Desdobramentos tributários em relação às operações com NFTs

O desenvolvimento da economia digital, especialmente na última década, tem dado origem a novos tipos de ativos econômicos e financeiros, fato que, consequentemente, tem acarretado novos desafios ao poder legislativo para identificar a natureza jurídica dessas novas figuras, regulamentar o seu respectivo mercado, bem como tributar os rendimentos que os referidos ativos geram aos seus titulares.

É neste contexto que as discussões relativas aos non-fungible tokens (NFTs) ou tokens não-fungíveis têm se alastrado pelo mundo jurídico.

Em síntese, os NFTs são tokens criptográficos da mesma maneira que as criptomoedas, como os famosos Bitcoin. A principal diferença entre eles é que as criptomoedas são “tokens fungíveis”, isto é, possuem valor de troca correspondente, igual a uma cédula de 50 reais, por exemplo, que representa sempre o mesmo valor para qualquer agente econômico.

Os NFTs, por sua vez, são tokens não fungíveis, ou seja, são únicos e não intercambiáveis — cada token tem uma particularidade própria. Por tal motivo, os NFT’s servem para representar produtos exclusivos, colecionáveis, tangíveis ou intangíveis, que podem ser livremente transacionados (ex.: obras de arte). Em suma, um NFT pode representar um objeto físico ou digital único por meio de um token digital exclusivo.

A previsão é que esses novos ativos digitais causem um grande impacto na economia mundial. A PWC estima que, até 2030, a tecnologia de blockchain (que é a base de registros e dados que dá estrutura para as transações de NFTs), como um todo, agregará cerca de USD 1,7 trilhão à economia global¹.

Ocorre que, no Brasil, ainda não existe regulamentação específica para tutelar tais criptoativos, incluindo os tokens. Surge, então, o seguinte questionamento: os NFTs são equiparados aos ativos financeiros na ótica do fisco?

A Receita Federal, por meio da Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019, instituiu e disciplinou a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da RFB.

O artigo 5º dessa Instrução conceitua criptoativo como uma “representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

Da leitura dessa definição, entende-se que os NFTs não são criptoativos, já que não possuem “sua própria unidade de conta”. Por corresponderem a uma nova classe de ativos que não possuem previsão similar na legislação atual, não seria possível aplicar a legislação existente de forma análoga, em razão da limitação do princípio da legalidade estrita.

Contudo, em 24/02/22, a Receita Federal do Brasil divulgou que irá incluir pela primeira vez códigos específicos para declaração de criptoativos na declaração do Imposto de Renda para a pessoa física de 2021, e isso inclui os NFTs².

Conforme noticiado pelo Órgão, na ficha de bens e direitos da declaração do Imposto de Renda, foram criados cincos novos códigos para inclusão dos Bitcoin, Altcoins, Stablecoins, NFTs e Tokens.

Assim, por mais que não se amoldem perfeitamente ao conceito prescrito no artigo 5º da IN RFB 1.888/2019, em razão de não possuírem unidade de conta (unidade de medida própria), no entendimento da Receita Federal, os tokens não-fungíveis são equiparados a ativos financeiros que podem ocasionar ganho de capital.

Partindo dessa premissa, considerando que o ganho de capital é a diferença positiva entre o valor de alienação de bens ou direitos e o respectivo custo de aquisição, nos termos da IN RFB nº 84/2001, a apuração de ganho de capital deve ser realizada em qualquer alienação de NFTs, independentemente da natureza da operação (ex.: compra e venda, permuta, doação, dação em pagamento).

Dessa forma, caso determinada pessoa física adquira um NFT de um artista, ela deve informar esse direito na ficha de bens e direitos do imposto de renda e se, posteriormente, vender esse NFT por valor superior ao custo de aquisição, esse ganho auferido está sujeito à incidência do referido imposto.

Além disso, considerando esse entendimento da Receita Federal de que os NFTs são criptoativos (sujeitos às regras da IN RFB 1.888/2019), verificam-se mais dois desdobramentos tributários possíveis em relação às operações com tais figuras, o primeiro referente ao ISS, e o segundo ao ICMS.

Quanto ao ISS, na hipótese de uma empresa intermediar a transação de compra e venda de determinado NFT, poderia haver a incidência do imposto municipal sob a comissão de venda.

Quanto ao ICMS, seria possível defender a não incidência do imposto sobre essas operações, sob a argumento de que, no entender da Receita Federal, se trata de meras transações financeiras, não existindo, assim, circulação de mercadoria.

Por fim, importante destacar que os NFTs podem possuir naturezas diversas, uma vez que podem estar vinculados a marcas famosas, obras de arte e, também, fornecer ao adquirente outros benefícios, como o direito à participação em eventos exclusivos, mentorias, etc. Ou seja, a natureza de cada NFTs pode influenciar na forma de tributação das operações.

Dessa forma, verifica-se que a tributação das operações envolvendo NFTs é um campo de muitas incertezas, sendo nítido que, enquanto não houver regulamentação específica sobre esta matéria, os contribuintes/investidores estarão cercados pela insegurança jurídica. E mesmo quando houver a regulamentação, devem estar atentos às possíveis ilegalidades, as quais deverão ser discutidas judicialmente.

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¹https://www.pwc.com.br/pt/estudos/preocupacoes-ceos/mais-temas/2021/reinventando-o-futuro/as-oito-essenciais.html

²https://oglobo.globo.com/economia/irpf-2022-como-declarar-criptoativos-no-imposto-de-renda-25425621

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Ampliação do mercado das criptos e ausência de regulação exigem atenção

A popularização das criptomoedas tem atraído cada vez mais investidores. Como consequência indesejada, também vem abrindo brechas para golpes e fraudes financeiras. Segundo as polícias Federal e Civil de São Paulo, as fraudes no país já totalizaram a cifra de R$ 6,5 bilhões em dois anos.

O crescente número de fraudes já está fazendo o Banco Central estudar uma regulamentação mais estrita para as criptomoedas. Até então o órgão vinha adotando uma postura mais distante e informativa, divulgando que criptomoedas não são moeda corrente e, portanto, não são reguladas pelo BC ou quaisquer outras autoridades governamentais. Há um projeto de lei sobre o tema em discussão no Congresso desde o ano de 2015.

A única regulamentação atualmente é a IN RFB 1.888/19, para fins tributários, que impõe a prestação de informações sobre operações realizadas com criptoativos ao ente fazendário. A referida norma estabelece a obrigatoriedade de reportar operações com exchanges — empresas que intermedeiam a venda de criptoativos — em valor acima de R$ 30 mil por mês, incluindo o dever imposto às exchanges de manter histórico de dados quanto aos titulares das operações.

Tendo em vista a ausência de regulamentação, é importante que os investidores estejam atentos a alguns cuidados antes de operar com criptomoedas. A primeira coisa a fazer é buscar informações sobre a exchange que será utilizada para adquirir criptomoedas, avaliando a situação cadastral das empresas perante o CNPJ, obtendo informações sobre seus sócios, além de pesquisar a reputação das empresas. Outra medida importante é manter o controle da forma mais segura possível da chave privada de sua carteira (wallet).

Investidores devem ter cuidado
Os modelos de fraudes mais comuns são as chamadas pirâmides e os esquemas ponzi. Pirâmides financeiras são esquemas irregulares para captação de recursos, em que lucros ou rendimentos são pagos com os aportes de novos participantes, que pagam para aderir à estrutura. A adesão de novos membros expande a base da pirâmide de forma insustentável. Atrasos nos pagamentos levam ao desmoronamento do esquema, gerando prejuízos especialmente para os novos aderentes, que não recuperam o que foi investido. Embora não sujeito à competência da CVM, os esquemas de pirâmide representam crimes contra a economia popular.

Já nos esquemas ponzi os “investidores” não precisam atrair novos participantes. Os recursos são entregues a uma pessoa que promete restituir os valores com maior rentabilidade, mas os lucros são pagos com recursos novos, como na pirâmide. Este tipo de fraude pode ser realizado mediante uma oferta pública de contratos de investimento que, como regra, deveria se submeter à vigilância da CVM. O mesmo ocorre com a oferta de tokens que estão vinculados ao sucesso de empreendimento (tokens utility); caracterizam-se como valores mobiliários e, portanto, sua oferta pública deve se sujeitar às regras da CVM.

Para não cair neste tipo de fraude, os investidores podem adotar alguns cuidados, como desconfiar das promessas de retorno garantido. Criptomoedas são ativos altamente voláteis, sendo impossível prever quanto uma estratégia de investimento vai render.

Nos tipos de investimento coletivo e distribuição de tokens vinculados ao sucesso de empreendimentos, as operações devem se sujeitar às regras da CVM e Anbima. Se as empresas ofertantes não estiverem registradas nestas duas instituições, é motivo para desconfiança.

Nos esquemas de pirâmide a vítima deve levar novos interessados. Empresas de investimento legítimas se valem de sua experiência para atingir ganhos, não dependendo da força de venda de novos participantes.

É importante procurar entender o modelo de negócio desenvolvido pela empresa, com material que apresente informações claras e antes de realizar quaisquer transferências financeiras, verificar se o nome vinculado ao CNPJ confere com o registrado perante os órgãos reguladores. Não se deve fazer transferências a terceiros, estranhos à operação.

Não deixe de conferir o endereço dos sites antes de inserir qualquer informação, garantindo que o URL é igual ao que a empresa divulga nas redes sociais. É comum os fraudadores criarem uma cópia das plataformas de investimento para roubar dados pessoais e de acesso.

Uma alternativa mais segura de investimento em criptomoedas é o investimento via Fundos de Investimento e Exchange Trade Funds (ETFs), que são ativos regulados.  Os ETFs podem ser adquiridos por meio de home brokers mediante abertura de conta em qualquer corretora de investimentos convencionais.

Os criptoativos estão cada vez mais sendo utilizados para realização de operações financeiras e investimentos, com perspectiva de expansão nos próximos anos. É importante que os interessados em investir nesses ativos estejam atentos e tomem as devidas precauções para realização de suas operações de forma segura, da mesma forma que realizam quaisquer outras operações em seu dia-a-dia.

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Receita Federal pretende fiscalizar operações com moedas virtuais

A Receita Federal pretende criar, ainda este ano, um meio para fiscalizar as operações com criptomoedas. Após fazer diligências nas corretoras que atuam nesse mercado para entender como controlam as próprias atividades, o órgão elaborou uma minuta de instrução normativa, que abriu para consulta pública em seu site. Por meio de uma nova obrigação acessória, o órgão pretende acompanhar melhor as operações com moedas virtuais, o que poderá elevar a arrecadação.

Além disso, a Receita espera que a medida evite o uso de criptoativos para sonegação fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro. A preocupação do órgão leva em consideração a evolução desse mercado. As negociações com bitcoin – um dos principais criptoativos usados no país -, por exemplo, cresce ano a ano e, em 2017, atingiu a casa dos bilhões. Para este ano, a expectativa é que alcance um valor entre R$ 18 bilhões e R$ 45 bilhões.

Pelo texto, estarão obrigadas a enviar as informações as corretoras (exchanges) e as empresas ou pessoas físicas cujas transações forem realizadas diretamente ou via corretoras domiciliadas no exterior, sempre que o valor mensal das operações ultrapassar R$ 10 mil. Ainda de acordo com a minuta, será cobrada multa de até 3% do valor da operação por omissão. Para prestação de dados fora do prazo, a penalidade será de R$ 1,5 mil. E se houver indício de algum delito, o órgão comunicará o Ministério Público.

Segundo Iágaro Jung Martins, auditor-fiscal e subsecretário de fiscalização, a Receita Federal estuda implementar um sistema semelhante ao do Japão, pelo qual as corretoras controlam e repassam as informações ao Fisco. “Investigamos algumas empresas que atuam nesse ramo para saber qual a melhor forma de identificar, com rapidez, quem são essas pessoas que compram os criptoativos”, disse Martins. Hoje a Receita só consegue dados sobre essas transações por meio das declarações de Imposto de Renda (IR). Incide alíquota de 15% a 22,5% de IR sobre o ganho de capital decorrente da venda de criptomoedas.

Ao Valor, o subsecretário de fiscalização esclareceu que, se a criptomoeda é adquirida de corretora brasileira, deve ser declarada como ativo no Brasil, ainda que a compra tenha sido realizada com moeda estrangeira. “A exchange no Brasil entrega o ativo com o preço em reais. É com base nesse valor que deve ser calculado eventual ganho de capital”, afirmou Martins.

Quem faz “mineração” de bitcoins, de acordo com o subsecretário, também deve tributar ganho de capital decorrente das transferências de moeda virtual. A mineração é a atividade de registro das transações com bitcoin em um livro público chamado de blockchain, que costuma ser paga por meio de novas moedas virtuais. “Mas os custos com software e energia [o que não for ativo imobilizado] dessas mineradoras podem compor o custo de aquisição delas, desde que haja comprovação desses custos”, disse Martins. Essas despesas reduzem a carga tributária.

Quando a consulta pública foi aberta, empresas como a Atlas Quantum, fintech que possui mais de R$ 165 milhões em custódia, enviaram propostas por meio da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB). “A regulamentação é importante, mas a Receita precisa considerar que esse é um mercado emergente, composto em grande parte por fintechs e startups que precisam de um prazo e condições para cumprir as novas obrigações. Ou corre-se o risco de se prejudicar o desenvolvimento do setor e da própria tecnologia”, diz Emilia Campos, diretora jurídica da fintech.

A ABCB sugeriu, segundo Emilia, que somente transações acima de R$ 35 mil por mês – em vez de R$ 10 mil – sejam informadas ao Fisco. “Isso porque esse é o valor limite para a isenção do imposto por ganho de capital”, afirma a advogada.

A entidade também pediu para retirar os custodiantes – que armazenam moedas virtuais de terceiros – da lista de obrigados a cumprir com a obrigação acessória. “As transações realizadas por esses players não são passíveis de ganho de capital”, diz Emilia.

Apesar de também serem favoráveis à criação de algum tipo de controle para evitar sonegação e lavagem de dinheiro, tributaristas fazem alguns alertas sobre o texto da Receita. A advogada Ana Utumi, do escritório Utumi Advogados, destaca o fato de a minuta exigir a prestação mensal de informações, e não trimestral ou semestral. “Ainda me chamou a atenção o fato de, no caso de pessoas físicas, ter que ser informado o valor de mercado. Como regra geral, ativos são avaliados a valor de custo”, diz. Isso aumenta a base tributável.

Embora a instrução normativa não aborde o assunto, Ana destaca ainda que pode ser considerado crime usar criptomoedas para substituir operações de câmbio (compra e venda de moeda estrangeira). Segundo a Lei nº 7.492, de 1986, efetuar operação de câmbio não autorizada, com a finalidade de promover evasão de divisas do país, pode levar à reclusão, pelo período de dois a seis anos, e multa. Por sonegação fiscal, o contribuinte pode ficar detido por até dois anos (Lei nº 4.729, de 1965). No caso de lavagem, por até dez anos (Lei nº 9.613, de 1998).

Para o tributarista Maurício Barros, do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, como a nova obrigação acarretará uma maior burocratização das atividades das exchanges, a Receita deveria criar um período de transição. “Sem a aplicação de multas, para ressaltar a orientação e não a punição dessas empresas”, afirma.

As corretoras, segundo advogados, temem que a nova obrigação burocratize tanto a vida das pessoas físicas que prejudique o mercado. “Até as pessoas físicas terão que fazer a declaração por intermédio de certificado digital”, diz Fabíola Keramidas, do K&MC Advocacia.

Segundo Fabíola, o Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT), entidade da qual faz parte, também enviou algumas propostas à Receita. Entre elas está o pedido para liberar os domiciliados no Brasil de assinatura digital. O IPT também pediu a exclusão ou alterações das multas por descumprimento da nova obrigação acessória. “Não é permitido à Receita criar penalidades por meio de instrução normativa. Seria necessário que a norma fizesse referência à alguma lei ou que fossem instituídas por lei”, diz a advogada.

POR LAURA IGNACIO | DE SÃO PAULO
FONTE: VALOR ECONÔMICO – 03/12/2018 ÀS 05H00