O futuro do ICMS nas transferências entre estabelecimentos

O tema deste artigo não é novo: desde a década de 70 a doutrina já defendia que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não deveria incidir sobre as operações de transferências entre estabelecimentos da mesma empresa. Em 1996, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula nº 166, pacificando que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. Em 2010, no rito dos recursos repetitivos, esse entendimento foi confirmado no REsp nº 1.125.133 (Tema nº 259). Apenas em 2020 o Supremo Tribunal Federal consolidou seu entendimento, também no mesmo sentido, em sede de repercussão geral do ARE nº 1.225.885 (Tema nº 1.099).

Apesar de consolidada a jurisprudência, permanecia vigente a previsão da Lei Complementar (LC) nº 87/96 (Lei Kandir) que, de maneira genérica, exigia o ICMS em operações dessa natureza (artigo 12, I) e os estados, da mesma forma, mantinham essa cobrança em suas legislações.

Desse modo, os contribuintes que pretendessem contestar essa exigência poderiam buscar o Poder Judiciário, o que, via de regra, ocorria em casos específicos, a exemplo das transferências envolvendo bens integrantes do ativo imobilizado; por outro lado, as empresas que pretendessem submeter suas transferências ao regime de débito e crédito, especialmente de mercadorias destinadas à venda ou à industrialização, encontravam amparo nas legislações estaduais, razão pela qual estruturaram suas operações sob tal premissa.

Em meio a esse cenário, o estado do Rio Grande do Norte decidiu pacificar as relações Fisco e contribuinte, nos termos das legislações em vigor, uniformizando os procedimentos e evitando derrotas perante o Poder Judiciário. Para isso, valeu-se da ação direta de constitucionalidade (ADC), pretendendo fossem julgadas constitucionais as normas que sustentam a cobrança de ICMS nas transferências.

Qual o motivo, então, para tanta preocupação do mercado com o conteúdo da decisão do Plenário do STF na ADC nº 49? É que a sua repercussão, na forma estabelecida pela Suprema Corte, é deveras desastrosa para os contribuintes que regularmente praticavam operações de transferência de mercadorias entre as unidades da federação, na medida em que a jurisprudência foi mantida por meio da recente decisão. O conteúdo assume caráter impositivo e se sobrepõe às disposições da LC que pudessem alicerçar o crédito do imposto pelo estabelecimento destinatário da mercadoria transferida.

Com isso, mais do que reiterar que “não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte”, na ADC nº 49 o Plenário do Supremo declarou inconstitucionais algumas previsões da Lei Kandir relacionadas ao tema, inclusive a norma de que “é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular” (artigo 11, §3º, II). O STF também declarou inconstitucional o trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” (artigo 12, I) e o §4º do artigo 13, que trata da base de cálculo nas operações entre estabelecimentos do mesmo titular.

Juridicamente, a declaração de inconstitucionalidade pelo STF tem o efeito de excluir uma norma do ordenamento jurídico. Por isso a ADC nº 49 é um divisor de águas: a Suprema Corte invalidou, com efeitos gerais (erga omnes), artigos da Lei Kandir que eram o alicerce das legislações estaduais que previam a exigência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos.

Os efeitos desta ruptura ainda são incertos. Embora os votos até o momento prolatados pelos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso tenham sinalizado que a Suprema Corte resguardará os direitos dos contribuintes, a exemplo da manutenção dos créditos de ICMS nas transferências, outras questões importantes devem ser observadas, como a preservação de benefícios fiscais que dependam da atual sistemática de tributação de crédito e débito, evitando-se desequilíbrio na cadeia, bem como o orçamento dos estados para que não sofram impactos com a decisão.

 

O que “está em jogo” na ADC nº 49
Em 19 de abril deste ano, o Plenário do STF, por unanimidade, julgou improcedente o pedido formulado na ADC nº 49, no sentido de declarar inconstitucionais o inciso II, do §3º, do artigo 11, que versa sobre a autonomia dos estabelecimentos; o trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” constante do inciso I do artigo 12; bem como o §4º do artigo 13 que trata da base de cálculo nas operações com estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular.

O ponto crucial que abraça a temática da ADC nº 49 diz respeito à não cumulatividade nas transferências entre filiais, especialmente naquelas operações envolvendo mais de um estado. Assim, ao definirmos que a transferência entre filiais é operação alheia à incidência do ICMS, trazemos à tona dois questionamentos concomitantes: como ficam os créditos do estabelecimento remetente e como ficam os débitos do estabelecimento destinatário? Ademais, é de se pensar nos impactos diretos na fruição dos benefícios fiscais dos contribuintes, além dos impactos indiretos quanto ao conceito da autonomia dos estabelecimentos.

Para se ter noção da relevância, cite-se a análise econômica realizada por meio do parecer acostado aos autos da ADC nº 491, estimando-se que 40% das transações dos centros de distribuição das empresas varejistas estejam relacionadas a transferências interestaduais entre estabelecimentos de uma mesma empresa. Além disso, existe uma projeção de que haverá uma perda anual de créditos tributários, com base no faturamento de 2019 das dez maiores varejistas do Brasil, de aproximadamente R$ 234 bilhões, decorrentes de eventual acúmulo de crédito do ICMS.

 

Atual estágio da ADC nº49 e possíveis desdobramentos do tema
Considerando as consequências da decisão proferida em abril, na ADC nº 49, o estado do Rio Grande do Norte opôs embargos de declaração, pleiteando esclarecimentos acerca: 1) dos créditos de ICMS do estabelecimento remetente; 2) da validade do princípio da autonomia dos estabelecimentos para além das transferências; e 3) da data de produção de efeitos da decisão (modulação de efeitos), para que seja a partir do ano de 2022, garantindo a validade das operações não contestadas até 19 de abril deste ano.

Esses embargos de declaração começaram a ser julgados no dia 8 de outubro, quando o ministro relator Edson Fachin apresentou seu voto, que foi acompanhado integralmente pelos ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia. Em seguida, votou o ministro Luís Roberto Barroso, que acompanhou o relator com pequenas divergências.

Os votos apresentados até então defendem a modulação de efeitos da decisão a partir do próximo exercício financeiro (2022), bem como a manutenção dos créditos de ICMS nas transferências entre estabelecimentos da mesma empresa.

Outra preocupação demonstrada pelo STF nos votos proferidos até o momento se relaciona à possível inviabilidade da manutenção dos benefícios fiscais e seus impactos imediatos. Isso se deve ao fato de que os benefícios costumam se apresentar de diversas formas, a exemplo de créditos presumidos e diferimento do ICMS, cujo pressuposto é a saída submetida à incidência do ICMS.

Ademais, muitos benefícios fiscais possuem como contrapartida o incremento na arrecadação do ICMS, assim como o cumprimento de percentuais mínimos de operações interestaduais. Dessa forma, o afastamento da incidência do imposto nas transferências entre filiais poderia resultar na inaplicabilidade de diversas benesses.

Em 19 de outubro, o ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos, o que suspendeu o julgamento dos embargos de declaração, sem data prevista para retomada. Se não concluído o julgamento neste ano, a modulação para 2022 deferida nos votos acima restaria prejudicada, podendo passar para o ano de 2023, como, aliás, já é requerido ao STF pelo Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados (Ofício Comsefaz nº 185/2021).

No âmbito do Confaz, representantes dos órgãos fazendários têm manifestado que estão aguardando a conclusão da ADC nº 49 para verificar possíveis providências quanto à instituição de um convênio de ICMS que trate sobre o tema da transferência entre filiais.

Vale rememorar que a Constituição Federal determina que cabe à lei complementar disciplinar o regime de compensação do ICMS (artigo 155, §2º, XII, “c”). Ou seja, a princípio, apenas uma lei complementar nacional teria o condão de definir a transferência dos créditos ao estabelecimento destinatário.

Sob o ponto de vista legislativo, foi apresentado o PLP 148/2021, que traz proposição para alterar o inciso II do artigo 12 da Lei Kandir, suprimindo o trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, acrescentando dois novos parágrafos a este dispositivo (§§4º e 5º) com a finalidade de garantir a manutenção integral do crédito tributário em favor do contribuinte que promove a transferência. Alternativamente, esses novos parágrafos autorizam o contribuinte a fazer o destaque do ICMS na saída de seu estabelecimento, viabilizando o aproveitamento do crédito tributário pelo estabelecimento destinatário.

Diante desse cenário, para evitar novas disputas judiciais e um agravamento da insegurança jurídica, é ideal que os pontos cruciais da ADC nº 49 sejam integralmente solucionados pelo STF — especialmente as dúvidas quanto à manutenção dos créditos de ICMS e os reflexos dessa decisão sobre os benefícios fiscais do imposto.

Além disso, a modulação de efeitos da decisão revela-se uma medida indispensável para que os contribuintes e o poder público possam se adequar a esse novo cenário. A modulação a partir de 2022 não parece suficiente para esse fim, sendo necessária a postergação de efeitos, no mínimo, para o ano de 2023.

Após a decisão do STF, espera-se que o poder público — sobretudo por meio do Confaz e do Poder Legislativo — adote medidas de respeito e harmonia à decisão da Suprema Corte, de modo a não gerar mais incertezas e instabilidades quanto ao tema.

Por fim, caso o desfecho deste assunto provoque prejuízos às empresas, por exemplo, prejudicando a manutenção dos créditos de ICMS ou inviabilizando benefícios fiscais concedidos por prazo determinado ou com a exigência de contrapartidas (investimentos, ampliação de empreendimento econômico, contratação de funcionários), é possível buscar a tutela do Poder Judiciário para reparar ilegalidades ou inconstitucionalidades, hipótese que deverá ser avaliada oportunamente, a depender dos desdobramentos no âmbito da Suprema Corte.

 

*Artigo postado originalmente no ConJur.

STF e a não cumulatividade do PIS e da Cofins

Há quase 03 anos, presenciávamos a finalização do julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170, tema 779, sob rito dos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por maioria de votos, consolidou o entendimento da Corte acerca dos critérios de essencialidade e relevância para fins do aproveitamento dos créditos de PIS e Cofins, oportunidade em que foi declarada a ilegalidade das Instruções Normativas SRF 247/2002 e 404/2004.

Apesar de o resultado preliminar ter sido considerado uma vitória aos contribuintes, a discussão ainda não foi encerrada, tendo em vista a interposição de Recurso Extraordinário (RE) que pleiteou o sobrestamento dos autos até o julgamento do RE 841.979, tema 756 da repercussão geral, a ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O tema 756 retomou a atenção dos contribuintes após ser pautado para julgamento no início de outubro de 2021; entretanto, após pedido da empresa autora do leading case, os autos foram retirados de pauta e aguardam nova inclusão.

A discussão abarcada nos autos do RE 841.979 reveste-se de extrema relevância e sua conclusão pode, inclusive, alterar os rumos traçados pelo REsp 1.221.170. Isso porque, enquanto naquele caso o STJ discutia a melhor interpretação para o termo “insumo”, consoante o inciso II do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, neste caso, o STF apreciará justamente a constitucionalidade dos referidos dispositivos à luz da interpretação do parágrafo 12 do artigo 195 da Constituição Federal.

O leading case do tema 756 refere-se a mandado de segurança, impetrado por empresa dedicada à industrialização e à comercialização de bens de consumo, que busca o reconhecimento do direito ao aproveitamento de créditos de PIS e Cofins sobre todas as aquisições de bens e serviços, dentre as quais os dispêndios com publicidade, propaganda, intermediação, corretagem, despesas financeiras, mão-de-obra, vigilância, entre outros – inclusive, aqueles não tributados na etapa anterior.

Segundo a argumentação do contribuinte, o parágrafo 12 do artigo 195, instituído por meio da Emenda Constitucional 42/2003, autorizou, em plano constitucional, a criação da sistemática não-cumulativa das contribuições sociais, que já havia sido introduzida pelas Medidas Provisórias 66/2002 e 135/2003 (convertidas posteriormente nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003), em sede das quais foram especificadas as regras a serem aplicadas pelas pessoas jurídicas (industriais, comerciais e prestadoras de serviço) que a este regime se sujeitariam.

Ocorre que o constituinte conferiu ao legislador infraconstitucional exclusivamente a prerrogativa de definir os setores de atividades que se sujeitariam à sistemática da não-cumulatividade. Porém, a partir das mencionadas leis, foram impostas, em seu artigo 3º, efetivas restrições aos créditos de PIS e Cofins, em medida flagrantemente inconstitucional.

O parecer da Procuradoria-Geral da República, por sua vez, defendeu o não conhecimento do RE 841.979, solicitando que os autos sejam julgados pelo Superior Tribunal de Justiça como recurso especial e, subsidiariamente, pleiteou que fosse fixada tese no sentido de que a não-cumulatividade do PIS e da Cofins pode ter seus contornos definidos pela legislação infraconstitucional, conforme autorização do parágrafo 12 do artigo 195 da CF, e que o modelo instituído pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 deve ser interpretado tomando-se como parâmetro a base de cálculo dos tributos, isto é, a receita ou o faturamento[1].

Entretanto, a interpretação da União não pode prevalecer, sob risco de se colocar em xeque a própria exegese constitucional da não-cumulatividade do PIS e da Cofins, além de transgredir importante princípio da isonomia tributária.

Para entendermos melhor a controvérsia e a sua importância ao cenário jurídico atual, devemos fazer uma breve regressão ao regime não-cumulativo das contribuições no ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme anteriormente mencionado, o regime não-cumulativo do PIS e da Cofins, instituído na forma da Emenda Constitucional 42/2003, outorgou ao legislador infraconstitucional a competência estrita para que pudesse definir para quais setores econômicos seria possível a aplicação desta sistemática.

Com isso, o objetivo pretendido no parágrafo 12 do artigo 195 foi alcançado por meio do artigo 8º da Lei 10.637/2002 e do artigo 10 da Lei 10.833/2003, que arrolaram as empresas (e receitas) que estariam fora da sistemática não-cumulativa da incidência do PIS e da Cofins. Assim, ao contrário do que objetiva a União, não caberia ao legislador, especialmente com fulcro no dispositivo em referência, delimitar os critérios da não-cumulatividade inerentes ao PIS e à Cofins.

O princípio da não-cumulatividade do PIS e da Cofins visa a evitar a incidência em cascata das contribuições sociais para desonerar os setores empresariais abrangidos por essa sistemática, de modo a fazer com que cada agente da cadeia arque com seu ônus apenas sobre o valor agregado ao produto. O objetivo é permitir que todo e qualquer dispêndio que viabilize o faturamento seja passível de aproveitamento, calculado sobre valores relativos a custos e despesas operacionais em geral (sistemática “base contra base”).

A sistemática “base contra base” é o que viabiliza que o contribuinte apure créditos à alíquota global de 9,25%, ainda que adquira de fornecedor que esteja sujeito ao regime cumulativo ou ao Simples Nacional, fato que justifica, inclusive, o aproveitamento de créditos quando as aquisições não tenham sofrido tributação. Vale rememorar que, à época da instituição da sistemática não-cumulativa do PIS e da Cofins, a própria Receita Federal do Brasil era assente nesse sentido[2].

Assim, temos que o princípio da não-cumulatividade do PIS e da Cofins é pleno. Portanto, a limitação do alcance da não-cumulatividade do PIS e da Cofins introduzida pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, por arbitrar quais custos e despesas são passíveis ou não de crédito e, ainda, vinculá-los ao processo produtivo ou de prestação de serviços, é diametralmente contrária à determinação constitucional.

A intenção do constituinte ao permitir a sistemática da não-cumulatividade do PIS e da Cofins foi o de conferir maior eficiência econômica, visando corrigir distorções decorrentes da cobrança cumulativa dos tributos em determinados setores. Entretanto, a partir de estudos econômicos, na forma como atualmente são aplicadas, as alíquotas efetivas do PIS e a Cofins não-cumulativos representam maior onerosidade do que aquelas do PIS e Cofins do regime cumulativo, inclusive, com impactos econômicos distintos dentro do próprio regime não-cumulativo, a depender do setor da atividade.

Tal desequilíbrio é perfeitamente ilustrado pela recente vitória de contribuinte que teve o direito ao crédito das contribuições sobre despesas com proteção de dados, derivadas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), reconhecido pela Justiça Federal de Campo Grande – MS[3], cujo entendimento enquadrou tais dispêndios como “insumos” incorridos por “imposição legal”. Neste caso, a empresa conta com uma linha produtiva em meio à sua principal atividade comercial, fato que afastou a discussão sobre a possibilidade de empresas comerciais descontarem créditos sob a rubrica de insumos.

As demais empresas comerciais, cuja sujeição às mesmas regras de proteção de dados também é obrigatória, não detêm o mesmo direito de aproveitamento dos créditos, de modo que são colocadas em nítida desvantagem perante as empresas industriais por sofrerem uma aplicação mais onerosa da incidência do PIS e da Cofins.

Outro exemplo é a Solução de Consulta Cosit nº 164/2021, em que a RFB reconhece o direito ao crédito de despesas relacionadas à proteção contra a Covid-19 (máscaras de proteção, álcool em gel, luvas) pelo enquadramento como insumos, mas apenas quando destinadas aos funcionários da área produtiva. Ora, sendo a Covid-19 uma pandemia de impactos globais, não só as indústrias foram obrigadas (por lei, inclusive) a aderirem a medidas de prevenção e combate à doença, a despeito de que, na sistemática atual, apenas estas empresas podem descontar créditos sobre tais despesas.

Todas as vitórias dos contribuintes nessa seara se deram sob a ótica da interpretação da legislação infraconstitucional; contudo, apenas o STF tem a prerrogativa de julgar pela sua inconstitucionalidade. Dessa forma, o resultado do RE 841.979 pode ser um verdadeiro divisor de águas na temática da não-cumulatividade dessas contribuições sociais.

Em outras palavras, o julgamento do RE 841.979 tem o poder de trazer equilíbrio e isonomia aos contribuintes, caso o resultado se dê pela inconstitucionalidade do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 à luz do parágrafo 12 do artigo 195 da Constituição Federal. Com isso, os contribuintes poderão creditar-se de todos os dispêndios incorridos na atividade empresarial que contribuam para a geração de receitas, dando maior eficácia àquilo que se buscou ao se instituir este regime tributário.

Então, só nos resta aguardar o desfecho desta que parece ser a tese, não apenas do século, mas do milênio, dada a magnitude de seu impacto tanto para os contribuintes, como para a União.

[1] “A não cumulatividade incidente quanto às contribuições sociais ao PIS e à Cofins pode ter seus contornos definidos pela legislação infraconstitucional, conforme autorização constante do art. 195, § 12, da Constituição da República, com a redação conferida pela EC 42/2003. O modelo instituído pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2033 deve ser interpretado tomando-se como parâmetro a base de cálculo dos tributos em análise (i.e., a receita ou o faturamento, consoante o art. 195, I, b, da Lei Maior após a EC 20/1998).”

[2] “EMENTA: CRÉDITOS. INSUMOS. A pessoa jurídica terá direito ao desconto de crédito relativo ao PIS/Pasep, decorrente da aquisição de matéria-prima utilizada como insumo na fabricação de seus produtos, mesmo que não tenha havido a incidência da referida contribuição na operação de compra do insumo.” (Solução de Consulta nº 02, de 13 de janeiro de 2004).

[3] Mandado de Segurança nº 5003440-04.2021.4.03.6000

 

*Artigo postado originalmente no Estadão.

Decisão do STF do Tema 962: Qual seu impacto para a não tributação do PIS e da COFINS sobre os juros de mora no indébito tributário?

Como todos já sabem, quando ocorre a recuperação de um tributo pela empresa, sobre a parcela referente aos juros moratórios há a incidência de 34% a título de IRPJ e CSLL e, a partir de 2015, de 4,65% a título de PIS e COFINS para as empresas que estão no lucro real, vez que a RFB entende que se trata de receitas tributáveis pelos contribuintes.

O STF decidiu que é constitucional a tributação das receitas financeiras pelo PIS e pela COFINS (Tema 939). Com isso, a discussão sobre a não tributação do PIS e da COFINS sobre juros SELIC na repetição do indébito tributário ganhou mais relevância, já que tais juros não são receitas e sim mera recomposição do patrimônio dos contribuintes.

E por falar em relevância, a decisão proferida recentemente pelo STF no Tema 962, que reconheceu a inconstitucionalidade da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros de mora, tais como a SELIC, decorrentes de indébito tributário, reforçou um fundamento para também afastar a tributação dos referidos juros moratórios pelo PIS e pela COFINS.

A decisão entendeu que a natureza destes juros é de danos emergentes, pois decorrem de um ato ilícito que reparará uma perda patrimonial, os juros de mora aplicados sobre o indébito apenas visam “recompor efetivas perdas, decréscimos, não implicando no aumento de patrimônio do credor”.

O entendimento cai como uma luva na discussão quanto a impossibilidade de incidir o PIS e a COFINS sobre os juros de mora decorrentes do indébito tributário.

Isso porque, sendo a receita bruta a base de cálculo do PIS e da COFINS, é certo que os juros de mora decorrentes de indébito tributário, conceituados pelo STF como danos emergentes, também não poderão ser submetidos à tributação de tais contribuições, vez que não configuram receita da empresa.

Acreditamos, assim, que os mesmos conceitos firmados pelo STF no Tema 962 serão aplicados para o PIS e para COFINS, tendo em vista a similitude nos argumentos defendidos em ambas as discussões.

As empresas que conseguirem afastar judicialmente a tributação dos juros moratórios decorrentes do indébito tributário pelo PIS e pela COFINS, terão uma economia de 4,65% sobre referidas parcelas, o que representa uma relevante recuperação tributária para as empresas, especialmente àquelas que obtiveram recentemente o trânsito em julgado de outras teses tributárias, como é o caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.

STF e o reconhecimento da não incidência de IR e CSLL sobre juros Selic

Apesar de todos os impactos negativos que os contribuintes têm sofrido, seja no âmbito de decisões judiciais sobre matérias tributárias ou das mazelas oriundas da circunstância econômica atual, comemora-se mais essa vitória.

O ano de 2020 foi marcado por um aumento dos julgamentos de temas tributários pelo Supremo Tribunal Federal (STF)¹, vislumbrando-se desde então muitos entendimentos concluídos em favor da Administração Tributária, o que se denominou de “reforma tributária silenciosa”², implicando, inclusive, em modificação de alguns temas já pacificados de maneira favorável aos contribuintes.

Contudo, no 24 de setembro de 2021, o Plenário do STF concluiu o julgamento do RE 1.063.187 (Tema 962).  A Corte, por maioria, entendeu pela não incidência do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os juros SELIC recebidos pelo contribuinte na repetição do indébito tributário, cuja tese fixada foi a seguinte: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário.”

Vale destacar que em relação a essa matéria, o Superior Tribunal de Justiça adotava entendimento de que os juros de mora recebidos na repetição de indébito tributário deveriam compor a receita da empresa, portanto, tributáveis pelo IR e pela CSLL, dada à sua natureza de lucros cessantes, em razão da conclusão alcançada pela 1ª Seção no EREsp 1138695 / SC.

Note-se que em momento anterior, o STF já havia adotado no julgamento do Tema 808, a conclusão pela não incidência do imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função, recebidos por pessoa física.

Desde então surgiram especulações se tal posicionamento estampado no âmbito da relação de trabalho poderia ser aplicado também nos casos de indébito tributário, o que restou confirmado, porquanto mantida a coerência no tratamento da incidência tributária sobre os juros Selic.

Apesar da particularidade do Tema 962 em relação ao Tema 808, foram utilizados fundamentos similares, principalmente no que tange à natureza indenizatória dos juros de mora em geral.

Em seu voto, o relator Ministro Toffoli relembrou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em relação à natureza indenizatória dos juros de mora, que os classificava como lucros cessantes – e não como danos emergentes – o que permitiria na ótica daquela Corte a incidência tributária sobre tal cifra.

Apesar de todos os impactos negativos que os contribuintes têm sofrido, seja no âmbito de decisões judiciais sobre matérias tributárias ou das mazelas oriundas da circunstância econômica atual, comemora-se mais essa vitória. Cabe agora aguardar eventual definição sobre modulação dos efeitos ou impactos para recebimento dos valores em discussão por meio de precatórios. Cenas dos próximos capítulos.

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1 “12 anos em 1: o plenário virtual do STF e o furacão de precedentes tributários”

2 Disponível aqui.

3 Disponível aqui.

 

*Artigo postado originalmente no Migalhas.

Empresas correm para aproveitar decisão do STF

Ministros devem finalizar até amanhã o julgamento sobre incidência sobre Selic

Há um corre-corre nos escritórios de advocacia para atender empresas que querem recuperar valores de impostos cobrados sobre a Selic. A causa de todo esse alvoroço é o julgamento que ocorre no Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros têm até amanhã para decidir o tema. Só faltam três votos e já há maioria a favor dos contribuintes.

O pedido das empresas é para que os processos sejam ajuizados, no máximo, até amanhã. Elas temem ser afetadas por uma possível modulação de efeitos. E há razão de esse medo existir: os ministros têm frequentemente optado por essa sistemática nos julgamentos de casos tributários. Quando acontece, só os contribuintes com ações em curso até a data da decisão têm o direito à restituição dos valores que foram pagos a mais ao governo no passado.

Força-tarefa

Os escritórios estão montando uma força-tarefa para dar conta da demanda. Só o WFaria Advogados afirma ter ajuizado dezenas de ações nesta semana. Segundo Leonardo Mazzillo, sócio da banca, o começo do julgamento, com voto do relator, o ministro Dias Toffoli, contrário à cobrança e a sequência de quatro ministros seguindo o mesmo posicionamento deram anônimo às empresas.

A situação se repete no escritório Silva Gomes. O sócio, Luis Augusto Gomes, diz ter entrado com aproximadamente 15 ações durante o julgamento que ocorre no STF.

Há grande demanda também no escritório Gaia Silva Gaede Advogados. A banca já havia alertado os clientes sobre o tema em 2020 e reiterou os avisos antes do início do julgamento. Ana Paula Faria da Silva, sócia do escritório, relata que nem todos haviam se interessado. Depois de cinco votos favoráveis no STF, porém, mudaram de ideia.

Selic

O caso que está no STF envolve uma siderúrgica, a Electro Aço Altona (RE 1063187). A União recorre de decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região que afastou a incidência do Imposto de Renda e da CSLL sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito.

Para o relator, ministro Dias Toffoli, os juros de mora legais visam recompor eventuais gastos a mais que o credor precisa suportar por causa do atraso no pagamento da verba a que tinha direito. O voto foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.

O ministro Gilmar Mendes proferiu um voto diferente. Entende que esse tema não é constitucional e, portanto, não deveria ser julgado na Corte. Frisou, porém, que se os demais mantiverem a análise do mérito, ele também será contrário à cobrança.

 

 

POR BEATRIZ OLIVON

FONTE: Valor Econômico – 23/09/2021 – Brasília

STF reiniciará o julgamento da exclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins

No dia 27/08/2021, o ministro Luiz Fux, formalizou pedido de destaque e interrompeu o julgamento do RE 592616 perante o Plenário virtual do STF, ocasisão em que se discutia a tese sobre a exclusão do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) da base de cálculo das contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Antes do mencionado pedido de destaque, os ministros da Corte estavam divididos quanto à referida tese jurídica e o julgamento virtual estava empatado em 4 x 4. Agora o julgamento será reiniciado perante o Plenário presencial do STF com a possibilidade de alteração dos votos anteriormente proferidos e sob a relatoria do ministro Nunes Marques, sucessor do ministro aposentado Celso de Mello (art. 38, IV, A, do Regimento Interno do STF).

Aliás, registra-se que esse caso começou a ser julgado no Plenário virtual do STF em 14/08/2020, quando o então ministro relator Celso de Mello apresentou voto em que conhecia parcialmente do recurso e, nessa parte, dava provimento para excluir da base de cálculo das contribuições referentes ao PIS/PASEP e à Cofins o valor arrecadado a título de imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), e não conhecia o pleito concernente à compensação tributária por entender que tratava de matéria infraconstitucional. Em seguida, o julgamento foi suspenso em 19/08/2020 após pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O julgamento foi reiniciado no Plenário virtual do STF no dia 20/08/2021 com apresentação e voto-vista divergente do ministro Dias Toffoli que negava provimento ao recurso extraordinário e mantinha o ISS na base de cálculo do PIS/PASEP e da Cofins.

Finalmente, registra-se que quando o pedido de destaque do ministro Luiz Fux interrompeu o julgamento virtual, o voto do então relator min. Celso de Mello era acompanhado pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e pelo ministro Ricardo Lewandowski. Já o voto-vista divergente do ministro Dias Toffoli era acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Roberto Barroso.

 

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MP do Ambiente de Negócios é sancionada com veto presidencial ao fim das Sociedades Simples

Após muita discussão no Senado e na Câmara dos Deputados, a Medida Provisória (MP) nº 1.040 foi sancionada pelo Presidente da República (PR) nesta quinta-feira, dia 26/08/2021, e publicada no Diário Oficial na data de hoje, 27/08/2021, como Lei nº 14.195/2021.

A MP Ambiente de Negócios, editada no início de março/2021 pelo Poder Executivo com o intuito de facilitar a atividade empresarial no país e melhorar sua posição no ranking de desenvolvimento do Banco Mundial, encerrou sua tramitação legislativa com várias inclusões polêmicas e relevantes realizadas frente ao texto original – foram mais de 350 emendas realizadas no Congresso Nacional.

A principal (e mais polêmica) alteração, trazida pelo texto original enviado pela Câmara dos Deputados para a sanção do PR, residia na extinção das sociedades simples no ordenamento jurídico brasileiro, aspecto que já havia suscitado intensa discussão entre os Parlamentares (e em toda a comunidade jurídica) – inclusive. Em que pese tal disposição houvesse sido suprimida pelo Senado, a sua reinclusão ocorreu no âmbito da Câmara dos Deputados em segunda votação, no dia 05/08/2021.

De toda forma, a sanção presidencial veio acompanhada de veto integral em todas as disposições que tratavam sobre a extinção das sociedades simples na legislação. Desse modo, as alterações aprovadas pela Câmara dos Deputados deixaram de compor o texto final da lei, permanecendo válida a sociedade simples enquanto tipo societário.

Por outro lado, o Presidente sancionou a extinção das EIRELIs, fato que não gerou qualquer controvérsia e, inclusive, foi bem recepcionado pela comunidade jurídica, considerando que desde a possibilidade da existência de sociedade limitada unipessoal, não havia mais sentido para a manutenção deste tipo societário (EIRELI).

Ademais, entre outras novidades societárias trazidas pela MP Ambiente de Negócios, vale ressaltar a regulamentação do voto plural nas sociedades anônimas, o qual passa a ser um privilégio atribuído a determinadas ações, representado por um maior número de votos em relação às demais ações emitidas pela companhia. Com esta nova norma, as ações poderão ser emitidas com “peso” de até 10 votos por ação e o prazo de vigência deste benefício poderá estar condicionado a um evento ou termo futuro, ou viger por até 7 anos (prazo este que poderá ser prorrogado por qualquer tempo, a depender de votação).

Ainda no que diz respeito às sociedades anônimas, houve a ampliação das competências da Assembleia Geral e possibilidade de o diretor ser residente e domiciliado no exterior, assim como, para as companhias abertas, a vedação à acumulação de cargos de Diretor Presidente e Presidente do Conselho (ou de principal Executivo da companhia), e a exigência de participação obrigatória de conselheiros independentes, nos termos e prazos que serão definidos pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Estas duas últimas novas regras, já eram bem vistas como critérios de governança corporativa, mas, agora, passam a ser legalmente exigíveis.

Com relação às medidas de facilitação de aberturas de empresas, as alterações trazidas pela nova lei contribuirão para a emissão de atos públicos de liberação (como alvarás e licenças) de forma automática para atividades de risco médio, a desnecessidade do reconhecimento de firma para arquivamento de atos perante a Junta Comercial, e a proibição de solicitação de dados ou informações que já constem na base de dados do Governo Federal em registros realizados pelo REDESIM.

No âmbito processual e da execução judicial de créditos, houve a criação do SIRA (Sistema Integrado de Recuperação de Ativos), sistema que promete integrar todas os sistemas já disponíveis de busca de ativos do Poder Judiciário a fim de diminuir os custos da execução judicial e aumentar a sua efetividade – a sua utilização, entretanto, ainda depende de ato do Poder Executivo.

Ainda, foram realizadas alterações no Código de Processo Civil, regulamentando a citação de empresas por meio eletrônico e trazendo novos artigos relevantes com relação ao modo de contagem e causas interruptivas/suspensivas da prescrição intercorrente – medidas que visam extinguir com a maioria das execuções frustradas atualmente em trâmite no Poder Judiciário e que representam mais da metade do acervo nacional de processos parados.

Especificamente com relação ao prazo de contagem da prescrição intercorrente, foi positivado o entendimento já sedimentado pelo STF (Súmula nº 150), de modo que este deverá observar o mesmo prazo prescricional da pretensão originária.

Sem prejuízo, a legislação ainda trouxe novas disposições com relação a vários outros temas, como, a título de exemplo, a facilitação do comércio exterior, modo de cobrança de dívidas de órgãos de classe e alterações pontuais em diversas legislações esparsas.

A Lei nº 14.195/2021, assim como a Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) e o Marco Legal das Startups (LC nº 182/2021), entra agora para a lista de legislações aprovadas visando facilitar o ambiente de negócios e o fomento do desenvolvimento da atividade empresarial no país, que deve continuar avançando para o benefício de todos.

 

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Justiça anula cobrança de adicional de contribuição previdenciária

Valor passou a ser exigido de indústrias após decisão do Supremo sobre o tema

Indústrias passaram a recorrer à Justiça contra cobranças milionárias referentes ao adicional da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) – a nova denominação para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) -, pago quando há empregados com direito à aposentadoria especial. Um dos primeiros precedentes favoráveis foi obtido pela indústria de alimentos Parati, adquirida pela americana Kellogg Company.

Os valores exigidos têm como base uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015. Os ministros entenderam, em repercussão geral, que se a empresa fornece equipamento de proteção individual (EPI) eficaz, o empregado não tem direito a se aposentar com menos tempo de serviço – e, nesse caso, o contribuinte está livre do adicional. Abriram uma exceção, porém, aos casos de funcionários expostos a ruídos (ARE 664335).

Foi com base no julgamento, e nessa exceção, que a Receita Federal editou uma norma sobre o assunto e passou a cobrar, inclusive de forma retroativa, os contribuintes. Pelo Ato Declaratório Interpretativo nº 2, de 2019, mesmo que sejam adotadas medidas de proteção que neutralizem o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, o adicional do RAT é devido nos casos em que não puder ser afastada a concessão de aposentadoria especial.

Antes de recorrerem à Justiça, muitos contribuintes foram ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Porém, sem sucesso. Eles alegam que estão liberados, por lei, do pagamento quando adotam medidas de proteção aos funcionários e afirmam que os ministros, no julgamento, não trataram do adicional do RAT.

Levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) mostra que 95 ações judiciais discutem a legalidade do adicional. Não há, porém, o detalhamento de quantos foram julgados até agora, nem uma jurisprudência definida ou quantos tratam especificamente de ruído.

O adicional é pago conforme o tempo de aposentadoria a que o funcionário tem direito – 15, 20 ou 25 anos. Se o empregado precisar trabalhar só 15 anos, o empregador terá de recolher o percentual máximo de 12%, o que pode totalizar 15% (1%, 2% ou 3% da alíquota básica do RAT mais 12% do adicional) sobre a remuneração daquele funcionário. Se forem necessários 20 anos para o empregado requerer a aposentadoria, a alíquota adicional será de 9%. No caso de 25 anos, o acréscimo será de 6%.

Na Justiça, segundo advogados, um dos primeiros julgados favoráveis pertence à Parati, que conseguiu afastar autuação fiscal que cobrava o adicional referente ao ano de 2016. A decisão é do juiz federal Marcelo Cardoso da Silva, em regime de mutirão na 2ª Vara Federal de Criciúma (SC).

No pedido, a indústria alegou que a norma da Receita Federal foi aplicada de forma retroativa, o que não seria possível, tendo em vista os princípios da legalidade e da segurança jurídica. Além disso, acrescentou que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), a partir de alteração de 2018, veda que se declarem situações inválidas com base em mudança posterior de orientação geral.

Os argumentos foram aceitos pelo juiz. Ele afirma, na decisão, que a mudança de interpretação da Receita veio só com o Ato Declaratório Interpretativo nº 02, em 2019, que não seria suficiente para modificar a isenção prevista em 2009, por meio da Instrução Normativa nº 971. Para ele, o entendimento do STF somente passou a ser descrito em 2017, em ato normativo do INSS, o Regulamento nº 600, que aprovou o novo Manual de Aposentadoria Especial.

 

POR BEATRIZ OLIVON

FONTE: Valor Econômico – 16/06/2021 – Brasília

 

Estados veem bomba fiscal em julgamento sobre ICMS

Discussão no STF pode causar impacto bilionário a governos

Entrou na pauta do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) uma discussão considerada pelos Estados como uma verdadeira bomba fiscal, com custo estimado em R$ 26,7 bilhões ao ano. O julgamento em curso é sobre a validade de alíquotas diferenciadas do ICMS cobrado sobre o fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicação.

Os porcentuais incidentes são questionados por grandes consumidores por serem cobrados em patamar superior ou semelhante às alíquotas de produtos supérfluos, como bebidas alcoólicas.

Por enquanto, dos onze ministros, três votaram já na sexta-feira, quando o tema entrou na pauta, pela alíquota de 17%, que é aplicada de forma geral pelos governos: o relator, ministro Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli, que havia pedido vista no começo do ano, e Cármen Lúcia. Alexandre de Moraes votou a favor dos Estados em telecomunicações, mas contrário à cobrança sobre energia.

Com a abertura do Plenário Virtual e a clara tendência contrária a eles, os secretários estaduais ficaram assustados. Uma reunião ocorreu no fim de semana para discutir o que fazer e a hipótese de elevar alíquotas de outros produtos para compensar a perda entrou na mesa, além da possibilidade de uma emenda à Constituição para deixar claro que podem trabalhar com alíquotas diferenciadas.

O pânico diminuiu quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista ao processo no sábado, mas em tese ele tem um mês para devolver a peça e o risco fiscal está colocado, por isso os governos locais estão se movimentando. Os Estados consideram que uma decisão contrária a eles – vista como provável – ainda em meio à pandemia e com o orçamento já em execução é bastante delicada para a saúde fiscal e demandará reação imediata e dolorosa para compensar a perda.

“Os governadores devem buscar ainda essa semana os ministros do Supremo para explicar isso. Esse assunto foi imensamente discutido [no fim de semana], a preocupação é imensa e, caso isso aconteça [decisão contrária], existe uma compensação em outras áreas, vai pesar bastante”, disse ao Valor o diretor institucional do Comitê de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz), André Horta.

O secretário de Fazenda de Alagoas, George Santoro, vê grande probabilidade de perda nessa ação e reforça que, se isso de fato ocorrer, compensações serão inescapáveis. “Se o STF decidir contrário, ou os Estados perdem uma arrecadação muito grande ou vão ter que mudar as alíquotas por lei e elevar a carga tributária. Isso só piora o problema”, disse ao Valor, afirmando que os segmentos em discussão representam mais da metade da arrecadação de Alagoas.

Para ele, a discussão só reforça a necessidade de se avançar na reforma tributária completa, em tramitação no Congresso. “Os Estados têm clareza de que não dá mais para deixar o ICMS do jeito que está, ele foi construído em outra época. Talvez hoje o maior problema de transações econômicas no Brasil é o ICMS”, salientou, criticando o fatiamento da reforma.

A secretária de Fazenda do Ceará, Fernanda Pacobahyba, reforça a necessidade de reforma tributária e diz que a situação imposta pelo julgamento é muito preocupante. “É uma bomba atômica [para os Estados]”, disse, destacando que o Judiciário tem tomado uma série de decisões que geram graves perdas de receitas a esses entes.

No caso do julgamento em curso, explica, a questão da seletividade do ICMS pode impor ainda uma perda para o fundo de combate à pobreza, pois a legislação atual permite uma alíquota adicional de 2% sobre produtos não essenciais para esse programa. “Se a energia passa a ser tratada como produto essencial, esse adicional também não poderá ser cobrado”, disse.

O caso concreto em julgamento nasceu de um pedido das Lojas Americanas contra a cobrança de ICMS em Santa Catarina sob a alíquota de 25%, em vez da alíquota de 17% usada para a maioria dos produtos no Estado. O impacto financeiro para SC é e uma perda de R$ 96,6 milhões por mês – queda de 32% – na arrecadação do ICMS sobre energia, segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE).

A PGE alega que o Judiciário não pode assumir competência constitucional atribuída ao legislador, que definiu a alíquota. Diz ainda não existir violação ao princípio da seletividade tributária, uma vez que o Estado fez o escalonamento de alíquotas de ICMS quanto às classes de consumidores de energia elétrica – pequenos produtores rurais e consumidores residenciais são tributados pela alíquota de 12%, e não 25% como em setores industriais e mercantis. Além disso, aponta que a Constituição diz que o ICMS pode ser seletivo em função da essencialidade, mas não é uma obrigatoriedade.

De acordo com Leandro Passos, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, que representa a Americanas, a Constituição permite que os Estados estabeleçam alíquotas variadas de acordo com a essencialidade do produto. Assim, se o produto for supérfluo, a tributação pode ser maior, o que não seria o caso de energia e telecomunicações.

O pedido é para as cobranças correntes e também para o que já foi pago, o que para os Estados é algo impensável. O advogado destaca que, entre os votos favoráveis, o ministro Dias Toffoli já indicou uma possível modulação, limitando a decisão para as cobranças a partir de 2022, para os Estados terem a possibilidade de se preparar e, para o passado, somente para quem já tiver entrado com ação.

De acordo com o advogado Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi, a cobrança diferenciada ofende o princípio constitucional da isonomia, já que as normas estaduais diferenciam os grandes consumidores das cooperativas, produtores rurais e pessoas físicas. “É um tratamento desigual entre contribuintes na mesma situação”, afirma.

 

POR FABIO GRANER E BEATRIZ OLIVON

FONTE: Valor Econômico – 16/06/2021 – Brasília

 

 

São Paulo dispensa recolhimento do ICMS sobre software

Estado cobrava 5% de ICMS sobre aquisições por meio físico ou download

Em respostas a contribuintes, o Estado de São Paulo dispensou a tributação pelo ICMS sobre operações com software. As consultas tributárias, publicadas em maio, incorporam a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a incidência do ISS sobre o licenciamento ou a cessão do direito de uso de programas de computador.

Até a decisão do STF, proferida em fevereiro, os Estados sustentavam que poderiam exigir ICMS sobre softwares de prateleira, ainda que fossem adaptáveis para um cliente. O Estado de São Paulo, por exemplo, cobrava 5% de ICMS sobre as operações.

Em uma das consultas, um comerciante de programas de antivírus não customizados perguntou se deveria emitir a nota fiscal eletrônica (NF-e) ou a nota fiscal de serviços eletrônica (NFS-e). A resposta do Fisco paulista foi de que não são tributadas pelo ICMS operações com programas antivírus para computador por meio de licenciamento ou da cessão de direito de uso, ainda que se trate de software padronizado.

“Assim, dúvidas relacionadas ao ISSQN e ao cumprimento das respectivas obrigações acessórias devem ser direcionadas ao Fisco do município competente”, informou a Secretaria de Fazenda de São Paulo (Consulta Sefaz-SP nº 23.451, de 2021).

Os ministros do STF afastaram a diferenciação entre programas padronizados e personalizados (ADIs nº 1945 e 5659). Entenderam que sobre todas as operações com software deve incidir o ISS, de competência dos municípios. A regra vale para aquisições físicas ou eletrônicas, como por meio de download ou streaming.

Em outra consulta feita por uma empresa paulista, o contribuinte relatou que está adquirindo para revenda software comprado de fornecedor localizado no Estado do Rio Grande do Sul. Perguntou se deveria recolher o diferencial de alíquota ou a antecipação do ICMS pelo regime de substituição tributária. Na resposta, a Sefaz-SP informou que não há que se falar nesses recolhimentos dado que a incidência do ICMS sobre essas operações foi afastada pelo STF (Consulta nº 23.558, de 2021).

De acordo com o advogado Maurício Barros, sócio do escritório Gaia, Silva, Gaede Advogados, as respostas às consultas demonstram a incorporação pelo Estado de São Paulo do entendimento do STF sobre o assunto. A decisão da Corte foi tomada em controle concentrado de constitucionalidade e vale para todos os contribuintes a partir da publicação da ata de julgamento do mérito, o que ocorreu no dia 2 de março.

Dessa forma, o tributarista afirma que o contribuinte não precisa formular consultas ao Fisco para deixar de recolher o ICMS daqui para frente. “A Fazenda acatou a decisão do STF e não vai tributar essas operações”, diz.

 

*Postado originalmente no Valor Econômico.