PLV 21/22 – Os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade das restrições para dedutibilidade de despesas com PAT

Desde a edição da Lei nº 6.321/76, que assegura aos contribuintes o direito de deduzir a integralidade das despesas do PAT na apuração da base de cálculo do IRPJ, o Poder Executivo busca limitar e trazer novos requisitos para o aproveitamento do benefício.

Exemplo dessas restrições são as previsões da Instrução Normativa nº 267/02 e dos Decretos nos 78.676/76, 5/91, 349/91, 9.580/18. Mais recentemente, tivemos as restrições do Decreto nº 10.854/21, vigente desde 11/12/21, e da Medida Provisória nº 1.108/22, que foi convertida no PLV 21/22 e aguarda sanção presidencial para produzir efeitos desde 03/08/22.

Dentre as mudanças no cenário atual, o Decreto nº 10.854/21 prevê que apenas poderão ser deduzidas as despesas com vale-refeição/alimentação: (1) de empregados que recebam até cinco salários-mínimos; e (2) estando limitada a dedução ao valor de, no máximo, um salário-mínimo por empregado, além de (3) condicionar que o benefício do PAT deve ser idêntico para todos os trabalhadores.

O PLV 21/22, por sua vez, em uma tentativa de validar as restrições acima dispostas, dispõe que as deduções do PAT podem ser estabelecidas de acordo com os limites dispostos nos atos infralegais que regulamentam a lei.

Apesar de ainda não ter sido objeto de sanção presidencial, entendemos que o PLV 21/22 não valida os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade dos atos infralegais mencionados, pois:

(i) Tais atos não podem extrapolar o que está previsto em Lei (ofensa aos Princípios da Hierarquia das Normas e da Estrita Legalidade);

(ii) Não se pode delegar a aptidão para instituição e majoração de tributos (ofensa ao Princípio da Indelegabilidade da Competência Tributária); e

(iii) A concessão de incentivos fiscais – como o PAT – somente pode ser feita mediante lei específica (art. 150, §6º, da CF). Via de consequência, a respectiva redução ou extinção também deve estar prevista em lei (art. 2º, §1º, da LINDB).

Vale destacar que o Poder Judiciário já reconheceu como ilegais restrições ao benefício do PAT, como no caso das limitações de “custos máximos por refeição” para dedução de despesas da base de cálculo do IRPJ.

Em razão dos vícios acima mencionados, dentre os quais damos hoje destaque à ilegal exigência de que o benefício do PAT seja idêntico para todos os trabalhadores, vez que referida limitação não tem sido muito percebida pelas empresas, é possível pleitear judicialmente o afastamento da aplicação das limitações trazidas pelos referidos atos infralegais, de forma a observar exclusivamente os requisitos previstos na Lei.

 

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Os indevidos requisitos para dedutibilidade do PAT à luz da MP 1.108/22

Mesmo que eventualmente se entenda como válida a redução do benefício do PAT, tais restrições poderão começar a produzir efeitos somente a partir do exercício de 2023.

Após diversas derrotas sofridas no Superior Tribunal de Justiça ao longo de décadas, como a ilegal limitação do valor da refeição individual¹ e a indevida exigência de dedução do valor do imposto – e não do lucro tributável², uma nova novela envolvendo o benefício de dedução das despesas com o PAT da base do IRPJ foi inaugurada pelo Governo Federal, com a edição do decreto 10.854/21 e da MP 1.108/22.

Antes de se adentrar às novas controvérsias, fazendo uma análise histórica das alterações legislativas envolvendo a matéria, a redação original do art. 1º da lei 6.321/76 previa a possibilidade de as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real deduzirem do lucro tributável “o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base, em programas de alimentação do trabalhador, previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho na forma em que dispuser o Regulamento desta Lei.”

Por sua vez, os artigos 5º e 6º, inciso I, da lei 9.532/97 estabeleceram que a referida dedução não poderia exceder a 4% do imposto de renda devido.

Contudo, o decreto 10.854/21 limitou a dedução prevista nas leis 6.321/76 e 9.532/97 ao dispor que: (1) sua aplicação se restringe somente aos trabalhadores que recebam remuneração de até 5 salários-mínimos; e (2) sua limitação a, no máximo, um salário-mínimo por funcionário (art. 186 do decreto).

Tais restrições, por serem oriundas de decreto, nasceram com vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade. Ilegais porque resultam em uma majoração indireta da carga tributária das empresas, o que, nos termos do art. 97, II, do CTN, só poderia ocorrer mediante Lei; e inconstitucionais porque afrontam diretamente o princípio da legalidade (art. 150, I, da CF/88) e da anterioridade do exercício (art. 150, III, “b”, da CF/88).

Ocorre que, a partir da edição da MP 1.108/22 – publicada em 25/3/22 -, pairou a dúvida aos contribuintes a respeito da eventual supressão dos vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade contidos no decreto 10.854/21. Isso porque, a referida Medida Provisória alterou a redação do art. 1º da lei 6.321/76, passando a estabelecer que as deduções do PAT poderiam ser limitadas por meio de eventuais decretos regulamentadores da lei.

Em que pese um dos objetivos da referida Medida Provisória seja uma tentativa de validar as limitações previstas no decreto 10.854/21, entendemos que os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade persistem, quando menos durante o exercício de 2022. Explica-se.

O art. 150, § 6º, da CF/88, determina que a concessão de benefícios e incentivos fiscais – como o benefício do PAT – somente poderá ser feita mediante lei específica e, via de consequência, a respectiva redução ou extinção dar-se-á obrigatoriamente somente por meio de lei (art. 2º, § 1º, da LINDB), impedindo sua mitigação por meio de decreto.

E mesmo que equivocadamente entenda-se que a referida Medida Provisória autorizou a mitigação do benefício do PAT feita pelo decreto 10.854/21, tal autorização contraria a jurisprudência uníssona do STF que “não admite o fenômeno da constitucionalidade superveniente. Por essa razão, o referido ato normativo, que nasceu inconstitucional, deve ser considerado nulo perante a norma constitucional que vigorava à época de sua edição.”³

Ou seja, como à época da edição do decreto 10.854/21 inexistia norma legal autorizando a limitação à dedutibilidade das despesas do PAT por meio de ato infralegal, a posterior edição da MP 1.108/22 não tem o condão de convalidar as mencionadas restrições feitas pelo decreto, prevalecendo a necessidade da edição de novo ato infralegal.

De outro modo, caso o Poder Executivo venha a editar novo decreto sob a égide da MP 1.108/22 – que, supostamente, autorize a redução do benefício – também estará eivado de inconstitucionalidade, por contrariar a indelegabilidade da competência tributária, visto que é vedada a delegação da aptidão para instituição e majoração de tributos, como reconhecido pelo STF no julgamento da ADIn 1296⁴.

De toda forma, mesmo que eventualmente se entenda como válida a redução do benefício do PAT, o que de fato não esperamos, como há majoração indireta da carga tributária, tais restrições poderão começar a produzir efeitos somente a partir do exercício de 2023, visto que a norma que acarretar o aumento do IRPJ deverá observar o princípio da anterioridade anual (art. 150, III, “b”, e 62, § 2º, da CF/88).

Em caso semelhante, o Tribunal Pleno do STF consolidou o entendimento de que “nas hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais que acarretem majoração indireta de tributos, a observância das espécies de anterioridade deve também respeitar tais preceitos”

Como é possível notar, a principal alteração da MP 1.108/22 esbarrará nas limitações impostas pelos princípios constitucionais tributários, assim como na jurisprudência consolidada do STF, motivo pelo qual persiste a ilegalidade e inconstitucionalidade das restrições previstas no decreto 10.854/21 acerca da dedutibilidade das despesas com o PAT da base de cálculo do IRPJ, além da flagrante violação à anterioridade pela cobrança durante o exercício de 2022.

Por fim, destacamos que o Congresso Nacional ainda está analisando eventual conversão em lei da Medida Provisória 1.108/22. Caso a conversão ocorra, iniciará uma nova discussão sobre a sua constitucionalidade, cabendo ao Poder Judiciário novamente decidir o desfecho dessa reiterada novela.

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¹ REsp n. 157.990/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, J. 18/03/04, P. 17/05/04

² EDcl no AgInt no REsp n. 1.971.496/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, J. 23/05/22, P. 26/05/22

³ ARE 683849 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, J. 09/09/16; P. 29/06/16. No mesmo sentido: ADI 4596, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, J. 06/06/18, P. 23/07/20.

⁴ ADIn 1296 MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, J. 14/06/95, P. 10/08/95; RE 648245, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, J. 01/08/13, P. 24/02/14.

⁵ RE 564225 AgR-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Rel. p. Acórdão Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, J. 13/10/20, P. 16/12/20.

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

A Medida Provisória nº 1.108/22 e as alterações ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)

No dia 28/03/2022, foi publicada a Medida Provisória n° 1.108/2022, que modificou alguns dispositivos da Lei n° 6.321/1976, introduzindo novas regulamentações relacionadas ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

Com relação às mudanças trazidas, destaca-se que a MP a nº 1.108/2022 trouxe expressa delegação de competência para a regulamentação da Lei nº 6.321/1976 por meio de Decreto. Esta era uma das principais fragilidades das diversas tentativas de regulamentação da dedutibilidade do PAT anteriormente efetuadas pelo Governo e pela Receita Federal.

Ainda, a referida MP trouxe que as importâncias destinadas ao PAT “deverão abranger exclusivamente o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares e a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais”, o que poderia levar à intepretação mais restritiva por parte da Receita Federal de que não seriam aplicáveis os benefícios do PAT aos casos de cozinha própria. A este respeito, existem bons argumentos de defesa para que os gastos com cozinha própria sejam enquadrados como “estabelecimentos similares”.

No mais, trouxe as previsões que já constavam no artigo 175 do Decreto nº 10.854/21, acerca da impossibilidade das pessoas jurídicas beneficiárias em exigir ou receber (i) qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado; (ii) prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores; ou (iii) outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador, no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.

Outra mudança trazida pela MP 1.108/22 refere-se à execução inadequada do contrato, prevendo aplicação de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), aos desvios ou desvirtuamentos das finalidades do auxílio-alimentação, podendo essa penalidade ser aplicada em dobro nos casos de reincidência.

 

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Decreto 10.854/21 – Ilegalidade dos novos requisitos para dedutibilidade de despesas com PAT

Em 11/11/21, foi publicado o Decreto nº 10.854/21 que, dentre outras mudanças, alterou o art. 645 do RIR/2018 para limitar e trazer novos requisitos para dedutibilidade das despesas do PAT (Programa de Alimentação ao Trabalhador) da base de cálculo do IRPJ, para as empresas optantes do Lucro Real. Tais modificações começarão a valer 30 dias após a publicação do referido Decreto, ou seja, a partir de 11/12/21.

Dentre as mudanças, o Decreto prevê que apenas poderão ser deduzidas as despesas com vale-refeição/alimentação: (1) de empregados que recebam até cinco salários-mínimos; e (2) estando, limitada a dedução ao valor de, no máximo, um salário mínimo por empregado.

Entendemos que tal alteração é ilegal, pois contraria o disposto na Lei nº 6.321/76 que assegura aos contribuintes o direito de deduzir a integralidade das despesas do PAT na apuração da base de cálculo do IRPJ, sem os requisitos trazidos de forma inovadora pelo Decreto nº 10.854/21.

Em outras oportunidades, o Poder Judiciário já reconheceu como ilegais restrições impostas pela Portaria Interministerial MTB/MF/MS nº 326/77 e pela IN SRF nº 143/86, as quais, em descompasso com a Lei nº 6.321/76, inovaram no ordenamento jurídico para estabelecer limitações de “custos máximos por refeição” para dedução de despesas do PAT da base de cálculo do IRPJ.

O STJ possui jurisprudência pacífica de que tais atos são ilegais, tendo, inclusive, sido editado ato pela PGFN no qual dispensou a Fazenda Púbica de recorrer nestes casos (Parecer PGFN/CRJ/Nº 2623/08 e Ato Declaratório PGFN Nº 13/08).

Como o Decreto 10.854/21 também trouxe limitações a dedução do PAT não previstas em lei, entendemos que se aplica o mesmo entendimento fixado pelo STJ no julgamento do caso análogo acima indicado.

Em razão da clara ilegalidade é possível impetrar Mandado de Segurança para afastar, desde já, a aplicação das limitações trazidas pelo referido Decreto, observando exclusivamente os requisitos previstos na Lei.

 

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