União Postal Universal. Num outro caso, uma arbitragem entre Paquistão e Índia discute o Tratado das Águas do Indo, numa controvérsia sobre a construção de hidrelétricas no rio. Outra arbitragem entre esses dois países refere-se à Convenção sobre a Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, de 1979.

Questões climáticas e ambientais são cada vez mais fonte de conflitos entre Estados. O “Relatório de Litígios Climáticos Globais 2023” do Programa da ONU para o Meio Ambiente mostra que o número de processos que tratam de alterações climáticas passou de 884 em 2017 para 2.180 em 2022. Estas ações tramitam em 65 órgãos em todo o mundo: em tribunais internacionais, regionais e nacionais, procedimentos especiais da ONU e tribunais de arbitragem.

O desentendimento entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, é alvo de um procedimento arbitral na Corte Permanente de Arbitragem desde 2016, quando a Federação Russa anexou a península da Crimeia. Os dois países estão em guerra desde fevereiro de 2022, quando tropas russas invadiram localidades próximas a Kiev, capital ucraniana.

“Embora o Direito Internacional Público enfrente sempre desafios para consolidar uma forma consistente de solucionar conflitos entre Estados, dada a sua soberania individual, a história humana já mostrou que a voluntária submissão dos Estados a Tribunais Arbitrais produz melhores resultados – políticos, econômicos e sociais –  que a tentativa autônoma e soberana de encetar soluções. Quando a diplomacia não dá conta do conflito, evitar a guerra ou mesmo cessá-la por meio da arbitragem internacional é o método mais racional de resolver disputas”, conclui Brahim Bitar, sócio de resolução de disputas e arbitragem do Fonseca Brasil Advogados.

Para Hugo Tubone Yamashita, sócio do escritório Sacramone, Orleans e Bragança Advogados, as últimas duas décadas marcaram a consolidação definitiva da arbitragem como método de resolução de disputas no Brasil. Mas ainda não estamos em pé de igualdade com outros grandes centros arbitrais fora do país em relação à arbitragem internacional e principalmente com relação a disputas envolvendo Estados.

“O Brasil não é parte do International Centre for Settlement of Investment Disputes, um dos principais fóruns para debates sobre arbitragens envolvendo entes estatais e investidores. Assim, ainda é necessário investir mais em capacitação, treinamento e parcerias com órgãos estrangeiros para ampliar o corpo de profissionais atuantes em disputas internacionais, especialmente no que toca a disputas entre Estados”, avalia.

Para fortalecer a arbitragem em conflitos envolvendo o Brasil, Rodrigo Sluminsky, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, sugere incentivar a inclusão de cláusulas arbitrais em acordos bilaterais, reconhecendo a arbitragem como um mecanismo efetivo para a resolução de disputas.

“Além disso, é essencial fortalecer as câmaras de arbitragem brasileiras, para que possam atuar com celeridade e eficiência. Com o aumento de casos envolvendo temas transnacionais, certamente podemos enxergar aqui uma alternativa bastante interessante”, afirma.

Gabriel Zugman, do Domingues Advogados, concorda:

“Em comparação com os países de vanguarda de arbitragem, como França e Estados Unidos, por exemplo, ainda estamos engatinhando. Precisamos incentivar a formação de árbitros e advogados especializados em arbitragem internacional e comercial, com foco em litígios envolvendo o Brasil. Isso poderia posicionar o Brasil como um ator mais relevante no cenário arbitral global.”

Hugo Yamashita, do escritório Sacramone, Orleans e Bragança Advogados, ressalta que não é necessária nenhuma alteração legislativa para fomentar o uso da arbitragem entre o Brasil e outros países. Segundo ele, a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) positivou a arbitragem como método de solução de disputas, inclusive em âmbito internacional. Além disso, o Brasil atuou na formação da Corte Permanente de Arbitragem e foi signatário das convenções que lhe deram origem.

“O Brasil é ainda signatário da Convenção de Nova Iorque de 1958, acerca do reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras em disputas comerciais, bem como de diversos Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos, os quais preveem a arbitragem como mecanismo de solução de disputas. Portanto, o Brasil não apenas já é um importante ator no âmbito da arbitragem internacional, como também conta com arcabouço legal bastante sólido. Evidentemente, sempre há espaço para melhorias, como, por exemplo, o fortalecimento de regras a respeito de transparência em disputas envolvendo estados e a adoção de padrões internacionais nesse sentido, como as regras da Comissão de Direito Comercial Internacional das Nações Unidas (UNCITRAL, na sigla em inglês).”

 

Texto publicado originalmente no JOTA.