Parecer também amplia de 120 para 180 dias o prazo para resolução de questões controversas no âmbito do Confia
O parecer ao projeto de conformidade tributária (PL 15/2024) ampliou as hipóteses em que um contribuinte pode ser classificado como devedor contumaz. Pelo novo texto, caso haja indícios de que a empresa tenha sido criada para a prática de fraude fiscal, tenha sido constituída por pessoas que não são os verdadeiros sócios ou participe de organização criada com o propósito de não pagar tributos, ela também será incluída no Cadastro de Devedores Contumazes (CFDC).
O parecer também propõe a ampliação, de 120 para 180 dias, do prazo para autorregularização de questões controversas no âmbito do Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia). O texto foi apresentado neste sábado (16/3) pelo relator na Câmara, deputado Ricardo Ayres (Republicamos-TO). O projeto precisa ser votado até esta terça-feira (19/3) na Câmara dos Deputados para não trancar a pauta. A expectativa, no entanto, é que ele seja analisado até o fim da semana.
As alterações propostas pelo relator foram bem recebidas por advogados. No entanto, embora eles aprovem a ampliação dos critérios para caracterizar um devedor contumaz, tornando a análise mais qualitativa, há uma preocupação com uma avaliação baseada em “indícios” de fraude, e não em fatos comprovados. Além disso, eles afirmam que não está claro se os critérios para a inclusão no cadastro de devedores serão considerados conjuntamente ou, se incidir em apenas um deles, a empresa entrará para o cadastro.
Mudanças
O texto original do PL 15/2024 trazia previsões para inclusão nesse cadastro apenas de contribuintes com dívidas acima de R$ 15 milhões. Agora, também há a possibilidade de a empresa ser caracterizada como devedora contumaz quando “houver indícios” de que: a) tenha sido constituída para a prática de fraude fiscal estruturada, inclusive em proveito de terceiros; b) esteja constituída por interpostas pessoas que não sejam os verdadeiros sócios ou acionistas ou o verdadeiro titular, na hipótese de firma individual; e c) participe de organização constituída com o propósito de não recolher tributos ou de burlar os mecanismos de cobrança de débitos fiscais.
No parecer, Ayres afirma que “a caracterização do devedor contumaz deve ser mais precisa e abrangente, considerando não apenas o valor dos créditos tributários, mas também outros critérios relevantes, como a regularidade cadastral e o histórico de infrações”.
Outra alteração proposta é a ampliação, de 120 para 180 dias, do prazo para autorregularização de questões controversas no âmbito do Confia. Nesse prazo, o contribuinte poderá, por exemplo, revelar, antes do início de procedimento fiscal, de forma voluntária ou a pedido da Receita, negócios realizados sem a manifestação expressa do órgão. Para o relator, a mudança busca garantir a “efetividade do programa”, uma vez que o prazo proposto no texto original se mostrava, a seu ver, “impraticável para temas complexos que demandam análise detalhada e negociações entre as partes envolvidas”.
“Fragilidade” na classificação do devedor contumaz
O advogado Thiago Pellegrini, sócio tributário do Martinelli Advogados, afirma que as mudanças propostas pelo relator são positivas. Primeiro, por trazerem uma análise mais qualitativa para classificar uma empresa como devedora contumaz. Segundo, pelo fato de ampliarem o prazo para diálogo e resolução de problemas no âmbito do Confia. Pellegrini avalia, no entanto, que, ao trazer para os critérios de classificação das empresas como devedoras contumazes a existência de “indício”, a proposta pode abrir espaço para contencioso. A seu ver, essa classificação é frágil tanto do ponto de vista tributário quanto criminal, uma vez que é necessária uma comprovação sólida para afirmar que uma empresa cometeu uma fraude, por exemplo.
“As alterações propostas são positivas porque tornam a análise dos critérios mais qualitativa, mas realizar uma análise baseada em ‘indício’ pode abrir espaço para um novo contencioso”, afirma o tributarista.
A advogada Tania Laredo, das áreas tributária e aduaneira do Gaia Silva Gaede Advogados, por sua vez, observa que o parecer não deixa claro se os critérios serão cumulativos. Na introdução do parecer, afirma, o relator dá a entender que os critérios seriam analisados ao mesmo tempo, o que seria positivo para os contribuintes, uma vez que o fisco não basearia sua avaliação apenas nas dívidas. Nos novos dispositivos do projeto de lei, no entanto, o artigo 30 define que será considerado devedor contumaz o contribuinte que “incidir em quaisquer” das hipóteses elencadas. Ou seja, uma leitura possível é que, se a empresa estiver em apenas um dos critérios, por exemplo o original relacionado ao montante dos débitos, ela será incluída no cadastro negativo.
“É importante que essa questão fique mais clara no texto final do projeto. O melhor será a análise conjunta dos critérios. Algumas empresas vivem uma situação complexa, passam por dificuldades que se perpetuam ao longo do tempo, e não parece ser razoável considerá-las devedoras contumazes apenas com base na quantidade ou histórico de tempo de seus débitos”, afirma Laredo.
Possibilidade de exclusão do cadastro de devedores
Pellegrini chama a atenção ainda para a inclusão do parágrafo terceiro ao artigo 32 do PL 15/2024 para definir que a inclusão do nome da empresa no cadastro de devedores contumazes pode ser reavaliada diante de pedido fundamentado que “comprove a cessação dos motivos” que justificaram as medidas.
Além disso, houve a inclusão do inciso I, no artigo 35, para definir que as empresas podem ser excluídas do cadastro desde que “comprovados os motivos que deram origem à sua instauração”. A redação, observa o advogado, dá a entender que os contribuintes que comprovarem terem cessado os motivos que levaram à sua inclusão no cadastro de devedores poderão ser excluídos deste.
“São mudanças positivas e que trazem a possibilidade de as empresas se defenderem e serem excluídas do cadastro”, diz o advogado.
Novo paradigma na relação entre fisco e contribuintes
De modo geral, Pellegrini avalia positivamente a criação dos programas de conformidade. O advogado ressalta que as propostas como um todo estão em linha com o avanço, no âmbito do direito tributário, de programas que permitem, há muito tempo, a mediação e a arbitragem na esfera do direito civil. Ele observa ainda que, de modo geral, as empresas aptas a entrar nos programas já possuem programas de compliance estruturados. Então, diz, elas passariam a receber benefícios pelas práticas que já possuem. “É uma aproximação na relação entre Receita e contribuinte que não havia no Brasil. As ideias trazidas pelos programas possuem um viés construtivista e o que se espera é uma melhora na relação”, diz.
Tania Laredo afirma que os programas de conformidade representam uma mudança de paradigma na relação entre fisco e contribuinte, além de um alinhamento do Brasil a padrões internacionais. Para a advogada, os programas podem contribuir para reduzir a litigiosidade no Brasil, e as empresas devem avaliar caso a caso se querem ou não abrir suas informações e participar das iniciativas.
Programas de conformidade tributária
Divulgado em 2 de fevereiro, o PL 14/2024 possui três eixos: práticas de conformidade, maior controle dos benefícios fiscais e a busca pelo fim do devedor contumaz. O primeiro engloba os programas de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia); de Estímulo à Conformidade Tributária (Sintonia); e de Operador Econômico Autorizado (Programa OEA). Além disso, a proposta dispõe sobre o devedor contumaz e de condições para a fruição de benefícios fiscais.
O segundo eixo é o de controle dos benefícios, para permitir que a Receita tenha mais controle dos benefícios usufruídos pelos contribuintes e se estes estão cumprindo as regras exigidas. E o terceiro é o do devedor contumaz, para estabelecer critérios para a sua identificação e coibir práticas de sonegação fiscal no Brasil.
POR CRISTIANE BONFANTI
FONTE: JOTA PRO TRIBUTOS – 19/03/2024