Modulação de efeitos em matéria tributária: Uma tendência para 2021?

Há uma preocupação dos contribuintes com possíveis novas modulações, que ainda devem ser exceções nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal.

O atual cenário de pandemia evidentemente vem deixando sequelas sanitárias, econômicas e sociais, mas também está repercutindo expressivamente no mundo jurídico. Parte desses efeitos no Poder Judiciário podem ser percebidos pelo aparente crescimento da modulação de efeitos das decisões em matéria tributária, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, a partir do ano de 2020.

O instituto jurídico da modulação de efeitos, em síntese, delimita o marco temporal de aplicação das decisões do STF, tanto em sede de julgamento de Repercussão Geral ou das Ações Diretas de (in)constitucionalidade.

O art. 27 da lei 9.868/99 estabelece que, no julgamento de ADIn, por questões de segurança jurídica ou de interesse social, poderá o STF restringir os efeitos da decisão a partir do trânsito em julgado ou de outro momento a ser fixado.

Código de Processo Civil (CPC/15), por sua vez, prevê em seu art. 927, § 3º que na alteração de jurisprudência dominante nos tribunais superiores, o STF poderá modular os efeitos da decisão, atendendo os requisitos de interesse social e de segurança jurídica.

Isto quer dizer que, quando declarada a inconstitucionalidade da norma, a regra geral é que os efeitos declaratórios sejam retroativos, ou seja, a norma inconstitucional perde sua eficácia desde a sua edição, atingindo fatos pretéritos. A exceção é a modulação de efeitos, que poderá ocorrer somente em casos de relevante interesse social e de segurança jurídica – ou, mais recentemente com o CPC/15, quando há alteração da jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores.

No ano de 2019, em ADIs e Repercussões Gerais, foram julgados 26 casos tributários, ocorrendo modulação de efeitos em apenas 2 casos (7,6%). Já no ano de 2020, 77 casos tributários tiveram o mérito julgado, ocorrendo modulação em 4 casos (5,19%).

Contudo os números – até o início de abril/2021 – chamam atenção: dos 13 casos julgados pelo STF, 7 já tiveram seus efeitos modulados pela Corte (53,84%). É fato que o número de casos julgados ainda está longe do número total de julgamentos dos anos de 2019 e 2020, mas o número absoluto de modulações já supera a soma dos anos anteriores (7 até o início de abril/2021, contra 6 nos anos de 2019 e 2020)1.

Assim, o que os contribuintes podem esperar do STF no ano de 2021?

Temas relevantes estão pautados para este ano, com relação a pedidos de modulação de efeitos: por exemplo, o julgamento dos embargos de declaração opostos no RE 1.072.485 (Tema 985), que trata da incidência de contribuição previdenciária do empregador sobre o terço constitucional de férias gozadas, recentemente retirado de Pauta Virtual por pedido de destaque do Min. Luiz Fux; bem como os embargos de declaração opostos pela União no RE 574.706 (Tema 69), atinente à exclusão do ICMS sobre a base de cálculo do PIS e Cofins, que há anos espera o julgamento definitivo quanto aos efeitos da decisão.

Cabe pontuar que, em dezembro de 2019, o STF decidiu – numa questão de ordem no RE 638.115 – que a “modulação dos efeitos de decisão em julgamento de recursos extraordinários repetitivos, com repercussão geral, nos quais não tenha havido declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, é suficiente o quórum de maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal” (STF, RE 638.115, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/19).

A referida decisão do STF, com todo o respeito, poderá facilitar ainda mais a utilização da técnica da modulação dos efeitos em matéria tributária. Não se desconhece que inúmeras vezes a exigência inconstitucional do tributo não está “fundamentada” em uma lei ou ato normativo do ente tributante tida por inconstitucional, mas sim numa interpretação ou costume fiscal que viola a própria base econômica eleita pelo constituinte para a incidência do tributo. Temos diversos exemplos em âmbito federal no que tange à definição do conceito constitucional de (i) receita bruta/faturamento (Temas de Repercussão Geral 69, 118, 1.048 e 1.067) e (ii) renda e proventos (Tema de Repercussão Geral 808).

Assim, confirmada a tendência do STF de ter uma maior “sensibilização” com as finanças públicas, há uma preocupação dos contribuintes com possíveis novas modulações em julgamentos em matéria tributária para o ano de 2021, principalmente depois da flexibilização do quórum da modulação em sede de repercussões gerais.

Mas, apesar disso, é preciso ter em mente que a modulação de efeitos ainda deve ser a exceção nos julgamentos do STF. Ora, se este instituto tem por finalidade a preservação da segurança jurídica e de relevantes interesses sociais, então não pode ser confundido com a segurança financeira dos cofres públicos. A modulação de efeitos deve visar aproximar a Constituição Federal e não afastá-la do caso concreto.

Caso contrário, estar-se-ia diante de uma situação de incentivo à criação de normas inconstitucionais pelos entes federados, a fim de dar fôlego à arrecadação e sem temer que no futuro os contribuintes possam restituir o que indevidamente pagaram.

Além disso, a jurisprudência do STF – sempre que aplicou a técnica da modulação em matéria tributária – preservou os contribuintes com ações judiciais em curso. Como o STF já decidiu, a pura e simples aplicação de efeitos prospectivos (para o futuro) em matéria tributária “implica estímulo à edição de leis à margem da Carta da República, visando a feitura de caixa, com enriquecimento ilícito do Estado – gênero – em detrimento dos contribuintes no que já arcam com grande carga tributária” (AI-AgR 598.033/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 27/6/8).

Analisando o ano de 2021, pode-se dizer que ainda é cedo para o pessimismo e que, apesar do cenário de receio e insegurança dos contribuintes com uma recente tendência para a modulação de efeitos, o STF deve seguir sua jurisprudência e – ao menos – preservar e afastar de futuras modulações os contribuintes com ações judiciais em curso e transitadas em julgado.

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1 A exemplo do julgamento das ADIs 1945 e 5659, que tratavam da incidência de ISS ou ICMS em operações com softwares, no qual o STF traçou 08 diferentes possibilidades de produção de efeitos da decisão.

Outro exemplo é a modulação de efeitos no RE 1287019 (Tema 1.093), onde houve a declaração de necessidade de edição de Lei Complementar para cobrança do ICMS Difal, entretanto, com produção de efeitos somente a partir de 2022.

 

*Artigo postado originalmente no Migalhas.

PIS/Cofins sobre créditos presumidos de ICMS na pauta do STF

Acatar a incidência do PIS e da Cofins sobre o valor do crédito presumido de ICMS implicaria em chancelar a interferência da União nas políticas fiscais dos Estados

O STF começou a julgar, virtualmente, o Recurso Extraordinário 835.818, em que se questiona a exigência do PIS e da Cofins sobre os créditos presumidos de ICMS concedidos pelos Estados. A previsão de encerramento é dia 12/03.

Em agosto/2015, o STF reconheceu a existência de Repercussão Geral no tema, e desde então se aguardava a sua inclusão em pauta.

Argumentam os contribuintes a impossibilidade de enquadramento dos créditos presumidos de ICMS no conceito de receita para fins de incidência das referidas contribuições.

Por outro lado, a União Federal alega que o crédito presumido de ICMS não poderia ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins em razão da ausência de previsão legal.

No entanto, é completamente desnecessária norma excluindo os créditos presumidos da incidência das contribuições, pelo simples fato de que esse benefício, concedido pelos Estados, não possui natureza de receita, mas de mera recuperação de custos.

Na prática, o crédito presumido de ICMS viabiliza, nas condições previstas na lei que o institui, uma redução da carga tributária efetiva da operação praticada pelo contribuinte. De forma alguma representa ingresso de receita passível de tributação pelo PIS e pela Cofins.

Assim, tributar os créditos presumidos de ICMS implica em desrespeito ao conceito de “receita” trazido pela Constituição e ao que dispõem as leis 10.637/02 e 10.833/03.

Além disso, acatar a incidência do PIS e da Cofins sobre o valor do crédito presumido de ICMS implicaria em chancelar a interferência da União nas políticas fiscais dos Estados, já que fazer incidir as contribuições sobre o valor do crédito presumido tem como consequência a mitigação do benefício concedido, em grave desrespeito ao Pacto Federativo.

Por todas essas razões, o STJ já pacificou, há muitos anos, o seu entendimento no sentido de que os créditos presumidos concedidos pelos Estados não podem sofrer a incidência do PIS e da Cofins, pois “independentemente da classificação contábil que é dada, os referidos créditos escriturais não se caracterizam como receita, porquanto inexiste incorporação ao patrimônio das empresas (…), pois se trata de mero ressarcimento de custos (…)” (REsp 1.025.833, julgado em 6/11/08).

O primeiro julgado em que o STJ analisou a questão data de 2008, e essa mesma conclusão é reproduzida em todos os casos julgados pelo Tribunal até os dias atuais (podemos citar como exemplo disso o REsp 1.825.503, julgado em 13/10/20).

Resta a convicção, portanto, de que o STF chegará à mesma conclusão adotada pelo STJ, isso porque aquele Tribunal possui jurisprudência consolidada no sentido de que o PIS e a Cofins somente podem incidir sobre valores que se integram ao patrimônio da empresa.

Exemplo disso são o RE 574.706, em que foi reconhecida a inconstitucionalidade da incidência do PIS e da Cofins sobre o ICMS e o RE 606.107, em que a Corte afirmou, ao analisar a possibilidade de incidência das contribuições sobre os valores auferidos por empresa exportadora em razão da transferência de créditos de ICMS a terceiros, que “sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo“.

Analisando-se o tema em questão à luz da jurisprudência do STF o resultado do julgamento em referência não poderá ser diverso, pelo que o Tribunal deverá reconhecer que os créditos presumidos de ICMS não podem ser tributados pelo PIS e pela Cofins por não representarem receita auferida pelo contribuinte.

Ao assim decidir, não apenas o Supremo Tribunal Federal atuará em consonância com a sua própria jurisprudência, como também prestigiará o Princípio da Segurança Jurídica, pois desde 2008 o Poder Judiciário tem se manifestado pela completa impossibilidade da incidência do PIS e da Cofins sobre os créditos presumidos de ICMS concedidos pelos Estados da Federação.

 

*Artigo originalmente postado no Migalhas.

Minas Gerais: Parcelamento especial de débitos no estado – Aprovação CONFAZ

No dia 1º de maço de 2021, foi publicado o convênio CONFAZ ICMS nº 17/21, de 26/02/2021, que autoriza o Estado de Minas Gerais a instituir o programa especial de parcelamento de débitos tributários formalizados ou não, inscritos ou não em dívida ativa, decorrentes de fatos geradores ocorridos até 31/12/2020, com redução de penalidades e acréscimos legais.

Embora o Convênio tenha entrado em vigor na data da publicação, caberá à Legislação de Minas Gerais regulamentar e disponibilizar as demais orientações necessárias para que o contribuinte consiga realizar a adesão e consolidação dos débitos.

Abaixo, indicamos os principais tópicos relacionados ao tema:

Reiteramos que embora o Convênio tenha entrado em vigor na data da publicação, caberá à Legislação de Minas Gerais regulamentar e disponibilizar as demais orientações necessárias para que o contribuinte consiga realizar a adesão e consolidação dos débitos.

Todavia, trata-se de notícia importante para a qual os contribuintes mineiros com débitos tributários estaduais devem desde já se atentar e preparar.

 

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Paraná regulamenta a reativação de parcelamentos de ICMS rescindidos por inadimplência na pandemia

O Governo do Estado do Paraná publicou o Decreto nº 6.977/2021, que regulamenta o restabelecimento de parcelamentos de ICMS rescindidos por inadimplência no período de 01/03/20 a 30/06/20 (Lei nº 20.418/2020).

O prazo para solicitação do restabelecimento começa em 01/03/2021 e vai até 30/05/2021. O requerimento deve ser feito pelo sistema ReceitaPR, em que serão listados os parcelamentos que atendem aos requisitos do decreto, tais como REFIS, parcelamento ordinário e reparcelamento.

O benefício também se aplica a casos em que a rescisão do parcelamento tenha ocorrido por falta de recolhimento do ICMS/ICMS-ST declarados em EFD/GIA, vencidos no período de 01/03/2020 a 30/06/2020.

A condição para o reestabelecimento dos parcelamentos é o pagamento integral, em 90 dias contados da solicitação, de todas as parcelas vencidas, inclusive as anteriores e/ou posteriores ao período de 01/03/20 a 30/06/20.

Uma vez deferido o pedido, serão restabelecidas todas as formas, condições, prazos, valores e benefícios dos parcelamentos anteriores.

Trata-se de interessante oportunidade para a retomada de parcelamentos com benefícios e descontos, mas o contribuinte deve atentar para a necessidade de pagamento em dinheiro das parcelas em atraso, sem o que não será deferido o reestabelecimento.

 

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STF: alíquotas majoradas do ICMS sobre atividades essenciais violam a seletividade

STF inicia o julgamento do RE 714.739/SC, tema que além da relevância e abrangência, ganha ainda mais amplitude neste momento de profunda crise econômica e social em razão da pandemia.

No dia 5/2/21 e em meio à pandemia da COVID-19, o STF iniciou o julgamento do RE 714.739/SC, afetado em repercussão geral, onde se discute a constitucionalidade ou não da imposição, pelos Estados, por conveniência da arrecadação, de tributação excessiva via fixação de alíquotas majoradas do ICMS (superiores às alíquotas ordinárias estabelecidas nas leis estaduais) sobre o fornecimento de energia elétrica e sobre serviços de telecomunicação, sob o prisma do princípio da seletividade do ICMS, disposto no inciso II, do §2°, do artigo 155, da CF/88.

Fundado no entendimento de que a exigência tributária deve estar harmonizada aos direitos fundamentais à vida, à dignidade da pessoa humana e ao desenvolvimento social e tecnológico do país, o ministro Marco Aurélio, relator do recurso, proferiu voto reconhecendo o direito pleiteado pelo consumidor (Lojas Americanas S/A) e determinando a redução da tributação, pelo Estado de Santa Catarina (caso em exame), dos serviços de energia elétrica e telecomunicação, “uma vez inequívoco tratar-se de bens e serviços de primeira necessidade, a exigir a carga tributária na razão inversa da imprescindibilidade”, afirmando ainda que, “adotada a seletividade, o critério não pode ser outro senão a essencialidade”.  O precedente valerá para todas as demais Unidades da Federação.

Em seu voto, o min. relator aduz, ainda, que a redução da carga tributária do ICMS sobre itens essenciais como energia e telecomunicação, para determinar a observância das alíquotas gerais internas de cada estado, “não se trata de anômala atuação legislativa do Judiciário”, afirmando ser competência do Poder Judiciário a “glosa do excesso e, consequentemente, a recondução da carga tributária ao padrão geral, observadas as balizas fixadas pelo legislador comum”.

Nesse sentido, o relator do recurso, ao final de seu voto, sugere a fixação da seguinte tese jurídica pelo Plenário do STF: “Adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços.”

Já o segundo voto disponibilizado sobre o tema, proferido pelo ministro Alexandre de Moraes, diverge em parte do entendimento do relator, e declara a inconstitucionalidade da majoração da alíquota do ICMS somente para serviços de telecomunicação, sob o fundamento de que, no caso da energia elétrica, o Estado de Santa Catarina, ao estabelecer alíquotas diferenciadas para consumidores “pessoas físicas”, em razão do volume de Kwh consumidos, observa o princípio da seletividade do ICMS para a energia elétrica, sob o aspecto da capacidade contributiva.

Nesse aspecto, ao mesmo tempo em que afirma ser “evidente que o princípio da seletividade (…) veda a atribuição de alíquotas sobre mercadorias e serviços essenciais maiores ou iguais às aplicáveis em relação às mercadorias e serviços não essenciais e supérfluos”, reconhecendo expressamente que, de acordo com a Constituição Federal, o princípio da seletividade está atrelado à necessária observância da essencialidade do produto ou do serviço, o i. ministro justifica seu entendimento na necessidade de observância de outros parâmetros, como consumo e até mesmo requisitos subjetivos do consumidor (porte, pessoa física ou jurídica, segmento etc.), a fim de associar a seletividade à capacidade contributiva.

No entanto, na linha do entendimento esposada pelo voto vogal, uma família  de baixa renda que, por patente necessidade em razão do número de pessoas, trabalho ou até por doença familiar, consome 200 hwh/mês em sua residência, deverá pagar mais ICMS (tributado a 25%) do que um grande empresário que, residindo sozinho e trabalhando fora da sua residência a maior parte do dia, consome 150 kwh/mês (tributado a 12%), o que, de fato, não atende ao princípio da seletividade sob o prima da capacidade contributiva.

Assim, o i. ministro sugere a fixação de tese jurídica no sentido de que “O ente tributante pode aplicar alíquotas diferenciadas em razão da capacidade contributiva do consumidor, do volume de energia consumido e/ou da destinação do bem”, o que pode permitir a manutenção da discricionariedade dos Estados na imposição de alíquotas do ICMS sem a necessária observância da essencialidade do bem, e a dificuldade de acesso, por milhões de brasileiros, a produtos e serviços imprescindíveis à vida e ao desenvolvimento do próprio país, como é o caso de acesso à energia elétrica e serviços de telecomunicação.

Atualmente, o julgamento encontra-se sobrestado em razão do pedido de vista formulado pelo ministro Dias Toffoli, devendo ser retomado daqui a algumas semanas.

O tema, além da extrema relevância e abrangência, ganha ainda mais amplitude em um momento como este, de profunda crise econômica e social em razão da Pandemia da COVID-19, já que é inimaginável a manutenção do próprio Estado (no sentido social e econômico) sem que haja a possibilidade de trabalho remoto e estudo à distância, o que só ocorre através da utilização constante de energia elétrica e de telecomunicações, serviços essenciais à vida e que necessariamente precisam ser prestados de forma adequada, eficaz e acessível a todos.”

 

*Artigo postado originalmente no Migalhas.

ISS no licenciamento de software atende players do setor, diz advogado

Ontem, o plenário do STF excluiu a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador.

 

Na tarde de ontem, 18, o plenário do STF excluiu a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador (software). A Corte, no entanto, decidiu que, nessas operações, incide o ISS. A modulação dos efeitos da decisão será analisada na próxima semana.

O advogado Georgios Theodoros Anastassiadis (Gaia Silva Gaede Advogados) explica que a decisão do STF vai ao encontro do pleito dos players, os empresários do setor, porque o ISS possui alíquota menor do que o ICMS.

De acordo com o advogado, não se justifica a incidência do ICMS porque o licenciamento dos softwares não implica na transferência de propriedade, “que é indispensável para a incidência do ICMS”.

*Postado originalmente no Migalhas.

STF define tributação incidente sobre software

No dia 18/02, o Supremo Tribunal Federal decidiu o mérito das ações diretas de inconstitucionalidade que discutem a incidência tributária sobre os programas de computador. Nesta ocasião, o tribunal decidiu, por uma maioria de 7 votos a 4, que deve incidir sobre o software o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, o ISS, de competência municipal, em detrimento do ICMS, alterando a jurisprudência da corte formada há décadas.

Esta decisão vem sendo aguardada há anos pelo setor de tecnologia e traz segurança jurídica para todo o mercado, que não sabia ao certo qual tributo pagar: se o ISS, o ICMS, ambos os tributos ou nenhum deles. Além disso, a definição do ISS como tributo incidente sobre o software vem ao encontro dos anseios dos empresários do setor, já que o ISS possui uma alíquota sensivelmente menor que a do ICMS.

Na visão da maioria dos ministros, quando se contrata um software, o contratante adquire a licença de uso do programa de computador e uma série de serviços conexos, como atualização, segurança da informação, manutenção e suporte, e, por isso, não se está diante de uma aquisição de mercadoria, mas sim de um serviço, independentemente de ser uma aplicação feita sob encomenda ou produzida em larga escala.

Adicionalmente, quando se adquire um software, não ocorre a transferência de titularidade do programa, sendo essa transferência indispensável para a incidência do ICMS, que incide sobre a circulação física e jurídica de mercadorias.

Embora o mérito da discussão tenha sido decidido, os ministros do Supremo ainda se debruçarão, em 24/02, sobre a proposta de modulação dos efeitos da decisão, ou seja, julgarão se a definição pela incidência do ISS sobre os programas de computador deverá valer apenas a partir da data da decisão ou, por outro lado, se retroagirá para os últimos cinco anos.

 

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Supremo Tribunal Federal tem oportunidade histórica de fazer justiça social

Em meio à pandemia da COVID-19, o STF retomou suas atividades em 2021 enfrentando um dos temas tributários de maior relevância e abrangência social e econômica do momento, qual seja, a possibilidade ou não de os Estados brasileiros imporem, por conveniência da arrecadação, tributação excessiva via fixação de alíquotas majoradas do ICMS (superiores às alíquotas ordinárias estabelecidas nas leis estaduais) sobre a utilização de serviços de energia elétrica e telecomunicação.

No recurso afetado como paradigma sobre a matéria (Recurso Extraordinário nº 714.139/SC – Tema 745, do STF), cuja solução jurídica deverá ser adotada por todos os Estados brasileiros, a empresa “Lojas Americanas S/A”, na qualidade de consumidora final de tais serviços e assumindo – como todos os cidadãos – diretamente esta pesada carga tributária, discute o tema com fundamento na incontroversa essencialidade de tais serviços, isto é, itens cujo acesso facilitado é indispensável à manutenção da vida digna e ao desenvolvimento das atividades econômicas e empresariais, não podendo sofrer tributação majorada do ICMS tal como incidente sobre produtos supérfluos (bebidas alcóolicas, armas, munições, cigarro, dentre outros) sob pena de violação ao princípio da seletividade do ICMS, previsto na Constituição Federal de 1988.

E, atento justamente à necessidade de adequação da exigência tributária em questão aos direitos fundamentais à vida, à dignidade da pessoa humana e ao próprio desenvolvimento nacional (com geração de emprego e renda), o Ministro Marco Aurélio, relator do referido recurso, proferiu seu voto reconhecendo o direito pleiteado e determinando a redução, no Estado de Santa Catarina (parte ré no caso em exame), da alíquota do ICMS aplicada sobre os serviços de energia elétrica e telecomunicações de 25% para 17%, “uma vez inequívoco tratar-se de bens e serviços de primeira necessidade, a exigir a carga tributária na razão inversa da imprescindibilidade” ; afirmou, ainda, que “adotada a seletividade, o critério não pode ser outro senão a essencialidade”.

Entretanto, o segundo voto disponibilizado no Plenário Virtual do STF sobre o tema, proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes, embora tenha divergido apenas em parte do entendimento do Ministro relator, para afastar a aplicação da alíquota majorada de 25% somente para serviços de telecomunicações, reduzindo-a para 17%, adotou premissa jurídica conflitante com o próprio princípio da seletividade – fundamento central do tema – e que, a prevalecer tal entendimento, permitirá aos Estados continuarem fixando alíquotas majoradas do ICMS sobre tais serviços sem levar em consideração a sua essencialidade.

De acordo com o Ministro Alexandre Moraes, o Estado de Santa Catarina, ao estabelecer alíquotas diferenciadas/reduzidas exclusivamente para consumidores “pessoas físicas” em razão do volume de energia consumido (até 150 kwh/mês), bem como para produtores rurais e cooperativas rurais redistribuidoras (na parte que não exceder a 500 kWh) observou o princípio da seletividade do ICMS sob o aspecto da capacidade contributiva, o que lhe autoriza tributar, pela mesma alíquota majorada de 25% incidente sobre produtos/bens indiscutivelmente supérfluos, todos os demais consumidores – inclusive os comerciais/industriais – sem qualquer distinção, a fim de atender a função extrafiscal do critério da seletividade, que é o de estimular a redução/economia no comsumo de energia, evitando seu desperdício e escasses.

O voto do i. Ministro, porém, revela-se contraditório e distoa do próprio objetivo constitucional que o critério da seletividade trouxe ao ICMS, que é o de justamente facilitar (e não evitar ou dificultar), via tributação adequada e não majorada, o acesso a bens/serviços essenciais por todos, ainda que, para alguns consumidores, possa haver menor carga tributária via fixação de alíquotas inferiores à ordinária prevista em lei, em razão da sua capacidade econômica.

De fato, ao mesmo tempo em que afirma ser “evidente que o princípio da seletividade (…) veda a atribuição de alíquotas sobre mercadorias e serviços essenciais maiores ou iguais às aplicáveis em relação às mercadorias e serviços não essenciais e supérfluos”, reconhecendo, assim, que nos termos da Constituição Federal, o princípio da seletividade está atrelado à necessária observância da essencialidade do produto ou do serviço, o voto do i. Ministro concede, por outro lado, interpretação e aplicação diversa ao referido princípio, em nítido descompasso com sua própria finalidade constituciona!

Ao entender pela manutenção da tributação mais gravosa sobre energia elétrica para a maioria dos consumidores, tal como incidente sobre produtos supérfluos, o Ministro Alexsandre de Moraes dificulta de forma indiscriminada o acesso ao referido serviço, isto é, sem considerar a própria capacidade contributiva deles, já que o consumo não é parâmetro para presumir riqueza econômica para fins tributários quando se trata de bens/serviços indispensáveis e que não podem deixar de ser consumidos/utilizados, ao contrário de produtos não essenciais cuja ausência ou redução de consumo não afeta a vida digna e/ou desenvolvimento das atividades econômicas.

Como exemplo do equívoco adotado no referido voto, citamos uma família de baixa renda que, por patente necessidade em razão do numero de pessoas, trabalho ou até por doença familiar, consome 200 hwh/mês em sua residência, ao contrário de um grande empresário que, residindo apenas com sua esposa e trabalhando fora da sua residência a maior parte do dia, consome 150 kwh/mês. Nesta hipótese – real -, o primeiro consumidor irá ser tributado em 25% sobre a energia consumida, ao passo que este último, de elevada capacidade econômica, irá ser tributado apenas à alíquota de 12%.

Portanto, na forma proposta, a tese sugerida pelo Ministro Alexandre de Moraes mantém não somente a dificuldade de acesso, por milhões de brasileiros, aos serviços imprescindíveis à vida, o que vai de encontro justamente ao caráter extrafiscal da aplicação do critério da seletiviadade ao ICMS (o de facilitar a aquisição de tais bens/serviços essenciais), como, ainda, impõe a afronta ao próprio princiípio da capacidade contributiva que se pretende proteger, sendo certo, ainda, que é inimaginável a manutenção do Estado (no sentido social e econômico, com geração de emprego e renda) sem que haja a possibilidade de vida digna, trabalho remoto, estudo à distância, produção e serviço, o que só ocorre através da utilização constante de energia elétrica e de telecomunicações, serviços estes que necessariamente precisam ser prestados de forma adequada, eficaz e acessível a todos, em especial do ponto de vista fiscal.

Atualmente, o julgamento encontra-se sobrestado em razão do pedido de vista do processo pelo Ministro Dias Toffoli, devendo ser retomado no prazo máximo de 30 dias, conforme determina o Regimento Interno do STF, com a prolação do seu voto e também dos votos dos demais 8 (oito) Ministros que compõem a Corte.

O que se espera, ao final deste importante julgamento, é que o STF exerça, de fato, o seu papel de protetor da Constituição Federal e dos direitos fundamentais nela dispostos, como a preservação do Estado e da dignidade da pessoa humana, através da harmonização dos princípios tributários sob o prisma da justiça fiscal e social, mormente neste atual momento de profunda crise econômica e social em razão da Pandemia da COVID-19.

 

*Leandro Daumas Passos, sócio e tributarista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados; Raquel Bazolli, advogada e tributarista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados

 

*Artigo postado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.

STF começa julgamento sobre tributação estadual de combustíveis e energia

No caso, que pode servir de precedente para outras empresas e Estados, a Lojas Americanas questiona a cobrança de ICMS pelo Estado de Santa Catarina

No mesmo dia em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, anuncia que estuda como reduzir a tributação de combustíveis e do setor elétrico, o Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar no Plenário Virtual um processo que pode afetar o poder dos Estados em definir a alíquota de ICMS de itens como energia elétrica, telecomunicações, combustíveis e outros.

No caso concreto, os ministros julgam a validade de alíquotas diferenciadas do ICMS cobrado sobre o fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ou semelhante às alíquotas de produtos supérfluos, como bebidas alcóolicas. O julgamento pode impactar a arrecadação de todos os Estados, segundo advogados tributaristas (RE 714.139).

O julgamento começa com o depósito do voto do relator no sistema eletrônico. Os demais ministros têm até a próxima sexta-feira para julgar. O voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, ainda não está disponível no site. Segundo fontes, por um problema do sistema.

No caso, a Lojas Americanas questiona a cobrança de ICMS pelo Estado de Santa Catarina (RE 714.139) sob a alíquota de 25%, a mesma aplicada a cigarros e bebidas. A empresa pede que seja aplicada a alíquota de 17%, que é a mais utilizada para os produtos no Estado. Tanto a energia elétrica quando os gastos com telecomunicações são essenciais, segundo o advogado da empresa Leandro Daumas, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados.

“O princípio da seletividade tem como objetivo que a carga de ICMS incida de forma mais gravosa sobre bens supérfluos e seja reduzida para itens essenciais como produtos da cesta básica, remédios e serviços essenciais como telecomunicações e energia elétrica”, afirma o advogado.

No caso concreto, se o pedido da Lojas Americanas for aceito o impacto financeiro para o Estado deve ser de R$ 96,6 milhões por mês, o que significa uma queda de 32% na arrecadação do ICMS sobre energia elétrica em Santa Catarina, segundo a Procuradoria Geral do Estado. A PGE alega na ação que o Judiciário não pode assumir competência constitucional atribuída ao legislador, que definiu a alíquota.

Ainda segundo a PGE, não existe violação ao princípio da seletividade tributária, uma vez que o Estado fez o escalonamento de alíquotas de ICMS quanto às classes de consumidores de energia elétrica – pequenos produtores rurais e consumidores residenciais são tributados pela alíquota de 12%, e não 25% como em setores industriais e mercantis. Além disso, aponta que há determinação constitucional expressa no sentido de que o ICMS poderá ser seletivo (não havendo obrigatoriedade), em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

Apesar de o julgamento se referir a um Estado específico, advogados apontam que o precedente servirá de orientação para pedidos envolvendo os demais. Todos os Estados participam como parte interessada (amicus curiae) afinal, o STF vai definir se eles podem escolher a alíquota de ICMS a depender dos produtos.

De acordo com Julio Janolio, sócio do escritório Vinhas e Redenschi Advogados, apesar de o julgamento estar focado no caso de energia elétrica ele tem o potencial de se espalhar para outras mercadorias que hoje são tributadas a uma alíquota elevada mas são itens essenciais. “Pode causar um rombo muito grande para os Estados”. Além de energia e telecomunicações, combustíveis também têm carga tributária alta mesmo sendo itens essenciais, segundo Janolio. “Telecomunicações é o item de maior carga tributária, chegando a 40% em alguns Estados”, afirma.

Janolio destaca que o tema abordado pelo ministro da Economia no anúncio de hoje e pelo STF tem “tudo a ver”, mas estão sendo tratados no mesmo dia por coincidência. “O tema do STF sobre o excesso de tributação (altas alíquotas) do ICMS sobre mercadorias, bens e serviços já deveria ter sido analisado faz tempo”, afirma o advogado.

 

POR BEATRIZ OLIVON

FONTE: Valor Econômico – 05/02/2021 – Brasília

Desmitificando mais um mito – a saga do PIS e da Cofins sobre o ICMS continua

Há quase um ano, tivemos a honrosa oportunidade de publicar, também aqui no Estadão, um artigo sobre a desmitificação de alguns mitos criados pela União Federal, sempre em torno do Tema 69 de Repercussão Geral no STF, que trata da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.

Estamos aqui, novamente, quase um ano depois, para desmitificar mais um dos mitos recentemente criados. Trata-se, nesse caso, do efetivo significado do indeferimento, pelo STF, de um Pedido Cautelar feito no processo pela empresa.

Vamos, então, ao que interessa ao objeto deste artigo.

As razões do indeferimento do pedido da empresa não passam, nem de longe, pelo eventual enfraquecimento da tese no STF, como tem tentado propagar a Procuradoria da Fazenda Nacional.

Os motivos são outros e já eram de todo esperado não só pela União Federal, como também pelos advogados que defendem acertadamente a tese dos contribuintes.

O primeiro e principal fundamento é que a Tutela Provisória pleiteada foi formulada com um pedido desalinhado ao objeto da ação principal. Pediu-se, para surpresa de todos, que fosse suspensa a exigibilidade futura do PIS e da COFINS não-cumulativos, sendo que o objeto da ação é tão somente excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. Portanto, só por esse simples motivo o pedido da empresa já precisaria ser indeferido de pronto, pois desconexo ao objeto da ação.

O segundo fundamento é que, como se sabe, a compensação do indébito antes do trânsito em julgado tem vedação legal expressa (art. 170-A do CTN). Então, ainda que o STF entendesse que o pedido formulado objetivaria em última análise recuperar antecipadamente o indébito, presumindo que fosse essa a intenção do Patrono, o resultado do indeferimento do pedido fatalmente seria o mesmo, por força do art. 170-A do CTN.

E, por fim, nem se alegue que o que a empresa queria era a suspensão futura da exigibilidade do PIS e da COFINS sobre a parcela do ICMS, pois esse direito ela já tem assegurado desde 2017, quando foi proferido o acórdão em seu processo.

Não podemos, porém, antes de finalizar este artigo, deixar de mencionar que o incompreensível memorial que foi juntado aos autos pela empresa em maio de 2020, bem como o recente pedido de Tutela Cautelar, vêm causando nítido tumulto processual e atrapalhando o desenrolar natural de um processo que, por sua relevância econômica, precisa estar desobstruído para ser incluído em pauta de julgamento. Assim, mesmo sendo esse um fator subjetivo, pode também ter contribuído para o indeferimento do pedido, de forma a não abrir mais um precedente de ataque pela Fazenda Nacional, criando ainda mais obstáculos para o retorno dos Embargos de Declaração à pauta de julgamento do Plenário do STF.

Estamos seguros, pois, de que as razões para o indeferimento do pedido não têm nenhum, absolutamente nenhum, viés contra a tese em discussão ou mesmo contra a expectativa de sucesso da respectiva tese. Esse foi um assunto profundamente estudado pela Ministra Carmen Lúcia antes de proferir o seu voto no leading case do Tema 69 e é um assunto de sua evidente convicção jurídica. Além disso, as razões de indeferimento do Pedido Cautelar da empresa estão, como se pode facilmente observar na leitura do recente voto da Ministra Carmen Lúcia, ligadas tão somente a questões processuais. Trata-se, pois, de mais uma tentativa de intimidação da RFB. Ou, usando a expressão que já vimos usando desde o ano passado, mais um mito a ser desmitificado, como de fato já o foi.

 

*Flávio Augusto Dumont Prado é sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, em Curitiba

 

*Artigo postado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.