A cobrança ilegal do ICMS nas exportações fictas

A despeito de legislação reconhecer claramente o enquadramento dessas operações como exportações, os Estados insistem em não reconhecer os efeitos fiscais que lhe são próprios.

Todo País que quer ser competitivo no comércio internacional tem por premissa a desoneração das exportações. No Brasil, o incentivo fiscal aos fornecimentos para o exterior se encontra expresso já na própria Constituição Federal, que veda as incidências do IPI, do ICMS e do ISS sobre as exportações de bens e serviços, bem como afasta a incidência das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as receitas decorrentes de exportação.

A Constituição, no entanto, não estabelece um conceito do que se entende por exportação. É natural, e correto, que o termo seja relacionado à saída de bens do território nacional, pressupondo uma transposição de fronteiras. Ocorre que, em determinadas operações comerciais, a venda do bem, do fabricante nacional para o encomendante no exterior, se perfaz sem que a mercadoria deixe efetivamente o País e, mesmo assim, essa operação receberá o tratamento fiscal e cambial de exportação. É o que assegura a lei 9.826/99.

Essas operações são comuns para os setores de óleo e gás, naval e aeronáutico, em face da grande quantidade de equipamentos, embarcações e aeronaves estrangeiros em operação no Brasil. Nesses casos, a fabricação dos bens e das partes e peças necessárias para sua manutenção ou beneficiamento, com a entrega no Brasil, sem a necessidade de saída física do País, representa uma vantagem logística para o adquirente estrangeiro e acaba por estimular a contratação da indústria local. Em suma, essa mecânica se coaduna com a própria ideia constitucional de incentivar as exportações, reduzindo o seu custo.

Do ponto de vista operacional, é usual as exportações sem saída física do País se utilizarem do regime especial de Depósito Alfandegado Certificado – DAC, que permite que os bens nacionais depositados nesses locais, vendidos ao exterior, e com previsão de entrega no País, sejam considerados exportados para todos os fins fiscais e cambiais. Portanto, observados os requisitos do DAC, a operação é considerada como uma verdadeira exportação.

Embora no âmbito federal essas operações ocorram de forma reiterada, sem maiores controvérsias com as autoridades fiscais, no âmbito estadual há forte resistência. Os Estados somente reconhecem como exportação a operação que resulte na saída física de bens do País e, como consequência desse entendimento, não reconhecem a imunidade do ICMS na utilização da figura do DAC, considerando devido o imposto na operação de venda ao encomendante estrangeiro.

Os Estados alegam que a lei 9.826/99, uma lei federal, não poderia produzir efeitos para o ICMS, por configurar uma isenção heterônoma, vedada pela Constituição Federal (art. 151, III). A consequência desse entendimento é uma situação de verdadeira insegurança jurídica para os contribuintes, que se veem diante de tratamentos distintos conferidos pelos entes federados a uma mesma operação comercial: de um lado, a União Federal reconhece os efeitos fiscais de desoneração da exportação sem saída física do País, enquanto os Estados entendem, por sua vez, que não há exportação, e a circulação física do bem vendido ao encomendante no exterior, dentro do País, é considerada uma operação interna, sobre a qual deve incidir normalmente o ICMS.

Soma-se a esse cenário, ainda, o fato de o Convênio 2/88, que tratava dos efeitos do DAC no âmbito estadual, e que reconhecia a exportação sem saída física das mercadorias do País para fins da não incidência do ICMS, não ter sido ratificado após a CF/88. Segundo os Estados, diante da falta de ratificação do convênio, não haveria base legal para se reconhecer a desoneração, o que nos parece uma afirmação equivocada, uma vez que a desoneração encontra respaldo na própria Constituição Federal, bem como na lei 9.826/99, que veicula norma de comércio exterior, e não uma isenção heterônoma.

Diante dessa situação, muitos contribuintes têm recorrido ao Poder Judiciário. Na esfera judicial, a discussão tem sido favorável para os contribuintes, com o reconhecimento de que a norma que dispõe sobre a exportação de mercadorias sem saída física do País é uma norma efetivamente de comércio exterior e, portanto, de competência exclusiva da União Federal, não cabendo aos Estados arguir a concessão de uma isenção heterônoma. Nesse sentido, destaca-se o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, segundo o qual “a desoneração fiscal alcança todas as operações de exportação, não tendo a Constituição Federal feito distinção entre exportação real ou ficta, de modo que não cabe ao ente federado estadual restringir a não incidência do ICMS para as exportações que contemplem tão somente a saída física da mercadoria do território nacional, tendo em vista que não é dado aos estados legislar sobre comércio exterior”.¹

Apesar das decisões favoráveis serem consistentes e em bom número, a ausência de um precedente judicial vinculante no âmbito dos tribunais superiores ainda traz um cenário de incertezas e de insegurança jurídica nessas operações.

Toda essa legislação de comércio exterior e exportação sem saída física de mercadorias do País não é nova, de modo que já deveria ter sido corretamente assimilada pelos Estados para encerrar as discussões entre contribuintes e Fisco.

Enquanto permanecer a celeuma, quem perde, em última análise, é o próprio País, já que se torna juridicamente mais seguro importar bens produzidos no exterior do que contratar a produção desses mesmos bens na indústria local, uma realidade que não condiz com os preceitos constitucionais, ou ainda com a expectativa de recuperação econômica do setor industrial, especialmente o naval, já tão impactado nos últimos anos.

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¹ TJ/RS, AC 70083620708, 2ª CC., TJRS, Rel.: Lúcia de Fátima Cerveira, em 03/06/2020.

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

Rio de Janeiro altera regras para a substituição tributária do ICMS na prestação de serviços de transporte de cargas

O Decreto n.º 46.323 (DO-RJ, de 29/05/2018) deu nova redação ao artigo 82, do Livro IX, do Regulamento do ICMS-RJ, que trata do pagamento do ICMS sobre o serviço de transporte de carga.

Com a nova redação, A PARTIR DE 29/05/2018, o ICMS incidente sobre a prestação de serviço de transporte intermunicipal e interestadual iniciada no Estado do Rio de Janeiro, será pago conforme a seguir:

Nota: O ICMS sobre transportes é devido no Estado do início da prestação de serviço. Assim, para os casos de serviços iniciados em outras unidades da Federação, ainda que o contratante e/ou o transportador esteja localizado no Rio de Janeiro, será observada a respectiva legislação. 

 

Na prática, sempre que o serviço for contratado por contribuinte do ICMS situado no Estado do Rio de Janeiro, caberá a ele a responsabilidade pela retenção e recolhimento do ICMS devido sobre os serviços de transporte, na qualidade de contribuinte substituto, pelo regime de Substituição tributária (ST).

Até a edição do Decreto nº 46.323/2018, no Estado do Rio de Janeiro, a responsabilidade pela retenção do ICMS ST na prestação de serviços de transporte somente era aplicável no caso de contratação de empresa de transporte sediada fora do Estado e não inscrita no CAD-ICMS, ou de profissional autônomo.

Cumpre esclarecer que a recente alteração da sistemática de recolhimento não representa qualquer alteração do montante do ICMS em tais operaões, eis que o imposto incidente na prestação será retido pelo contratante e consequentemente deduzido do valor do frete cobrado pelo prestador.

Todavia, a retenção em comento deverá observar as regras do Convênio ICMS 106/96, que concede aos prestadores de serviço de transporte um crédito presumido de 20% do valor do ICMS devido na prestação. Nesse caso, a retenção será efetuada pelo valor líquido do crédito presumido nos casos em que o prestador seja optante pela sistemática do citado Convênio, ou pelo valor integral nas demais hipóteses.