Mudanças nas regras sobre inventários, divórcios e separações extrajudiciais

Em 20/08/24, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou significativas alterações na Resolução do CNJ 35/2007, que trata sobre a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário, partilha, separação consensual, divórcio consensual e extinção consensual de união estável pela via administrativa.

As novas regras aumentam as hipóteses de resolução administrativa de questões familiares e sucessórias e trazem também simplificação de algumas providências relacionadas. Dentre as mudanças, destacam-se:

 

  • Possibilidade de ser realizada a extinção da união estável via escritura pública, desde que seja consensual;
  • Autoriza o inventariante, nomeado por escritura pública, a levantar valores necessários ao pagamento das despesas do inventário; anteriormente, era permitido somente o levantamento para pagamento dos emolumentos e ITCMD;
  • Possibilidade de o inventariante, autorizado por escritura pública, alienar móveis e imóveis do Espólio, desde que respeitados alguns requisitos;
  • Permissão para lavratura de escritura pública de declaração de separação de fato consensual;
  • Possibilidade de realizar o inventário por escritura pública, ainda que exista testamento ou inclua interessado menor ou incapaz, ficando, nesta última hipótese, a lavratura da escritura condicionada à anuência do Ministério Público; e
  • Possibilidade da realização de divórcio consensual por escritura pública, ainda que inclua interessado menor ou incapaz, desde que haja a resolução judicial de todas as questões referentes à guarda, visitação e alimentos dos filhos, o que deverá ficar consignado no corpo da escritura.

 

Trata-se de uma importante mudança que visa evitar o abarrotamento do Poder Judiciário, mas também desburocratiza e simplifica o trâmite de atos que versam sobre inventário, partilha, divórcio, separação de fato e extinção de união estável.

Para mais informações, consulte os profissionais da área de Resolução de Disputas e Arbitragem do GSGA.

Poder Judiciário e o Juízo 100% digital: modernidade e desafios

O Código de Processo Civil (CPC) vigente desde 2015 e, também, outras leis (ex. Lei 11.419/2006 – Processo Eletrônico) já tinham trazido inovações no sentido de permitir que alguns atos e procedimentos processuais fossem realizados utilizando meios eletrônicos, tais como audiência de conciliação e mediação, leilão judicial, comunicação entre juízos/tribunais, entre outros. Contudo, até o início da pandemia do Covid-19 o Poder Judiciário não utilizava os meios eletrônicos de forma ampla, tal como permitido pelas normas vigentes.

Esse cenário mudou completa e rapidamente quando, diante do isolamento social, a realização de todos os atos processuais que eram possíveis de serem realizados no formato virtual tornaram-se uma necessidade e foram implementados de forma ágil e eficaz. Ou seja, assim como outros segmentos do mercado nos quais o trabalho remoto era viável, o Poder Judiciário precisou se adaptar rapidamente para não ficar inoperante durante a pandemia. E, via de regra, nesse cenário temporário a percepção dos advogados foi positiva, pois contaram com a atenção, colaboração e transparência dos servidores públicos para que os atos fossem praticados de forma segura, sem prejuízos às partes.

Certamente esse é um caminho sem volta e não há razão para o Poder Judiciário ficar de fora de tal evolução, em especial porque os meios eletrônicos têm a capacidade de acelerar o trâmite processual e de tornar a justiça mais acessível.

Foi nesse cenário de modernização do Poder Judiciário que, em abril de 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) iniciou a implantação do “Programa Justiça 4.0”, que tem como objetivo disponibilizar novas tecnologias para que o sistema judiciário se torne mais ágil, acessível, eficaz e transparente. O Juízo 100% Digital faz parte deste programa.

Dentre os processos que tramitam na Justiça Brasileira, 97% são eletrônicos, ou seja, todas as peças processuais e decisões são protocoladas e ficam disponíveis em sistemas acessados de forma eletrônica (internet) – sendo que, até o momento, 39% das serventias judiciais já implantaram o Juízo 100% Digital¹. A diferença, então, entre um processo regular e aquele que tramitar perante o Juízo 100% Digital é que
neste formato os atos praticados de forma presencial, tais como audiências, intimações pessoais, sustentação oral e realização de algumas provas, por exemplo, passarão a ser realizados exclusivamente por meios eletrônicos.

Importante relembrar que as audiências de instrução e sessões de julgamento estavam sendo realizadas online durante a pandemia em caráter excepcional e temporário, ou seja, com o retorno da atividade presencial nos fóruns e tribunais, esses atos voltarão a ser realizados no formato presencial, o que inclusive já vem se observando em nossos órgãos jurisdicionais. Todavia, essa realidade de atividade presencial não será a prática para aqueles casos em que as partes optarem pelo Juízo 100% Digital.

A adesão ao trâmite processual perante o Juízo 100% Digital é uma opção das partes, ou seja, tanto o autor quanto o réu devem, de forma expressa, informar que estão de acordo com a adesão a esse formato (seja no início ou no curso do processo) e, não havendo consenso mútuo, o processo deverá seguir o trâmite regular. A recusa a essa adesão não precisa ser justificada, pois a norma referente trata como uma faculdade. Além disso, caso a parte queira desistir desse trâmite especial, poderá fazê-lo até a sentença. A adesão não implica alteração da competência, ou seja, em cada vara haverá um seguimento específico para o trâmite processual nesse formato.
Outro ponto importante é que as partes deverão obrigatoriamente informar e-mail e telefone, possibilitando assim receber intimações por esses meios.

Mas nem tudo são flores. Apesar de a nova sistemática ter como intenção garantir uma prática única perante todo o território nacional, observa-se que a sua implantação perante os tribunais e secretarias das varas não está ocorrendo de forma simultânea e nem mesmo uniformizada. Isso já vem causando muitas dúvidas e insegurança aos advogados.

Já houve caso de tribunal que, talvez mais direcionado à implementação “forçada” do Juízo 100% Digital em suas unidades jurisdicionais, determinou a intimação de todos os advogados nos processos em trâmite para informar sobre a possibilidade de adesão ao Juízo 100% Digital, todavia, normatizando que a recusa deveria ser justificada. Tal iniciativa, sem deméritos da finalidade pretendida, pecou ao desrespeitar a normativa do CNJ de que não se faz necessário justificar a eventual recusa.

Noutro caso, as partes foram advertidas pelo magistrado, após terem legitimamente recusado a opção pelo Juízo 100% Digital, de que tal recusa seria contrária à celeridade processual.

Há também situações de audiências realizadas virtualmente que ocorreram de forma conturbada e que causaram prejuízo às partes, seja por conta da qualidade do áudio e vídeo (intercorrências que podem ser comuns e alheias à vontade e conhecimento técnico para resolução rápida pelas partes e pelos serventuários da justiça), seja por conta de problemas na abertura dos links e softwares necessários que não foram previamente instalados e impediram a participação das partes ou testemunhas, sem que o juiz ou serventuários da justiça, por exemplo, tivessem (porque também surpresos com tal intercorrência e despreparados para solucionar a questão) imediatamente intercedido para garantir a eficácia do ato.

Por outro lado, nota-se que não há uniformidade quanto aos procedimentos entre os tribunais, o que também causa insegurança às partes e seus procuradores. Qual sistema para salas virtuais usar (Teams, Zoom, Google Meet, Skype etc.)? Qual o melhor navegador de internet para aquele determinado ato? Mudou o dress code para audiências virtuais? Adentrar à sala virtual de forma antecipada é sinônimo de pontualidade e cautela ou de impontualidade e desrespeito?

E em relação à coleta de depoimento pessoal de testemunha virtualmente? Como garantir que a testemunha, no local em que está, esteja sozinha, garantindo o sigilo daquele ato, inclusive para os fins do art. 385, § 2º do CPC, por exemplo? Como ter a certeza de que não está acompanhada de alguém que a esteja pressionando psicologicamente em detrimento da lisura e imparcialidade do testemunho?

O que dizer, então, da possibilidade prevista pelo Juízo 100% Digital (e que não é exclusividade desta modalidade de tramitação eletrônica) quanto à comunicação de atos às partes e seus advogados por meio do telefone celular ou e-mail? Já se tem notícia de comunicação de atos processuais por meio do whattsapp.

Como garantir o cumprimento efetivo deste ato? E a prova de sua realização, como se dará? Será necessário o registro do ato via ata notarial em cartório para dar maior credibilidade à sua realização (ou se terá aqui a aplicação da teoria da aparência)? Como garantir que o aplicativo eleito para o envio da comunicação judicial às partes e seus advogados estará habilitado e ativo naquele aparelho de telefonia móvel indicado durante todo o trâmite do processo?

Há, evidentemente, mais perguntas do que respostas.

Enfim, crê-se que, muito por conta dessas intercorrências e incertezas (que se pode dizer esperadas na etapa de transição) é que o Juízo 100% Digital, uma vez implementado pelo juízo, será, por força de ato normativo (§ 7º do art. 8º da Resolução nº 345/20, com redação inserida pela Resolução nº 378/21) reavaliado após um ano de sua implementação, podendo o Tribunal optar por sua manutenção,
descontinuidade ou ampliação, o que deverá ser comunicado ao CNJ. Deverão os tribunais, ainda, acompanhar os resultados do Juízo 100% Digital por meio de indicadores de produtividade e celeridade divulgados pelo CNJ.

Da mesma forma, a já comentada necessidade de consenso entre as partes para utilização, a facultatividade e a possibilidade de retratação (em tempo e modo próprios) da opção pelas partes, representam, adicionalmente, importantes indicativos de que a implantação do Juízo 100% Digital será realizada em doses homeopáticas.

Serventuários da Justiça, aplicadores do direito e partes envolvidas no processo precisarão refletir sobre pertinência e viabilidade da utilização do Juízo 100% Digital caso a caso, de forma que se garanta o devido processo legal com todos os direitos e garantias daí inerentes preservados. Estejamos todos atentos a isso.

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¹ https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/projeto-juizo-100-digital/mapa-de-implantacao/

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Novo procedimento de citação das empresas por meio eletrônico

No dia 27/08/2021, a Medida Provisória nº 1.040/2021, conhecida como MP do Ambiente de Negócios, foi sancionada pelo Presidente da República e entrou em vigor como Lei nº 14.195/2021, legislação que, além de diversas inovações societárias, trouxe relevantes alterações no Código de Processo Civil (CPC).

Uma dessas mudanças na lei processual impacta diretamente no dia-a-dia das empresas: o novo procedimento para envio e recebimento de citações.

Agora, como regra, as citações serão preferencialmente enviadas por meio eletrônico e não mais por correspondência ou oficial de justiça, que eram os meios mais utilizados antes da alteração.

Da análise inicial desse comando, entende-se como “meio eletrônico” o endereço eletrônico das empresas, ou seja, as citações serão enviadas por e-mail, o qual necessariamente deverá ser informado no cadastro realizado pela própria empresa.

Assim, tornou-se um dever das partes, de cumprimento obrigatório para todas empresas públicas e privadas (inclusive para as microempresas e pequenas empresas), cadastrar e manter atualizado seu endereço eletrônico (e-mail) para o recebimento de citações perante o Poder Judiciário.

Esse cadastro deverá ser realizado no “banco de dados do Poder Judiciário”, sistema unificado para todos os Tribunais do país, o qual ainda depende de criação e regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Embora esse sistema unificado ainda não tenha sido criado, é fato que as novas regras de citação já estão vigentes, o que exige especial atenção das empresas. Afinal, alguns Tribunais da federação já contam com sistema específico para o cadastramento das empresas, o que permitirá o envio imediato de citações às empresas nessa nova sistemática.

Importante também informar que, após o envio da citação por e-mail, a empresa deverá entrar no sistema ali indicado para confirmar o seu recebimento e informar seu advogado para cômputo do respectivo prazo processual. A ausência de confirmação no prazo estabelecido (3 dias úteis) ou, ainda, a impossibilidade de recebimento de citação nesse formato eletrônico por ausência de cadastro, poderão sujeitar a empresa à multa, que poderá ser fixada em até 5% sobre o valor da causa.

O único modo de a empresa se eximir da multa será justificar no processo o motivo que impossibilitou sua citação pela maneira eletrônica e ainda não há como prever quais justificativas serão aceitas pelo Poder Judiciário; porém, falta de organização interna e ausência de cadastro do e-mail provavelmente não serão aceitas como excludentes da multa.

Portanto, é de grande importância que as empresas se organizem para realizar, tão logo seja possível, o cadastro de seus endereços eletrônicos nos Tribunais que estejam dentro de sua área de atuação, destacando um e-mail único para centralizar o recebimento das citações, bem como definam e orientem uma equipe específica para um controle periódico eficiente.

Em resumo, as alterações trazidas pela Lei nº 14.195/2021 poderão ser benéficas no sentido de promover a celeridade dos processos e do funcionamento do Poder Judiciário em geral (o que beneficia a todos). Contudo, as mudanças exigem a atenção das empresas para promover (i) a realização de cadastros nos Tribunais pátrios, (ii) sua atualização constante e (iii) novas rotinas de controle interno de recebimento de citações, sob pena de sofrer prejuízos processuais e sanção (multa).

 

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