Novo Transfer Pricing Brasil e sua influência em outros tributos e nos preços intercompany

Com o objetivo de se tornar membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil adotou as regras de preços de transferência (transfer pricing) indicadas pelo órgão internacional. As novas regras estão previstas na Lei nº 14.596/2023 e entram em vigor obrigatoriamente em 2024 e facultativamente em 2023.

Em resumo e essencialmente na visão da OCDE e de seus países-membros, o transfer pricing objetiva que as operações realizadas entre partes relacionadas utilizem preços de mercado e, mais do que isso, que a riqueza gerada por várias entidades ao longo de uma cadeia internacional seja apropriada (e tributada) de acordo com as funções, ativos e riscos individualmente assumidos. Quando há divergência entre o preço praticado pelas partes relacionadas e o preço de mercado, é necessária a realização de ajustes.

No modelo brasileiro vigente até a entrada das novas regras (Seção V da Lei nº 9.430/1996), o efeito desses ajustes é exclusiva e necessariamente aumentar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Isto é, caso uma empresa brasileira, p.ex., importe um produto de sua matriz no exterior por um valor considerado maior que o devido pelas margens fixas da Lei nº 9.430/1996, essa diferença será tributada pelo IRPJ e pela CSLL, independentemente desse preço corresponder à prática de mercado ou ser justo do ponto de vista das funções, ativos e riscos individualmente assumidos.

O novo modelo de transfer pricing altera completamente a prática até então adotada e deve, por isso, ensejar a revisão das operações intercompany, essencialmente para mapear se a riqueza apropriada por cada entidade integrante de um grupo multinacional está de acordo com as funções, ativos e riscos assumidos e, caso não estejam, avaliar a manutenção das operações e/ou de seus valores em comparação com o efeito de eventual ajuste de transfer pricing.

Além disso, no novo modelo, existe a possibilidade de realizar “ajustes compensatórios”, através do qual as partes envolvidas na operação sujeita ao transfer pricing poderão alterar o valor da transação, a fim de evitar a necessidade do ajuste (adição) na apuração do IRPJ e da CSLL (chamado de ‘ajuste espontâneo’). De acordo com a regulamentação trazida pela Receita Federal do Brasil (Instrução Normativa nº 2.161/2023), o ‘ajuste compensatório’ deve ser respaldado pela emissão de notas de débito, crédito ou de documentação fiscal e comercial.

A Instrução Normativa nº 2.161/2023 também prevê que “a realização de ajustes espontâneos ou compensatórios não implicará automaticamente a realização de ajustes na base de cálculo de outros tributos, inclusive os incidentes na importação de bens e serviços”. Essa previsão genérica, especialmente pela utilização do termo “automaticamente”, por poder significar que a geração de efeitos em outros tributos depende de cada caso/tributo, faz surgir uma série de questionamentos, tais como:

❯   os tributos apurados com base no preço inicial (PIS-Importação, Cofins-Importação, II, IPI, ICMS, IRRF, CIDE) deverão/poderão ser recalculados, gerando, por consequência, valores a recolher ou a recuperar?

❯   é necessário algum procedimento para tanto (retificação da declaração de importação, p.ex.)?

❯   o valor recebido ou pago terá natureza comercial/operacional ou financeira para fins tributários?

Considerando que a influência dos ajustes de transfer pricing em outros tributos não consta da Lei nº 14.596/2023, inclusive, em seu art. 1º, há menção expressa e exclusiva apenas ao IRPJ e à CSLL, a eventual exigência de complemento de tributo poderá gerar questionamentos tanto no âmbito administrativo quanto no judicial. Igualmente, caso o contribuinte recolha tributos sobre o valor de uma operação que seja reduzido posteriormente, deverá ser avaliado se existe o direito de recuperar os indébitos tributários decorrentes.

Tendo em vista esse cenário de incertezas quanto aos possíveis reflexos dos ajustes de transfer pricing em outros tributos, essencialmente pela realização dos “ajustes compensatórios”, é importante que as empresas avaliem suas operações intercompany antes da entrada em vigor da Lei nº 14.596/2023, a fim de evitar maiores questionamentos pela autoridade fiscal ou de gerar oportunidades na redução do recolhimento dos tributos aqui no Brasil.

Brasil promulga acordo para evitar a dupla tributação com o Uruguai

O Governo Federal publicou o Decreto nº 11.747 em 23/10/2023, promulgando a Convenção entre Brasil e Uruguai para Eliminar a Dupla Tributação, que passa a ser aplicável a partir de 2024, caso cada Estado Contratante notifique ao outro, ainda em 2023, por escrito, por via diplomática, o cumprimento dos requisitos legais para entrada em vigor da referida Convenção.

No Brasil, a convenção se aplicará ao Imposto de Renda, que é cobrado tanto das pessoas físicas quanto pessoas jurídicas, e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), que é cobrada somente das pessoas jurídicas. Do lado uruguaio, a medida se aplicará ao imposto sobre a renda das atividades econômicas, ao imposto sobre a renda das pessoas físicas, ao imposto sobre a renda dos não residentes, ao imposto de assistência à seguridade social e ao imposto sobre o patrimônio.

Na Convenção firmada com o Uruguai, foram incluídos dispositivos habituais na rede brasileira de acordos, que preservam o poder de tributação na fonte pagadora dos rendimentos, ainda que de forma não exclusiva, especialmente com relação aos serviços técnicos, assistência técnica e ganhos de capital, assim como aos rendimentos não especificamente mencionados no acordo. Além disso, a Convenção estabelece limites às alíquotas incidentes na tributação na fonte de dividendos, juros, royalties e serviços técnicos e de assistência técnica.

Referida Convenção prevê, ainda, um artigo específico sobre o intercâmbio de informações entre as respectivas administrações tributárias conforme os padrões internacionalmente aceitos, o que é um aspecto relevante na luta contra a evasão fiscal.

Este é mais um passo importante para as relações internacionais do Brasil, na medida em que proporciona maior cooperação entre as administrações tributárias envolvidas, combate o planejamento tributário abusivo e previne a evasão fiscal nas operações com um importante vizinho e parceiro de negócios.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou a Portaria PGFN/MF nº 1.241, de 10 de outubro de 2023, que regulamenta a transação na cobrança de créditos da União e do FGTS.

1.2 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Portaria RFB nº 368, de 16 de outubro de 2023, que institui o Programa de Reforma Tributária do Consumo e projetos vinculados para a proposição de modelo e soluções para a implantação da reforma tributária do consumo de que trata a Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta sexta-feira, dia 20/10, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou/iniciou os julgamentos dos seguintes casos relevantes:

2.1.1 Embargos de Declaração na ADC 49 – No mérito, o STF concluiu pela não incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.

Após a conclusão do julgamento do tema, a Corte modulou os efeitos da decisão “a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito, e, exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos”.

Os Embargos de Declaração opostos pela Sindicom, que estão em julgamento, discutem se os Estados podem ou não exigir o ICMS de forma retroativa das empresas que não têm ação judicial sobre esse tema, mas, com base na jurisprudência, deixaram de fazer o recolhimento do imposto.

O relator, Min. Edson Fachin, apresentou voto que decidiu que as entidades que participam dos processos objetivos de controle de constitucionalidade na condição de amici curiae, ainda que aportem aos autos relevantes informações ou dados técnicos, não possuem a legitimidade recursal pretendida na hipótese. Isto posto, votou por não conhecer dos Embargos de Declaração.

2.1.2 ADI 2356 – Discute se é constitucional o art. 78, do ADCT, incluído pela EC 30/2000, que permite o parcelamento de precatórios vencidos.

O Relator, Min. Nunes Marques, votou no sentido de:

(i) em relação ao art. 78, caput, do ADCT – precatórios decorrentes de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 –, conhecer das ações e, confirmando a medida cautelar deferida, julgar procedentes os pedidos nelas formulados, declarando a inconstitucionalidade da norma impugnada;

(ii) manter a validade dos pagamentos que tenham sido realizados em consonância com a disciplina ora declarada inconstitucional – hipótese dos precatórios decorrentes de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999; e

(iii) em razão da impugnação específica do §3º que previa a redução “para dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação de imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à época da imissão na posse”, fazer consignar que ele, assim como os outros parágrafos, seguem todos a mesma sorte do quanto decidido a respeito do caput do art. 78. O relator foi acompanhado pelo Min. Dias Toffoli e Min. Alexandre de Moraes.

O Min. Gilmar Mendes abriu a divergência e apresentou voto pela procedência em parte dos pedidos, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “pendentes na data de promulgação desta Emenda“ contida no art. 78, caput, do ADCT e proceder a interpretação conforme à Constituição ao art. 2º da Emenda Constitucional 30/2000, para excluir as dívidas reconhecidas judicialmente, em processo transitado em julgado, na fase de conhecimento (antiga ação de conhecimento), até a entrada em vigor da citada emenda constitucional.

Por fim, o Min. Edson Fachin também divergiu e apresentou voto para dar provimento aos pedidos, confirmando a liminar, de modo a declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º, da Emenda Constitucional nº 30/2000, que introduziu o artigo 78 no ADCT da Constituição da República de 1988. Entendimento seguido pelos Ministros Roberto Barroso e Cármen Lúcia.

Modulação proposta pelo Min. Gilmar Mendes: “propondo, ainda, a modulação dos efeitos da presente decisão para que seja conferida eficácia ex nunc ao presente julgamento, mantendo os parcelamentos realizados até a concessão da medida cautelar nestes autos.”

Modulação proposta pelo Min. Alexandre de Moraes: “modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade para ressalvar a validade dos pagamentos que tenham sido realizados em consonância com a norma ora declarada inconstitucional.”

2.1.3 ADI 5553 – Discute a constitucionalidade da concessão de benefícios fiscais de ICMS e IPI sobre agrotóxicos.

O que se debate na ADI é a constitucionalidade de desonerações fiscais (tanto do ICMS quanto do IPI) em relação a defensivos agrícolas no Brasil. Em síntese, o PSOL alega que a redução de 60% (sessenta por cento) da base de cálculo do ICMS na alíquota interestadual; a autorização aos Estados e ao Distrito Federal para desoneração de ICMS em operações internas; e a isenção total de IPI incidente sobre os defensivos agrícolas ofendem os princípios da capacidade contributiva e da seletividade, bem como os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à saúde.

O processo retornou com o voto-vista do Min. André Mendonça, que divergiu do relator e do Min. Gilmar Mendes. Segundo o Ministro, o cerne da questão se refere ao modelo de desenvolvimento rural brasileiro, especialmente no que toca à formatação da agricultura. Apontou que, se por um lado a Constituição não veda, peremptoriamente, a renúncia de receitas em favor de agrotóxicos, por outro pressupõe a nocividade dos agrotóxicos à saúde humana e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como os malefícios decorrentes de seu uso. O Ministro afirmou que o princípio da proporcionalidade é o melhor método para aferir a constitucionalidade de medidas extrafiscais de índole ambiental. Ou seja, esse princípio deve ser balizador para controle de medidas do Poder Público que restringem direitos fundamentais, em nome de outros direitos fundamentais.

Aponta que, segundo teste de adequação, as medidas estatais impugnadas ostentam finalidades legítimas, seja por estimular, via instrumentos fiscais, a política agrícola, seja por promover o barateamento dos custos de produção na agricultura e, por consequência, do preço dos alimentos. Ademais, informa que, atualmente, não há soluções alternativas que façam suprir integralmente o emprego de defensivos agrícolas.

Contudo, o Ministro afirma que as políticas de redução fiscal para os defensivos agrícolas estão em um processo de inconstitucionalização, decorrente de mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas, porquanto aquelas pouco mudaram desde a década 1950 e revela um problema de não atualização da política fiscal e agrícola aos avanços tecnológicos no agronegócio, o que precisa ser revisitado pelo Poder Público.

Assim sendo, votou pela declaração de inconstitucionalidade, em parte, sem pronúncia de nulidade, afirmando-se um processo de inconstitucionalização das desonerações fiscais federais e estaduais aos agrotóxicos.

Em assentada anterior, o relator, Min. Edson Fachin, votou pela declaração de inconstitucionalidade das normas que concedem benefícios fiscais de ICMS e isenção do IPI sobre agrotóxicos.

O Ministro afirma que a redução de 60% da base de cálculo do ICMS e a isenção por meio da alíquota-zero do IPI a agrotóxicos, considerados incentivos fiscais, se distanciam do princípio constitucional do poluidor-pagador, pois, ao invés de internalizar, promovem a externalização dos riscos ou danos ecológicos. Ademais, pontuou que as normas tributárias indutoras não devem ignorar as externalidades geradas por determinada atividade econômica, sejam positivas, sejam negativas. Quando sua aplicação gerar fomento de determinada atividade econômica que implique risco ou mesmo danos ao meio ambiente, deve haver necessariamente consideração desses custos. Ou seja, segundo o relator, quanto mais nocivo determinado bem, serviço ou processo produtivo mais severa deve ser sua tributação.

Há, de acordo com o Relator, uma incompatibilidade entre essa desoneração tributária e o dever constitucional atribuído ao Poder Público de proteção preventiva ao meio ambiente e “tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.” (CRFB, art. 170).

Outrossim, o Relator, afirma que a desoneração proposta viola o princípio da precaução e ao invés de fomentar a redução do consumo excessivo de agrotóxicos no país, o governo incentiva o seu uso por meio de desonerações tributárias concedidas à importação, à produção e à comercialização interestadual de agrotóxicos, o que vai na contramão das políticas que buscam garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos.

Por fim, ressaltou que essas desonerações acabam por violar o direito à saúde.

O Min. Gilmar Mendes abriu a divergência. Segundo o Ministro, não há violação à capacidade contributiva. Considerando que o ICMS e o IPI são tributos sobre o consumo, seus custos são naturalmente repassados ao consumidor final. Em sendo assim, o Ministro afirma que não há a mínima dúvida que a declaração de inconstitucionalidade ora pleiteada implicaria aumento de preços nos alimentos.

Ademais, o Ministro afirma que a declaração acabaria afetando os pequenos e médios produtores, que poderiam se ver tentados a recorrer a produtos não licenciados, os quais não oferecem quaisquer garantias de saúde e segurança.

Quanto a alegação de violação à seletividade, o Ministro ressalta que “defensivos agrícolas ainda são produtos essenciais neste país de clima tropical e dimensões continentais”, bem como são necessários para reduzir o preço dos alimentos.

Por fim, afirmou que não há, propriamente, uma violação ao meio ambiente equilibrado e ao direito à saúde, por quatro motivos:

(i) Eventual lesividade de um produto não retira o seu caráter essencial, a exemplo dos medicamentos;

(ii) Há minucioso regramento no tocante à avaliação toxicológica, ambiental e agronômica para registro de defensivos agrícolas, a fim de garantir que os seus efeitos negativos sejam minorados e superados pelos benefícios de seu uso;

(iii) O atual estágio de desenvolvimento técnico-científico não permite a sua completa eliminação em um país de clima tropical e dimensões continentais como o nosso;

(iv) O benefício deve ser analisado em relação às consequências que produz, qual seja, reduzir o preço dos alimentos. E, por fim, reitero que não se trata aqui de uma escolha entre alimentos orgânicos, ou não, mas de ambos servirem ao objeto fundante da República Federativa do Brasil de eliminar a fome.

Em síntese, o relator, Min. Fachin, julga a ADI procedente, em razão da inconstitucionalidade por violação ao direito à saúde e meio ambiente equilibrado. O Min. Gilmar Mendes julga ADI improcedente, por entender constitucional, já que a política de redução fiscal dos defensivos favorece a redução dos preços dos alimentos e, com isso, servem para alcançar um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que é a eliminação da fome. E, por fim, o Min. André Mendonça julga a ADI parcialmente improcedente, no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade, mas sem declaração de nulidade, por entender ser um processo de inconstitucionalização eminente, logo é dever do Poder Público revisar as políticas.

Modulação proposta pelo relator, Min Edson Fachin: “votou pela procedência da ação, para declarar a inconstitucionalidade das cláusulas primeira, inciso I e II, e terceira, em relação a estes incisos referidos, do Convênio nº 100/1997, com efeitos ex nunc, e da fixação da alíquota zero aos agrotóxicos indicados na Tabela do IPI”.

Modulação proposta pelo Min. André Mendonça: “propôs a fixação de prazo de 90 (noventa) dias para que o Confaz e o Poder Executivo da União e dos Estados promovam adequada e contemporânea reavaliação dessa política pública de índole financeira”.

2.2 Nessa terça-feira, dia 17/10, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizou o julgamento do seguinte caso relevante:

2.2.1 REsp 1753262 – Incide cobrança de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre remessas ao exterior para pagamento de contratos de prestação de assistência e de serviços técnicos na hipótese em que existe tratado para evitar a dupla tributação com previsão específica de tributação desses valores na sistemática de royalties.

O processo retornou com o voto vista da Min. Regina Helena, a qual se limitou a acompanhar o relator.

O relator, Min. Benedito Gonçalves, em assentada anterior, votou pelo provimento do RESP da Fazenda, com a consequente negativa de provimento ao recurso adesivo dos contribuintes.

Para o Ministro os valores remetidos ao exterior à título de serviços técnicos ou assistência técnica prestados sem transferência de tecnologia se sujeitam, em princípio, ao imposto de renda retido na fonte, nos termos do artigo 685, inciso 2, alínea “a”, do Decreto 3.000/99 (regulamento do imposto de renda) e artigo 2º, a, da Lei 10.168/2000. Todavia, existindo convenção para evitar a dupla tributação, firmada entre os estados envolvidos, devem ser observadas suas disposições, conforme se depreende do artigo 98 do CTN.

Sendo assim, no caso dos autos, as convenções firmadas pelo Brasil com a Alemanha, Argentina e China, cada qual ao seu modo, estabelece no protocolo adicional, em essência, que aos rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos são aplicáveis às disposições do artigo 12 das respectivas convenções que tratam da tributação dos royalties. Afirma que as três convenções admitem que os royalties podem ser tributados no estado contratante de que provêm, de acordo com a legislação desse estado, respeitado os limites de alíquotas quando nelas previsto.

Resultado: A Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial da Fazenda Nacional e negou provimento ao Recurso Especial adesivo das empresas.

Ministério de Minas e Energia aprova enquadramento no REIDI para projeto de minigeração distribuída

Recentemente, a Secretaria Nacional de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas e Energia, publicou a Portaria SNTEP/MME nº 2.627/2023 (“Portaria”), aprovando, em caráter sub judice, o enquadramento do projeto de uma usina fotovoltaica de minigeração distribuída no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (“REIDI”).

A publicação da Portaria se deu em cumprimento de decisão judicial, não definitiva, proferida em Mandado de Segurança que tramita na Justiça Federal do Distrito Federal.

Como se sabe, o REIDI foi instituído pela Lei Federal nº. 11.488/2007 como forma de desonerar e incentivar os investimentos em infraestrutura, área dentre as quais encontram-se os projetos voltados para o setor de energia, sem, contudo, incluir expressamente nesse conceito os projetos de minigeração distribuída.

A principal vantagem do REIDI consiste na suspensão da incidência de PIS e de COFINS sobre as receitas decorrentes das aquisições, nacionais e internacionais, de mercadorias e serviços a serem incorporadas ao ativo imobilizado das obras de infraestrutura, reduzindo, portanto, o valor de aquisição.

Com o advento da Lei nº. 14.300/2022, também conhecido como “Marco Legal da Geração Distribuída”, a elegibilidade ao REIDI pelos projetos de minigeração passou a estar albergada pelo parágrafo único do art. 28, ainda pendente de regulamentação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”) e pelo Ministério de Minas e Energia (“MME”), que trate do procedimento para a solicitação de enquadramento, especialmente no tocante à documentação e à informação exigível para tanto.

Evidentemente que a omissão regulatória não pode impedir que os projetos de minigeração distribuída de energia elétrica possam usufruir do REIDI, especialmente considerando a existência de previsão legal. Neste contexto, uma saída que se apresenta – e agora se confirma – é a via judicial, especialmente pelo manejo de Mandado de Segurança, procedimento que possui rito mais célere e representa menor custo para as empresas.

Ainda que sujeita à reanálise pelas instâncias superiores, a decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, que não apenas realiza o enquadramento do projeto, mas determina a publicação da Portaria o autorizando, representa um alento e uma perspectiva positiva para as empresas que não estão conseguindo usufruir do REIDI, seja pelo arquivamento administrativo dos seus pedidos, seja por estarem aguardando regulamentação.

Nosso entendimento, portanto, vem no sentido de que a escolha pela via judicial se apresenta como uma saída ao entrave regulatório criado pela omissão dos órgãos regulamentadores. Espera-se que essa decisão judicial, assim como as próximas que seguirão seu precedente, impulsionem o MME e a ANEEL a regulamentarem o assunto.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área de Sustentabilidade Corporativa do GSGA.

Seguros obrigatórios de carga – uma norma que atinge todo mercado

No dia 11 de outubro de 2023, por meio do Ofício Circular Eletrônico nº 2/2023/DIR1/SUSEP, a SUSEP divulgou orientações para as Sociedades Seguradoras a respeito das novas regras estabelecidas pela Lei nº 14.599/23 que, dentre outras disposições, trata sobre cobertura para o transporte rodoviário de cargas, modificando as regras relacionadas à operacionalização dos seguros atrelados aos seguintes grupos:

    (i) Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C),

   (ii) Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RC-DC), e

  (iii) Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V).

Com o advento da Lei nº 14.599/2023, foram feitas algumas alterações no art. 13 da Lei nº 11.442/2007. Dentre elas, destaca-se que os seguros de RC-DC e RC-V, até então facultativos, tornaram-se de contratação obrigatória por parte das Transportadoras.

Em relação ao seguro de RC-V, a SUSEP esclareceu que, até que as normas aplicáveis sejam revistas, poderá ser contratada a cobertura Responsabilidade Civil Facultativa de Veículos (RCF-V) definida no art. 16 da Circular Susep 639/21. Neste caso, a apólice contratada deverá possuir cobertura para danos corporais e materiais causados a terceiros pelo veículo automotor, nos termos do inciso III do art. 13 e do inciso II do §4º da Lei nº 11.442/2007, observados os valores mínimos estabelecidos pelo §3º desse dispositivo, que assim dispõe: “O seguro (…) poderá ser feito em apólice globalizada que envolva toda a frota do segurado, com cobertura mínima de 35.000 DES (trinta e cinco mil direitos especiais de saque) para danos corporais e de 20.000 DES (vinte mil direitos especiais de saque) para danos materiais.”.

Durante o período de adaptação dos sistemas para adequação do ambiente regulatório e de mercado à nova legislação, os produtos a serem comercializados e os ramos de contabilização permanecem os mesmos atualmente disponíveis (0655 – “Resp. Civil do Transportador. Desvio Carga – RCF-DC” e 0553 – “Resp. Civil Facultativa Veículos – RCFV”), ainda que em seus códigos conste, atualmente, o verbete “facultativo”.

A SUSEP também destacou que a carta de Dispensa de Direito de Regresso (DDR), ou qualquer outro instrumento ou cláusula contratual com a mesma finalidade, não isenta a contratação dos seguros legalmente obrigatórios, inclusive quanto ao RC-DC.

Além disso, confirmou a validade dos contratos de seguro firmados anteriormente à publicação da Lei nº 14.599/2023, ocorrida em 19.06.2023, elucidando que estes negócios jurídicos celebrados previamente não serão atingidos até a sua data de expiração. Contudo, após o fim da vigência, tais contratos devem ser adaptados ao novo marco legal, que estabeleceu, dentre outras regras, que:

❯   Os seguros RCTR-C e RC-DC deverão estar vinculados a Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR), estabelecido de comum acordo entre o transportador e sua seguradora, observado que o contratante do serviço de transporte poderá exigir obrigações ou medidas adicionais, relacionadas à operação e/ou a gerenciamento, arcando este com todos os custos e despesas inerentes a elas;

❯   No caso de subcontratação do Transportador Autônomo de Cargas (TAC), (a) os seguros de RCTR-C e RC-DC deverão ser firmados pelo contratante do serviço emissor do conhecimento de transporte e do manifesto de transporte, sendo o TAC considerado preposto do tomador de serviços, não cabendo sub-rogação por parte da seguradora contra este; e (b) o seguro previsto RC-V deverá ser firmado pelo contratante do serviço, por viagem, em nome do TAC subcontratado;

❯   Os seguros de RC-DC e RCTR-C serão contratados mediante apólice única para cada ramo de seguro, por segurado, vinculados ao respectivo Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTR-C;

❯   Os embarcadores, as empresas de transporte e as cooperativas de transporte ficam impedidos de descontar do valor do frete do TAC, ou de seu equiparado, valores referentes à taxa administrativa e seguros de qualquer natureza, sob pena de terem que indenizar ao TAC o valor referente a 2 (duas) vezes o valor do frete.

Por fim, a SUSEP informou que está providenciando a regulamentação infralegal aplicável ao ramo, com o objetivo de promover a adequação aos comandos da Lei nº 14.599, de 2023.

A autarquia assegurou que as minutas das normas serão submetidas à consulta pública, oportunizando a todos os interessados o envio de sugestões para aperfeiçoamento dos dispositivos regulatórios.

Até que isso ocorra, em caso de divergência entre a regulamentação infralegal vigente e o texto da nova legislação, a SUSEP determinou que deverão prevalecer os comandos da Lei nº 14.599/2023 para todos os fins, considerando a hierarquia das normas.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Aduaneira do GSGA.

Município do Rio de Janeiro regulamenta o Programa ISS Neutro

Em 2 de outubro de 2023, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro editou o Decreto Rio nº 53.288/2023, publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro em 3 de outubro de 2023, regulamentando o Programa ISS Neutro criado pela Lei Municipal nº 7.907/2023. O Programa ISS Neutro tem por objetivo incentivar a compra de créditos de carbono por contribuintes cariocas do ISS, os quais poderão ser integral ou parcialmente abatidos do próprio imposto devido.

O abatimento do ISS será efetivado por meio do sistema da Nota Fiscal de Serviços Eletrônica – Nota Carioca.

O regulamento também estabeleceu um planejamento para inclusão do Município do Rio de Janeiro no desenvolvimento de projetos de redução ou remoção de gases de efeito estufa (GEE), qual seja: (i) para o primeiro ano de projeto, o limite de subsídio por tonelada de CO2 equivalente (tCO2eq) corresponderá a R$ 50,00 (cinquenta reais) para projetos realizados no município do Rio de Janeiro e a R$ 40,00 (quarenta reais) para projetos realizados fora da cidade; (ii) para o segundo ano de projeto, a previsão do limite de subsídio por tCO2eq corresponderá a R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais) para projetos desenvolvidos no município e a R$ 35,00 (trinta e cinco reais) para projetos realizados fora da cidade; (iii) a partir do terceiro ano do projeto, somente serão aceitos projetos realizados no município do Rio de Janeiro, sendo a previsão do limite de subsídio por tCO2eq de R$ 60,00 (sessenta reais); e (iv) a partir do quarto ano de projeto, o valor do subsídio anual por tCO2eq poderá ser modificado anualmente no edital de chamamento, respeitados os limites previstos em lei e regulamento.

Embora tenha sido estabelecido o limite de subsídio para cada ano de operação do projeto, não há qualquer vedação para que o valor do crédito de carbono adquirido supere o valor máximo do subsídio por tCO2eq.

É importante destacar que os projetos de redução ou remoção de GEE somente serão elegíveis ao Programa ISS Neutro se os inventários de emissão e as auditorias de inventário tiverem sido elaborados com base nas normas ISO 14064 e ISO 14065 ou no GHG Protocol (Protocolo de Gases de Efeito Estufa). Além disso, os seguintes requisitos deverão ser cumulativamente observados: (i) as atividades de redução ou remoção de GEE devem ocorrer em território nacional; (ii) a empresa emissora do crédito de carbono deverá adotar, ao menos, um dos seguintes padrões (a) Gold Standard – Padrão Ouro; (b) Verified Carbon Standard (VCS) – Padrão de Carbono Verificado; (c) Climate Community and Biodiversity Standards (CCBS) – Padrão de Biodiversidade e Comunidade Climática, sendo também aceitos padrões que, comprovadamente, decorram da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima; e (iii) somente atividades relacionadas a projetos de créditos de carbono registrados após 1º de janeiro de 2016 serão admitidas no programa.

Para fins de abatimento do ISS, os contribuintes estarão sujeitos a um limite geral, aplicável a todos em conjunto, a ser fixado no edital de chamamento, não superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), observadas regras específicas para o abatimento individual por cada contribuinte. É importante ressaltar que o abatimento do ISS decorrente do Programa ISS Neutro não autoriza que o imposto devido pelo contribuinte, individualmente considerado, seja mensalmente inferior a 2% da respectiva receita, ressalvadas exceções previstas na LC nº 116/2023.

O Poder Público publicará um edital de chamamento público para adesão ao programa, delimitando as regras, os prazos e os procedimentos a serem observados pelos contribuintes. De todo modo, o regulamento já apresentou o fluxo a ser adotado: (i) a lista de contribuintes candidatos ao abatimento do ISS será publicada até o dia 31 de dezembro do ano do edital de chamamento; (ii) a relação final da quantidade de créditos de carbono e valores, que poderão ser abatidos por cada contribuinte individualmente, será divulgada até 30 dias após a publicação da lista acima mencionada; (iii) os contribuintes deverão enviar as documentações que comprovem a aposentadoria dos créditos de carbono em até 120 dias após a publicação da relação final dos créditos que poderão ser abatidos; e (iv) o abatimento somente poderá ser utilizado no período compreendido entre o dia 1º de janeiro do ano seguinte à publicação da lista de contribuintes e o dia 31 de dezembro do mesmo ano, sendo vedado o reaproveitamento de créditos remanescentes em exercícios posteriores.

 

Para mais informações, consulte os profissionais do time de Sustentabilidade Corporativa do GSGA.

Jurisprudência desonera investimento estrangeiro no Brasil

Lei 14.286 e sua regulamentação buscaram facilitar fluxo de capitais, introduzindo diversas mudanças

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) isentou operações de câmbio simbólico da incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), em uma medida de significativo interesse para o fluxo de capitais e investimentos estrangeiros no Brasil.

O câmbio simbólico servia como um instrumento de controle das divisas no país, além de ser uma fonte de arrecadação fiscal. Na prática, envolvia uma entrada e saída fictícia de quantias em moeda estrangeira, usando recursos disponíveis no exterior. A saída dessa moeda era tratada como pagamento ou aporte no exterior, atraindo assim a incidência de tributos sobre remessas, pagamentos ou créditos, mesmo na ausência de uma cobertura cambial efetiva.

Lei 14.286 e sua regulamentação buscaram facilitar o fluxo de capitais, introduzindo diversas mudanças. Por exemplo, a conversão de investimentos em empréstimos, que anteriormente demandava operações cambiais simultâneas, será exigida apenas até 31 de outubro de 2023.

É importante destacar que a decisão aqui comentada diz respeito a fatos ocorridos antes da Lei 14.286/2021, conhecida como Novo Marco Cambial, mas se alinha com a evolução legislativa e jurisprudencial, que tem tendido a uma maior flexibilização das regras cambiais.

Antes mesmo dessas mudanças, a jurisprudência já havia mitigado a exigibilidade do Imposto de Renda nas operações simultâneas de câmbio. Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o simples crédito contábil não era, por si só, o fato gerador do Imposto de Renda na fonte no exterior, pois não se enquadrava nas hipóteses de incidência previstas no artigo 43 do Código Tributário Nacional.

No caso analisado pelo TRF3, um fundo estrangeiro dos EUA possuía ações de uma holding brasileira, que por sua vez detinha participação em outras empresas, incluindo uma empresa brasileira de saneamento básico listada na bolsa brasileira.

Em 2014, a holding brasileira realizou uma redução de seu capital social, transferindo as ações da empresa de saneamento básico para o fundo estrangeiro. Na época, não ocorreu a conversão da modalidade de investimento no Banco Central, ou seja, não houve a migração de um tipo de registro de capital para outro.

Somente em 2016, o fundo estrangeiro impetrou um Mandado de Segurança para evitar a tributação sobre o ganho de capital resultante dessa operação de câmbio simbólico.

A Quarta Turma do TRF3 confirmou a sentença que isentou a tributação, argumentando que o fato gerador do Imposto de Renda Retido na Fonte ocorreu quando as ações da empresa brasileira foram efetivamente transferidas para o fundo estrangeiro.

Embora a decisão não tenha detalhado esse ponto, o entendimento é que essa operação representou uma devolução de bens e direitos do ativo da holding para o sócio (o fundo estrangeiro), e essa devolução poderia ocorrer pelo valor contábil ou de mercado, conforme a Lei 9.249/95.

Na época da devolução, as ações da empresa brasileira poderiam estar desvalorizadas, o que significaria que, mesmo usando o critério de valor de mercado, não teria havido um ganho de capital efetivo.

A situação mudou quando o fundo estrangeiro decidiu modificar a modalidade de investimento junto ao BC. No entanto, o TRF3 concluiu que o câmbio simbólico realizado não representou a liquidação do investimento na empresa brasileira. Portanto, a valorização das ações da empresa representou apenas um ganho de capital potencial, não a aquisição efetiva da disponibilidade econômica e jurídica sobre esse ganho, que só ocorreria com a venda das ações.

Essa decisão do TRF3 é interessante, pois conclui que a mera realização de operações simultâneas de câmbio não equivale à liquidação do investimento, não desencadeando assim a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o ganho de capital.

É importante destacar que, de acordo com a regulamentação do BC em vigor (Resolução BCB 281), as operações simultâneas envolvem uma operação de compra e uma operação de venda de igual valor, moeda, data de contratação e data de liquidação, mesmo que não envolvam movimentação de valores. No entanto, essa decisão do TRF3 argumenta que essas operações não representam uma efetiva movimentação de divisas e, portanto, não configuram a liquidação do investimento em ações, o que não acionaria o fato gerador do Imposto de Renda Retido na Fonte.

Em resumo, a decisão do TRF3 se baseia em duas premissas que questionam a exigibilidade de tributos nas operações de câmbio simbólico no contexto do fluxo de capitais. A primeira, considera que não há uma disposição efetiva do investimento, apenas uma formalização do câmbio simbólico, o que é coerente com a contabilidade e a legislação fiscal e alinha-se com o espírito do Novo Marco Cambial. A segunda se alinha àquela já desenhada pelo STJ em 2020, conforme acima mencionado, ao afirmar taxativamente que as operações de câmbio simbólico devem ser vistas sob a ótica das disposições do artigo 43 do Imposto de Renda.

Chega em boa hora a decisão, ao criar uma amálgama entre a jurisprudência e a nova regulamentação cambial que vai extirpando aos poucos a exigibilidade dessas operações, desburocratizando o fluxo de capitais com impacto direto sobre o investimento estrangeiro no país.

Só que, diferentemente do novo marco cambial, que tem, por questões óbvias, efeitos prospectivos, a jurisprudência que se vai consolidando sobre a matéria possui efeitos retroativos. Há de alcançar, por conseguinte, operações similares sobre as quais possa existir a pretensão, a nosso ver indevida, de pagamento do Imposto de renda.

*Artigo publicado originalmente no JOTA.

Voto de qualidade no Carf: o retorno

O governo federal enfrentou um acalorado debate ao enviar o Projeto de Lei n.º 2.384/23 à Câmara dos Deputados. Essa proposta, agora convertida na Lei n.º 14.689/23, objetivou restaurar o voto de qualidade em situações de empate nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), revertendo, assim, uma mudança importante introduzida pela Lei n.º 13.988/20.

O CARF desempenha um papel fundamental no debate tributário, na qualidade de órgão colegiado do Ministério da Economia, que julga os recursos de ofício e voluntário, interpostos em face dos acórdãos das Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJ’s), bem como os recursos de natureza especial.

Enquanto as DRJ’s, primeira instância administrativa fiscal, são compostas somente por auditores-fiscais da RFB, no CARF, as Turmas de Julgamento e as Câmaras Superiores de Recursos Fiscais (CSRF) são paritárias, o que confere maior imparcialidade aos julgamentos realizados pelo órgão.

Infere-se, pois, diante da composição do órgão, a efetiva possibilidade de empate nas votações no CARF, o que torna necessária a aplicação de técnicas de julgamento para o desempate.

Desde o Decreto n.º 70.235/72, até a introdução da Lei n.º 13.988/20, que previa, na hipótese de empate, a resolução do caso de forma favorável ao contribuinte, vigorou no CARF o desempate pelo voto de qualidade.

Segundo esse modelo, o Presidente do órgão julgador, que no caso do CARF é sempre um representante do fisco, ao final de um julgamento que terminou em empate, terá o seu voto duplicado, de maneira a decidir o caso em apreciação.

Assim, quando os conselheiros não conseguirem chegar a um acordo, o voto decisivo, que competirá ao Presidente, tende a ser favorável ao fisco, conforme se verifica na prática.

O retorno do voto de qualidade faz parte do pacote de medidas econômicas apresentado no início do ano pelo atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o objetivo de ampliar a arrecadação do Fisco. Com essas medidas, estima-se um aumento de cerca de R$ 59 bilhões nas arrecadações.

Além da proposta da volta do voto de qualidade no CARF, o projeto de lei trouxe outros temas sensíveis aos contribuintes, como a transação tributária, a exclusão de multas e o cancelamento de representação fiscal para fins penais, nas hipóteses de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade, a classificação dos contribuintes com base em sua conformidade tributária e aduaneira, entre outros.

No entanto, os vetos do Presidente da República em exercício (Geraldo Alckmin), retirou tópicos importantes do projeto de lei, a exemplo dos trechos que alteravam a Lei de Execuções Fiscais; que dispunham sobre métodos preventivos para a autorregularização de tributos; que permitiam transação tributária específica em determinadas circunstâncias, para casos de decisão favorável à União por meio do voto de qualidade; que versavam sobre redução de multas e penalidades.

Infere-se, pois, que muitas das medidas favoráveis ao contribuinte, aprovadas pelo Congresso Nacional, foram rechaçadas pelo Executivo, quando da conversão do PL n.º 2.384/23 na Lei n.º 14.689/23, ao passo que outras não tão palatáveis foram mantidas, como é o caso do retorno do voto de qualidade.

Resta, pois, o questionamento acerca da manutenção efetiva da paridade nas votações do CARF, porquanto com o retorno do voto de qualidade, tem-se, na prática, o cômputo de mais um voto de representante da Fazenda no julgamento, muito embora possa, eventualmente, ser favorável ao contribuinte.

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 Foi publicada a Lei nº 14.690/2023 que, além de instituir o Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes – Desenrola Brasil, concede alguns incentivos às instituições financeiras que aderirem ao programa.

1.2 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou:

1.2.1 A Instrução Normativa RFB nº 2.162/2023, que alterou a Instrução Normativa RFB nº 2.005/2021, que dispôs sobre apresentação da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) e da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais Previdenciários e de Outras Entidades e Fundos (DCTFWeb), bem como a Instrução Normativa RFB nº 2.121/, que consolidou as normas sobre a apuração, a cobrança, a fiscalização, a arrecadação e a administração da Contribuição para o PIS/Pasep.

1.3 A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou o Edital PGDAU nº 4/2023, que prorroga o prazo de adesão para negociações com diversos benefícios: entrada facilitada, descontos, prazo alongado para pagamento e uso de precatórios federais para amortizar ou liquidar saldo devedor negociado. A adesão está disponível no portal Regularize até 28 de dezembro.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta segunda-feira, dia 02/09, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça finalizou o julgamento do seguinte caso:

2.1.1 RESP 1787614/SP – Discute a aplicação ou não das regras da Instrução Normativa (IN) 243/02, na apuração dos preços de transferência utilizando o método Preço de Revenda Menos Lucro (PRL).

A Turma, à unanimidade, negou provimento ao RESP do contribuinte. Segundo o Relator, Min. Francisco Falcão, a aplicação das regras da IN garante que os fatos geradores de obrigações tributárias não escapem ao poder tributante por força da alocação de lucros promovidos por contribuinte dotados de projeções empresariais internacionais. Por fim, afirmou que a IN 243/2002 consubstanciou a correta interpretação do art. 18 da lei 9430/96, sem que houvesse indevida majoração do tributo. A forma de cálculo prevista em lei e pormenorizada pelo art. 42 da IN atende a finalidade consagrada pelo sistema do preço de transferência.

O posicionamento da 2ª Turma diverge do entendimento da 1ª Turma. Isso porque, em outubro de 2022, a 1ª Turma reconheceu a ilegalidade da IN 243/2002, no julgamento do AREsp 511.736, na parte que fixa o método do PLR/60 na apuração de preços de transferência. Segundo o Min. Gurgel, a metodologia adotada no art. 12 da IN 243/02 ofende o princípio da legalidade, uma vez que extrapola os limites da Lei 9.430/96, o que resultou em majoração da carga tributária suportada pelo contribuinte.

2.2 Nesta sexta-feira, dia 06/10, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do seguinte caso:

2.2.1 ADI 5635 – Discute a constitucionalidade de leis do Estado do Rio de Janeiro que condicionam o aproveitamento de incentivos fiscais de ICMS a depósitos em fundo estadual.

O relator, Min. Roberto Barroso, havia destacado o processo, contudo, retirou o destaque e incluiu o processo na pauta virtual. No julgamento iniciado nesta sexta-feira (06/10), o Relator replicou seu voto anteriormente juntado, no sentido de dar procedência parcial à ADI, declarando a constitucionalidade das leis que criaram o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (FEEF) e, posteriormente, o Fundo Orçamentário Temporário (FOT), fundos de emergência atípicos, que obrigam as empresas, que recebem benefícios e incentivos fiscais, a depositar nesses fundos 10% do valor total concedido.

No entanto, o Ministro destacou que é necessário conferir interpretação conforme a Constituição às leis questionadas, devendo assim:

(i) Afastar as possibilidades de as receitas do FEEF e do FOT serem vinculadas a algum programa governamental específico, e;

(ii) Respeitada a não cumulatividade do ICMS relativo ao depósito instituído, sendo garantido, ao contribuinte, a possibilidade de aproveitamento dos créditos referentes aos valores depositados.

Apesar de não constar ainda o voto do Min. André Mendonça, em assentada anterior, o Min. divergiu parcialmente do relator. Segundo o Ministro, há inconstitucionalidade formal nas leis instituidoras do FEEF e do FOT e respectivos decretos regulamentadores, pois esses diplomas concederam e prorrogaram indevidamente benefícios fiscais de ICMS. Ademais, afirmou que o FOT se revela inconstitucional, já que fundos, independentemente da qualificação como especiais ou atípicos, submetem-se à vedação constitucional do princípio da não vinculação, o que não é o caso do FEEF e FOT. Assim, votou pela procedência total da ADI.

Os demais Ministros ainda não se manifestaram.

Tese proposta pelo Min. Roberto Barroso: “São constitucionais as Leis nº 7.428/2016 e 8.645/2019, ambas do Estado do Rio de Janeiro, que instituíram o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF e, posteriormente, o Fundo Orçamentário Temporário – FOT, fundos atípicos cujas receitas não estão vinculadas a um programa governamental específico e detalhado”

Tese proposta pelo Min. André Mendonça em assentada anterior: “São inconstitucionais, por vício de competência e ofensa ao princípio da não afetação da receita dos impostos, as Leis nº186; 7.428, de 2016, e nº186; 8.645, de 2019, ambas do Estado do Rio de Janeiro, que instituíram, respectivamente, o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF e o Fundo Orçamentário Temporário – FOT.”

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 O Senado Federal noticiou, em seu site, que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou nesta quarta-feira (04/10) proposta de Emenda à Constituição que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores.

A PEC estabelece que quando forem deferidas decisões cautelares — isto é, decisões tomadas por precaução, para assegurar determinados efeitos de uma decisão final ou para impedir atos que a prejudiquem — em ações que peçam declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato, ou questionem descumprimento de preceito fundamental, o mérito da ação deve ser julgado em até seis meses. Depois desse prazo,  o processo passará a ter prioridade na pauta sobre os demais processos.

Ademais, A PEC 8/2021 também estabelece que pedidos de vista — prazo para estudar um determinado processo — devem ser concedidos coletivamente e por prazo máximo de seis meses. Um segundo prazo poderá vir a ser concedido coletivamente, mas limitado a três meses. Após tal prazo, o processo será incluído com prioridade na pauta de julgamentos.

3.2 O Senado Federal noticiou, em seu site, a propositura a PEC 51/2023, que restringe a 15 anos os mandatos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta promove ainda modificações no processo de escolha dos membros dessa corte e dos demais tribunais superiores.

3.3 A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (03/10), o Projeto de Lei 4188/21, que reformula regras sobra a garantia real dada em empréstimos, como hipoteca ou alienação fiduciária de imóveis. A proposta será enviada à sanção presidencial.

3.4 O Congresso Nacional promulgou, nesta terça-feira (03/10), a EC 130/23, que possibilita a permuta entre juízes estaduais de diferentes Tribunais. A ideia da Emenda Constitucional é permitir a troca entre juízes estaduais de comarca de igual entrância nas esferas da Justiça Estadual, Federal ou do Trabalho. Antes da EC, se os juízes estaduais quisessem realizar a mudança para outro estado, era necessário a aprovação em novo concurso.

 

 

 

 

Estado de São Paulo institui programa “Resolve Já”

Em 03/10/2023, foi publicada a Lei nº 17.784/2023, pelo Estado de São Paulo, que alterou dispositivos da Lei nº 6.374/1989, instituindo condições mais benéficas para pagamento e parcelamento de débitos do ICMS.

Dentre as inovações trazidas pela nova legislação, destacam-se:

❯   Alteração de prazos e de percentuais para pagamento da multa punitiva;

❯   Criação de novas hipóteses e prazos para pagamento da multa punitiva, antes da inscrição do débito em dívida ativa do Estado; e

❯   Alteração da data de início da incidência de juros.

As medidas visam estimular o pagamento de débitos do ICMS, reduzindo discussões administrativas e judiciais.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.