A proteção desejada pelos contribuintes

Em março de 2022, foi apresentado na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Complementar nº 17 que tem como objetivo criar um Código de Defesa direcionado aos Contribuintes. Após a aprovação do Requerimento nº 790/2022, o projeto passou a tramitar em regime de urgência e, em que pese tenha sido pautado para votação, ainda não foi analisado pelo plenário da Câmara. Apesar disso, já recebeu duas propostas de modificações, amparadas em discussões realizadas na Comissão de Finanças e Tributação.

O projeto visa uniformizar a nível nacional regras de proteção aos contribuintes, já que as normas existentes não possuem assimetria na aplicação dos direitos.

As alterações propostas abarcam normas previstas no Código Tributário Nacional e em leis federais de cunho tributário, como a Lei nº 6.830/1980, a Lei nº 10.522/2002 e a Lei nº 13.988/2020. A intenção dos autores é elaborar um código aplicável a todos os entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). Caso aprovada, os Estados que já possuem códigos de defesa do contribuinte terão que readequar seus textos ao disposto no PLP nº 17/2022, de modo a unificar os procedimentos.

Importante destacar que essa unificação não se refere somente ao processo tributário ou às normas tributárias de direito material, mas também aos sistemas de gestão processual, às políticas de solução de conflitos ou portais das fazendas com informações claras e fáceis de serem interpretadas pelo contribuinte.

A norma proposta visa criar princípios norteadores para atuação das fazendas estatais, municipais, distrital e nacional na atividade fiscalizatória e na cobrança do crédito tributário. Essa é a diferença desse projeto em relação à PEC 110 e à PEC 45/2019, que tratam dos tributos em si.

Outra mudança objeto da proposta diz respeito à quantificação da prestação de serviços pelos membros fazendários para fins de cálculo e concessão de bônus. A intenção não é beneficiar apenas o erário, com a lavratura de diversos autos de infração ou lançamento de créditos, mas também a satisfação dos contribuintes, os quais alimentam a máquina pública com a arrecadação tributária.

Outra questão que pode ser observada no texto original e em seus substitutivos é que boa parte das questões trazidas são objeto de discussão nos âmbitos judiciais ou administrativos.

Ademais, vale ressaltar alguns pontos apresentados na proposta e em seus substitutivos:

• Apresentação de provas em processos administrativos: o texto possibilita que o contribuinte apresente prova ou documento relacionado ao caso, a qualquer momento, sempre que referentes às questões a serem impugnadas;

• Suspensão de prazos do CPC/15: o texto prevê que os prazos de processos administrativos fiscais deverão seguir a mesma regra de contagem do CPC/15, ou seja, a contagem deve ocorrer em dias úteis. Os prazos dos contribuintes também seguirão suspensos entre os dias 20 de dezembro a 20 de janeiro. Nesse caso, a suspensão não se aplica às fazendas, em atenção à urgência que é necessária na resposta dos pedidos dos contribuintes;

• Garantia dos débitos: com a necessidade de estimular a garantia dos valores devidos, a proposta equipara a garantia com o pagamento. Dessa forma, os contribuintes podem garantir o débito e incluir os valores no parcelamento sem necessidade de efetuar o pagamento integral, mas apenas garantindo-o e obtendo os descontos inerentes a esse tipo de pagamento, tal como se tivesse efetuado o pagamento integral. O projeto também permite a substituição do depósito em dinheiro por outras modalidades, como a fiança bancária, o seguro garantia ou o bem penhorável. Nos casos em que houver custos para o contribuinte e este sair vencedor da demanda, as despesas incorridas na contratação da garantia devem ser incluídas na sucumbência da fazenda pública;

• Juro, correção monetária e outros acréscimos: Para induzir a eficiência e a atuação célere no serviço público, a proposta aplica consequências para o silêncio e a mora administrativos. De outro modo, a proposta altera o disposto no Decreto-Lei nº 1.025/69, que dispõe sobre a possibilidade de acrescer 20% do valor devido pelo contribuinte simplesmente por ter tido seu débito inscrito em dívida ativa, para fazer com o valor a ser acrescido seja calculado com base nos percentuais fixados no código processual para as causas em que a Fazenda Pública é parte;

• Embargos à Execução: o projeto equipara o instituto à ação anulatória para não se exigir a apresentação de garantia prevista no art. 16 da Lei nº 6.830/80.

Há destaque também para a previsão de criação de novos incidentes no processo administrativo tributário, como o Incidente de Imputação da Responsabilidade Tributária, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e a Suspensão dos Processos Administrativos em Decorrência de Relevante Controvérsia em Tribunais Superiores.

Por fim, o projeto está aguardando inclusão em pauta para votação pela Câmara dos Deputados e deverá ser remetido, assim que votado, ao Senado Federal. Acredita-se que se o projeto for aprovado, muitas das demandas tributárias que estão em discussão no âmbito judicial ou administrativo serão revistas de forma favorável ao contribuinte.

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Justiça anula multa de empresa notificada eletronicamente

Companhias não tiveram conhecimento de que a via eletrônica havia sido instituída

Decisões judiciais têm cancelado autos de infração sofridos por contribuintes que foram intimados eletronicamente pela Fazenda Estadual de São Paulo a prestar informações ou levantar documentos. Nesses casos, eles não tiveram conhecimento de que a via eletrônica de comunicação havia sido instituída.

Os processos não discutem a legalidade da intimação eletrônica – já definida no Judiciário -, mas o fato de o contribuinte não ter sido notificado de forma efetiva sobre a sua inclusão no Domicílio Eletrônico do Contribuinte (DEC), uma espécie de caixa postal para a comunicação entre as partes.

Recentemente, uma sentença declarou nula a intimação eletrônica promovida pela Fazenda do Estado de São Paulo a um contribuinte e, por consequência, cancelou dois autos de infração, que somavam mais de R$ 1,3 milhão. As autuações tratavam de multa por não apresentação de documentos fiscais no prazo estabelecido pela fiscalização.

A Lei Estadual nº 13.918, de 2009, que instituiu o DEC, prevê que o contribuinte pode se cadastrar para utilizar o meio eletrônico ou ser informado pela Fazenda Estadual sobre sua inclusão. O Fisco, porém, tem usado o Diário Oficial do Estado para notificar, apesar de possuir outros meios – como a notificação pessoal-, o que dificulta o acesso à informação, segundo advogados tributaristas.

No caso analisado pela 13ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, os representantes da empresa, que está desativada, somente foram saber dos autos de infração quando intimados a depor na delegacia fazendária, em dois inquéritos policiais que tratam de embaraço à fiscalização. Isso porque a companhia não teria apresentado os documentos solicitados pelo Fisco, nos livros contábeis e fiscais referentes aos anos de 2010 e 2011.

Porém, segundo o advogado que representou a empresa no processo, Perisson Andrade, do Perisson Andrade, Massaro, Salvaterra Advogados, ela não tinha sido validamente intimada da falta de entrega de tais documentos, “tendo a fiscalização, ao contrário, sido encerrada à época sem a lavratura de nenhum auto de infração e sem a cobrança de um centavo de imposto”. Por isso, entraram com ação judicial alegando que sua defesa tinha sido prejudicada.

O Fisco alegou ter notificado o contribuinte pelo correio de que teria que acompanhar eletronicamente o processo. Porém, nem a empresa nem seu representante legal estavam mais nos endereços utilizados. Então, resolveu notificar pelo Diário Oficial. Ainda argumentou que na data da publicação, em 9 de agosto de 2013, a empresa ainda estava ativa.

“A Fazenda não tentou o endereço efetivo do sócio. O contribuinte não estava em local incerto e não sabido para ser notificado por edital. Tanto que a polícia o encontrou sem dificuldades”, diz o advogado Perisson Andrade.

Ao analisar o caso (processo nº 1002198-67.2019.8.26.0053), a juíza Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi entendeu que o contribuinte foi credenciado no DEC de ofício. “Com efeito, dentre os meios elencados pela lei para dar publicidade ao ato, essa deveria ser a última opção, sobretudo considerando-se as graves consequências obrigacionais que implica ao sujeito passivo tal como, no caso, a inscrição do débito na dívida ativa e o seu protesto”, afirma na decisão.

Ainda acrescenta que, diante da boa-fé do contribuinte, “espera-se que a administração pública aja dentro da lealdade e moralidade, não sendo razoável exigir da requerente que esperasse e presumisse a alteração repentina da via eleita de comunicação”. Por fim, citou precedente semelhante do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo nº 1044565-83.2016. 8.26.0224). A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) já recorreu da decisão.

Com base na sentença, Andrade conseguiu suspender as ações criminais no Superior Tribunal de Justiça (STJ), até o trânsito em julgado (quando não couber recurso) do processo tributário (AgResp 1291.190).

Para o advogado Frederico Pereira Rodrigues da Cunha, sócio no Gaia Silva Gaede Advogados, a sentença está correta por preservar o contribuinte de boa-fé. Ao não ter conhecimento de que a comunicação agora se daria eletronicamente, acrescenta, ele sofreu graves consequências, como a imposição de multas e até mesmo abertura de processo criminal. “Tudo isso ocorrendo com total desconhecimento da empresa. Uma simples comunicação no Diário Oficial não é razoável”, diz.

POR ADRIANA AGUIAR — DE SÃO PAULO

FONTE: VALOR ECONÔMICO  – 10/12/2019 ÀS 05h01