Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER JUDICIÁRIO

1.1 Nos dias 08/02 e 09/02, o Plenário do STF finalizou os julgamentos dos seguintes casos relevantes:

1.1.1 RE 949297: TEMA 881 – Limites para alteração ou modificação de decisões em matéria tributária da qual não cabe mais recursos (coisa julgada).

Discutiu se a tese firmada em repercussão geral poderia atingir os casos que já foram definitivamente julgados, e se as empresas que conseguiram obter decisão favorável teriam que se submeter ao novo entendimento firmado.

Resultado: O relator, Min. Edson Fachin, votou pelo conhecimento do RE da União para dar provimento, ou seja, os ministros entenderam que a decisão posterior, em ação direta de inconstitucionalidade ou em sede de repercussão geral, pode rescindir a coisa julgada, permitindo a cobrança do tributo de trato continuado.

1.1.2 RE 955227: TEMA 885 – Limites para alteração ou modificação de decisões tributária da qual não cabe mais recursos (coisa julgada).

O processo discutia se a tese firmada em repercussão geral (processo demonstre que a controvérsia se refere as questões constitucionais com relevância social, política, econômica ou jurídica, que sobressaem ao interesse individual das partes) poderia atingir os casos que já foram definitivamente julgados, e se as empresas que conseguiram obter decisão favorável teriam que se submeter ao novo entendimento firmado.

Resultado: O relator, Min. Roberto Barroso, negou provimento ao RE da União, ou seja, os ministros entenderam que a decisão posterior, em ação direta de inconstitucionalidade ou em sede de repercussão geral, pode rescindir a coisa julgada, permitindo a cobrança do tributo de trato continuado.

Tese fixada para os dois temas:

1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.

2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.

Do ponto de vista prático, a administração tributária pode, independente de ação rescisória, proceder com o lançamento e cobrança dos tributos de trato sucessivo, relativamente a fatos geradores posteriores à decisão do STF, sendo desnecessário o manejo de ação rescisória, porém, com a observância da anterioridade tributária anual e nonagesimal.

1.1.3 ADI 5941 – Discute os limites para adoção de medidas atípicas para assegurar o cumprimento de ordem judicial.

O processo discutia dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou do passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública.

Resultado: Por unanimidade, o plenário conheceu da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ressalvando-se que o Min. André Mendonça não conheceu da ação no que tange ao art. 390, parágrafo único, do CPC que não tinha relação com os pedidos da inicial. E, por maioria, julgou improcedente o pedido, nos termos do voto do Relator, vencido, em parte, o Ministro Edson Fachin, que julgava parcialmente procedente a ADI para declarar a inconstitucionalidade somente de qualquer norma ou interpretação que aplicasse a expressão a situações que não fossem restritas a hipóteses de obrigação alimentícia.

1.2 Nesta sexta-feira, dia 10/02/2023, o Plenário virtual do STF iniciou/retomou os julgamentos dos seguintes casos relevantes:

1.2.1 ADC 49 – Modulação dos efeitos da decisão e a regulamentação da transferência de créditos entre as empresas afetadas pela decisão de 2021.

No mérito, o processo discute a cobrança de ICMS em operações interestaduais entre empresas do mesmo grupo econômico. Por outro lado, os Embargos de Declaração discutem a modulação dos efeitos da decisão e a regulamentação da transferência de créditos entre as empresas afetadas pela decisão de 2021.

O processo retornou com o voto vista do Min. Nunes Marques que apenas acompanhou o Relator, sem fazer juntada de voto.

Tese: “O deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual”.

Resultado parcial: O relator, Min. Edson Fachin, votou por prover parcialmente os embargos de declaração, para reconhecer, em linha com o decidido, a declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº 87/1996, bem como acatou o pedido de modulação dos efeitos, sendo acompanhado pelos Min. Ricardo Lewandowski, Min. Carmén Lúcia, Min. Nunes Marques e Min. Roberto Barroso. Abriu a divergência parcial o Min. Dias Toffoli, o qual acompanhou o relator na declaração parcial de inconstitucionalidade e no tocante a reconhecer o direito de os contribuintes não estornarem o crédito de ICMS concernente às operações anteriores. Contudo divergiu quanto a modulação. A divergência foi seguida pelos Min. Luiz Fux e Min. Alexandre de Moraes.

Modulação de efeitos proposta pelo relator, Min. Edson Fachin:Modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do próximo exercício financeiro (2023), ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito. Exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos”.

Modulação de efeitos proposta pelo Min. Dias Toffoli:A título de modulação de efeitos, que a decisão de mérito tenha eficácia após o prazo de 18 (dezoito) meses, contados da data de publicação da ata de julgamento dos presentes embargos de declaração”.

1.2.2 RE 636562: TEMA 390 – Reserva de lei complementar para tratar da prescrição intercorrente no processo de execução fiscal.

O processo discute a necessidade de lei complementar para tratar da prescrição intercorrente (perda do direito de ação, decorrente da inércia da parte) no processo de execução fiscal. 

Resultado parcial: O relator, Min. Roberto Barroso, apresentou voto no sentido de desprover o Recurso Extraordinário da Fazenda Estadual. O Ministro pontuou que o art. 40 da LEF não extrapola o dispositivo constitucional porque, ao estabelecer o marco inicial para a prescrição intercorrente, apenas prevê um marco processual para a contagem do prazo, sem que deixe de observar o prazo de 5 (cinco) anos, estabelecido no CTN. Ademais, frisou que, nas execuções fiscais, após a suspensão anual da execução e independentemente do arquivamento do feito, deve-se iniciar a contagem do prazo da prescrição intercorrente.

Tese proposta pelo relator, Min. Roberto Barroso:É constitucional o art. 40 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais – LEF), tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos.

1.2.3 RE 593544: TEMA 504 – Possibilidade de exclusão de crédito presumido de IPI da base de cálculo do PIS/COFINS.

Discute a possibilidade de se excluir os créditos presumidos de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) resultantes da aquisição, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem – quando utilizados na manufatura de produtos destinados à exportação – da base de cálculo das contribuições ao PIS e a COFINS.

Resultado parcial: O Relator, Min. Roberto Barroso, apresentou voto no sentido de desprover o Recurso Extraordinário da Fazenda. O Ministro afastou a aplicação dos arts. 3° e 4° da Lei Complementar nº 118/2005, e reconheceu que os créditos presumidos de IPI (instituídos pela Lei nº 9.363/1996) não compõem a base de cálculo da contribuição para o PIS e para a COFINS, sob a sistemática de apuração cumulativa (Lei nº 9.718/1998).

Tese proposta pelo relator, Min. Roberto Barroso:Os créditos presumidos de IPI, instituídos pela Lei nº 9.363/1996, não integram a base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS, sob a sistemática de apuração cumulativa (Lei nº 9.718/1998), pois não se amoldam ao conceito constitucional de faturamento”.

1.3 Nesta quarta-feira, dia 08/02, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizou o julgamento do seguinte caso relevante:

1.3.1 AR 6015: 1ª SEÇÃO – Discute a reversão de decisões que dispensaram contribuintes de recolher IPI na revenda de produtos importados.

Os autos retornaram para julgamento após pedido de vista do Min. Herman Benjamin, o qual acompanhou o relator. Em assentada anterior, o relator, Min. Gurgel de Faria, conheceu da Ação Rescisória para reverter decisões transitadas em julgado. Nessa assentada, o ministro ratificou seu voto para alinhar ao decidido nos Temas 881 e 885 pelo STF, permitindo a revisão de coisa julgada envolvendo relação jurídico-tributária de trato sucessivo quando esta está em desconformidade com precedente obrigatório firmado em momento posterior à coisa julgada.

No caso concreto, os contribuintes ficam obrigados a recolher o IPI de produtos industrializados na saída do estabelecimento importador na operação de revenda, mesmo que não tenham sofrido industrialização no Brasil, conforme entendimento firmado no Tema 912 do STJ.

Resultado: A Primeira Seção, por maioria, conheceu da Ação Rescisória da Fazenda Nacional nos termos propostos pelo relator, vencidos o Min. Mauro Campbel e as Min. Assusete Magalhães e Min. Regina Helena, que não conheciam da Ação Rescisória por óbice da Súmula 343 do STF.

No mérito, a Primeira Seção, por unanimidade, nos termos do voto do relator, julgou procedente em parte a Ação Rescisória da Fazenda Nacional.

 

 

 

 

Análise sobre incidência do ITBI e ITCMD nas modalidades contratuais

Há temas em Direito Civil que são extremamente caros e, dentre eles, os contratos merecem especial atenção. Para alguns doutrinadores, o contrato é para o civilista algo semelhante ao crime para o penalista [1]. Contratos são nada mais que “um acordo entre duas ou mais pessoas com o objetivo de impor obrigações juridicamente exigíveis para elas” [2].

Para além da importância ao Direito Civil, os contratos ganham, frente sua interdisciplinaridade, contornos interessantes, sobretudo no Direito Tributário. É importante lembrar que o Código Tributário Nacional [3] afirma que a lei tributária não pode atribuir conceitos e formas diversas do disposto na lei civil. Ou seja, os “conceitos e formas de direito privado são vinculantes no âmbito do direito tributário” [4].

Isso posto, duas modalidades contratuais chamam a atenção em relação ao Direito Tributário. A primeira é a procuração em causa própria e a segunda é a do contrato de doação com cláusula de reversão.

Dois questionamentos surgem diante desses dois contratos: (1) Seria possível a incidência de ITBI (Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis) em procurações em causa própria para tradição de bens imóveis? (2) Quando da efetivação da cláusula de reversão nos contratos de doação, haverá incidência de ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação)?

De antemão, entendemos que, para os dois questionamentos, a resposta correta é não: não há incidência de ITBI e nem ITCMD. Explica-se.

Quanto ao primeiro questionamento, o Código Civil, em seu artigo 685 [5], descreve a figura do mandato em causa própria. Segundo disposição legal, essa modalidade contratual refere-se a um poder de representação, em que o outorgado, no próprio interesse, pode realizar atos pelo outorgante [6]. Os efeitos desse negócio jurídico podem resumidos em:

“o negócio jurídico referente à procuração em causa própria outorga ao procurador, de forma irrevogável, inextinguível pela morte de qualquer uma das partes e sem dever de prestação de contas, o poder formativo (direito potestativo) de dispor do direito (real ou pessoal) objeto da procuração” [7].

Ou seja, o efeito jurídico que precisa ser ressaltado para responder o primeiro questionamento é o de que a procuração em causa própria não transmite o direito objeto do negócio jurídico, mas sim o poder de transferi-lo.

Esse entendimento foi referendado pelo STJ (Informativo 695/2021), que firmou a tese de que: “A procuração em causa própria (in rem suam) não é título translativo de propriedade.”

Tal espécie contratual é amplamente utilizada no mercado imobiliário, a fim de facilitar a venda de imóveis a terceiros. Ou seja, é muito comum a utilização de procuração em causa própria como meio de “alienar bens imóveis”. Ao invés do comprador celebrar um contrato de compra e venda com o vendedor, este concede uma procuração em causa própria ao comprador, conferindo poderes para alienar o bem para si mesmo ou para terceiros.

Imaginemos a seguinte situação: Rhaenyra assina uma procuração em causa própria, mediante pagamento prévio do valor do bem, concedendo poderes para que Daemon aliene o seu castelo para si mesmo ou para terceiros. Daemon, de posse desses poderes, aliena o imóvel à Aemond, que o transfere para seu nome, mediante pagamento de quantia superior.

Da situação hipotética, é possível presumir que houve duas transmissões onerosas de propriedade, o que ensejaria incidência do ITBI. Esse entendimento é utilizado por alguns municípios [8][9], ao inserirem como incidência de ITBI o mandato em causa própria ou com poderes equivalentes para a transmissão de bem imóvel.

Tal posicionamento é altamente equivocado. Primeiramente, quando do julgamento do AREsp 1.760.009 [10], o STJ reafirmou entendimento, segundo o qual o fato gerador do ITBI somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro no cartório de imóveis.

Ou seja, o ITBI só será devido com a transferência do imóvel. Conforme demonstrado, a procuração em causa própria não é título translativo de propriedade, o que se permite com a mandato é o poder de transmitir o bem imóvel, situação diametralmente oposta.

O Fisco municipal poderia ainda alegar que incidiria o ITBI, pois a procuração deveria ser registrada na matrícula do imóvel no correspondente cartório de registro de imóveis. Contudo, a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), quando da disciplina dos atos passíveis de registro [11], não listou o mandato em causa própria. Em outros termos, ante a taxatividade dos atos que podem ser registrados na matrícula, o mandato em causa própria não é contemplado.

O entendimento pela não incidência do ITBI no caso descrito é referendado pela doutrina, seja civilista ou tributária. Vejamos:

“Entendemos que não há fraude fiscal, pois o mandatário “em causa própria”, além de ter-se valido de um negócio jurídico expressamente previsto em lei (no art. 685 do CC), jamais se tornou titular do direito real de propriedade e, portanto, nunca desfrutou dos privilégios desse tipo de direito (como a oponibilidade erga omnes), de modo que seria descabido cobrar ITBI para essa hipótese a pretexto de simulação. Não há simulação nem fraude. Entendemos ainda que a procuração em causa própria não pode ser objeto de registro na matrícula do imóvel em razão da taxatividade dos atos de registro (art. 167, I, da LRP), mas poderia ser objeto de averbação por força da natureza exemplificativa dos atos de averbação (art. 246, LRP), mas isso não terá o condão de transferir o direito real de propriedade” [12].

De maneira semelhante, Harada [13]:

“Ora, a outorga do mandato em causa própria, por si só, é irrelevante para deflagrar o fato gerador que ocorre apenas com a transmissão de bem imóvel, que se dá com o registro do título de transferência no registro imobiliário competente, conforme art. 1.245 do Código Civil que é vinculante ao Direito Tributário por força do art. 110 do CTN.
O mandato em causa própria não transfere a propriedade, como se depreende do art. 685 do CC:
‘Art. 685 – Conferido o mandato com cláusula ‘em causa própria’, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis e imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais’.


Como se verifica, é a própria norma que faz alusão à faculdade de transferir para si ou a terceiros o bem imóvel objeto do mandato. Enquanto não exercida essa faculdade e levada a registro o ato de transferência não há que se cogitar da cobrança do ITBI, sendo juridicamente irrelevante para fins de ocorrência do fato gerador a irrevogabilidade ou a perenidade do mandato.”

Isto posto, quando ao primeiro questionamento, concluímos que não há qualquer respaldo jurídico para a incidência do ITBI em face da procuração em causa própria.

De maneira semelhante, infere-se que não há incidência da ITCMD quando da efetivação da cláusula de reversão nos contratos de doação.

Sabemos que existem diversas modalidades de doações, que podem variar de acordo com os elementos contidos, como a existência ou não de condições, as motivações que ensejaram na celebração do contrato, entre outros. Sublinha-se o caso das doações com cláusula de reversão.

Nessa doação, consoante disposto no artigo 547[14] do Código Civil, poderá o doador “estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário”. Em outras palavras, o doador, por mera liberalidade, transfere um bem, gratuitamente, com a restrição de que, sobrevindo a morte antes doador, o bem retornará a este sem reservas.

Essa cláusula é uma condição resolutiva, já que a eficácia da doação depende de um evento futuro.

“A cláusula de reversão configura condição resolutiva, subordinando a eficácia da doação a um evento futuro que se verificará, ou não, antes do outro. Se o donatário morrer antes do doador, o bem reverte ao patrimônio deste; se o doador falecer antes do donatário, consolida-se neste. Embora a morte do donatário seja acontecimento certo, a doação a retorno é condicional porque pode ocorrer antes ou depois do falecimento do doador. Por outro lado, a causa da extinção do direito do donatário é prevista no contrato. Diz-se, por isso, que quem recebe por doação com cláusula de reversão tem sobre o bem doado propriedade resolúvel, por isso que, no próprio título de sua constituição, se encontra o princípio que a tem de extinguir, realizada a condição resolutiva [15] (grifo nosso).

Como se vê, a doação com cláusula de reversão só permite a aquisição da propriedade resolúvel do bem. Essa informação é de suma importância para se verificar a incidência do ITCMD sobre a reversão do bem doado.

O ITCMD é um tributo estadual que incide sobre transmissão de bens mortis causa ou por doação. O artigo 35 do CTN [16] afirma que o fato gerador será a transferência, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis como definidos na lei civil e a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis e suas cessões de direito. O dispositivo relembra a importância de serem respeitados os conceitos da lei civil, neste caso o de transmissão da propriedade.

Não se discute a incidência do ITCMD quando da primeira doação, o que se está questionando é se haveria a incidência do ITCMD quando do retorno do bem pela cláusula de reversão. Conforme relatado, o tributo será devido quando da efetiva transmissão da propriedade. Quando o doador transfere a propriedade para o donatário, há um aumento da situação patrimonial do donatário e consequente diminuição do patrimônio do doador.

Destaca-se que sob o aspecto material, o ITCMD somente incide sobre a doação com acréscimo patrimonial em favor da parte donatária [17].

Quando da reversão, não há os elementos configuradores da doação, porquanto não há aferição de vantagem patrimonial ao donatário por mera liberalidade do doador. Ou seja, por ser uma condição resolutiva e verificada a condição, qual seja: a morte do donatário antes do doador, os bens revertem ao domínio do doador, resolvendo-se, com a reversão, os direitos reais concedidos pelo donatário.

Entende-se por isso, que não se trata de negócio novo e sim de restauração da situação primitiva, o que afasta, portanto, a incidência do ITCMD, já que não se caracteriza nova doação, mas simples devolução do bem.

Em que pese alguns estados entenderem pela tributação na reversão [18], nos alinhamos ao entendimento do TJ-DF, segundo o qual a reversão não é fato gerador do ITCMD, já que não configura doação nova. Veja-se:

“JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. TRIBUTÁRIO. ITCD. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA E FATO GERADOR. REVERSÃO DA DOAÇÃO. CONCEITO DE DOAÇÃO ESTABELECIDO PELO CÓDIGO CIVIL. SITUAÇÃO RELATADA QUE NÃO CONFIGURA FATO GERADOR DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. DEVER DE RESTITUIÇÃO DO ITCD PAGO A TÍTULO DE REVERSÃO DA DOAÇÃO. INDÉBITO TRIBUTÁRIO. ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA DA LC 435/2001 ALTERADA PELA LC 943/2018. APLICAÇÃO EXCLUSIVA DA TAXA SELIC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. […] Em seu recurso, alega que houve equívoco na interpretação da norma tributária, uma vez que no caso concreto ocorreu a reversão do contrato de doação, caracterizando uma nova doação operada mediante a reversão do usufruto em virtude da morte do donatário, o que também é hipótese de incidência do ITCD, uma vez que neste momento ocorre uma nova transmissão, pois o imóvel retornou ao patrimônio do doador. Neste sentido, destaca que o artigo 3º da Lei Distrital nº 3.804/06 estabeleceu a incidência do ITCD ‘nas transmissões por doação, na data em que ocorrer o fato ou formalização do ato ou negócio jurídico’. Portanto, aduz que não ocorreu o pagamento em duplicidade, mas sim duas transmissões da propriedade, razão pela qual mostra-se correta a tributação efetivada pelo réu. […]. Para analisar a alegação de que teria ocorrido uma ‘segunda doação’, deve-se também transcrever o §1º, do artigo 2º, do Decreto nº 34.982/2013 que, regulamentando a Lei Distrital nº 3.804/2006, dispôs que ‘considera-se doação qualquer transferência não onerosa de bens ou direitos’. IX. Contudo, não se pode ignorar que o artigo 110 do CTN estabelece que ‘a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. X. Em consequência, não obstante o conceito de doação estabelecido na lei tributária local, a eventual ocorrência de doação exige a adequação ao artigo 538 do Código Civil, que assim estabelece: ‘Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. Ademais, o artigo 547 daquele diploma legal esclarece a possibilidade de reversão da doação, ao dispor que: ‘O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário’. XI. Na espécie, quando do reingresso do imóvel no patrimônio dos genitores, não existiu um contrato onde a pessoa teria, por liberalidade, transferido o seu patrimônio para outra, como exige o Código Civil. Na verdade, o que ocorreu foi apenas a reversão da doação, estabelecida no artigo 457 do Código Civil, eis que na escritura pública de doação não existia ‘duas transferências sucessivas’, mas sim apenas uma única doação que resultou em uma propriedade resolúvel, pois subordinada a uma condição resolutiva. XII. Portanto, face a ausência de uma segunda doação, constata-se a não ocorrência do fato gerador, inexistindo a obrigação tributária relativa à cobrança do ITCD. Em tempo, também cumpre destacar que sequer existe hipótese de incidência relativa à ‘reversão da doação’, razão pela qual esta não é apta a fundamentar a cobrança do ITCD, o que confirma que a situação relatada nos autos não se amolda à previsão legal da incidência do ITCD” [19].

Destarte, ante às perfeitas ponderações elencadas pelos magistrados do TJ-DF, verifica-se inviável a cobrança de ITCMD quando a reversão da doação, já que não se trata de nova doação e, assim sendo, não enseja a tributação.

A análise dos institutos civis é de suma importância para os demais ramos do direito, sobretudo quando há, como no Direito Tributário, norma impositiva para aplicação das definições e conteúdo dos conceitos civis nas relações tributárias. Tal determinação deve ou deveria ser uma “regra de ouro”, pois facilitaria a primazia de uma unidade da interpretação da lei tributária.

 

[1] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 4: contratos, tomo I: teoria geral. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. P.31
[2] COSTA-NETO, João. OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. Direito civil. Volume único. São Paulo: GEN, 2022 p. 513
[3] Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
[4] HARADA, Kiyoshi. – O Direito Tributário não pode prescindir do conhecimento das categorias jurídicas do Direito Civil. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2018/07/06/o-direito-tributario-nao-pode-prescindir-do-conhecimento-das-categorias-juridicas-do-direito-civil/. Acesso em 27 de dezembro de 2022
[5] Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.
[6] F. C. Pontes De Miranda, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, vol. XLIII, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, pp. 210 e ss.
[7] STJ, 4ª Turma, REsp 1345170 / RS, rel. ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 4/5/2021, DJe 17/6/2021.
[8] Nesse sentido, cita-se IV do art. 2º da LEI Nº 11.154, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1991 – município de São Paulo; V do art. 2º da LC 108, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2017 – município de Curitiba;
[9] O Distrito Federal previa a incidência do ITBI em caso de mandato em causa própria, contudo, o normativo foi declarado inconstitucional pelo TJ-DF na ADI Nº 2007.00.2.008203-7
[10] Informativo nº 734/STJ – O fato gerador de ITBI é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do imóvel, mesmo no caso de cisão de empresa.
[11] Verificar o inciso I do artigo 167 da Lei 6.015/1973.
[12] COSTA-NETO, João. OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. Direito civil. Volume único. São Paulo: GEN, 2022 P. 670
[13] Harada, Kiyoshi – Não incidência do ITBI no ato da lavratura da procuração em causa própria. Disponível em: https://haradaadvogados.com.br/nao-incidencia-do-itbi-no-ato-da-lavratura-da-procuracao-em-causa-propria/
[14] Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.
Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.
[15] GOMES, Orlando. Contratos: atualizadores Antonio Junqueira de Azevedo; Francisco Paulo de Crescenzo Marino. 26ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.. 260
[16] Art. 35, CTN: “O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.
[17] O fato gerador ou jurígeno do imposto é a transferência patrimonial apenas na aparência. Na verdade o que se tributa são os acréscimo patrimoniais obtidos pelo donatários, herdeiros (inclusive meeiros, sendo o caso) e legatários. Se inexistisse este imposto, a tributação desses acréscimos certamente se daria na área do imposto de renda” – COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p..349 .
[18] Nesse sentido, cita-se o Decreto Estadual da Bahia nº. 2.487/89: […] “compreendem-se na definição das hipóteses de incidência do ITD: ‘doação pura ou modal, bem como a reversão do bem ou direito doado’ 37 e amplia o conceito de doação estabelecido pela legislação civil ao considerar “doação para efeito de cobrança do ITD qualquer ato ou fato, não oneroso, que importe ou se resolva em transmissão de quaisquer bens ou direitos”.
Da mesma maneira a Lei Fluminense – Lei 7.174/2015 – […] Art. 4º A doação se opera nos termos da lei civil quando uma pessoa, por liberalidade, transfere bens ou direitos do seu patrimônio para o de outra que os aceita expressa, tácita ou presumidamente, com ou sem encargo, em especial nos casos de: II – revogação ou reversão de doação ou cessão, exceto aquelas operadas no prazo de 12 (doze) meses a contar do pagamento efetivo do imposto;
[19] Acórdão 1229553, 07150114720198070016, relator: ALMIR ANDRADE DE FREITAS, 2ª Turma Recursal, data de julgamento: 12/2/2020, publicado no DJE: 18/2/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.

 

*Artigo publicado originalmente no Conjur.

 

 

Planejamento Patrimonial – Momento de Reflexão

Diante das iminentes mudanças políticas que estão se aproximando no Brasil, seja pela mudança no Governo Federal e em vários Governos Estaduais, com a correspondente mudança na estrutura das equipes econômicas que assumirão os novos cargos, seja pela nova composição das Câmaras legislativas Federal e Estaduais, tem sido muito comum sermos indagados: “O que posso fazer para proteger o meu patrimônio contra a incidência de novos impostos (a exemplo do Imposto sobre Grandes Fortunas) ou mesmo para me proteger contra a majoração dos Impostos já hoje vigentes, a exemplo do ITCMD? É hora de revermos o nosso planejamento patrimonial?”

Meus sócios Juliana Joppert Lopes e Theodoro C. Mattos já tiveram a oportunidade de escrever um artigo¹ em dezembro/22 sobre a questão do Planejamento Sucessório, que é um tema que, pelas possíveis mudanças que podem advir no cenário político e econômico brasileiro, permanece sendo de importante atenção. Mas, o planejamento sucessório é apenas uma parte importante dentro das necessárias reflexões que envolvem o planejamento patrimonial.

Sabendo que o nosso Congresso Nacional está agora, por exemplo, analisando uma proposta de emenda constitucional que visará dar autorização ao Governo Federal para o aumento do teto de gastos para os próximos anos, não seria de surpreender se viéssemos a enfrentar a necessidade de aumento de tributos federais. E a mesma preocupação se espraia também aos Estados. Apesar de sabermos da existência de diversos projetos legislativos Brasil afora pretendendo o aumento de impostos, estamos aqui, por enquanto, fazendo apenas o que se costuma informalmente chamar de exercício de “futurologia”.

Voltando os olhos ao nosso tema, o que aqui nos importa é lembrarmos que, se época de final de ano é momento para fechamento de balanços, não podemos também deixar de fazer esse mesmo exercício para as realidades de nossas pessoas físicas, como empresários ou executivos, porque a ausência de planejamento pode nos trazer pesares futuros.

Não seria, pois, então, o caso de pensarmos se já estamos de fato fazendo o que poderíamos fazer para dar a devida atenção ao nosso patrimônio? Estamos, dentro desse contexto, atentos às nossas eventuais necessidades familiares ou sucessórias que podem interferir nessa reflexão? Estamos usando a melhor estrutura jurídica aos olhos do Direito Tributário, de forma a evitar pagamento desnecessário de tributos?

Usando aqui um jargão bem comum, mas sempre válido: ano novo, vida nova. Quem sabe não é hora de aproveitar essa mensagem para trazê-la também à nossa gestão patrimonial?

Jogar algumas luzes, especialmente as que vêm do Direito de Família, de Sucessões, Societário, Internacional e Tributário, pode ajudar a clarear os novos caminhos que podem não estar sendo vistos.

 

[1] https://www.migalhas.com.br/depeso/376635/protecao-do-patrimonio

Aprovada regulamentação de ativos virtuais

Em novembro de 2022, foi aprovado, pela Câmara dos Deputados, o substitutivo do Senado ao Projeto de Lei nº 4.401/2021, que regulamenta os serviços de ativos virtuais e altera uma série de dispositivos contidos na Lei de Crimes de Lavagem de Dinheiro e Ocultação de Bens e Serviços e Prevenção aos Ilícitos, para submeter o mercado à regulação prevista na Lei, além de modificar artigos previstos em outras normas de caráter penal. Referido substitutivo aguarda apenas sanção presidencial.

De início, observa-se que o substitutivo do PL define ativos virtuais como a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para pagamentos ou investimentos, excetuando-se: (a) a moeda nacional ou moedas estrangeiras; (b) a moeda eletrônica nos termos da Lei 12.865/2013; (c) instrumentos que ofereçam ao seus titulares acesso a produtos ou serviços, como pontos e recompensas de programas de fidelidade; e (d) representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em regulamento ou Lei, como valores mobiliários e ativos financeiros.

Já as prestadoras de serviços virtuais são as pessoas jurídicas que executam, em nome de terceiros, um ou mais dos seguintes trabalhos: (a) troca entre ativos virtuais e moedas nacionais ou estrangeiras; (b) troca entre um ou mais ativos virtuais; (c) transferência entre ativos; (d) custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; e (e) participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados a ofertas por um emissor ou venda de ativos virtuais.

O funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais ocorrerá através de autorização de órgão ou entidade a ser indicado pelo Poder Executivo. Tal órgão regulamentará, em síntese, os requisitos para funcionamento das prestadoras de serviços, quais ativos virtuais serão regulados e quais serviços poderão ser prestados, para além dos já previstos no substitutivo do PL aprovado e supervisionará o funcionamento dessas empresas. Vale ressaltar que as instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil poderão prestar serviços de ativos virtuais exclusivamente ou cumulando-os com outras atividades, em formato a ser decidido pelo futuro órgão regulador.

As empresas deverão adotar como diretrizes, além da livre iniciativa e livre concorrência, as boas práticas e abordagem baseada em risco; a segurança da informação e proteção de dados pessoais; a proteção e defesa de consumidores e usuários; a proteção à poupança popular; além de garantir a solidez e eficiência das operações e a prevenção à lavagem de dinheiro e do financiamento ao terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, em conformidade com padrões internacionais.

No último aspecto acima apontado, ressalta-se a alteração do artigo 9º da Lei 9.613/1998, para que as prestadoras de serviços de ativo virtuais passem a integrar o rol dos entes regulados pela Lei, os quais devem seguir uma série de obrigações, como o monitoramento e o registro de todas as operações realizadas através de seus serviços e o dever de comunicar as operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

Por fim, o Projeto de Lei modifica o artigo 12 da Lei 9.613/1998 para prever aumento de pena para delitos cometidos por organização criminosa através de ativos virtuais; altera o Código Penal para que o artigo 171-A preveja a tipificação do delito de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros; e, por fim, altera a Lei 7.492/1986, que dispõe sobre crimes contra o sistema financeiro nacional, para equiparar, para fins da Lei, as prestadoras de serviços de ativos virtuais às instituições financeiras.

 

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Impacto aos contribuintes que aguardam definição sobre o terço de férias

No último dia 1º/12, o Supremo Tribunal Federal acatou pedido das empresas de telefonia em julgamento acerca da exigência de ICMS sobre assinatura básica, determinando, ao aplicar a técnica da modulação de efeitos, que a decisão que legitima a cobrança somente possa valer a partir de 21/10/2016.

O fundamento que norteou a modulação de efeitos foi a preservação da segurança jurídica, instituto caro ao ordenamento jurídico brasileiro, já que até o STF reconhecer a possibilidade de cobrança, em outubro de 2016, havia uma jurisprudência consolidada, no Superior Tribunal de Justiça, e até mesmo no próprio Supremo, em sentido oposto, isto é, que impedia os estados de cobrarem o ICMS sobre essa rubrica.

De fato, as duas Turmas do STJ responsáveis por apreciar matéria tributária possuíam precedentes, desde 2008, que afastavam a cobrança do ICMS sobre assinatura básica e, em 2012, houve recurso repetitivo na mesma Corte afirmando não corresponder a serviço de telefonia atividades conexas e preparatórias da comunicação, opinião também externada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, em julgado ocorrido em 2014.

Portanto, diversos contribuintes que seguiram, durante anos, a orientação do Judiciário pela não incidência de ICMS sobre assinatura de telefonia e foram surpreendidos com essa virada de entendimento, não correm, por conta da modulação decidida recentemente, o risco de cobrança em relação a períodos pretéritos.

O posicionamento do Supremo Tribunal Federal, pela modulação de efeitos de uma decisão para preservar a segurança jurídica, em razão de mudança de entendimento sobre determinada matéria, pode representar um alento a diversos contribuintes que, há mais de dois anos, aguardam uma definição a respeito da exigência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias.

Devemos rememorar que, até agosto de 2020, quando o mesmo STF decidiu pela validade da inclusão do terço constitucional de férias na base de cálculo da contribuição previdenciária, o Poder Judiciário possuía posicionamento, de mais de uma década, em sentido contrário, o que afetou diversos contribuintes que, por muitos anos, confiando na estabilidade das decisões do Judiciário, deixavam de recolher INSS sobre essa verba e, em razão da mudança do entendimento, estavam, agora, receosos de sofrer autuações para a cobrança, com multa e juros, dos valores referentes aos últimos cinco anos.

Estima-se que o valor do crédito tributário relativo ao período que pode ser afetado pela modulação de efeitos da decisão envolva a quantia de R$ 80 bilhões de Reais, o que causa enorme preocupação em todo o mercado.

O cenário de insegurança que se instaurou por conta da validação, pelo Supremo Tribunal Federal, da cobrança de INSS sobre terço de férias, foi que motivou o pleito para que, nesse caso, houvesse a modulação dos efeitos da decisão, de tal sorte que a exigência pudesse valer apenas para o futuro, resguardando contribuintes que confiaram no Poder Judiciário, de sofrer cobranças relativas a anos anteriores.

Pode-se perceber que, apesar de veicularem matérias totalmente distintas, o julgado sobre a assinatura básica de telefonia guarda inúmeras semelhanças com o caso relacionado ao terço de férias, pois, em ambos, o STF alterou diametralmente seu próprio entendimento sobre a matéria e, nas duas situações, havia decisões favoráveis aos contribuintes, no STJ, há, pelo menos, oito anos, tomadas, inclusive, em julgamento submetido à sistemática de recursos repetitivos — em que a decisão é vinculante aos Tribunais hierarquicamente inferiores.

O julgamento dos embargos de declaração, em que se pleitearam a modulação de efeitos da decisão sobre o terço de férias, chegou a iniciar pelo Plenário Virtual do Supremo, em 2021, sendo proferidos cinco votos para modulação e 4 votos contrários. Porém, o pedido de destaque do Ministro Luiz Fux suspendeu a análise, devendo, agora, haver seu reinício em sessão presencial, ainda sem data para ocorrer, com a nova coleta de votos.

Confiemos que o Supremo, mantendo o foco na segurança jurídica, que orientou o julgamento acerca do ICMS sobre a assinatura básica de telefonia e reconhecendo as evidentes semelhanças com o tema relacionado ao terço de férias, também neste caso, decida pela modulação dos efeitos, de modo que a inclusão dessa verba na base de cálculo da contribuição previdenciária tenha validade apenas a partir de agosto de 2020, preservando assim, os contribuintes que, por mais de dez anos, seguiram a orientação do próprio Poder Judiciário.

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Publicada nova regulamentação para a transação tributária na RFB

No dia 22 de novembro de 2022, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Portaria RFB nº 247/2022 trazendo nova regulamentação à transação de créditos tributários administrados pela sua Secretaria Especial.

De acordo com a RFB, a publicação da Portaria RFB nº 247/2022, que revoga a Portaria RFB nº 208/2022, visa esclarecer as regras aplicáveis à transação, reforçando a segurança jurídica na relação entre o fisco e os contribuintes.

A principal novidade foi a definição do conceito de contencioso administrativo fiscal que modifica o entendimento sobre os tipos de débitos podem ser incluídos nas transações realizadas com a RFB:

Portaria RFB nº 208/2022

Instauração do contencioso administrativo pela apresentação das petições e dos recursos previstos no Decreto nº 70.235/1972, no Decreto nº 7.574/2011 e na Lei nº 9.784/1999


Portaria RFB nº 247/2022

Instauração do contencioso administrativo pela apresentação de impugnação, manifestação de inconformidade ou de recurso previsto no:

i. no Decreto nº 70.235/1972;

 ii. no Decreto nº 7.574/2011;

 iii. na Lei nº 9.784/1999 relacionado a:

 a. compensação não declarada, arrolamento de bens e direitos, quando a transação tratar de substituição da garantia;

 b. decisão de cancelamento ou não reconhecimento de ofício de declaração retificadora; e

c. programas de parcelamento.

Especialmente em relação aos parcelamentos, a nova redação limita a transação aos casos em que há apresentação de recurso hierárquico em face de exclusão dos programas, conforme interpretação da própria RFB.

Outra alteração importante foi a supressão da lista dos débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação, os quais teriam direito a descontos, para adoção de um conceito mais subjetivo:


Portaria nº 208/2022

São considerados irrecuperáveis os créditos tributários:

 i. constituídos há mais de 10 (dez) anos;

 ii. de titularidade de devedores falidos, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial, em intervenção ou liquidação extrajudicial;

iii. de titularidade de devedores pessoa jurídica cuja situação cadastral no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) seja baixada (inaptidão, inexistência de fato, omissão contumaz, encerramento da falência, encerramento da liquidação judicial, encerramento da liquidação), inapta (localização desconhecida, inexistência de fato, omissão e não localização, omissão contumaz, omissão de declarações), suspensa por inexistência de fato;

 iv. de titularidade de devedores pessoa física com indicativo de óbito.


Portaria nº 247/2022

Consideram-se irrecuperáveis os créditos tributários em contencioso administrativo há mais de 10 (dez) anos, observados como parâmetros:

 i. o período de cobrança dos débitos;

 ii. a baixa expectativa de priorização de julgamento;

 iii. a baixa perspectiva de êxito das estratégias administrativas e judiciais de cobrança; e

 iv. o custo da cobrança administrativa e judicial.

Além disso, a Portaria RFB nº 247/2022 também:

• alterou o momento da suspensão dos débitos, que antes se dava no requerimento, para o deferimento da transação;

• implementou a possibilidade de apresentação de recurso ao indeferimento da transação;

• eliminou a previsão de transacionar débitos em geral na pendência de impugnação, recurso ou reclamação administrativa, porquanto a Lei nº 13.988/2020 (art. 24) previu esta dispensa apenas para transação do contencioso de pequeno valor; e

• possibilitou o oferecimento de seguro-garantia e carta fiança.

Dentre as previsões mantidas, a que mais chama atenção é a de que a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL ocorrerá a exclusivo critério da RFB.

Por fim, também no dia 22 de novembro, a RFB publicou a Portaria nº 248/2022, que institui a Equipe Nacional de Transação de Créditos Tributários (Enat), que celebrará as transações individuais na RFB e as transações por adesão que demandem análise da capacidade de pagamento do devedor. Por seu turno, as transações por adesão cujo deferimento não exijam a análise da capacidade de pagamento do devedor serão analisadas pela Equipe de Parcelamento (Eqpar).

 

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Proteção do patrimônio

Planejamento sucessório é importante instrumento na transição do patrimônio familiar, aliando segurança jurídica e melhor eficiência financeira.

Há alguns anos o planejamento sucessório era visto como um instrumento de organização destinado apenas a famílias detentoras de patrimônios extremamente elevados. Mais recentemente – e motivado pela mudança de pensamento da sociedade pós-período de pandemia – percebeu-se que o planejamento sucessório se adequa a diferentes tipos de patrimônio e a todos aqueles que desejem, em vida, administrar e proteger este patrimônio.

De forma prática, as medidas tomadas em vida visam evitar futuros problemas legais e disputas entre os herdeiros, gerando maior eficácia na gestão dos recursos patrimoniais e eventual orientação de como estes herdeiros devem geri-lo, se quiserem perpetuá-lo, respeitando a visão de quem originou este patrimônio.

Para isto, inúmeras medidas podem ser tomadas, como constituição de holdings, doações em vida com reserva de usufruto, elaboração de testamentos, constituição de fundos, dentre diversas outras. O importante é ter em mente que não há “receita de bolo” aplicável para qualquer caso. Cada planejamento deve ser feito visando atender os objetivos de cada família, sempre respeitando suas características específicas e, principalmente, intenções.

Do ponto de vista tributário, as principais análises envolvem questões relacionadas ao Imposto de Renda (IR), ao Imposto sobre Transmissões Causa Mortis e Doação (ITCMD) e o Imposto sobre Transmissões de Bens Imóveis (ITBI), que são tributos que envolvem entes das esferas federal, estadual e municipal.

Desse modo, a estruturação da sucessão patrimonial, quando realizada com cuidado e atenção aos aspectos jurídicos-tributários, pode resultar em redução de carga tributária, se comparada com os custos tributários de eventual inventário. A depender da natureza jurídica de cada instrumento utilizado para implementação do planejamento sucessório, é necessário que o reflexo tributário esteja previamente delimitado, para evitar “surpresas” indesejadas no decorrer do processo.

Eventualmente, caso o patrimônio também envolva ativos que estejam situados no exterior, em conjunto com os assessores responsáveis pelas questões envolvendo jurisdições estrangeiras, também deve ser avaliado o reflexo tributário no Brasil.

 

Interesses da família e segurança jurídica

Nesse contexto, no início das discussões envolvendo planejamentos sucessórios com nossos clientes é comum surgirem algumas dúvidas e uma certa confusão entre o Planejamento Sucessório e o Planejamento Tributário. No entanto, sempre ressaltamos que nenhum planejamento sucessório deve ser motivado pela intenção de economia tributária, visto que os eventuais custos com tributos são um reflexo da real intenção da família, cujo objetivo é planejar a sucessão e perpetuidade de seu patrimônio.

Por esse motivo, no desenvolvimento e implementação de um planejamento sucessório, recomenda-se o envolvimento de uma equipe multidisciplinar, especializada em Direito da Família, Sucessões, Societário e Tributário, com intuito de aliar os interesses da família à segurança jurídica e melhor eficiência financeira.

O foco do patriarca/matriarca deve ser garantir a transferência do patrimônio constituído em vida, a seus herdeiros, visando evitar sua dilapidação. Há que se falar, também, que o planejamento sucessório evita outros tipos de custos tão relevantes quanto os tributários, que são aqueles relativos à abertura de inventário, honorários advocatícios, custas processuais ou cartorárias, custos e tributos relacionados à transferência de bens imóveis, dentre outros.

Outro fator positivo aos planejamentos sucessórios é a definição dos herdeiros que possuem aptidão para continuidade dos negócios, evitando que após o falecimento do fundador da empresa a administração acabe sendo realizada por herdeiros despreparados, colocando em risco a continuidade dos negócios realizados ao longo de tantos anos. Como resultado de uma administração ineficaz e de possíveis brigas entre herdeiros, tem-se a possível redução da renda familiar, a venda de bens para suportar as despesas de inventário ou, ainda, a própria deterioração do patrimônio.

Apesar de se tratar de um assunto que é visto com certo tabu e muitas vezes postergado, a prática tem demonstrado que a sucessão em vida reduz bastante eventuais discussões entre os membros dos núcleos familiares, pois a vontade do patriarca/matriarca é implementada com este/esta ainda presente e por sua própria vontade, tendendo a ser melhor recebida pelos herdeiros.

É imprescindível, então, que seja realizada uma análise detalhada das questões sucessórias, societárias e tributárias relativas ao patrimônio familiar, visando garantir que a transferência dos bens e das responsabilidades decorrentes do gerenciamento do patrimônio familiar seja feita sempre buscando atingir objetivos da família e garantir o melhor cenário sucessório e tributário possível.

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

 

Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa RFB nº 2.110, de 17 de outubro de 2022 que dispõe sobre normas gerais de tributação previdenciária e de arrecadação das contribuições sociais destinadas à Previdência Social e das contribuições devidas a terceiros, administradas pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).

 2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta sexta-feira, dia 21/10/2022, o Plenário virtual do STF iniciou o julgamento do seguinte caso relevante:

2.1.1 RE 612686: TEMA 699 – Incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre as receitas decorrentes das aplicações financeiras dos fundos fechados de previdência complementar e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sobre os resultados apurados pelos referidos fundos.

Resultado parcial: O relator, Min. Dias Toffoli, apresentou voto no sentido de negar provimento ao Recurso Extraordinário do contribuinte por entender que as tributações questionadas são constitucionais. O Ministro ressaltou que não ter finalidade lucrativa não resulta na impossibilidade de se terem acréscimos patrimonial e que a Constituição Federal não exige que o contribuinte tenha, necessariamente, fins lucrativos para ser tributado pelo IR ou pela CSLL. Isso é, inexistindo imunidade tributária aplicável, mesmo as entidades sem fins lucrativos podem ser reconhecidas como contribuintes dessas exações, caso realizem o fato gerador. Aguardam os demais Ministros.

Tese proposta pelo Min. Dias Toffoli: “É constitucional a cobrança, em face das entidades fechadas de previdência complementar não imunes, do imposto de renda retido na fonte (IRRF) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL)”.

2.2 Nesta terça-feira, dia 18/10/2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizou o julgamento do seguinte caso relevante:

2.2.1 REsp 1436757: 1ª Turma – Discute o direito de compensar saldo negativo de IRPJ, apurado no regime do lucro real e recolhido por estimativa, com débitos de períodos anteriores.

Os autos retornaram com o voto-vista do Min. Manoel Erhardt que, em síntese, seguiu a divergência aberta pelo Min. Gurgel de Faria por entender que se trata de uma situação peculiar da compensação e que como há norma específica, votou por restringir a compensação dos créditos surgidos no exercício seguinte.

Reconhece por fim, que ao adotar esse entendimento, a compensação de modo amplo não poderia ser adotada nos recolhimentos por estimativa.

Portanto, ficou definido não ser possível o uso por empresas optantes do lucro real, do chamado “saldo negativo” para compensar dívidas tributárias pretéritas.

O Min. Benedito Gonçalves e Min. Sérgio Kukina acompanharam a divergência.

Resultado: A turma, por maioria, negou provimento ao Recurso Especial do contribuinte, nos termos do voto-vista do Min. Gurgel de Faria, vencida a Min. Regina Helena.

2.3 O Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou nesta quarta-feira, dia 19/10/2022, o Enunciado Administrativo nº 08 sobre o filtro de relevância com a seguinte redação:

“A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal”.

Boletim Semanal: Direto de Brasília

 

1. PODER EXECUTIVO

1.1 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Portaria Conjunta RFB/INSS nº 78, de 05 de outubro de 2022 que disciplina a aplicação do disposto no § 7º do art. 19-B do Regulamento da Previdência Social (RPS), aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, que atribui à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil competência para os acertos de inclusão de recolhimento, alterações de valor autenticado e data de pagamento, transferência de contribuição com identificador de pessoa jurídica ou equiparada para o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) e inclusão de contribuições pagas mediante parcelamento.

1.2 O site da Receita Federal do Brasil (RFB) noticiou que, após a decisão do STF na ADI 5422, os valores decorrentes de direito de família, como pensão alimentícia, não são mais tributados, devendo, portanto, ser declarados como valores não-tributáveis no imposto de renda.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta sexta-feira, dia 14/10/2022, o Plenário virtual do STF iniciou o julgamento do seguinte caso relevante:

2.1.1 ADI 5702 – (Des)necessidade de Lei Complementar para a Instituição de Hipótese de Substituição Tributária -ICMS

O processo discute se a instituição de hipótese de substituição tributária do ICMS, imputando-se a estabelecimento atacadista o dever de recolhimento do tributo em relação às operações subsequentes, exige a forma de lei complementar, secundada por Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), ou se simples lei ordinária estadual, regulamentada por decreto.

Resultado parcial: O Relator, Min. André Mendonça, apresentou voto no sentido de conhecer parcialmente da ADI e julgar improcedente nessa parte. Segundo o Ministro, não há inconstitucionalidade formal, uma vez que a palavra “lei” presente no art. 150, § 7º, da Constituição da República, diz respeito à espécie legislativa “lei ordinária” (art. 59, inc. III, CRFB). Aguardam os demais Ministros.