Em 29/09/2023, foi publicada a Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.161/2023, que dispõe acerca da parte geral das regras de controle dos preços de transferência a serem praticados nas transações controladas entre pessoas jurídicas brasileiras com partes relacionadas no exterior, previstas na Lei nº 14.596/2023.
É notável a influência e, em certos pontos, até a reprodução, dos guidelines da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na IN RFB nº 2.161/2023. Vale mencionar, também, que para a elaboração do texto final publicado na última semana, a Receita Federal do Brasil (RFB) levou em consideração as sugestões apresentadas pelos contribuintes à minuta da regulamentação divulgada na Consulta Pública nº 01/2023.
Os principais pontos a serem destacados na norma são os seguintes:
Indicação do método mais apropriado: ao tratar dos métodos passíveis de aplicação nas transações controladas, constam disposições específicas que atribuem como mais apropriado o Preço Independente Comparável (PIC) para as commodities, o Preço de Revenda menos Lucro (PRL) para revenda, o Custo mais Lucro (MCL) para indústria e serviços e a Divisão do Lucro (MDL) para transações envolvendo intangíveis ou em que haja contribuições únicas e valiosas. Considerando essas previsões, a utilização de métodos diversos, especialmente da Margem Líquida da Transação (MLT) deverá ser justificada.
Ajustes compensatórios: são ajustes respaldados pela emissão de notas de débito, crédito ou de documentação fiscal e comercial, efetuados pelas partes da transação controlada até o encerramento do ano-calendário em que for realizada a transação, quando a apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL resultar em montante inferior àquele que seria apurado caso a transação controlada fosse realizada entre partes não relacionadas.
Reflexos em outros tributos: os ajustes, espontâneos ou compensatórios, à base de cálculo efetuados para fins de preços de transferência não implicam automaticamente na realização de ajustes na base de cálculo de outros tributos. O termo automaticamente permite a conclusão de que, em alguns casos, poderá haver reflexo desses ajustes em outros tributos, especialmente os incidentes na importação. Também não há menção de possível efeito dos ajustes primários, o que acreditamos significar que se limitarão ao IRPJ e à CSLL.
Documentação: em regra, o contribuinte deverá apresentar, por meio do e-CAC, em até 3 meses após o prazo definido para a transmissão da ECF do ano-calendário correspondente, o “Arquivo Global” (que traz a estrutura e as atividades do grupo multinacional, bem como as demais entidades integrantes) e o “Arquivo Local” (com informações relativas às transações controladas e às partes envolvidas). Para o ano-calendário de 2024 ou, caso o contribuinte opte pela antecipação dos efeitos para o ano-calendário de 2023, o prazo será o último dia útil dos anos-calendários de 2025 e de 2024. Além disso, deverá ser apresentada a “Declaração País-a-País”, no prazo estabelecido para a transmissão da ECF. Caso o valor total das transações controladas antes dos ajustes no ano-calendário anterior seja maior ou igual a R$ 15 milhões e menor que R$ 500 milhões, a apresentação do Arquivo Local se dará de forma simplificada. Na hipótese desse valor ser inferior a R$ 15 milhões, o contribuinte estará dispensado da apresentação do Arquivo Local e do Arquivo Global.
Serviços de baixo valor agregado (SBVA): São considerados serviços de baixo valor agregado (SBVA) aqueles que (i) tenham natureza de suporte; (ii) não sejam parte das atividades principais; (iii) não requeiram o uso de bens intangíveis únicos e valiosos e não contribuam para a criação deles; (iv) não impliquem a assunção ou controle de riscos economicamente significativos por parte do fornecedor do serviço e não levem à criação de tal risco significativo para ele; e (v) não contribuam significativamente para a criação, incremento ou manutenção de valor no grupo multinacional, para as capacidades essenciais ou para as chances de sucesso dos negócios do grupo multinacional.
Na hipótese de uma transação controlada que consista na prestação de SBVA, o contribuinte poderá optar por uma abordagem simplificada em que a remuneração dos serviços terá uma margem de lucro bruto, calculados sobre a totalidade dos custos diretos e indiretos relativos à transação de no mínimo 5%, caso o prestador de serviços seja pessoa jurídica domiciliada no Brasil e de no máximo 5%, caso o prestador seja parte relacionada no exterior.
Os pagamentos por SBVA somente serão considerados dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando a atividade desenvolvida pela outra parte proporcionar expectativa razoável de valor econômico ou comercial para o contribuinte, de forma a melhorar ou a manter a sua posição comercial, de tal modo que partes não relacionadas, em circunstâncias comparáveis, estariam dispostas a pagar pela atividade ou a realizá-la por conta própria.
Infrações e penalidades: Serão aplicadas multas aos contribuintes nas seguintes hipóteses:
❯ Apresentação intempestiva de obrigações: 0,2%, por mês-calendário ou fração, sobre o valor da receita bruta do período da obrigação;
❯ Falta de apresentação tempestiva de informação/documentação requerida durante medida prévia fiscalizatória ou embaraço à fiscalização: 5% sobre o valor da transação;
❯ Informações inexatas, incompletas ou omitidas: 0,2% sobre o valor da receita consolidada do grupo multinacional do ano anterior ao que se referem as informações. Essa multa não será aplicada nas hipóteses de erros formais ou de informações imateriais; e
❯ Apresentação sem atendimento aos requisitos para apresentação da obrigação: 3% sobre o valor da receita bruta do período da obrigação.
As multas terão o valor mínimo de R$ 20 mil e o valor máximo de R$ 5 milhões.
Anexos: publicados a fim de auxiliar na aplicação das regras de preços de transferência, por exemplo, em transações indiretas, série de transações, ajustes de comparabilidade pelo risco-país, dados de múltiplos anos (MLT), ajustes por netbacks, bem como a determinação da mediana e do intervalo interquartil.
Possíveis inovações da IN em relação a lei: ao tratar do conceito de partes relacionadas, a instrução normativa trouxe a previsão de que poderão ser caracterizadas como partes relacionadas as entidades situadas no mesmo país, inclusive no Brasil, mesmo nas situações em que as transações entre elas não estejam sujeitas ao controle de preços de transferência; ao exemplificar relações comerciais ou financeiras não formalizadas, a norma menciona os “serviços prestados, ainda que por meio de empregados cedidos ou enviados ao país de destino dos serviços”, o que pode alcançar os expatriados; ao dispor sobre a aplicação do princípio arm’s length, a instrução menciona que a regra é que isso ocorra a cada transação separadamente e, apenas em casos específicos, transações podem ser analisadas de forma combinada.
Vigência e antecipação dos efeitos para 2023: as disposições da nova regulamentação serão aplicadas a partir de 1º de janeiro de 2024. Todavia, caso o contribuinte possua interesse em adotar as novas regras de preços de transferência no ano-calendário de 2023, a opção poderá ser formalizada até 31 de dezembro de 2023. Importante lembrar que a Lei nº 14.596/2023 também alterou o tratamento tributário de royalties, de modo que a eventual antecipação dos efeitos é aplicável de forma conjunta e irretratável para ambos os temas. As novas regras e a sua eventual antecipação também podem ter efeitos na compensação de tributos pagos/retidos em determinado país, vide o exemplo dos EUA que, desde o final de 2021, vedaram essa compensação em razão da não adoção do princípio arm’s length pelo Brasil.
Vale destacar que as novas regras são aplicáveis inclusive para contratos e operações anteriores ao início de sua vigência. Deste modo, é possível que, por exemplo, um contrato vigente de empréstimo que, na legislação anterior, possuía uma taxa de juros que não gerava ajuste, poderá ter um tratamento diverso na nova legislação.
Por fim, informamos que a referida norma não regulamentou a parte especial da Lei nº 14.596/2023. Desse modo, questões específicas relacionadas a intangíveis, operações financeiras e compartilhamento de custos, por exemplo, devem ser abordados em regulamentações futuras.
Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.