Alterações no ISS do município de São Paulo: CPOM facultativo, redução de alíquotas e oneração das Sociedades Uniprofissionais

A Lei n° 17.719/2021, do município de São Paulo, de 26/11/2021, trouxe as seguintes alterações na legislação do ISS deste município: (i) o Cadastro de Prestadores de Serviços de Outros Municípios (“CPOM”) deixa de ser obrigatório; (ii) reduz alíquotas do ISS para algumas atividades; e (iii) eleva a base de cálculo presumida do imposto para as Sociedades Uniprofissionais.

O cadastro no CPOM, que anteriormente era obrigatório ao prestador de fora do município que prestava serviços a tomador domiciliado em São Paulo, passa a ser opcional.

Ademais, serão reduzidas a 2%, com vigência a partir de 01/01/2022, as alíquotas do ISS para os serviços listados na Lei n° 13.701/2003, enquadrados:

(i) nos subitens 10.05 e 17.11 e “relacionados, respectivamente, a intermediação, via plataforma digital, de aluguéis, transporte de passageiros ou entregas, bem como de compra e venda de mercadorias e demais bens móveis tangíveis (marketplace), e administração de imóveis realizada via plataforma digital”;

(ii) no subitem 10.04, “relacionados a agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchising)”;

(iii) no subitem 23.01, “relacionados a programação visual, comunicação visual e congêneres”; e

(iv) nos subitens 13.01 (13.01 – Fonografia ou gravação de sons, inclusive trucagem, dublagem, mixagem e congêneres), 13.02 (Fotografia e cinematografia, inclusive revelação, ampliação, cópia, reprodução, trucagem econgêneres), 13.03 (Reprografia, microfilmagem e digitalização) e 17.07 (Franquia/Franchising). Mais especificamente sobre o subitem 13.03, a nova alíquota não engloba os serviços quando eles forem prestados por notários, oficiais de registro ou seus prepostos.

No que diz respeito às sociedades uniprofissionais, o aumento da carga tributária decorre da elevação da base de cálculo presumida e passará a gerar efeitos em 90 dias após a publicação da Lei n° 17.719/2021. Ela deverá observar as faixas de receita bruta mensal, calculadas da seguinte forma:

(i) R$ 1.995,26 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, até 5 profissionais habilitados;

(ii) R$ 5.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 5 (cinco), até 10 (dez) profissionais habilitados;

(iii) R$ 10.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 10 (dez), até 20 (vinte) profissionais habilitados;

(iv) R$ 20.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 20 (vinte), até 30 (trinta) profissionais habilitados;

(v) R$ 30.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 30 (trinta), até 50 (cinquenta) profissionais habilitados;

(vi) R$ 40.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 50, até 100 (cem) profissionais habilitados;

(vii) R$ 60.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 100.

Ainda de acordo com as novas regras, a apuração do ISS será feita por meio do somatório progressivo dos produtos entre as faixas de receita bruta obtidas e a alíquota incidente sobre o serviço prestado.

Por fim, destacamos que, de acordo com a legislação, as Sociedades Uniprofissionais são aquelas em que seus profissionais (sócios, empregados ou não) “são habilitados ao exercício da mesma atividade e prestam serviços de forma pessoal, em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal”.

 

Clique aqui para outros temas recentes.

STF reiniciará o julgamento da exclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins

No dia 27/08/2021, o ministro Luiz Fux, formalizou pedido de destaque e interrompeu o julgamento do RE 592616 perante o Plenário virtual do STF, ocasisão em que se discutia a tese sobre a exclusão do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) da base de cálculo das contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Antes do mencionado pedido de destaque, os ministros da Corte estavam divididos quanto à referida tese jurídica e o julgamento virtual estava empatado em 4 x 4. Agora o julgamento será reiniciado perante o Plenário presencial do STF com a possibilidade de alteração dos votos anteriormente proferidos e sob a relatoria do ministro Nunes Marques, sucessor do ministro aposentado Celso de Mello (art. 38, IV, A, do Regimento Interno do STF).

Aliás, registra-se que esse caso começou a ser julgado no Plenário virtual do STF em 14/08/2020, quando o então ministro relator Celso de Mello apresentou voto em que conhecia parcialmente do recurso e, nessa parte, dava provimento para excluir da base de cálculo das contribuições referentes ao PIS/PASEP e à Cofins o valor arrecadado a título de imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), e não conhecia o pleito concernente à compensação tributária por entender que tratava de matéria infraconstitucional. Em seguida, o julgamento foi suspenso em 19/08/2020 após pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O julgamento foi reiniciado no Plenário virtual do STF no dia 20/08/2021 com apresentação e voto-vista divergente do ministro Dias Toffoli que negava provimento ao recurso extraordinário e mantinha o ISS na base de cálculo do PIS/PASEP e da Cofins.

Finalmente, registra-se que quando o pedido de destaque do ministro Luiz Fux interrompeu o julgamento virtual, o voto do então relator min. Celso de Mello era acompanhado pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e pelo ministro Ricardo Lewandowski. Já o voto-vista divergente do ministro Dias Toffoli era acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Roberto Barroso.

 

Clique aqui para outros temas recentes.

São Paulo dispensa recolhimento do ICMS sobre software

Estado cobrava 5% de ICMS sobre aquisições por meio físico ou download

Em respostas a contribuintes, o Estado de São Paulo dispensou a tributação pelo ICMS sobre operações com software. As consultas tributárias, publicadas em maio, incorporam a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a incidência do ISS sobre o licenciamento ou a cessão do direito de uso de programas de computador.

Até a decisão do STF, proferida em fevereiro, os Estados sustentavam que poderiam exigir ICMS sobre softwares de prateleira, ainda que fossem adaptáveis para um cliente. O Estado de São Paulo, por exemplo, cobrava 5% de ICMS sobre as operações.

Em uma das consultas, um comerciante de programas de antivírus não customizados perguntou se deveria emitir a nota fiscal eletrônica (NF-e) ou a nota fiscal de serviços eletrônica (NFS-e). A resposta do Fisco paulista foi de que não são tributadas pelo ICMS operações com programas antivírus para computador por meio de licenciamento ou da cessão de direito de uso, ainda que se trate de software padronizado.

“Assim, dúvidas relacionadas ao ISSQN e ao cumprimento das respectivas obrigações acessórias devem ser direcionadas ao Fisco do município competente”, informou a Secretaria de Fazenda de São Paulo (Consulta Sefaz-SP nº 23.451, de 2021).

Os ministros do STF afastaram a diferenciação entre programas padronizados e personalizados (ADIs nº 1945 e 5659). Entenderam que sobre todas as operações com software deve incidir o ISS, de competência dos municípios. A regra vale para aquisições físicas ou eletrônicas, como por meio de download ou streaming.

Em outra consulta feita por uma empresa paulista, o contribuinte relatou que está adquirindo para revenda software comprado de fornecedor localizado no Estado do Rio Grande do Sul. Perguntou se deveria recolher o diferencial de alíquota ou a antecipação do ICMS pelo regime de substituição tributária. Na resposta, a Sefaz-SP informou que não há que se falar nesses recolhimentos dado que a incidência do ICMS sobre essas operações foi afastada pelo STF (Consulta nº 23.558, de 2021).

De acordo com o advogado Maurício Barros, sócio do escritório Gaia, Silva, Gaede Advogados, as respostas às consultas demonstram a incorporação pelo Estado de São Paulo do entendimento do STF sobre o assunto. A decisão da Corte foi tomada em controle concentrado de constitucionalidade e vale para todos os contribuintes a partir da publicação da ata de julgamento do mérito, o que ocorreu no dia 2 de março.

Dessa forma, o tributarista afirma que o contribuinte não precisa formular consultas ao Fisco para deixar de recolher o ICMS daqui para frente. “A Fazenda acatou a decisão do STF e não vai tributar essas operações”, diz.

 

*Postado originalmente no Valor Econômico.

Modulação de efeitos em matéria tributária: Uma tendência para 2021?

Há uma preocupação dos contribuintes com possíveis novas modulações, que ainda devem ser exceções nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal.

O atual cenário de pandemia evidentemente vem deixando sequelas sanitárias, econômicas e sociais, mas também está repercutindo expressivamente no mundo jurídico. Parte desses efeitos no Poder Judiciário podem ser percebidos pelo aparente crescimento da modulação de efeitos das decisões em matéria tributária, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, a partir do ano de 2020.

O instituto jurídico da modulação de efeitos, em síntese, delimita o marco temporal de aplicação das decisões do STF, tanto em sede de julgamento de Repercussão Geral ou das Ações Diretas de (in)constitucionalidade.

O art. 27 da lei 9.868/99 estabelece que, no julgamento de ADIn, por questões de segurança jurídica ou de interesse social, poderá o STF restringir os efeitos da decisão a partir do trânsito em julgado ou de outro momento a ser fixado.

Código de Processo Civil (CPC/15), por sua vez, prevê em seu art. 927, § 3º que na alteração de jurisprudência dominante nos tribunais superiores, o STF poderá modular os efeitos da decisão, atendendo os requisitos de interesse social e de segurança jurídica.

Isto quer dizer que, quando declarada a inconstitucionalidade da norma, a regra geral é que os efeitos declaratórios sejam retroativos, ou seja, a norma inconstitucional perde sua eficácia desde a sua edição, atingindo fatos pretéritos. A exceção é a modulação de efeitos, que poderá ocorrer somente em casos de relevante interesse social e de segurança jurídica – ou, mais recentemente com o CPC/15, quando há alteração da jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores.

No ano de 2019, em ADIs e Repercussões Gerais, foram julgados 26 casos tributários, ocorrendo modulação de efeitos em apenas 2 casos (7,6%). Já no ano de 2020, 77 casos tributários tiveram o mérito julgado, ocorrendo modulação em 4 casos (5,19%).

Contudo os números – até o início de abril/2021 – chamam atenção: dos 13 casos julgados pelo STF, 7 já tiveram seus efeitos modulados pela Corte (53,84%). É fato que o número de casos julgados ainda está longe do número total de julgamentos dos anos de 2019 e 2020, mas o número absoluto de modulações já supera a soma dos anos anteriores (7 até o início de abril/2021, contra 6 nos anos de 2019 e 2020)1.

Assim, o que os contribuintes podem esperar do STF no ano de 2021?

Temas relevantes estão pautados para este ano, com relação a pedidos de modulação de efeitos: por exemplo, o julgamento dos embargos de declaração opostos no RE 1.072.485 (Tema 985), que trata da incidência de contribuição previdenciária do empregador sobre o terço constitucional de férias gozadas, recentemente retirado de Pauta Virtual por pedido de destaque do Min. Luiz Fux; bem como os embargos de declaração opostos pela União no RE 574.706 (Tema 69), atinente à exclusão do ICMS sobre a base de cálculo do PIS e Cofins, que há anos espera o julgamento definitivo quanto aos efeitos da decisão.

Cabe pontuar que, em dezembro de 2019, o STF decidiu – numa questão de ordem no RE 638.115 – que a “modulação dos efeitos de decisão em julgamento de recursos extraordinários repetitivos, com repercussão geral, nos quais não tenha havido declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, é suficiente o quórum de maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal” (STF, RE 638.115, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/19).

A referida decisão do STF, com todo o respeito, poderá facilitar ainda mais a utilização da técnica da modulação dos efeitos em matéria tributária. Não se desconhece que inúmeras vezes a exigência inconstitucional do tributo não está “fundamentada” em uma lei ou ato normativo do ente tributante tida por inconstitucional, mas sim numa interpretação ou costume fiscal que viola a própria base econômica eleita pelo constituinte para a incidência do tributo. Temos diversos exemplos em âmbito federal no que tange à definição do conceito constitucional de (i) receita bruta/faturamento (Temas de Repercussão Geral 69, 118, 1.048 e 1.067) e (ii) renda e proventos (Tema de Repercussão Geral 808).

Assim, confirmada a tendência do STF de ter uma maior “sensibilização” com as finanças públicas, há uma preocupação dos contribuintes com possíveis novas modulações em julgamentos em matéria tributária para o ano de 2021, principalmente depois da flexibilização do quórum da modulação em sede de repercussões gerais.

Mas, apesar disso, é preciso ter em mente que a modulação de efeitos ainda deve ser a exceção nos julgamentos do STF. Ora, se este instituto tem por finalidade a preservação da segurança jurídica e de relevantes interesses sociais, então não pode ser confundido com a segurança financeira dos cofres públicos. A modulação de efeitos deve visar aproximar a Constituição Federal e não afastá-la do caso concreto.

Caso contrário, estar-se-ia diante de uma situação de incentivo à criação de normas inconstitucionais pelos entes federados, a fim de dar fôlego à arrecadação e sem temer que no futuro os contribuintes possam restituir o que indevidamente pagaram.

Além disso, a jurisprudência do STF – sempre que aplicou a técnica da modulação em matéria tributária – preservou os contribuintes com ações judiciais em curso. Como o STF já decidiu, a pura e simples aplicação de efeitos prospectivos (para o futuro) em matéria tributária “implica estímulo à edição de leis à margem da Carta da República, visando a feitura de caixa, com enriquecimento ilícito do Estado – gênero – em detrimento dos contribuintes no que já arcam com grande carga tributária” (AI-AgR 598.033/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 27/6/8).

Analisando o ano de 2021, pode-se dizer que ainda é cedo para o pessimismo e que, apesar do cenário de receio e insegurança dos contribuintes com uma recente tendência para a modulação de efeitos, o STF deve seguir sua jurisprudência e – ao menos – preservar e afastar de futuras modulações os contribuintes com ações judiciais em curso e transitadas em julgado.

____

1 A exemplo do julgamento das ADIs 1945 e 5659, que tratavam da incidência de ISS ou ICMS em operações com softwares, no qual o STF traçou 08 diferentes possibilidades de produção de efeitos da decisão.

Outro exemplo é a modulação de efeitos no RE 1287019 (Tema 1.093), onde houve a declaração de necessidade de edição de Lei Complementar para cobrança do ICMS Difal, entretanto, com produção de efeitos somente a partir de 2022.

 

*Artigo postado originalmente no Migalhas.

ISS no licenciamento de software atende players do setor, diz advogado

Ontem, o plenário do STF excluiu a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador.

 

Na tarde de ontem, 18, o plenário do STF excluiu a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador (software). A Corte, no entanto, decidiu que, nessas operações, incide o ISS. A modulação dos efeitos da decisão será analisada na próxima semana.

O advogado Georgios Theodoros Anastassiadis (Gaia Silva Gaede Advogados) explica que a decisão do STF vai ao encontro do pleito dos players, os empresários do setor, porque o ISS possui alíquota menor do que o ICMS.

De acordo com o advogado, não se justifica a incidência do ICMS porque o licenciamento dos softwares não implica na transferência de propriedade, “que é indispensável para a incidência do ICMS”.

*Postado originalmente no Migalhas.

STF define tributação incidente sobre software

No dia 18/02, o Supremo Tribunal Federal decidiu o mérito das ações diretas de inconstitucionalidade que discutem a incidência tributária sobre os programas de computador. Nesta ocasião, o tribunal decidiu, por uma maioria de 7 votos a 4, que deve incidir sobre o software o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, o ISS, de competência municipal, em detrimento do ICMS, alterando a jurisprudência da corte formada há décadas.

Esta decisão vem sendo aguardada há anos pelo setor de tecnologia e traz segurança jurídica para todo o mercado, que não sabia ao certo qual tributo pagar: se o ISS, o ICMS, ambos os tributos ou nenhum deles. Além disso, a definição do ISS como tributo incidente sobre o software vem ao encontro dos anseios dos empresários do setor, já que o ISS possui uma alíquota sensivelmente menor que a do ICMS.

Na visão da maioria dos ministros, quando se contrata um software, o contratante adquire a licença de uso do programa de computador e uma série de serviços conexos, como atualização, segurança da informação, manutenção e suporte, e, por isso, não se está diante de uma aquisição de mercadoria, mas sim de um serviço, independentemente de ser uma aplicação feita sob encomenda ou produzida em larga escala.

Adicionalmente, quando se adquire um software, não ocorre a transferência de titularidade do programa, sendo essa transferência indispensável para a incidência do ICMS, que incide sobre a circulação física e jurídica de mercadorias.

Embora o mérito da discussão tenha sido decidido, os ministros do Supremo ainda se debruçarão, em 24/02, sobre a proposta de modulação dos efeitos da decisão, ou seja, julgarão se a definição pela incidência do ISS sobre os programas de computador deverá valer apenas a partir da data da decisão ou, por outro lado, se retroagirá para os últimos cinco anos.

 

Clique aqui para outros temas recentes.

Presença digital relevante no Brasil não deveria ser tributada

Não parece ser o momento para a instituição do conceito de EPV nos países latino-americanos

“A América Latina é pródiga em importar coisas das quais não precisa”. Essa foi a conclusão do painel sobre a experiência latino-americana frente ao estabelecimento permanente virtual no último Encontro Regional Latino-americano da International Fiscal Association (IFA), ocorrido em maio de 2019, no Panamá. Na ocasião, especialistas de sete nações da região debateram a necessidade ou não de os países latino-americanos adotarem o que se convencionou chamar de “estabelecimento permanente virtual”, instituto que tem por finalidade identificar a presença digital relevante de uma empresa residente em um país em outro, para fins de tributação do valor gerado por ela no segundo.

Há uma grande discussão sobre a tributação da economia digital em âmbito mundial. Não se trata do debate interno que temos no Brasil acerca da incidência de ICMS ou ISS (ou de nenhum tributo indireto) sobre algumas operações que ocorrem no mundo digital, mas de uma discussão sobre a tributação direta da renda mundial, cuja preocupação é a alocação de resultados nas jurisdições em que as empresas da economia digital geram valor mesmo sem presença física.

Basicamente, a partir do protagonismo cada vez maior da digitalização da economia, muitos países perceberam que parte da riqueza gerada em seu território não era tributada, na medida em que percebida em função de operações cujas remessas internacionais não estão sujeitas ao pagamento de imposto de renda na fonte, ou ainda pelo simples fato de não gerarem necessariamente um fluxo financeiro de pagamento.

Na segunda hipótese, está o típico caso de usuários dos sites que contemplam acessos gratuitos, tais como Facebook e Instagram, os quais agregam valor a essas empresas sem que qualquer pagamento seja realizado pelo usuário. Tal geração de valor pelos usuários para essas plataformas ocorre de forma pulverizada em vários países (de residência dos usuários) sem que haja pagamento de imposto de renda localmente.

É justamente para abarcar essas situações que existem propostas de criação de uma espécie de Estabelecimento Permanente Virtual (EPV), cujos fundamentos são a revisão do conceito de fonte, com a superação dos critérios baseados exclusivamente na presença física das empresas em outros países, e uma nova dimensão da teoria do benefício, de modo a reconhecer que uma empresa não residente pode se beneficiar da infraestrutura existente em um dado país, onde os usuários acessam os diversos serviços oferecidos online, remotamente, além de proteção jurídica, proteção de marcas etc. Por conta desse benefício obtido, as empresas também deveriam contribuir com as despesas do país, por meio do pagamento de tributos.

Para tanto, tais propostas sugerem novos parâmetros para a identificação do estabelecimento permanente de uma empresa não residente em um dado país, baseados na quantidade de acessos e/ou usuários dos serviços digitais, tempo de acesso e renda gerada com a atividade local, entre outros. Uma vez reconhecida a presença digital relevante por meio da identificação de um “estabelecimento permanente digital”, parte da renda da empresa não residente seria tributada no país em que detectada essa presença digital relevante.

Contudo, se essa solução está ajustada aos interesses de alguns países, no caso latino-americano não há consenso quanto à sua utilidade. Primeiramente, a experiência latino-americana com a aplicação do conceito clássico de Estabelecimento Permanente (EP), baseado unicamente em critérios físicos, tem-se demonstrado bastante escassa e, quando aplicada, demasiadamente problemática, sobretudo pela dificuldade em se aplicar os critérios estabelecidos nas legislações internas ou nos acordos para evitar a dupla tributação. Essa dificuldade seria amplificada no caso do EPV, já que os critérios sugeridos são muito mais complexos do que os padronizados para a identificação do EP tradicional.

Outro ponto que enfraquece a adoção do EPV na região é a forte tradição local de se tributar as remessas internacionais com o imposto de renda retido na fonte, o que, por si, já aloca boa parte da renda auferida pelos não residentes nos países de fonte quando realizadas as remessas em pagamento. Nesse ponto, a adoção do EPV poderia não trazer um aumento significativo na arrecadação, ao menos considerando as operações B2B, cujas remessas internacionais dificilmente ficam à margem das retenções.

Além disso, alguns países da região já aderiram a modelos de “digital services tax” (DST), cujo objetivo é justamente alcançar as operações envolvendo serviços digitais prestados de maneira transfronteiriça. No Brasil, já temos a exigência de contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) própria, incidente sobre a importação de tecnologia e de serviços técnicos, impondo carga tributária adicional sobre as remessas internacionais relacionadas à economia digital (de maneira similar ao Equalization Levy existente na Índia), e tramita no Congresso Nacional o projeto de lei nº 2.358/2020, que pretende instituir uma espécie de DST no país, a exemplo do que fizeram França e Itália em meio às discussões no âmbito da OCDE, sob a forma de nova CIDE, proposta que apresenta uma série de inconsistências.

Importante destacar que a criação de um EPV demandaria ação multilateral dos países, o que seria bastante difícil diante dos distintos interesses envolvendo a matéria. Outro ponto relevante para o debate é a altíssima complexidade de alguns sistemas tributários, como é o caso do brasileiro, sobretudo no tocante à tributação sobre o consumo.

Sem dúvida, agregar ao sistema brasileiro o sofisticadíssimo conceito de EPV traria ainda mais encargos ao dia-a-dia das empresas e cidadãos, o que vem na contramão do que a sociedade brasileira espera em termos de simplificação da tributação no país, com todos os esforços que estão sendo feitos para uma reforma tributária nesse sentido.

Por tudo isso, não parece ser o momento para a instituição do conceito de EPV nos países latino-americanos, especialmente no Brasil.

 

*Artigo postado originalmente no Jota.

Digital Services Tax à brasileira

10 razões porque a CIDE-Digital não deve ser aprovada pelo Congresso Nacional

Tramita no Congresso Nacional o PL 2358/2020, do deputado João Maia, que pretende instituir um digital services tax (DST) no Brasil, a exemplo de tributos semelhantes instituídos por alguns países europeus (Itália e França, conforme aponta o projeto). O PL pretende instituir uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, chamada de CIDE-Digital pelo projeto, que incidiria sobre a receita bruta de serviços digitais prestados por “grandes empresas de tecnologia” e cujo produto da arrecadação seria destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Seu fato gerador ocorreria no recebimento de receita bruta decorrente de três atividades: (i) publicidade on-line, (ii) disponibilização de plataformas digitais de intermediação de venda de mercadorias e serviços, e (iii) venda de dados de usuários localizados no Brasil.

O projeto, contudo, apresenta uma série de inconsistências, a saber:

1. Contexto diferente dos países europeus: a exploração do mercado europeu a partir de uma presença somente digital no país de destino impossibilita retenções na fonte sobre pagamento oriundo do país consumidor, considerando que a rede de tratados desses países impede retenções e a tributação local só poderia alcança restabelecimentos permanentes físicos. Por isso, alguns países adotaram medidas unilaterais para tributar as receitas das grandes multinacionais de tecnologia pelo valor gerado em seus territórios.

Diversa é a situação do Brasil, país que mais tributa as remessas internacionais (sobretudo por intangíveis). Para PJs, as remessas podem estar sujeitas a IRRF (15%), ISS (2% a 5%), ICMS (discutível), PIS/Cofins (9,25%), IOF (0,38%) e CIDE (10%). Já no caso das PFs, incide o IOF crédito, cuja alíquota (6,38%) é maior do que as da CIDE-Digital (1% a 5%).

2. Inconformidade com requisitos constitucionais das contribuições interventivas: as CIDEs têm dois pressupostos: (i) identificação de um domínio econômico específico para a intervenção estatal; (ii) referibilidade entre o valor pago e a atuação estatal interventiva. No caso da CIDE-Digital, (i) a concepção de um “domínio econômico” digital já foi rechaçada pela OCDE, que concluiu pela impossibilidade de se isolar (“Ring Fence”) a Economia Digital para tributá-la como um campo de incidência destacado. O que ocorre é um fenômeno de digitalização que abrange a economia de forma difusa em seus mais variados aspectos, tais como financeiro (bancos digitais), hospedagem e hotelaria, transporte etc. Não há um “domínio econômico digital” que requeira intervenção.

Já a referibilidade (ii) é à relação entre o valor arrecadado pelo tributo e a atuação estatal que possa beneficiar quem o recolhe. Não existe uma atuação estatal específica na CIDE-Digital, pois o desenvolvimento tecnológico nacional beneficiaria toda a economia de forma indistinta. A referibilidade é mais débil ao notar que o contribuinte pode ser PJ não residente no Brasil e, logo, não beneficiária de um fundo para desenvolvimento da tecnologia no país.

3. Ausência de competência tributária brasileira para tributar receitas de não residentes: o tributo também almeja alcançar receitas de entidades não estabelecidas no Brasil, sem qualquer elemento de conexão com o país, em clara ofensa ao princípio da territorialidade e com exacerbação da competência brasileira de tributar a renda mundial.

4. Indesejada pluritributação da receita: o PL menciona que são contribuintes empresas nacionais ou estrangeiras, e aponta que o tributo incidiria sobre receitas dos contribuintes com as atividades especificadas. Nesse ponto, salta aos olhos a pluritributação da receita das entidades estabelecidas no Brasil, pois, havendo presença física no Brasil, sua receita já seria sujeita a PIS/Cofins, ISS e/ou ICMS. Na dinâmica do PL, uma empresa nacional poderia ter uma receita estatutária regular para fins de PIS/Cofins, ISS e ICMS e outra receita para fins da CIDE-Digital, apurada de forma presumida segundo critérios do PL.

5. Problemáticos fatos geradores

5.1. Publicidade on-line: o PL pretende alcançar as receitas de publicidade on-line para “usuários localizados no Brasil”. A medida é complexa, pela pouca probabilidade de um efetivo controle de anúncios visualizados apenas por usuários no Brasil. Nem mesmo a previsão de proporcionalizar a base de cálculo, de modo que a CIDE-Digital incida apenas sobre a “parcela da receita bruta proporcional às exibições a usuários localizados no Brasil”, no caso de publicidade exibida em outros países, parece de fácil aplicação, considerando as dificuldades para se fazer essa quantificação.

Embora haja a previsão de que se considere localizado no Brasil o usuário que acessar a plataforma digital em dispositivo localizado fisicamente no Brasil, conforme o endereço IP que acessar a plataforma, como aplicar essa métrica à quantificação da base de cálculo do tributo? Cada IP que acesse o anúncio será considerado? Cada acesso do mesmo usuário no mesmo dia? Acessos do mesmo usuário em um intervalo predeterminado de dias? Como computar plataformas de pesquisa que, eventualmente, também acessem esses anúncios via robôs?

5.2. Disponibilização de plataformas digitais: o PL pretende taxar plataformas digitais que permitam que usuários interajam entre si com o objetivo de venda de mercadorias ou de prestação de serviços, desde que um deles esteja no Brasil. Embora pretenda alcançar os marketplaces, ao apontar que a compra e venda e a prestação de serviços devem ocorrer “diretamente” entre os usuários, o PL atingiria quaisquer redes sociais por meio das quais vendedores/prestadores pudessem interagir com compradores/tomadores, mesmo as concluídas externamente à plataforma (checkout externo e mesmo no meio físico).

Como as redes sociais também faturam com publicidade, suas receitas poderiam ser indevidamente tributadas duas vezes: uma pela publicidade, outra pela plataforma.

Além disso, existe a dificuldade em separar as receitas tributáveis, considerando ao menos um usuário no Brasil, e as não tributáveis (usuários no exterior), pelas razões já apontadas e pela dificuldade em determinar “entrar em contato” e “interagir” no mundo digital: basta a visualização? Troca de mensagens? Fechamento de negócios? Em negócios fechados diretamente pelos usuários, como descobri-los e contabilizá-los para a proporcionalização?

5.3. Venda de dados: o PL pretende tributar receitas obtidas com a transmissão dedados de usuários no Brasil coletados durante o uso de uma plataforma digital ou gerados por esses usuários. Além da confusão com as receitas com publicidade dirigida, em sendo uma contribuição que tem a intenção de taxar grandes empresas multinacionais de tecnologia,fica a dúvida se a incidência não atingiria também contribuintes que nada têm com esse universo, pois as vendar de dados também ocorrem de formas simples do ponto de vista tecnológico, como a comercialização de mailing lists por restaurantes/bares ou de informações de compras por farmácias. Nada impediria, portanto, que enormes cadeias internacionais de restaurantes ou de drogarias fossem tributadas por atividades no Brasil…

6. Violação aos princípios da não discriminação e do desenvolvimento nacional: os contribuintes do novo tributo seriam as PJs, domiciliadas no Brasil ou exterior,que auferirem receita bruta em decorrência das atividades apontadas acima e que pertençam a grupo econômico que tenha, no ano-calendário anterior, (i) receita bruta global superior ao igual a R$ 3 bilhões; e (ii) receita bruta superior a R$ 100 milhões no Brasil.

A justificativa do PL aponta que apenas as empresas com presença no exterior seriam tributadas, pois não haveria “sentido em aplicá-la a uma empresa de tecnologia que só atue no Brasil, mesmo que seja grande, já que ela não terá como deslocar o lucro para filiais no exterior”. Isso mostra uma violação ao princípio da não discriminação e traz um enorme desincentivo ao tímido processo de internacionalização de empresas de capital nacional.

7. Violações à isonomia e à livre concorrência: o potencial novo tributo poderia desequilibrar a concorrência entre empresas multinacionais e nacionais, pois as empresas nacionais concorreriam com vantagem ao não serem oneradas com a CIDE-Digital.

8. Incidência sobre operações sujeitas à CIDE-Tecnologia: a CIDE-Tecnologia incide sobre remessas internacionais de transferência de tecnologia e importação de serviços técnicos, com o propósito de “estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo”. O produto de sua arrecadação também é destinado ao FNDCT. Nesse contexto, a CIDE-Digital poderia alcançar receitas já tributadas pela CIDE-Tecnologia e ter o produto da arrecadação destinada aos mesmos fins.

9. Problemas operacionais e violação à isonomia: o PL também alcança receitas integralmente auferidas no exterior e sem qualquer trânsito financeiro pelo Brasil. Nesse ponto, como garantir a efetividade de sua arrecadação, considerando que os DST são medidas unilaterais dos países de mercado que contam com reprovação dos países de residência das empresas? Muito provavelmente, não haveria colaboração entre esses países e as autoridades brasileiras, o que inviabilizaria a cobrança em muitos casos.

Assim, as empresas que operam exclusivamente a partir do exterior poderiam ter vantagens com relação a multinacionais brasileiras, com violações à livre concorrência e à isonomia. Isso também poderia levar a um movimento de fuga de multinacionais do território brasileiro.

10. Grandes multinacionais de tecnologia já são tributadas no Brasil: seja pela pesada carga tributária das remessas internacionais, seja por peculiaridades do mercado brasileiro (alto nível de desbancarização, instabilidade sazonal do câmbio,poucas pessoas com cartões internacionais etc.), grandes multinacionais de tecnologia estão constituídas no Brasil como entidades jurídicas brasileiras, razão pela qual já estão sujeitas a toda a pesada carga tributária do país. Logo, nada justifica a criação de mais um tributo para elas.

Por tudo isso, o PL 2358/2020 deve ser rechaçado pelo Congresso Nacional.

 

*Artigo postado originalmente no Jota.

ALGUNS DESAFIOS TRIBUTÁRIOS DA PUBLICIDADE DIGITAL

Em âmbito global, a publicidade on-line vem sendo alvo de algumas medidas unilaterais tomadas por certos países.

É sabido que o constante incremento de usuários de internet mudou significativamente diversos segmentos da economia. De todos os segmentos, certamente um dos mais afetados foi o marketing, pois a rede mundial de computadores tem possibilitado que diversas estratégias das empresas sejam alcançadas de modo mais rápido e eficaz, diante do direcionamento de ações a públicos específicos e, muitas vezes, o próprio monitoramento dos hábitos desse público.

Contudo, uma das estratégias de marketing digital, que é a publicidade on-line, tem sido o foco de algumas discussões bastante complexas no âmbito tributário, o que em alguns casos vem acarretando elevadíssimos autos de infração às empresas.

Em âmbito global, a publicidade on-line vem sendo alvo de algumas medidas unilaterais tomadas por certos países. O fundamento para essa tributação é o fato os lucros com a veiculação de anúncios obtidos por empresas residentes serem normalmente tributados no país, ao passo que os lucros das empresas não residentes, obtidos nas mesmas operações, não. Com isso, alguns países vêm tributando os pagamentos efetuados pelos tomadores de serviços de publicidade aos prestadores não residentes, de modo a “equalizar” as situações de prestadores residentes e não residentes e, assim, posicioná-los na mesma situação em termos fiscais (ao menos para fins de tributação dos lucros).

É o caso da Índia, primeiro país a impor o Equalisation Levy (“Tributo de Equalização”, em tradução livre) a não residentes pela veiculação de anúncios na internet, a uma alíquota de 6% sobre os valores das remessas efetuadas pelos tomadores de serviços. Outros países adotaram ou estão em vias de adotar medidas semelhantes, ainda que com campos de incidência distintos (serviços digitais em geral) e sem utilizar a mesma terminologia ao nomear os tributos cobrados, como é o caso da Itália (Web Tax – 3% sobre as remessas).

Outras medidas unilaterais chegam a gravar operações de empresas não residentes que sequer recebem pagamentos de residentes. O fundamento dessas cobranças é o de que, ao dirigir publicidade para residentes em um dado país, as prestadoras de serviço de publicidade on-line geram valor nesse país ainda que não aufiram quaisquer rendimentos de fontes nele situadas. Nessa linha, há notícia de um tributo criado pela Hungria (Advertisement Tax) que incide sobre as receitas com publicidade on-line destinada ao mercado húngaro (ex.: anúncios predominantemente na língua local), independentemente do calo de residência de prestadores e anunciantes, cujo dever de recolhimento é das próprias prestadoras, que devem se registrar perante as autoridades fiscais locais. Além disso, há uma segunda imposição fiscal dos anunciantes residentes na Hungria, caso os prestadores não residentes não sejam inscritos e os anunciantes não forneçam dados dos prestadores às autoridades locais.

Também medidas multilaterais vêm sendo pensadas para, no contexto maior da economia digital, endereçar a tributação da publicidade na internet. Nesse sentido, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dentro do Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), deverá apresentar suas sugestões até o final de 2020, na medida em que o relatório intermediário sobre a tributação da economia digital, publicado em março de 2018, não apresentou nenhuma recomendação concreta.

Não foi o caso da Comissão Europeia, que, em relatório publicado em março de 2018, recomendou a adoção de uma imposição transitória de 3% da receita bruta obtida por empresas não residentes que tenham presença digital relevante nos países-membros da União Europeia. Segundo essa proposta, será considerada “presença digital relevante” as empresas que prestam serviços digitais (inclusive de publicidade) que atendam ao menos um dos seguintes critérios: (a) excedam o limite de 7 milhões de euros de receitas anuais em um país-membro ao longo de um exercício fiscal; (b) tenham mais de 100.000 usuários em um país-membro ao longo de um exercício fiscal; ou (c) firmem mais de 3.000 contratos comerciais relativos a serviços digitais com usuários empresariais do país-membro. Essa recomendação aguarda deliberação por parte do Parlamento Europeu para ser posta em prática.

No Brasil ainda não há qualquer medida tributária dirigida aos serviços de publicidade on-line ou mesmo aos serviços digitais em geral, embora as remessas ao exterior a título de contratação de serviços (em geral) já sofram as incidências do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) de 15% (25% em caso de prestador residente em paraísos fiscais) e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) à alíquota de 10%. Existe ainda a cobrança do PIS/Cofins-Importação de serviços, à alíquota de 9,25%, e, dependendo do tipo de serviço, do Imposto sobre Serviços de competência dos municípios (alíquotas de 2% a 5%).

Entretanto, a publicidade on-line tem sido alvo de pesadas cobranças por parte dos estados, que entendem que sobre tais serviços incide o ICMS-Comunicação, imposto cobrado sobre a prestação de serviços de comunicação. Os autos de infração costumam ter valores elevados porque, em muitos estados, os serviços de comunicação costumam ter alíquotas superiores às alíquotas-padrão (25% em São Paulo, por exemplo). Além disso, como os prestadores de serviço de publicidade on-line entendem que não estão sujeitos ao ICMS, não costumam emitir as notas fiscais desse imposto, razão pelas quais os fiscos terminam por também cobrar pesadas multas pela falta de emissão de documentos fiscais (ainda que o contribuinte tenha emitido outras notas fiscais que não as exigidas pelos estados, o que torna bastante questionável a postura dos fiscos). No caso de São Paulo, as multas são de 50% sobre o valor das operações, o que, somadas ao imposto (25%) e aos juros, acarreta uma cobrança que pode exceder o próprio valor das operações, em nítido caráter confiscatório.

Essas cobranças, contudo, são de discutível legalidade, já que o serviço de comunicação é meio, não fim, e costuma ser insumo para a prestação de serviços de publicidade on-line. Além disso, a postura dos estados restou (ainda mais) enfraquecida após a publicação da Lei Complementar 157 no final de 2016, que textualmente determinou que os serviços de publicidade on-line estão sujeitos ao ISS (municípios) e não ao ICMS (estados). De todo modo, o poder judiciário deverá pôr fim à discussão, já que os estados estão irredutíveis mesmo após a publicação da referida lei, o que trará maior segurança jurídica a prestadores e tomadores desses serviços, atualmente no meio de uma disputa entre estados e municípios.

Em resumo, é possível que o haja algumas importantes novidades legislativas (ao menos em âmbito internacional) e jurisprudencial sobre o tema em um futuro próximo. Por isso, vale a pena acompanhar o desenrolar do assunto, que certamente afetará muito o mercado digital.

Artigo originalmente postado no Olhar Digital – 23/04/2019 às 14h

A incidência do ISS sobre serviços de transporte via aplicativo e o PLS 493/17

O ISS tem representado, de há muito, um capítulo à parte na guerra fiscal presente no cenário tributário brasileiro. Do ponto de vista jurídico, a discussão envolve a definição do município competente para cobrar o imposto, se aquele em que localizado os estabelecimentos prestadores (via de regra, concentrados nos municípios mais desenvolvidos) ou aqueles em que os serviços são efetivamente prestados e/ou tomados.

Essa disputa surge em razão das grandes desigualdades econômicas entre os municípios brasileiros e é acirrada pelo surgimento de novas tecnologias e novos modelos de negócio, que cada vez mais permitem a prestação de serviços de forma remota.

É certo que o sistema tributário brasileiro prevê mecanismos para que os conflitos entre entes tributantes sejam resolvidos. Nesse sentido, a Constituição Federal atribui à lei complementar nacional o papel de pacificar conflitos dessa natureza, sejam eles verticais (distintas esferas: União x estados ou municípios), sejam horizontais (distintos entes na mesma esfera de poder). No que se refere ao ISS, tributo de competência municipal, a lei complementar que exerce essa finalidade é a LC 116/2003, que como regra define o município em que está localizado o estabelecimento prestador como o competente para exigir o ISS sobre a operação, salvo algumas exceções.

Grosso modo, as exceções à regra do município do estabelecimento prestador trazem dois critérios de conexão com os municípios a serem considerados competentes: domicílio do tomador e local da prestação. Além desses dois grupos de hipóteses, a LC 116/2003 também prevê a competência do município em que o prestador constituir uma “unidade econômica ou profissional”, ainda que não haja constituição formal de estabelecimento, conforme artigo 4º[1] e na linha do que já previa o artigo 126, inciso III, do Código Tributário Nacional[2]. Embora o conceito de “unidade econômica ou profissional” seja ambíguo e não conte com definições uniformes entre os municípios, ele tem sido levado em conta em alguns casos para fins de cobrança.

A última alteração promovida à LC 116/03 veio com a edição da LC 157/16, que introduziu novas exceções à regra de recolhimento no local do município prestador. No entanto, as atividades exercidas por meio dos aplicativos de mobilidade e marketplaces, que são típicos da economia colaborativa e vêm ganhando destaque no cenário econômico, ficaram de fora das exceções previstas na LC 157/16.

Em essência, as atividades exercidas por essas empresas correspondem à intermediação de serviços (entre usuário e taxista, por exemplo) e são prestadas de maneira remota por meio de plataformas on-line. Tais operações podem ser enquadradas no item 10.02 da lista da LC 116/03, que prevê a incidência do ISS sobre o agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos quaisquer. Como esse item não está arrolado em nenhuma regra excepcionadora, aplica-se aos aplicativos mencionados a regra geral prevista pela LC 116/03, ou seja, que o ISS é devido no local do estabelecimento prestador (onde a empresa está formal e materialmente estabelecida), a não ser que seja possível identificar uma “unidade econômica ou profissional” em outro município, o que demanda produção de provas por parte das autoridades fiscais.

O Senado Federal, contudo, aprovou substitutivo ao PLS 493/2017, que agora segue para votação na Câmara e que prevê outra modificação à LC 116/03, de modo a alterar substancialmente a tributação desses aplicativos. Isso porque o PLS 493/17, além de criar um item específico para o serviço (novo Item 1.10 da Lista de Serviços: “Agenciamento, organização, intermediação, planejamento e gerenciamento de informações, através de meio eletrônico, de serviços de transporte privado individual previamente contratado por intermédio de provedor de aplicações da internet”), prevê que o ISS deverá ser recolhido ao município do local de embarque do tomador, o que difere totalmente do que está previsto atualmente.

Essas alterações, claramente, visam abarcar os serviços de transporte por meio de aplicativos, em uma onda de alterações da legislação tributária que visam alcançar a chamada “economia digital”, tal como ocorre com os inconstitucionais convênios Confaz 181/2015 e 106/2017 (que instituíram a incidência de ICMS sobre os chamados “bens digitais” e criaram uma espécie de estabelecimento permanente virtual para esse fim).

Houve parecer favorável ao projeto apresentado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que enviou um texto substitutivo em que, além de contemplar o recolhimento do ISS aos municípios de destino, foi prevista a instituição de um Comitê Gestor Federal das Obrigações Acessórias do ISS (CGOA). O substitutivo foi aprovado com uma subemenda, que institui a Nota Fiscal eletrônica de serviços de padrão nacional. A adesão ao padrão nacional deverá ser ratificada pelos municípios mediante convênio celebrado no âmbito do Comitê Gestor da Nota Fiscal de Serviço (CGNFS).

Aparentemente, a criação do padrão nacional e do comitê vai ao encontro dos interesses dos aplicativos, pois o discurso dessas empresas tem sido, em geral, menos voltado a pleitear benefícios fiscais e tratamentos privilegiados ao setor e mais destinado a buscar a simplificação dos custos operacionais. Em outras palavras, os aplicativos parecem dispostos a transigir quanto ao recolhimento do ISS aos municípios em que os serviços são tomados e até mesmo a reconhecer a legitimidade e o interesse social desses municípios em tal pleito. A principal agenda dos aplicativos parece ser simplificar os custos operacionais decorrentes da nova regra, de modo a não inviabilizar ou dificultar as suas operações.

Ocorre que, a considerar o histórico da guerra fiscal relativa ao ISS na jurisprudência brasileira, restam dúvidas de que a aprovação do PLS 493/17, realmente, colocaria um fim à discussão.

Basta lembrar que, apesar da redação da LC 116/2003, o STJ de há muito construiu uma jurisprudência que centrou a discussão do município competente para recolher o ISS à análise do local em que, efetivamente, é realizado o serviço. Nesse ponto, em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos, o STJ firmou a tese de que, em contratos complexos, caracterizados por diversas prestações realizadas em locais diferentes, como o contrato de leasing então analisado, a análise acerca do local em que é desempenhado o serviço deve se ater às atividades que representem o seu “núcleo” (REsp 1.060.210/SC, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Seção, DJe 5/3/2013).

Após a edição da Lei Complementar 116/2003, que firmou, como regra, a competência do município do estabelecimento prestador, a corte superior teve que harmonizar o entendimento anterior, firmado sob o Decreto-lei 406/68, ao novo texto legal. Nessa fase, o STJ, por vezes, manteve o entendimento de que o ISS é devido no local em que os serviços são prestados (e isso, a despeito da expressa dicção da LC 116/2003) e, por vezes, explicitou que o deslocamento de profissionais e recursos para execução de serviços, na verdade, serviria para caracterizar a formação de uma “unidade econômica e profissional”, o que, por sua vez, caracterizaria um estabelecimento prestador, ainda que não reconhecido formalmente[3]. Esse conceito, porém, como já mencionado, não é expresso em lei e contempla subjetividades, servindo como subterfúgio para se cobrar o ISS onde o serviço é efetivamente prestado, contrariando a regra geral da LC 116/03.

Com esse cenário, a definição do local da prestação continua envolta em diversas nuances estabelecidas pela jurisprudência (existência ou não de unidade econômica ou existência de contratos complexos, com prestações executadas em mais de uma localidade), de modo que a jurisprudência serviu para fomentar diversas situações em que mais de um município passou a reclamar a cobrança de ISS sobre um mesmo fato, o que acarretou o surgimento de inúmeras discussões nos âmbitos administrativo e judicial que perduram até hoje.

Transportando o entendimento jurisprudencial histórico do STJ para as atividades dos aplicativos da chamada economia colaborativa, há, na verdade, a disponibilização de uma plataforma on-line em que consumidores e prestadores se encontram, sendo que as decisões gerenciais e operacionais, além de toda a estrutura humana necessária para suportar esse “encontro” (núcleo dos serviços), não estão no município de domicílio do tomador (a não ser que haja uma coincidência).

Esse entendimento impõe um questionamento sobre a legalidade e constitucionalidade da eventual nova regra a ser introduzida a partir da aprovação do PLS 493/17, pois os municípios onde são realizados os embarques dos tomadores/passageiros não teriam vínculo de conexão a legitimar a cobrança do ISS sobre os serviços das plataformas, cujas características preponderantes são de um serviço de intermediação. Dadas essas características do serviço, seria problemático enxergar a formação de “unidade econômica e profissional” das plataformas nesses municípios, pois os motoristas não possuem, em princípio, um vínculo profissional com os aplicativos, podendo ser caracterizados como meros usuários de seus serviços de intermediação.

O município de São Paulo, por exemplo, já manifestou entendimento de que tem competência para tributar os serviços desses aplicativos (Solução de Consulta 32/2014), pronunciamento que foi emitido pela prefeitura paulistana ao analisar a prestação de serviço de viabilização de corridas de táxi por meio de uma base de táxis cadastrados e um aplicativo que conecta o passageiro ao carro mais próximo.

Logo, uma vez aprovado o PLS 493/17, resta saber qual será o posicionamento das grandes capitais, como São Paulo, uma vez que o novo projeto acarretará a potencial perda de sua arrecadação. Além disso, tais municípios poderão questionar a nova regra tendo em vista o princípio, até então consagrado pela jurisprudência do STJ, de que os municípios somente podem tributar aquilo que guarde conexão com seu território. No caso, tendo em vista que a atividade de intermediação prestada pelos aplicativos é realizada integralmente de forma remota, não haveria elemento de conexão a autorizar a cobrança no município em que realizado o embarque do tomador, tal como pretende o PLS 493/17.

É legítimo o desejo dos municípios de ampliar a sua base de tributação, sobretudo nos casos em que há riqueza gerada localmente. Entretanto, no caso dos serviços de transporte por aplicativo, existem dois serviços prestados simultaneamente, a saber: (a) o serviço de intermediação prestado pelo aplicativo, que está sendo objeto do PLS e é integralmente prestado de forma remota; e (b) o serviço de transporte, este sim prestado localmente e cuja exigência tributária poderá ser (b.1) de competência do município, caso seja integralmente prestado em seu território (item 16.02 da lista de serviços tributáveis: Outros serviços de transporte de natureza municipal), ou (b.2) de competência do estado, caso ele seja finalizado em outro município (hipótese de incidência do ICMS, cujo produto da arrecadação é parcialmente destinado aos municípios). Essa operação, que representa a parte principal da contratação (ao menos sob o ponto de vista jurídico), já é (ou deveria ser) tributada pelos municípios em que ocorre a prestação dos serviços, o que dispensaria a necessidade de qualquer imposição sobre os aplicativos pelos mesmos entes.

Nesse contexto, o que poderia ser criada é uma obrigação de retenção, por parte dos aplicativos, do ISS ou ICMS devido pelos prestadores de serviços de transporte, de maneira centralizada e simplificada, de modo a garantir a arrecadação dos municípios (ou estados) em que os serviços são prestados, sem prejuízo do recolhimento da parcela que fica em poder do aplicativo e o remunera (comissão), esse de competência do município em que a intermediadora está estabelecida. Essa medida traria uma grande vantagem de trazer para a formalidade operações que podem passar ao largo das estruturas arrecadatórias locais, evitando uma enorme evasão fiscal e, consequentemente, neutralizar o anseio arrecadatório dos municípios sobre a riqueza gerada em seus limites territoriais.

Sendo assim, não há dúvidas de que a cobrança de ISS pelos municípios em que localizados os tomadores dos serviços — ou seja, em que ausente estabelecimento prestador — é questionável dos pontos de vista legal e constitucional e tende a provocar disputas judiciais e entraves operacionais à atuação dos aplicativos de transporte individual. Por outro lado, simplificar a questão é possível e traria os benefícios imediatos de evitar ainda mais judicialização na tributação brasileira com a perspectiva de trazer para a formalidade operações que não vêm gerando arrecadação.

[1] Art. 4º Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.
[2] Art. 126. A capacidade tributária passiva independe:
(…)
III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.
[3] TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISSQN. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ATIVA. FIXAÇÃO. AFIRMAÇÃO, CONTIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO, DE QUE HÁ, EFETIVAMENTE, UNIDADE DA EMPRESA NO LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. MATÉRIA INSUSCETÍVEL DE REEXAME, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Uma vez afirmado, no acórdão recorrido, que, no local da prestação do serviço, existe, efetivamente, uma unidade da empresa, de modo a atrair a competência tributária ativa para o Município da execução, em detrimento daquele em que sediada a empresa, a matéria não mais pode ser reexaminada, em sede de Recurso Especial, dada a vedação contida na Súmula 7 do STJ” (AgRg no AREsp 560.961/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 17/03/2016).

Fonte: ConJur