Seguros obrigatórios de carga – uma norma que atinge todo mercado

No dia 11 de outubro de 2023, por meio do Ofício Circular Eletrônico nº 2/2023/DIR1/SUSEP, a SUSEP divulgou orientações para as Sociedades Seguradoras a respeito das novas regras estabelecidas pela Lei nº 14.599/23 que, dentre outras disposições, trata sobre cobertura para o transporte rodoviário de cargas, modificando as regras relacionadas à operacionalização dos seguros atrelados aos seguintes grupos:

    (i) Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C),

   (ii) Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RC-DC), e

  (iii) Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V).

Com o advento da Lei nº 14.599/2023, foram feitas algumas alterações no art. 13 da Lei nº 11.442/2007. Dentre elas, destaca-se que os seguros de RC-DC e RC-V, até então facultativos, tornaram-se de contratação obrigatória por parte das Transportadoras.

Em relação ao seguro de RC-V, a SUSEP esclareceu que, até que as normas aplicáveis sejam revistas, poderá ser contratada a cobertura Responsabilidade Civil Facultativa de Veículos (RCF-V) definida no art. 16 da Circular Susep 639/21. Neste caso, a apólice contratada deverá possuir cobertura para danos corporais e materiais causados a terceiros pelo veículo automotor, nos termos do inciso III do art. 13 e do inciso II do §4º da Lei nº 11.442/2007, observados os valores mínimos estabelecidos pelo §3º desse dispositivo, que assim dispõe: “O seguro (…) poderá ser feito em apólice globalizada que envolva toda a frota do segurado, com cobertura mínima de 35.000 DES (trinta e cinco mil direitos especiais de saque) para danos corporais e de 20.000 DES (vinte mil direitos especiais de saque) para danos materiais.”.

Durante o período de adaptação dos sistemas para adequação do ambiente regulatório e de mercado à nova legislação, os produtos a serem comercializados e os ramos de contabilização permanecem os mesmos atualmente disponíveis (0655 – “Resp. Civil do Transportador. Desvio Carga – RCF-DC” e 0553 – “Resp. Civil Facultativa Veículos – RCFV”), ainda que em seus códigos conste, atualmente, o verbete “facultativo”.

A SUSEP também destacou que a carta de Dispensa de Direito de Regresso (DDR), ou qualquer outro instrumento ou cláusula contratual com a mesma finalidade, não isenta a contratação dos seguros legalmente obrigatórios, inclusive quanto ao RC-DC.

Além disso, confirmou a validade dos contratos de seguro firmados anteriormente à publicação da Lei nº 14.599/2023, ocorrida em 19.06.2023, elucidando que estes negócios jurídicos celebrados previamente não serão atingidos até a sua data de expiração. Contudo, após o fim da vigência, tais contratos devem ser adaptados ao novo marco legal, que estabeleceu, dentre outras regras, que:

❯   Os seguros RCTR-C e RC-DC deverão estar vinculados a Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR), estabelecido de comum acordo entre o transportador e sua seguradora, observado que o contratante do serviço de transporte poderá exigir obrigações ou medidas adicionais, relacionadas à operação e/ou a gerenciamento, arcando este com todos os custos e despesas inerentes a elas;

❯   No caso de subcontratação do Transportador Autônomo de Cargas (TAC), (a) os seguros de RCTR-C e RC-DC deverão ser firmados pelo contratante do serviço emissor do conhecimento de transporte e do manifesto de transporte, sendo o TAC considerado preposto do tomador de serviços, não cabendo sub-rogação por parte da seguradora contra este; e (b) o seguro previsto RC-V deverá ser firmado pelo contratante do serviço, por viagem, em nome do TAC subcontratado;

❯   Os seguros de RC-DC e RCTR-C serão contratados mediante apólice única para cada ramo de seguro, por segurado, vinculados ao respectivo Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTR-C;

❯   Os embarcadores, as empresas de transporte e as cooperativas de transporte ficam impedidos de descontar do valor do frete do TAC, ou de seu equiparado, valores referentes à taxa administrativa e seguros de qualquer natureza, sob pena de terem que indenizar ao TAC o valor referente a 2 (duas) vezes o valor do frete.

Por fim, a SUSEP informou que está providenciando a regulamentação infralegal aplicável ao ramo, com o objetivo de promover a adequação aos comandos da Lei nº 14.599, de 2023.

A autarquia assegurou que as minutas das normas serão submetidas à consulta pública, oportunizando a todos os interessados o envio de sugestões para aperfeiçoamento dos dispositivos regulatórios.

Até que isso ocorra, em caso de divergência entre a regulamentação infralegal vigente e o texto da nova legislação, a SUSEP determinou que deverão prevalecer os comandos da Lei nº 14.599/2023 para todos os fins, considerando a hierarquia das normas.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Aduaneira do GSGA.

Município do Rio de Janeiro regulamenta o Programa ISS Neutro

Em 2 de outubro de 2023, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro editou o Decreto Rio nº 53.288/2023, publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro em 3 de outubro de 2023, regulamentando o Programa ISS Neutro criado pela Lei Municipal nº 7.907/2023. O Programa ISS Neutro tem por objetivo incentivar a compra de créditos de carbono por contribuintes cariocas do ISS, os quais poderão ser integral ou parcialmente abatidos do próprio imposto devido.

O abatimento do ISS será efetivado por meio do sistema da Nota Fiscal de Serviços Eletrônica – Nota Carioca.

O regulamento também estabeleceu um planejamento para inclusão do Município do Rio de Janeiro no desenvolvimento de projetos de redução ou remoção de gases de efeito estufa (GEE), qual seja: (i) para o primeiro ano de projeto, o limite de subsídio por tonelada de CO2 equivalente (tCO2eq) corresponderá a R$ 50,00 (cinquenta reais) para projetos realizados no município do Rio de Janeiro e a R$ 40,00 (quarenta reais) para projetos realizados fora da cidade; (ii) para o segundo ano de projeto, a previsão do limite de subsídio por tCO2eq corresponderá a R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais) para projetos desenvolvidos no município e a R$ 35,00 (trinta e cinco reais) para projetos realizados fora da cidade; (iii) a partir do terceiro ano do projeto, somente serão aceitos projetos realizados no município do Rio de Janeiro, sendo a previsão do limite de subsídio por tCO2eq de R$ 60,00 (sessenta reais); e (iv) a partir do quarto ano de projeto, o valor do subsídio anual por tCO2eq poderá ser modificado anualmente no edital de chamamento, respeitados os limites previstos em lei e regulamento.

Embora tenha sido estabelecido o limite de subsídio para cada ano de operação do projeto, não há qualquer vedação para que o valor do crédito de carbono adquirido supere o valor máximo do subsídio por tCO2eq.

É importante destacar que os projetos de redução ou remoção de GEE somente serão elegíveis ao Programa ISS Neutro se os inventários de emissão e as auditorias de inventário tiverem sido elaborados com base nas normas ISO 14064 e ISO 14065 ou no GHG Protocol (Protocolo de Gases de Efeito Estufa). Além disso, os seguintes requisitos deverão ser cumulativamente observados: (i) as atividades de redução ou remoção de GEE devem ocorrer em território nacional; (ii) a empresa emissora do crédito de carbono deverá adotar, ao menos, um dos seguintes padrões (a) Gold Standard – Padrão Ouro; (b) Verified Carbon Standard (VCS) – Padrão de Carbono Verificado; (c) Climate Community and Biodiversity Standards (CCBS) – Padrão de Biodiversidade e Comunidade Climática, sendo também aceitos padrões que, comprovadamente, decorram da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima; e (iii) somente atividades relacionadas a projetos de créditos de carbono registrados após 1º de janeiro de 2016 serão admitidas no programa.

Para fins de abatimento do ISS, os contribuintes estarão sujeitos a um limite geral, aplicável a todos em conjunto, a ser fixado no edital de chamamento, não superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), observadas regras específicas para o abatimento individual por cada contribuinte. É importante ressaltar que o abatimento do ISS decorrente do Programa ISS Neutro não autoriza que o imposto devido pelo contribuinte, individualmente considerado, seja mensalmente inferior a 2% da respectiva receita, ressalvadas exceções previstas na LC nº 116/2023.

O Poder Público publicará um edital de chamamento público para adesão ao programa, delimitando as regras, os prazos e os procedimentos a serem observados pelos contribuintes. De todo modo, o regulamento já apresentou o fluxo a ser adotado: (i) a lista de contribuintes candidatos ao abatimento do ISS será publicada até o dia 31 de dezembro do ano do edital de chamamento; (ii) a relação final da quantidade de créditos de carbono e valores, que poderão ser abatidos por cada contribuinte individualmente, será divulgada até 30 dias após a publicação da lista acima mencionada; (iii) os contribuintes deverão enviar as documentações que comprovem a aposentadoria dos créditos de carbono em até 120 dias após a publicação da relação final dos créditos que poderão ser abatidos; e (iv) o abatimento somente poderá ser utilizado no período compreendido entre o dia 1º de janeiro do ano seguinte à publicação da lista de contribuintes e o dia 31 de dezembro do mesmo ano, sendo vedado o reaproveitamento de créditos remanescentes em exercícios posteriores.

 

Para mais informações, consulte os profissionais do time de Sustentabilidade Corporativa do GSGA.

Jurisprudência desonera investimento estrangeiro no Brasil

Lei 14.286 e sua regulamentação buscaram facilitar fluxo de capitais, introduzindo diversas mudanças

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) isentou operações de câmbio simbólico da incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), em uma medida de significativo interesse para o fluxo de capitais e investimentos estrangeiros no Brasil.

O câmbio simbólico servia como um instrumento de controle das divisas no país, além de ser uma fonte de arrecadação fiscal. Na prática, envolvia uma entrada e saída fictícia de quantias em moeda estrangeira, usando recursos disponíveis no exterior. A saída dessa moeda era tratada como pagamento ou aporte no exterior, atraindo assim a incidência de tributos sobre remessas, pagamentos ou créditos, mesmo na ausência de uma cobertura cambial efetiva.

Lei 14.286 e sua regulamentação buscaram facilitar o fluxo de capitais, introduzindo diversas mudanças. Por exemplo, a conversão de investimentos em empréstimos, que anteriormente demandava operações cambiais simultâneas, será exigida apenas até 31 de outubro de 2023.

É importante destacar que a decisão aqui comentada diz respeito a fatos ocorridos antes da Lei 14.286/2021, conhecida como Novo Marco Cambial, mas se alinha com a evolução legislativa e jurisprudencial, que tem tendido a uma maior flexibilização das regras cambiais.

Antes mesmo dessas mudanças, a jurisprudência já havia mitigado a exigibilidade do Imposto de Renda nas operações simultâneas de câmbio. Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o simples crédito contábil não era, por si só, o fato gerador do Imposto de Renda na fonte no exterior, pois não se enquadrava nas hipóteses de incidência previstas no artigo 43 do Código Tributário Nacional.

No caso analisado pelo TRF3, um fundo estrangeiro dos EUA possuía ações de uma holding brasileira, que por sua vez detinha participação em outras empresas, incluindo uma empresa brasileira de saneamento básico listada na bolsa brasileira.

Em 2014, a holding brasileira realizou uma redução de seu capital social, transferindo as ações da empresa de saneamento básico para o fundo estrangeiro. Na época, não ocorreu a conversão da modalidade de investimento no Banco Central, ou seja, não houve a migração de um tipo de registro de capital para outro.

Somente em 2016, o fundo estrangeiro impetrou um Mandado de Segurança para evitar a tributação sobre o ganho de capital resultante dessa operação de câmbio simbólico.

A Quarta Turma do TRF3 confirmou a sentença que isentou a tributação, argumentando que o fato gerador do Imposto de Renda Retido na Fonte ocorreu quando as ações da empresa brasileira foram efetivamente transferidas para o fundo estrangeiro.

Embora a decisão não tenha detalhado esse ponto, o entendimento é que essa operação representou uma devolução de bens e direitos do ativo da holding para o sócio (o fundo estrangeiro), e essa devolução poderia ocorrer pelo valor contábil ou de mercado, conforme a Lei 9.249/95.

Na época da devolução, as ações da empresa brasileira poderiam estar desvalorizadas, o que significaria que, mesmo usando o critério de valor de mercado, não teria havido um ganho de capital efetivo.

A situação mudou quando o fundo estrangeiro decidiu modificar a modalidade de investimento junto ao BC. No entanto, o TRF3 concluiu que o câmbio simbólico realizado não representou a liquidação do investimento na empresa brasileira. Portanto, a valorização das ações da empresa representou apenas um ganho de capital potencial, não a aquisição efetiva da disponibilidade econômica e jurídica sobre esse ganho, que só ocorreria com a venda das ações.

Essa decisão do TRF3 é interessante, pois conclui que a mera realização de operações simultâneas de câmbio não equivale à liquidação do investimento, não desencadeando assim a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o ganho de capital.

É importante destacar que, de acordo com a regulamentação do BC em vigor (Resolução BCB 281), as operações simultâneas envolvem uma operação de compra e uma operação de venda de igual valor, moeda, data de contratação e data de liquidação, mesmo que não envolvam movimentação de valores. No entanto, essa decisão do TRF3 argumenta que essas operações não representam uma efetiva movimentação de divisas e, portanto, não configuram a liquidação do investimento em ações, o que não acionaria o fato gerador do Imposto de Renda Retido na Fonte.

Em resumo, a decisão do TRF3 se baseia em duas premissas que questionam a exigibilidade de tributos nas operações de câmbio simbólico no contexto do fluxo de capitais. A primeira, considera que não há uma disposição efetiva do investimento, apenas uma formalização do câmbio simbólico, o que é coerente com a contabilidade e a legislação fiscal e alinha-se com o espírito do Novo Marco Cambial. A segunda se alinha àquela já desenhada pelo STJ em 2020, conforme acima mencionado, ao afirmar taxativamente que as operações de câmbio simbólico devem ser vistas sob a ótica das disposições do artigo 43 do Imposto de Renda.

Chega em boa hora a decisão, ao criar uma amálgama entre a jurisprudência e a nova regulamentação cambial que vai extirpando aos poucos a exigibilidade dessas operações, desburocratizando o fluxo de capitais com impacto direto sobre o investimento estrangeiro no país.

Só que, diferentemente do novo marco cambial, que tem, por questões óbvias, efeitos prospectivos, a jurisprudência que se vai consolidando sobre a matéria possui efeitos retroativos. Há de alcançar, por conseguinte, operações similares sobre as quais possa existir a pretensão, a nosso ver indevida, de pagamento do Imposto de renda.

*Artigo publicado originalmente no JOTA.

Voto de qualidade no Carf: o retorno

O governo federal enfrentou um acalorado debate ao enviar o Projeto de Lei n.º 2.384/23 à Câmara dos Deputados. Essa proposta, agora convertida na Lei n.º 14.689/23, objetivou restaurar o voto de qualidade em situações de empate nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), revertendo, assim, uma mudança importante introduzida pela Lei n.º 13.988/20.

O CARF desempenha um papel fundamental no debate tributário, na qualidade de órgão colegiado do Ministério da Economia, que julga os recursos de ofício e voluntário, interpostos em face dos acórdãos das Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJ’s), bem como os recursos de natureza especial.

Enquanto as DRJ’s, primeira instância administrativa fiscal, são compostas somente por auditores-fiscais da RFB, no CARF, as Turmas de Julgamento e as Câmaras Superiores de Recursos Fiscais (CSRF) são paritárias, o que confere maior imparcialidade aos julgamentos realizados pelo órgão.

Infere-se, pois, diante da composição do órgão, a efetiva possibilidade de empate nas votações no CARF, o que torna necessária a aplicação de técnicas de julgamento para o desempate.

Desde o Decreto n.º 70.235/72, até a introdução da Lei n.º 13.988/20, que previa, na hipótese de empate, a resolução do caso de forma favorável ao contribuinte, vigorou no CARF o desempate pelo voto de qualidade.

Segundo esse modelo, o Presidente do órgão julgador, que no caso do CARF é sempre um representante do fisco, ao final de um julgamento que terminou em empate, terá o seu voto duplicado, de maneira a decidir o caso em apreciação.

Assim, quando os conselheiros não conseguirem chegar a um acordo, o voto decisivo, que competirá ao Presidente, tende a ser favorável ao fisco, conforme se verifica na prática.

O retorno do voto de qualidade faz parte do pacote de medidas econômicas apresentado no início do ano pelo atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o objetivo de ampliar a arrecadação do Fisco. Com essas medidas, estima-se um aumento de cerca de R$ 59 bilhões nas arrecadações.

Além da proposta da volta do voto de qualidade no CARF, o projeto de lei trouxe outros temas sensíveis aos contribuintes, como a transação tributária, a exclusão de multas e o cancelamento de representação fiscal para fins penais, nas hipóteses de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade, a classificação dos contribuintes com base em sua conformidade tributária e aduaneira, entre outros.

No entanto, os vetos do Presidente da República em exercício (Geraldo Alckmin), retirou tópicos importantes do projeto de lei, a exemplo dos trechos que alteravam a Lei de Execuções Fiscais; que dispunham sobre métodos preventivos para a autorregularização de tributos; que permitiam transação tributária específica em determinadas circunstâncias, para casos de decisão favorável à União por meio do voto de qualidade; que versavam sobre redução de multas e penalidades.

Infere-se, pois, que muitas das medidas favoráveis ao contribuinte, aprovadas pelo Congresso Nacional, foram rechaçadas pelo Executivo, quando da conversão do PL n.º 2.384/23 na Lei n.º 14.689/23, ao passo que outras não tão palatáveis foram mantidas, como é o caso do retorno do voto de qualidade.

Resta, pois, o questionamento acerca da manutenção efetiva da paridade nas votações do CARF, porquanto com o retorno do voto de qualidade, tem-se, na prática, o cômputo de mais um voto de representante da Fazenda no julgamento, muito embora possa, eventualmente, ser favorável ao contribuinte.

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 Foi publicada a Lei nº 14.690/2023 que, além de instituir o Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes – Desenrola Brasil, concede alguns incentivos às instituições financeiras que aderirem ao programa.

1.2 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou:

1.2.1 A Instrução Normativa RFB nº 2.162/2023, que alterou a Instrução Normativa RFB nº 2.005/2021, que dispôs sobre apresentação da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) e da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais Previdenciários e de Outras Entidades e Fundos (DCTFWeb), bem como a Instrução Normativa RFB nº 2.121/, que consolidou as normas sobre a apuração, a cobrança, a fiscalização, a arrecadação e a administração da Contribuição para o PIS/Pasep.

1.3 A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou o Edital PGDAU nº 4/2023, que prorroga o prazo de adesão para negociações com diversos benefícios: entrada facilitada, descontos, prazo alongado para pagamento e uso de precatórios federais para amortizar ou liquidar saldo devedor negociado. A adesão está disponível no portal Regularize até 28 de dezembro.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta segunda-feira, dia 02/09, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça finalizou o julgamento do seguinte caso:

2.1.1 RESP 1787614/SP – Discute a aplicação ou não das regras da Instrução Normativa (IN) 243/02, na apuração dos preços de transferência utilizando o método Preço de Revenda Menos Lucro (PRL).

A Turma, à unanimidade, negou provimento ao RESP do contribuinte. Segundo o Relator, Min. Francisco Falcão, a aplicação das regras da IN garante que os fatos geradores de obrigações tributárias não escapem ao poder tributante por força da alocação de lucros promovidos por contribuinte dotados de projeções empresariais internacionais. Por fim, afirmou que a IN 243/2002 consubstanciou a correta interpretação do art. 18 da lei 9430/96, sem que houvesse indevida majoração do tributo. A forma de cálculo prevista em lei e pormenorizada pelo art. 42 da IN atende a finalidade consagrada pelo sistema do preço de transferência.

O posicionamento da 2ª Turma diverge do entendimento da 1ª Turma. Isso porque, em outubro de 2022, a 1ª Turma reconheceu a ilegalidade da IN 243/2002, no julgamento do AREsp 511.736, na parte que fixa o método do PLR/60 na apuração de preços de transferência. Segundo o Min. Gurgel, a metodologia adotada no art. 12 da IN 243/02 ofende o princípio da legalidade, uma vez que extrapola os limites da Lei 9.430/96, o que resultou em majoração da carga tributária suportada pelo contribuinte.

2.2 Nesta sexta-feira, dia 06/10, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do seguinte caso:

2.2.1 ADI 5635 – Discute a constitucionalidade de leis do Estado do Rio de Janeiro que condicionam o aproveitamento de incentivos fiscais de ICMS a depósitos em fundo estadual.

O relator, Min. Roberto Barroso, havia destacado o processo, contudo, retirou o destaque e incluiu o processo na pauta virtual. No julgamento iniciado nesta sexta-feira (06/10), o Relator replicou seu voto anteriormente juntado, no sentido de dar procedência parcial à ADI, declarando a constitucionalidade das leis que criaram o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (FEEF) e, posteriormente, o Fundo Orçamentário Temporário (FOT), fundos de emergência atípicos, que obrigam as empresas, que recebem benefícios e incentivos fiscais, a depositar nesses fundos 10% do valor total concedido.

No entanto, o Ministro destacou que é necessário conferir interpretação conforme a Constituição às leis questionadas, devendo assim:

(i) Afastar as possibilidades de as receitas do FEEF e do FOT serem vinculadas a algum programa governamental específico, e;

(ii) Respeitada a não cumulatividade do ICMS relativo ao depósito instituído, sendo garantido, ao contribuinte, a possibilidade de aproveitamento dos créditos referentes aos valores depositados.

Apesar de não constar ainda o voto do Min. André Mendonça, em assentada anterior, o Min. divergiu parcialmente do relator. Segundo o Ministro, há inconstitucionalidade formal nas leis instituidoras do FEEF e do FOT e respectivos decretos regulamentadores, pois esses diplomas concederam e prorrogaram indevidamente benefícios fiscais de ICMS. Ademais, afirmou que o FOT se revela inconstitucional, já que fundos, independentemente da qualificação como especiais ou atípicos, submetem-se à vedação constitucional do princípio da não vinculação, o que não é o caso do FEEF e FOT. Assim, votou pela procedência total da ADI.

Os demais Ministros ainda não se manifestaram.

Tese proposta pelo Min. Roberto Barroso: “São constitucionais as Leis nº 7.428/2016 e 8.645/2019, ambas do Estado do Rio de Janeiro, que instituíram o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF e, posteriormente, o Fundo Orçamentário Temporário – FOT, fundos atípicos cujas receitas não estão vinculadas a um programa governamental específico e detalhado”

Tese proposta pelo Min. André Mendonça em assentada anterior: “São inconstitucionais, por vício de competência e ofensa ao princípio da não afetação da receita dos impostos, as Leis nº186; 7.428, de 2016, e nº186; 8.645, de 2019, ambas do Estado do Rio de Janeiro, que instituíram, respectivamente, o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF e o Fundo Orçamentário Temporário – FOT.”

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 O Senado Federal noticiou, em seu site, que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou nesta quarta-feira (04/10) proposta de Emenda à Constituição que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores.

A PEC estabelece que quando forem deferidas decisões cautelares — isto é, decisões tomadas por precaução, para assegurar determinados efeitos de uma decisão final ou para impedir atos que a prejudiquem — em ações que peçam declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato, ou questionem descumprimento de preceito fundamental, o mérito da ação deve ser julgado em até seis meses. Depois desse prazo,  o processo passará a ter prioridade na pauta sobre os demais processos.

Ademais, A PEC 8/2021 também estabelece que pedidos de vista — prazo para estudar um determinado processo — devem ser concedidos coletivamente e por prazo máximo de seis meses. Um segundo prazo poderá vir a ser concedido coletivamente, mas limitado a três meses. Após tal prazo, o processo será incluído com prioridade na pauta de julgamentos.

3.2 O Senado Federal noticiou, em seu site, a propositura a PEC 51/2023, que restringe a 15 anos os mandatos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta promove ainda modificações no processo de escolha dos membros dessa corte e dos demais tribunais superiores.

3.3 A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (03/10), o Projeto de Lei 4188/21, que reformula regras sobra a garantia real dada em empréstimos, como hipoteca ou alienação fiduciária de imóveis. A proposta será enviada à sanção presidencial.

3.4 O Congresso Nacional promulgou, nesta terça-feira (03/10), a EC 130/23, que possibilita a permuta entre juízes estaduais de diferentes Tribunais. A ideia da Emenda Constitucional é permitir a troca entre juízes estaduais de comarca de igual entrância nas esferas da Justiça Estadual, Federal ou do Trabalho. Antes da EC, se os juízes estaduais quisessem realizar a mudança para outro estado, era necessário a aprovação em novo concurso.

 

 

 

 

Estado de São Paulo institui programa “Resolve Já”

Em 03/10/2023, foi publicada a Lei nº 17.784/2023, pelo Estado de São Paulo, que alterou dispositivos da Lei nº 6.374/1989, instituindo condições mais benéficas para pagamento e parcelamento de débitos do ICMS.

Dentre as inovações trazidas pela nova legislação, destacam-se:

❯   Alteração de prazos e de percentuais para pagamento da multa punitiva;

❯   Criação de novas hipóteses e prazos para pagamento da multa punitiva, antes da inscrição do débito em dívida ativa do Estado; e

❯   Alteração da data de início da incidência de juros.

As medidas visam estimular o pagamento de débitos do ICMS, reduzindo discussões administrativas e judiciais.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

IMASUL convoca empresas a comprovar a implementação do sistema de logística reversa de embalagens

Em 22 de setembro de 2023, o Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (IMASUL) emitiu a Portaria IMASUL nº 1.314/2023, publicada no Diário Oficial do Estado em 26 de setembro de 2023, convocando as empresas listadas no Anexo I a comprovar a implementação do Sistema de Logística Reversa de Embalagens em Geral no Mato Grosso do Sul (SISREV/MS) para o ano-base de 2021.

As empresas listadas no Anexo I de tal Portaria devem comprovar a adesão ao SISREV/MS para o ano-base de 2021 até o dia 31 de outubro de 2023. Por sua vez, as empresas listadas que entenderem não serem enquadradas na logística reversa deverão encaminhar as suas justificativas até o dia 13 de outubro de 2023.

Salientamos que, na hipótese de o Anexo I indicar somente um CNPJ de cada empresa, o prazo acima indicado também se aplica às demais unidades que operam no mercado estadual (matriz ou filiais).

A obrigação de implementação do SISREV/MS é (i) aplicável às empresas que atuam diretamente no Mato Grosso do Sul e (ii) se estende às detentoras de marcas que fabricam ou mandam fabricar embalagens e às importadoras de produtos que geram embalagens em geral. Ainda, as empresas que não estejam listadas no Anexo I, mas que inseriram embalagens em geral no mercado estadual em 2021, também devem comprovar a restituição equivalente da quantidade de embalagens por meio do SISREV/MS.

O descumprimento da legislação sujeita as empresas à aplicação de penalidade de multa, nos termos do artigo 16 do Decreto Estadual nº 16.089/2023 e do Decreto Federal nº 6.514/2008.

Para mais informações, consulte os profissionais da área de Sustentabilidade Corporativa do GSGA.

Receita Federal publica a Instrução Normativa nº 2.161/2023 que regulamenta as novas regras de preços de transferência

Em 29/09/2023, foi publicada a Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.161/2023, que dispõe acerca da parte geral das regras de controle dos preços de transferência a serem praticados nas transações controladas entre pessoas jurídicas brasileiras com partes relacionadas no exterior, previstas na Lei nº 14.596/2023.

É notável a influência e, em certos pontos, até a reprodução, dos guidelines da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na IN RFB nº 2.161/2023. Vale mencionar, também, que para a elaboração do texto final publicado na última semana, a Receita Federal do Brasil (RFB) levou em consideração as sugestões apresentadas pelos contribuintes à minuta da regulamentação divulgada na Consulta Pública nº 01/2023.

Os principais pontos a serem destacados na norma são os seguintes:

Indicação do método mais apropriado: ao tratar dos métodos passíveis de aplicação nas transações controladas, constam disposições específicas que atribuem como mais apropriado o Preço Independente Comparável (PIC) para as commodities, o Preço de Revenda menos Lucro (PRL) para revenda, o Custo mais Lucro (MCL) para indústria e serviços e a Divisão do Lucro (MDL) para transações envolvendo intangíveis ou em que haja contribuições únicas e valiosas. Considerando essas previsões, a utilização de métodos diversos, especialmente da Margem Líquida da Transação (MLT) deverá ser justificada.

Ajustes compensatórios: são ajustes respaldados pela emissão de notas de débito, crédito ou de documentação fiscal e comercial, efetuados pelas partes da transação controlada até o encerramento do ano-calendário em que for realizada a transação, quando a apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL resultar em montante inferior àquele que seria apurado caso a transação controlada fosse realizada entre partes não relacionadas.

Reflexos em outros tributos: os ajustes, espontâneos ou compensatórios, à base de cálculo efetuados para fins de preços de transferência não implicam automaticamente na realização de ajustes na base de cálculo de outros tributos. O termo automaticamente permite a conclusão de que, em alguns casos, poderá haver reflexo desses ajustes em outros tributos, especialmente os incidentes na importação. Também não há menção de possível efeito dos ajustes primários, o que acreditamos significar que se limitarão ao IRPJ e à CSLL.

Documentação: em regra, o contribuinte deverá apresentar, por meio do e-CAC, em até 3 meses após o prazo definido para a transmissão da ECF do ano-calendário correspondente, o “Arquivo Global” (que traz a estrutura e as atividades do grupo multinacional, bem como as demais entidades integrantes) e o “Arquivo Local” (com informações relativas às transações controladas e às partes envolvidas). Para o ano-calendário de 2024 ou, caso o contribuinte opte pela antecipação dos efeitos para o ano-calendário de 2023, o prazo será o último dia útil dos anos-calendários de 2025 e de 2024. Além disso, deverá ser apresentada a “Declaração País-a-País”, no prazo estabelecido para a transmissão da ECF. Caso o valor total das transações controladas antes dos ajustes no ano-calendário anterior seja maior ou igual a R$ 15 milhões e menor que R$ 500 milhões, a apresentação do Arquivo Local se dará de forma simplificada. Na hipótese desse valor ser inferior a R$ 15 milhões, o contribuinte estará dispensado da apresentação do Arquivo Local e do Arquivo Global.

Serviços de baixo valor agregado (SBVA): São considerados serviços de baixo valor agregado (SBVA) aqueles que (i) tenham natureza de suporte; (ii) não sejam parte das atividades principais; (iii) não requeiram o uso de bens intangíveis únicos e valiosos e não contribuam para a criação deles; (iv) não impliquem a assunção ou controle de riscos economicamente significativos por parte do fornecedor do serviço e não levem à criação de tal risco significativo para ele; e (v) não contribuam significativamente para a criação, incremento ou manutenção de valor no grupo multinacional, para as capacidades essenciais ou para as chances de sucesso dos negócios do grupo multinacional.

Na hipótese de uma transação controlada que consista na prestação de SBVA, o contribuinte poderá optar por uma abordagem simplificada em que a remuneração dos serviços terá uma margem de lucro bruto, calculados sobre a totalidade dos custos diretos e indiretos relativos à transação de no mínimo 5%, caso o prestador de serviços seja pessoa jurídica domiciliada no Brasil e de no máximo 5%, caso o prestador seja parte relacionada no exterior.

Os pagamentos por SBVA somente serão considerados dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando a atividade desenvolvida pela outra parte proporcionar expectativa razoável de valor econômico ou comercial para o contribuinte, de forma a melhorar ou a manter a sua posição comercial, de tal modo que partes não relacionadas, em circunstâncias comparáveis, estariam dispostas a pagar pela atividade ou a realizá-la por conta própria.

Infrações e penalidades: Serão aplicadas multas aos contribuintes nas seguintes hipóteses:

❯   Apresentação intempestiva de obrigações: 0,2%, por mês-calendário ou fração, sobre o valor da receita bruta do período da obrigação;

❯   Falta de apresentação tempestiva de informação/documentação requerida durante medida prévia fiscalizatória ou embaraço à fiscalização: 5% sobre o valor da transação;

❯   Informações inexatas, incompletas ou omitidas: 0,2% sobre o valor da receita consolidada do grupo multinacional do ano anterior ao que se referem as informações. Essa multa não será aplicada nas hipóteses de erros formais ou de informações imateriais; e

❯   Apresentação sem atendimento aos requisitos para apresentação da obrigação: 3% sobre o valor da receita bruta do período da obrigação.

As multas terão o valor mínimo de R$ 20 mil e o valor máximo de R$ 5 milhões.

Anexos: publicados a fim de auxiliar na aplicação das regras de preços de transferência, por exemplo, em transações indiretas, série de transações, ajustes de comparabilidade pelo risco-país, dados de múltiplos anos (MLT), ajustes por netbacks, bem como a determinação da mediana e do intervalo interquartil.

Possíveis inovações da IN em relação a lei: ao tratar do conceito de partes relacionadas, a instrução normativa trouxe a previsão de que poderão ser caracterizadas como partes relacionadas as entidades situadas no mesmo país, inclusive no Brasil, mesmo nas situações em que as transações entre elas não estejam sujeitas ao controle de preços de transferência; ao exemplificar relações comerciais ou financeiras não formalizadas, a norma menciona os “serviços prestados, ainda que por meio de empregados cedidos ou enviados ao país de destino dos serviços”, o que pode alcançar os expatriados; ao dispor sobre a aplicação do princípio arm’s length, a instrução menciona que a regra é que isso ocorra a cada transação separadamente e, apenas em casos específicos, transações podem ser analisadas de forma combinada.

Vigência e antecipação dos efeitos para 2023: as disposições da nova regulamentação serão aplicadas a partir de 1º de janeiro de 2024. Todavia, caso o contribuinte possua interesse em adotar as novas regras de preços de transferência no ano-calendário de 2023, a opção poderá ser formalizada até 31 de dezembro de 2023. Importante lembrar que a Lei nº 14.596/2023 também alterou o tratamento tributário de royalties, de modo que a eventual antecipação dos efeitos é aplicável de forma conjunta e irretratável para ambos os temas. As novas regras e a sua eventual antecipação também podem ter efeitos na compensação de tributos pagos/retidos em determinado país, vide o exemplo dos EUA que, desde o final de 2021, vedaram essa compensação em razão da não adoção do princípio arm’s length pelo Brasil.

Vale destacar que as novas regras são aplicáveis inclusive para contratos e operações anteriores ao início de sua vigência. Deste modo, é possível que, por exemplo, um contrato vigente de empréstimo que, na legislação anterior, possuía uma taxa de juros que não gerava ajuste, poderá ter um tratamento diverso na nova legislação.

Por fim, informamos que a referida norma não regulamentou a parte especial da Lei nº 14.596/2023. Desse modo, questões específicas relacionadas a intangíveis, operações financeiras e compartilhamento de custos, por exemplo, devem ser abordados em regulamentações futuras.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

Lista positiva de medicamentos e exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins

Falta de disposições legais específicas que abordem essa questão crucial levanta uma preocupação relevante

A complexidade inerente ao sistema tributário brasileiro frequentemente apresenta desafios consideráveis tanto para as empresas como para as entidades reguladoras. Entre esses desafios, destaca-se a questão da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, especialmente quando se trata de operações sujeitas ao crédito presumido dessas contribuições e envolve a lista positiva de medicamentos. Surge, portanto, a indagação fundamental: devem ou não as operações abrangidas pela lista positiva de medicamentos integrar a base de cálculo do PIS/Cofins para efeitos de exclusão do ICMS?

A falta de disposições legais específicas que abordem essa questão crucial levanta uma preocupação relevante: o impacto negativo que resultaria da não inclusão das operações relacionadas à lista positiva de medicamentos na base de cálculo do PIS/Cofins para fins de exclusão do ICMS para as empresas que operam no setor farmacêutico.

Para uma compreensão desse assunto, importante mencionar que a Lei 10.174/2000 estabelece disposições relacionadas à incidência do PIS/Cofins nas vendas de produtos específicos. De acordo com essa lei, as alíquotas aplicadas sobre a receita bruta proveniente das vendas variam entre 2,1% e 9,9%, dependendo se a empresa realiza a industrialização ou importação de determinados itens. Além disso, a mesma lei reduz as alíquotas a zero para vendas desses mesmos itens por parte de empresas que não se enquadram na condição de industrial ou importador.

A legislação em questão adota a técnica de tributação com alíquotas diferenciadas, concentrando a tributação do PIS/Cofins nas empresas que realizam a industrialização ou importação desses itens, permitindo que outras empresas na cadeia produtiva não efetuem o pagamento dessas contribuições devido à redução a zero das alíquotas. Esse modelo de tributação é conhecido como sistema concentrado ou monofásico.

A Lei 10.174/2000 também prevê a possibilidade de apropriação e utilização de créditos presumidos de PIS/Cofins vinculados à industrialização ou importação de determinados itens, incluindo alguns medicamentos. No entanto, a utilização desses créditos presumidos requer a concessão de um regime especial, a fim de garantir que a redução da carga tributária seja repassada aos preços dos produtos. Uma das possibilidades de se obter esse regime especial é seguindo as diretrizes estabelecidas pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).

Assim, os créditos presumidos são calculados com base nas alíquotas de 2,1% e 9,9% do PIS/Cofins aplicadas sobre a receita bruta proveniente da venda desses medicamentos e são deduzidos do montante devido a título dessas contribuições durante o período em que a empresa está sob o regime especial.

Ademais, dentre as competências legais da CMED e com base no disposto na Lei 10.147/2000, que prevê o regime especial de utilização de crédito presumido do PIS/Cofins, essa entidade emitiu o Comunicado CMED 5/2016. Tal medida normativa estabeleceu a Lista de Concessão de Crédito Tributário (LCCT), classificando os medicamentos de acordo com as listas positiva, negativa e neutra.

A lista positiva inclui os itens submetidos à sistemática monofásica que geram créditos presumidos. A lista negativa abrange os itens submetidos à sistemática monofásica, com tributação concentrada no produtor de medicamentos e alíquota zero nos demais elos da cadeia produtiva, não gerando créditos presumidos. Por fim, a lista neutra engloba os itens submetidos apenas à sistemática ordinária de tributação do PIS/Cofins, seja no regime cumulativo ou não cumulativo.

É importante destacar que os itens relacionados na lista positiva de medicamentos são aqueles cujas empresas produtoras usufruem do regime especial de utilização de crédito presumido do PIS/Cofins.

Nesse contexto, esse crédito presumido do PIS/Cofins tem como objetivo principal aliviar a carga tributária ao longo da cadeia produtiva, garantindo que a redução resultante seja refletida nos preços dos produtos. Trata-se de uma ferramenta que permite a redução dos tributos incidentes sobre as operações realizadas, concedendo aos produtores de determinados medicamentos um percentual de crédito com base na receita bruta proveniente da venda desses produtos. Isso permite que as empresas deduzam esses créditos do montante devido a título de PIS/Cofins, reduzindo, assim, os valores a serem pagos aos cofres públicos. Assim, em vez de simplesmente pagar as contribuições de acordo com a sistemática monofásica, o contribuinte efetua o pagamento com a dedução do crédito presumido, subtraindo os valores calculados a esse título do montante devido.

Em resumo, a tributação sobre o crédito presumido do PIS/Cofins é uma maneira pela qual a administração pública arrecada esses tributos, aplicando-os sobre as operações, mas concedendo ao contribuinte uma redução com base em um percentual da receita bruta. Como esse instrumento é não cumulativo, ele reduz o impacto tributário no preço final dos produtos.

Portanto, é evidente que as operações sujeitas à sistemática monofásica e incluídas na lista positiva de medicamentos, que geram crédito presumido, devem integrar a base de cálculo do PIS/Cofins. Aliás, essas operações sequer estão entre aquelas listadas em lei que não devem compor a base de cálculo dessas contribuições.

Portanto, as operações relacionadas à lista positiva de medicamentos compõem a base de cálculo do PIS/Cofins e, consequentemente, fazem parte do montante devido a título dessas contribuições. Somente em um momento subsequente é que se efetua a dedução dos créditos presumidos, calculados com base em um percentual incidente sobre a receita bruta proveniente das operações com itens constantes na lista positiva, reduzindo assim os valores a serem recolhidos à administração pública.

Essa interpretação de que as operações relacionadas à lista positiva de medicamentos fazem parte da base de cálculo do PIS/Cofins é corroborada pela própria Receita Federal, pois, ao analisar o Perguntas e Respostas do Guia Prático da EFD-Contribuições, fica claro, junto à pergunta 90, que o CST utilizado para operações com a lista positiva (segmento farmacêutico) é o 02, o qual se refere à operação tributável com alíquota diferenciada. E continua, informando que no caso de revenda desses medicamentos, o CST a ser utilizado é o 04, o qual está relacionado à operação tributável monofásica com alíquota zero.

Diante desse cenário, podem ser apresentadas as conclusões:

1. A lista positiva inclui produtos sujeitos à sistemática monofásica de tributação que geram créditos presumidos;

2. Os créditos presumidos do PIS/Cofins representam uma forma pela qual a administração pública realiza a cobrança desses tributos, incidindo-os sobre as operações pertinentes. Ao final, permite-se a dedução desses créditos com base em um percentual aplicado sobre a receita bruta, o que reduz os valores a serem recolhidos aos cofres públicos;

3. Não se encontra, dentre as hipóteses previstas em lei que definem o que não comporá a base de cálculo do PIS/Cofins, nenhuma disposição relativa ao crédito presumido dessas contribuições;

4. A própria Receita Federal determina que o CST aplicado às operações com a lista positiva de medicamentos seja o 02, o que sustenta o entendimento de que tais operações estão devidamente sujeitas à tributação;

5. Uma vez que as operações com crédito presumido relacionadas à lista positiva de medicamentos são tributadas e somente após ocorre a dedução dos valores referentes ao crédito presumido, reduzindo os montantes recolhidos a título dessas contribuições aos cofres públicos, essas operações devem ser consideradas na quantificação da ação de exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins, o que poderá aumentar expressivamente, para as empresas do setor farmacêutico, os valores a serem restituídos/compensados a este título.

*Artigo publicado originalmente no Jota.

Cessão da imagem: perspectiva do jogo tributário no Poder Judiciário

Em meio às voltas do sistema tributário, representado por uma grande montanha russa, a respeito do entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) quanto à cessão do direito de imagem, verificou-se que atualmente o conselho sinaliza para a adoção de uma postura patrimonialista, relativizando os direitos da personalidade no uso da imagem.

Longe de representar um entendimento pacífico e seguro aos contribuintes, a análise da natureza do direito de imagem e a (im)possibilidade de sua exploração é tema igualmente debatido no Poder Judiciário.

Nessa esfera os debates já se iniciaram há mais de 20 anos. Trata-se do leading case REsp n° 74.473/RJ¹ julgado em 1999, oportunidade em que o Superior Tribunal de Justiça se debruçou sobre a cessão de direito de imagem de Garrincha e do Pelé.

À época, a Corte Superior concluiu que a imagem dos atletas possui conteúdo econômico e patrimonial, transmissível e passível de gerar receitas.

No entanto, a conclusão favorável aos atletas não foi suficiente para afastar o sentimento de insegurança dos contribuintes, tendo em vista o crescimento das autuações fiscais desconsiderando por completo a cessão de direito de imagem.

Foi com a publicação da Lei do Bem (Lei n° 11.196/05) que o Judiciário se viu obrigado a novamente se debruçar sobre o assunto, tendo em vista que o artigo 129 da citada lei surgiu com o condão de viabilizar a contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços de natureza intelectual, cultural, artística ou científica.

No caso envolvendo o jogador Léo Moura, a 8ª Vara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro², ao analisar a situação da cessão de direito de imagem para exploração por Pessoa Jurídica, entendeu de forma inequívoca que “não se vislumbra, na hipótese dos autos, a ocorrência de simulação, uma vez que a pessoa jurídica tratada nos autos tem por objeto atividade lícita, não cabendo questionamento quanto à natureza personalíssima dos serviços“, pois os fatos ocorreram sob a égide da Lei do Bem.

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 66, reiterou que o artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 é plenamente constitucional, permitindo que pessoas físicas atuem profissionalmente via pessoa jurídica, mesmo para atividade artística, cultural e personalíssima.

Não à toa, no julgamento envolvendo Carlos Massa (Ratinho), o apresentador de TV recorreu ao TRF da 3ª Região³ após a 11ª Vara de Execuções Fiscais Federal de São Paulo entender que os rendimentos deveriam ser tributados pela pessoa física. A relatora do caso considerou que “para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas“.

Como fator determinante para essa conclusão, a relatora entendeu pela possibilidade de aplicação retroativa do artigo 129 da Lei do Bem, frente ao seu caráter interpretativo, nos termos do artigo 106, I, do CTN.

Em matéria de direito de imagem e sua correspondente cessão, o Judiciário vem se comportando de forma mais previsível aos contribuintes. Desde o julgamento do REsp n° 74.473/RJ em 1999, até a recente ADC n° 66, transitada em julgado em 2021, as cortes judiciais se revelaram fortes defensoras às ofensivas da Receita Federal frente às disposições legais existentes.

É certo dizer que, tal como no campo do futebol, onde cada jogada é decorrência de um sistema tático que deve manter-se coerente, no campo jurídico o Judiciário igualmente exerce a função de preservação da harmonia e coesão do ordenamento legal.

Todavia, se no Poder Judiciário brasileiro, herdando um pouco do espírito da seleção brasileira de futebol, os operadores prezam pela manutenção da técnica e de princípios basilares, indicando um norte menos sinuoso aos contribuintes, tal sorte não aproveitam os atletas que buscam uma carreira internacional, os quais corriqueiramente enfrentam processos milionários decorrentes de planejamentos tributários adotados em outros países, tema este que merece igualmente uma análise específica e apartada.

¹ REsp n. 74.473/RJ, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, julgado em 23/2/1999, DJ de 21/6/1999.

² Processo nº 0028627-20.2015.4.02.5101, 8ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro.

³ Processo: 0024801-53.2011.4.03.6182

 Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.

*Artigo publicado originalmente no ConJur.