Não é novidade que a economia digital tem crescido exponencialmente, atualmente respondendo por boa parte da produção mundial de riqueza. Esse crescimento se deve muito à rápida evolução tecnológica, que tem trazido uma avalanche de soluções inovadoras ao mercado, e também às vantagens que novos modelos de negócio trazem aos consumidores.
De fato, a tecnologia, ao viabilizar as operações digitalizadas, facilita, barateia e potencializa o acesso a alguns bens e serviços, o que vem impactando diversos segmentos da economia e transformando rapidamente a vida das pessoas e das empresas em diversos aspectos. Basta verificar alguns segmentos que foram radicalmente transformados nos últimos anos, tais como hotelaria, transporte, varejo e relações sociais, profundamente afetados por conhecidas plataformas digitais.
Se por um lado os novos modelos de negócios vêm evoluindo a uma velocidade cada vez mais crescente, por outro se observa que a legislação não é capaz de acompanhar o acentuado avanço da tecnologia, o que pode dificultar o encontro de respostas imediatas a questões atuais diretamente na lei. Tampouco a jurisprudência (consolidação de decisões judiciais) pode ajudar em alguns casos, uma vez que a definição de muitas questões costuma tardar muitos anos, prazo incompatível com a rapidez das mudanças sociais. Por tudo disso, muitas perguntas não encontram respostas automáticas nas tradicionais fontes de pesquisa, o que acarreta um grande desafio aos empreendedores que buscam alguma segurança jurídica em suas atividades.
Exemplos não faltam dessa falta de sincronia entre legislação e tecnologia, não apenas no Brasil. No último Global Summit da Singularity University, ocorrido em San Francisco/EUA em agosto, pude ouvir em alguns painéis que os carros autônomos já poderiam ser imediatamente adotados, considerando a suficiente tecnologia para tanto, mas entraves regulatórios e incertezas quanto à responsabilização em casos de acidentes (Proprietário? Usuário? Empresa responsável pela conexão?) impedem que isso ocorra. Outro ponto destacado no evento foi a grande evolução da robótica na saúde, tendo sido apontado que robôs e realidade virtual já viabilizam a realização de cirurgias à distância. Entretanto, questionamentos legais semelhantes ainda inviabilizam a sua adoção em massa e impedem que avanços se espraiem para locais desprovidos de assistência médica adequada.
Além da regulação em si, algumas atividades, ainda que não tenham óbice na legislação para que sejam desempenhadas, encontram dificuldade para ser enquadradas nos modelos legais existentes, o que causa alguma insegurança jurídica. Isso é verificado, frequentemete, na área tributária, que ainda é moldada por conceitos bastante antigos (mercadorias, serviços etc.) que já não são suficientes para enquadrar novas operações, embora sejam determinantes na definição do imposto a ser pago em cada operação (mercadorias = ICMS; serviços = ISS etc.). A digitalização também acarreta um enorme desafio para os fiscos no tocante à cobrança de tributos sobre operações remotas que guardem alguma relação com seus territórios, tanto em âmbito nacional (ex.: cobrança de ISS pelos municípios) quanto no plano internacional (países com grande número de usuários de plataformas disponibilizadas por não residentes que não têm qualquer contrapartida no tocante à arrecadação de impostos, ainda que forneçam a infraestrutura necessária ao acesso).
Isso sem falar em questões mais antigas, como é o caso da tributação do download de software no Brasil, que até hoje é motivo de uma enorme indefinição quanto ao correto tributo a ser cobrado – ICMS ou ISS. Nesse particular, nos últimos anos tem havido uma intensa guerra fiscal entre Estados e Municípios quanto à tributação dos programas de computador em geral (tanto download quanto utilização na nuvem – SaaS), que vem causando grande insegurança aos contribuintes. Vale lembrar que a possível incidência do ICMS sobre o download de software aguarda definição no Supremo Tribunal Federal desde o século passado (a ação foi proposta em 1999). Esse julgamento, que poderia ter norteado o conflito há anos, provavelmente será concluído quando já não serão tão relevantes as operações de download, diante da crescente utilização de software em ambiente de nuvem.
Em resumo, são muitos os desafios jurídicos na chamada economia digital. O quadro apresenta um enorme desafio a advogados e demais atores jurídicos (juízes, autoridades reguladoras etc.), ao requerer que tais profissionais, diante da falta de definições legais precisas e/ou específicas, compreendam adequadamente os novos negócios, dominem os institutos do direito aplicáveis aos negócios em geral e tenham a capacidade de adaptá-los aos negócios da nova economia. Essa dinâmica exige ainda o constante acompanhamento do ecossistema de inovação e das tendências jurisprudenciais que possam convalidar a aplicação da legislação no caso concreto, de modo a viabilizar a concretização de ideias e, consequentemente, a inovação e os negócios dela decorrentes.