A Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços, a já famosa “CBS”, idealizada no Projeto de Lei 3.887, apresentado pelo atual governo federal em 21 de julho de 2020 como a primeira fase da Reforma Tributária, tem como principais condões, ao substituir o PIS e a COFINS, atingir desejáveis níveis de simplicidade, transparência, eficiência, concorrência e, principalmente, uma redução considerável no patamar de litigiosidade que atualmente apresentam essas contribuições sociais.
Porém, pelo que se tem notado nos debates acalorados travados desde a sua aparição, a tão desejada redução do contencioso tributário não parece ser um atributo intrínseco à CBS, já que mesmo a sua constitucionalidade tem sido questionada, na medida em que estaria invadindo a competência estadual do ICMS para tributar bens, e a competência municipal do ISS para tributar serviços, sem falar de diversas outras falhas no texto do projeto que, segundo os especialistas, dão margem à discussão na esfera judicial.
No setor de seguros, não parece ser diferente. Cumpre ressaltar que, logo no artigo 1º do projeto, é disposto que a CBS incide sobre bens e serviços. Como a atividade securitária não envolve nem bens nem serviços, poder-se-ia pensar, à primeira vista, que esta nova contribuição não se aplica ao setor. Logo abaixo, o artigo 2º poderia solucionar este impasse, ao dizer que a CBS incide sobre a receita bruta da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica, mesmo que não compreendidos por bens e serviços. Porém, por que então a contribuição expressamente “incide sobre bens e serviços”, conforme dispõe o artigo 1º, e conforme a própria denominação do tributo? E se, além disso, se interpretar, o que parece ser o mais correto, o artigo 2º combinado com o 1º, no sentido de que a CBS incide sobre a “receita bruta da atividade ou objeto principal” somente de “bens e serviços”? Eis que se instaura a polêmica…
Não bastasse, ainda em relação ao artigo 2º, que trata da incidência sobre “a atividade ou objeto principal da pessoa jurídica”, o projeto de lei em questão perdeu uma excelente oportunidade de resolver um impasse no setor que se estende desde 2015 no âmbito do PIS e da COFINS, relativo à tributação, ou não, das receitas financeiras decorrentes das reversas técnicas das seguradoras. De um lado, o fisco entende que são tributáveis, no conceito amplo de atividade ou objeto social (já que as reservas são obrigatórias por determinação regulatória), de outro, os contribuintes entendem que não, por não ser a manutenção destas reservas o propósito das companhias seguradoras, sendo que, diante deste impasse, temos um projeto de lei da CBS absolutamente silente.
Adicionalmente, nota-se, no projeto, que foram omitidas, ao menos expressamente, diversas exclusões da base de cálculo que atualmente são aplicáveis ao PIS e à COFINS, tais como equivalência patrimonial, lucros e dividendos, venda de ativo não circulante e alienação de participações societárias. Ora, como é sabido, grande parte dos conglomerados do setor de seguros possui uma empresa holding no grupo que detém a participação nas empresas operacionais, o que tem gerado grande dúvida se, no âmbito da CBS, as receitas de equivalência, dividendos ou juros sobre o capital próprio seriam tributáveis.
Além dessas possíveis discussões, sem prejuízo de outras, talvez o ponto que mais causa espécie seja o aumento de alíquota do setor, dos atuais 4,65%, para 5,8%.
Vale notar que, no regime geral da CBS, a alíquota passaria dos atuais 3,65% (regime cumulativo do PIS/COFINS) ou 9,25% (regime não cumulativo) para 12%, devendo-se lembrar que, segundo o governo, foram feitos cálculos e simulações para que não houvesse aumento efetivo da carga tributária, sendo o aumento da alíquota nominal compensado pela: (1) ampliação da base de créditos; (2) forma de cálculo “por fora”; e (3) incidência sobre a receita bruta de bens e serviços, e não a receita total.
A despeito da efetividade dessas simulações, fato é que, no setor de seguros: (1) há vedação expressa à tomada de créditos pelas seguradoras; (2) os contratantes das seguradoras também serão proibidos de tomar créditos da CBS sobre essas operações, o que faz com que esta contribuição seja incluída no preço do prêmio como custo e se caracterize, na prática, como um cálculo “por dentro”; e (3) como visto acima, é possível, com base na omissão do projeto, que o fisco venha a exigir a tributação de outras receitas.
Diante disso, apesar das duras críticas que o setor financeiro em geral tem recebido no que tange ao tratamento que lhe foi conferido pela CBS, no sentido de gozar de uma alíquota bem menor (5,8%) do que a alíquota geral (12%), fato é que, em vista da demonstração acima, fica evidente que o setor financeiro, em especial o de seguros, amargará um inevitável aumento de carga tributária, caso a CBS seja aprovada nos termos originais do projeto de lei 3.887/20, na medida em que, por um lado, a alíquota sofrerá um incremento de 25% e, por outro, as seguradoras continuarão sem poder tomar créditos, a tributação permanecerá “por dentro” e outras receitas, tais como as financeiras decorrentes de ativos garantidores, continuarão a ser tributadas (ou pelo menos cobradas pelo Receita Federal).
Esperamos fortemente que essas inconsistências sejam ajustadas no decorrer do processo legislativo da CBS, a fim de evitar o aumento do custo tributário de um setor tão essencial para a sociedade, como é o de seguros, o que inevitavelmente é repassado aos consumidores.
Contudo, caso tais ajustes não ocorram, que sirva o presente artigo de consolo para os outros setores econômicos inseridos no regime geral da CBS, muitos dos quais, em razão do amplo creditamento e da sistemática de cálculo “por fora”, fatalmente experimentarão a manutenção ou mesmo redução da carga tributária, caso o projeto de lei 3.887/20 venha a ser aprovado.
*Georgios Theodoros Anastassiadis é especialista em Direito Tributário e sócio do Gaia Silva Gaede Advogados
*Artigo postado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.