Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER JUDICIÁRIO

1.1 Nos dias 08/02 e 09/02, o Plenário do STF finalizou os julgamentos dos seguintes casos relevantes:

1.1.1 RE 949297: TEMA 881 – Limites para alteração ou modificação de decisões em matéria tributária da qual não cabe mais recursos (coisa julgada).

Discutiu se a tese firmada em repercussão geral poderia atingir os casos que já foram definitivamente julgados, e se as empresas que conseguiram obter decisão favorável teriam que se submeter ao novo entendimento firmado.

Resultado: O relator, Min. Edson Fachin, votou pelo conhecimento do RE da União para dar provimento, ou seja, os ministros entenderam que a decisão posterior, em ação direta de inconstitucionalidade ou em sede de repercussão geral, pode rescindir a coisa julgada, permitindo a cobrança do tributo de trato continuado.

1.1.2 RE 955227: TEMA 885 – Limites para alteração ou modificação de decisões tributária da qual não cabe mais recursos (coisa julgada).

O processo discutia se a tese firmada em repercussão geral (processo demonstre que a controvérsia se refere as questões constitucionais com relevância social, política, econômica ou jurídica, que sobressaem ao interesse individual das partes) poderia atingir os casos que já foram definitivamente julgados, e se as empresas que conseguiram obter decisão favorável teriam que se submeter ao novo entendimento firmado.

Resultado: O relator, Min. Roberto Barroso, negou provimento ao RE da União, ou seja, os ministros entenderam que a decisão posterior, em ação direta de inconstitucionalidade ou em sede de repercussão geral, pode rescindir a coisa julgada, permitindo a cobrança do tributo de trato continuado.

Tese fixada para os dois temas:

1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.

2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.

Do ponto de vista prático, a administração tributária pode, independente de ação rescisória, proceder com o lançamento e cobrança dos tributos de trato sucessivo, relativamente a fatos geradores posteriores à decisão do STF, sendo desnecessário o manejo de ação rescisória, porém, com a observância da anterioridade tributária anual e nonagesimal.

1.1.3 ADI 5941 – Discute os limites para adoção de medidas atípicas para assegurar o cumprimento de ordem judicial.

O processo discutia dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou do passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública.

Resultado: Por unanimidade, o plenário conheceu da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ressalvando-se que o Min. André Mendonça não conheceu da ação no que tange ao art. 390, parágrafo único, do CPC que não tinha relação com os pedidos da inicial. E, por maioria, julgou improcedente o pedido, nos termos do voto do Relator, vencido, em parte, o Ministro Edson Fachin, que julgava parcialmente procedente a ADI para declarar a inconstitucionalidade somente de qualquer norma ou interpretação que aplicasse a expressão a situações que não fossem restritas a hipóteses de obrigação alimentícia.

1.2 Nesta sexta-feira, dia 10/02/2023, o Plenário virtual do STF iniciou/retomou os julgamentos dos seguintes casos relevantes:

1.2.1 ADC 49 – Modulação dos efeitos da decisão e a regulamentação da transferência de créditos entre as empresas afetadas pela decisão de 2021.

No mérito, o processo discute a cobrança de ICMS em operações interestaduais entre empresas do mesmo grupo econômico. Por outro lado, os Embargos de Declaração discutem a modulação dos efeitos da decisão e a regulamentação da transferência de créditos entre as empresas afetadas pela decisão de 2021.

O processo retornou com o voto vista do Min. Nunes Marques que apenas acompanhou o Relator, sem fazer juntada de voto.

Tese: “O deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual”.

Resultado parcial: O relator, Min. Edson Fachin, votou por prover parcialmente os embargos de declaração, para reconhecer, em linha com o decidido, a declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº 87/1996, bem como acatou o pedido de modulação dos efeitos, sendo acompanhado pelos Min. Ricardo Lewandowski, Min. Carmén Lúcia, Min. Nunes Marques e Min. Roberto Barroso. Abriu a divergência parcial o Min. Dias Toffoli, o qual acompanhou o relator na declaração parcial de inconstitucionalidade e no tocante a reconhecer o direito de os contribuintes não estornarem o crédito de ICMS concernente às operações anteriores. Contudo divergiu quanto a modulação. A divergência foi seguida pelos Min. Luiz Fux e Min. Alexandre de Moraes.

Modulação de efeitos proposta pelo relator, Min. Edson Fachin:Modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do próximo exercício financeiro (2023), ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito. Exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos”.

Modulação de efeitos proposta pelo Min. Dias Toffoli:A título de modulação de efeitos, que a decisão de mérito tenha eficácia após o prazo de 18 (dezoito) meses, contados da data de publicação da ata de julgamento dos presentes embargos de declaração”.

1.2.2 RE 636562: TEMA 390 – Reserva de lei complementar para tratar da prescrição intercorrente no processo de execução fiscal.

O processo discute a necessidade de lei complementar para tratar da prescrição intercorrente (perda do direito de ação, decorrente da inércia da parte) no processo de execução fiscal. 

Resultado parcial: O relator, Min. Roberto Barroso, apresentou voto no sentido de desprover o Recurso Extraordinário da Fazenda Estadual. O Ministro pontuou que o art. 40 da LEF não extrapola o dispositivo constitucional porque, ao estabelecer o marco inicial para a prescrição intercorrente, apenas prevê um marco processual para a contagem do prazo, sem que deixe de observar o prazo de 5 (cinco) anos, estabelecido no CTN. Ademais, frisou que, nas execuções fiscais, após a suspensão anual da execução e independentemente do arquivamento do feito, deve-se iniciar a contagem do prazo da prescrição intercorrente.

Tese proposta pelo relator, Min. Roberto Barroso:É constitucional o art. 40 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais – LEF), tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos.

1.2.3 RE 593544: TEMA 504 – Possibilidade de exclusão de crédito presumido de IPI da base de cálculo do PIS/COFINS.

Discute a possibilidade de se excluir os créditos presumidos de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) resultantes da aquisição, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem – quando utilizados na manufatura de produtos destinados à exportação – da base de cálculo das contribuições ao PIS e a COFINS.

Resultado parcial: O Relator, Min. Roberto Barroso, apresentou voto no sentido de desprover o Recurso Extraordinário da Fazenda. O Ministro afastou a aplicação dos arts. 3° e 4° da Lei Complementar nº 118/2005, e reconheceu que os créditos presumidos de IPI (instituídos pela Lei nº 9.363/1996) não compõem a base de cálculo da contribuição para o PIS e para a COFINS, sob a sistemática de apuração cumulativa (Lei nº 9.718/1998).

Tese proposta pelo relator, Min. Roberto Barroso:Os créditos presumidos de IPI, instituídos pela Lei nº 9.363/1996, não integram a base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS, sob a sistemática de apuração cumulativa (Lei nº 9.718/1998), pois não se amoldam ao conceito constitucional de faturamento”.

1.3 Nesta quarta-feira, dia 08/02, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizou o julgamento do seguinte caso relevante:

1.3.1 AR 6015: 1ª SEÇÃO – Discute a reversão de decisões que dispensaram contribuintes de recolher IPI na revenda de produtos importados.

Os autos retornaram para julgamento após pedido de vista do Min. Herman Benjamin, o qual acompanhou o relator. Em assentada anterior, o relator, Min. Gurgel de Faria, conheceu da Ação Rescisória para reverter decisões transitadas em julgado. Nessa assentada, o ministro ratificou seu voto para alinhar ao decidido nos Temas 881 e 885 pelo STF, permitindo a revisão de coisa julgada envolvendo relação jurídico-tributária de trato sucessivo quando esta está em desconformidade com precedente obrigatório firmado em momento posterior à coisa julgada.

No caso concreto, os contribuintes ficam obrigados a recolher o IPI de produtos industrializados na saída do estabelecimento importador na operação de revenda, mesmo que não tenham sofrido industrialização no Brasil, conforme entendimento firmado no Tema 912 do STJ.

Resultado: A Primeira Seção, por maioria, conheceu da Ação Rescisória da Fazenda Nacional nos termos propostos pelo relator, vencidos o Min. Mauro Campbel e as Min. Assusete Magalhães e Min. Regina Helena, que não conheciam da Ação Rescisória por óbice da Súmula 343 do STF.

No mérito, a Primeira Seção, por unanimidade, nos termos do voto do relator, julgou procedente em parte a Ação Rescisória da Fazenda Nacional.

 

 

 

 

Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior: início do prazo para apresentação

Em 15 de fevereiro de 2023, inicia-se o prazo para entrega da Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE), referente à data-base de 31 de dezembro de 2022, ao Banco Central do Brasil.

Estão obrigadas a prestar a declaração todas as pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no Brasil, que detinham ativos no exterior que totalizavam US$1.000.000,00 (um milhão de dólares dos Estados Unidos da América) na data-base de 31 de dezembro de 2022.

A falta de apresentação da declaração, bem como o seu envio fora do prazo ou com informações inexatas, falsas e sem documentação comprobatória, sujeita as pessoas obrigadas à imposição de penalidades por parte do BACEN, cujas multas são escalonadas até o montante de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).

O prazo final da CBE, ano-base 2022, encerra-se em 05 de abril de 2023, às 18 horas.

 

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Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) publicou a Portaria CARF/ME nº 1.335, de 03 de fevereiro de 2023 que suspende sessões de julgamento das Turmas Ordinárias da 1ª Seção, das Turmas Extraordinárias da 3ª Seção e da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais agendadas para o período de 07 a 09 de fevereiro de 2023. Especula-se que o motivo do cancelamento seja a discussão que envolve os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo com relação à Medida Provisória nº 1.160/2023 que reintroduziu o voto de qualidade.

1.2 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa RFB nº 2.130, de 31 de janeiro de 2023 que regulamenta a opção pela autorregularização para fins de fruição do benefício previsto no art. 3º da Medida Provisória nº 1.160/ 2023. A autorregularização pelo sujeito passivo deverá ser realizada por meio da confissão e do pagamento do valor integral dos tributos por ele confessados, acrescidos dos juros de mora, desde que já iniciado o procedimento fiscal e antes da constituição do crédito tributário, caso em que fica afastada a incidência da multa de mora e da multa de ofício.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1.1 RE 949297: TEMA 881 – Limites para alteração ou modificação de decisões tributária da qual não cabe mais recursos (coisa julgada).

Discute se a tese firmada em repercussão geral pode atingir os casos que já foram definitivamente julgados, e se as empresas que conseguiram obter decisão favorável terão que se submeter ao novo entendimento firmado.

Resultado parcial: O relator, Min. Edson Fachin, votou pelo conhecimento do RE da União para dar provimento e foi acompanhado pelos demais Ministros, ou seja, a corte tem maioria formada para permitir as desconstituições da coisa julgada. Contudo, a sessão foi suspensa em razão do horário, restando solucionar duas questões importantes:

1) a modulação dos efeitos da decisão, em que pese a formação de maioria para que não haja; e

2) e a aplicação dos princípios das anterioridades (anual e nonagesimal) sobre as decisões que julgaram constitucional ou inconstitucional um tributo.

Tese proposta pelo relator, Min. Edson Fachin: “A eficácia temporal de coisa julgada material derivada de relação tributária de trato continuado possui condição resolutiva que se implementa com a publicação de ata de ulterior julgamento realizado em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando os comandos decisionais sejam opostos, observadas as regras constitucionais da irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, de acordo com a espécie tributária em questão”.

2.1.2 RE 955227: TEMA 885 – Limites para alteração ou modificação de decisões tributária da qual não cabe mais recursos (coisa julgada).

O processo discute se a tese firmada em repercussão geral (processo demonstre que a controvérsia se refere as questões constitucionais com relevância social, política, econômica ou jurídica, que sobressaem ao interesse individual das partes) pode atingir os casos que já foram definitivamente julgados, e se as empresas que conseguiram obter decisão favorável terão que se submeter ao novo entendimento firmado.

O relator, Min. Roberto Barroso, votou pelo conhecimento do RE da União para dar provimento e foi acompanhado pelos demais Ministros, ou seja, a corte tem maioria formada para permitir as desconstituições da coisa julgada. Contudo, a sessão foi suspensa em razão do horário, restando solucionar duas questões importantes:

1) a modulação dos efeitos da decisão, em que pese a formação de maioria para que não haja; e

2) e a aplicação dos princípios das anterioridades (anual e nonagesimal) sobre as decisões que julgaram constitucional ou inconstitucional um tributo.

Tese proposta pelo Min. Roberto Barroso: I. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.

II. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das sentenças transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 A Câmara dos Deputados reelegeu Arthur Lira para a presidência da casa.

3.2 O Senado Federal reelegeu Rodrigo Pacheco para a presidência da casa.

Depósito prévio em dinheiro por empresas em recuperação judicial

A cautela quanto à viabilidade e requisitos da ação rescisória sempre foi um tema nebuloso. Antes mesmo da criação de um código de processo civil nacional, diversos estados brasileiros, ante à possibilidade de regularem normas processuais¹, possuíam, em seus códigos, mecanismos para afastar o aspecto imutável da decisão transitada em julgado, como por exemplo a utilização de embargos à execução².

Com a Constituição de 1934, a competência para legislar em matéria processual civil passou a ser da União³. Posteriormente, o Código de Processo Civil de 1939 confirmou a ação rescisória como o meio de impugnação da coisa julgada⁴. Tal ação foi mantida no diploma processual de 1973, com algumas mudanças substanciais⁵, como a imposição de depósito prévio de 5% sobre o valor da causa, para fins de interposição do instrumento rescisório.

Com muita razão, a exigência do depósito prévio foi mantida no Código de Processo Civil de 2015⁶. Contudo, há diversas questões que precisam ser analisadas no bojo do depósito prévio, particularmente em face do uso da ação rescisória por empresas em recuperação judicial.

Conforme orientação doutrinária⁷, o depósito prévio visa desestimular o ajuizamento de demandas rescisórias, a fim de evitar mácula à segurança da coisa julgada.

Não se discute a constitucionalidade do depósito prévio, até mesmo porque o Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema e firmou a tese, segundo a qual “É constitucional a fixação de depósito prévio como condição de procedibilidade da ação rescisória”⁸.

Para fixar a tese, os ministros, acompanhando o relator, ministro Roberto Barroso, se basearam na mesma premissa doutrinária. Veja-se:

“É inegável que a norma ora em exame constitui uma tentativa de graduar os incentivos para evitar a propositura irresponsável de ações rescisórias. Ainda que o acesso à justiça seja um importante direito fundamental, todo e qualquer postulante deve litigar de forma responsável. Além disso, não se pode esquecer que a ação rescisória possui caráter excepcionalíssimo, uma vez que restringe a segurança jurídica instrumentalizada pela coisa julgada. A partir do momento que se banaliza a ação rescisória, a coisa julgada é enfraquecida e a confiança que os cidadãos têm sobre uma decisão judicial definitiva é fortemente abalada⁹.

Malgrado o legislador tenha instituído uma “trava” no valor máximo do depósito prévio¹⁰, entende-se que a necessidade do depósito prévio precisa ser balizada diante do caso concreto, mormente nos casos de empresas em recuperação judicial.

Não se desconhece o posicionamento dos Tribunais Superiores acerca das hipóteses de dispensa do recolhimento do depósito prévio em ação rescisória, diante da justiça gratuita¹¹ ¹² ou no caso de o autor ser massa falida¹³. Ocorre que empresas em recuperação judicial não se enquadram na benesse para massas falidas¹⁴ e muitas vezes não conseguem provar os requisitos para gratuidade de justiça¹⁵ ¹⁶.

A Lei 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, apresenta como princípios basilares a preservação da empresa, a proteção aos trabalhadores, e por fim, os interesses dos credores¹⁷. Ou seja, a recuperação judicial, sob a análise econômica mais ampla, “pode significar ganhos sociais mais efetivos, numa análise econômica mais ampla, à medida que a manutenção do empreendimento pode implicar significativa manutenção de empregos, geração de novos postos de trabalho, movimentação da economia, manutenção da saúde financeira de fornecedores, entre inúmeros outros ganhos”¹⁸.

Isto posto, há que se ponderar até que ponto é viável para a manutenção da empresa e dos trabalhadores, o depósito prévio como requisito para o ajuizamento de ação rescisória.

Recentemente, o questionamento ganhou um contorno mais problemático, isso porque a 4ª Turma do STJ, ao julgar REsp 1.871.477-RJ ¹⁹, firmou o entendimento de que o depósito prévio somente pode ser realizado em dinheiro.

O ministro relator, que diante do núcleo verbal “depositar” e do seu objeto direto “importância”, afirmou que a leitura do artigo 968, II, do CPC/2015, leva à conclusão de que só seria possível o depósito em dinheiro.

Com a devida vênia, entende-se que tal entendimento não pode ser irrestrito, sobretudo ante à fragilidade das empresas em recuperação judicial. Imagine-se a situação de uma empresa em recuperação judicial que necessite ajuizar uma ação rescisória, mas não faça jus à benesse de justiça gratuita e que o depósito prévio seja no valor máximo — 1000 salários-mínimos.

Independente do porte da empresa, de concluir que a descapitalização de mais de um milhão de reais, é deveras prejudicial para o plano de recuperação judicial. A exigência de depósito prévio em dinheiro pode, por exemplo, atrapalhar o pagamento de funcionários.

Cumpre ressaltar que, consoante entendimento do STJ, a dispensa desse recolhimento, “não exime o autor da ação de responder pela sanção processual prevista no inciso II do artigo 968 do CPC/2015, na eventualidade de a presente pretensão rescisória vir a ser julgada improcedente ou inadmissível, por unanimidade de votos” ²⁰.

Ou seja, a empresa em recuperação, ainda que dispensada do recolhimento prévio, teria de arcar com a multa, em caso de derrota. Por outro lado, a dispensa irrestrita do recolhimento tornaria inócua a exigência e macularia o princípio da segurança jurídica.

Infere-se, pois, que a decisão mais acertada seria a flexibilização dessa exigência quando a empresa não se enquadre nos critérios da gratuidade da justiça e, desse modo, facultando, ao menos, o alargamento dos meios do depósito prévio.

Vale lembrar que a 3ª Turma do STJ ²¹, há muito, se posiciona no sentido de que a fiança bancária e o seguro garantia produzem os mesmos efeitos que o dinheiro.

Apesar do caso dispor sobre cumprimento de sentença, as razões de decidir do Relator se aplicam ao caso, consoante se depreende do excerto a seguir transcrito:

“Depreende-se que o seguro garantia judicial oferece forte proteção às duas partes do processo, sendo instrumento sólido e hábil a garantir a satisfação de eventual crédito controvertido, tanto que foi equipado ao dinheiro para fins de penhora.
De fato, no cumprimento de sentença, a fiança bancária e o seguro garantia judicial são as opções mais eficientes sob o prisma da análise econômica do direito, visto que reduzem os efeitos prejudiciais da penhora ao desonerar os ativos de sociedades empresárias submetidas ao processo de execução, além de assegurar, com eficiência equiparada ao dinheiro, que o exequente receberá a soma pretendida quando obter êxito ao final da demanda. Assim, dentro do sistema de execução, a fiança bancária e o seguro garantia judicial produzem os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro para fins de garantir o juízo²².

Como se percebe, a utilização de seguro garantia e carta fiança oferece a mesma garantia que o dinheiro, resguardando as partes quando do término da demanda. Como já demonstrado, o recolhimento prévio dos 5% para ajuizamento de ação rescisória visa evitar a banalização do manejo da ação, proteger a outra parte de abusos e garantir que receba algo em caso de improcedência da ação.

Se o seguro garantia e fiança bancária são equiparados ao dinheiro e fornecem a mesma proteção às partes, deduz-se que a flexibilização do requisito do recolhimento em dinheiro para ajuizamento da ação rescisória é medida salutar, já que possibilitaria a utilização desse instituto pelas empresas em recuperação judicial.

Nesse cenário, caso a empresa venha a perder a demanda, haverá meios de custear a conversão em multa, bem como possibilitará à empresa meio menos oneroso, a priori, de se valer do princípio constitucional do acesso à justiça.

Esta proposta precisará ser analisada casuisticamente. De toda forma, ela pode ser um mecanismo para justiça e, principalmente, para evitar a descapitalização de empresas em juízo falimentar, o que, pode prejudicar o plano de recuperação judicial e o pagamento dos salários dos empregados, o que esbarraria no próprio intuito do procedimento recuperacional.

___

¹ Artigo 34 – Compete privativamente ao Congresso Nacional: 23º) legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República e o processual da Justiça Federal;

² Presente no Código de Processo de Minas Gerais (artigo 174, §3º), no Código de Processo de Santa Catarina (artigo 1.845, III), no Código de Processo do Rio de Janeiro (artigo 2.277, b), no Código de Processo de Pernambuco (artigo 163, §2º), no Código de Processo da Bahia (artigo 1.362, §2º), no Código de Processo de São Paulo (artigo 358, II), no Código de Processo do Espírito Santo (artigo 280, III) e no Código de Processo do Distrito Federal (artigo 303, III). In: AMERICANO, Jorge. Estudo teórico e prático da ação rescisória dos julgados no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Acadêmica, 1936. p. 101.

³ Artigo 5º – Compete privativamente à União: XIX – legislar sobre: a) direito penal, comercial, civil, aéreo e processual, registros públicos e juntas comerciais;

⁴ Segundo o artigo 798 do Código de 1939, cabia ação rescisória quando a sentença era proferida: por juízo incompetente em razão da matéria; por juiz impedido; por juiz peitado; com ofensa à coisa julgada; contra literal disposição de lei; e com base em prova cuja falsidade se tenha apurado no juízo criminal;

⁵ Principais mudanças: 1) limitação cabimento à sentença de mérito (caput do artigo 485); 2) alargamento das hipóteses de cabimento (incisos do artigo 485); 3) legitimados ativos (artigo 487); 4) cumulação dos pedidos rescindente e rescisório (inciso I do artigo. 488); 5) depósito de 5% do valor da causa (inciso II do artigo 488); 6) prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado, para a propositura da rescisória (artigo 495);

⁶ Artigo 968. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do artigo 319 , devendo o autor: […] II – depositar a importância de cinco por cento sobre o valor da causa, que se converterá em multa caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente.

⁷ José Carlos Barbosa Moreira afirma que a necessidade do depósito prévio decorre do “propósito de desestimular a desmedida multiplicação de rescisória, que poderia resultar da sensível ampliação do rol de fundamentos, em confronto com sistema anterior. Ao contrário do que se dá com as condenações em custas e honorários advocatícios, a multa tem caráter indenizatório, não visa compensar a parte vencedora de possíveis prejuízos, mas reprimir uma forma de abuso no exercício do direito de ação (…)”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 5. p. 182).

⁸ ADI 3995/DF — relator ministro ROBERTO BARROSO, PLENO, julgado em 13/12/2018, DJe 01/03/2019

⁹ Página 07 do voto do ministro Roberto Barroso na ADI 3995/DF.

¹⁰ Artigo 968. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do artigo 319, devendo o autor: […] §2º O depósito previsto no inciso II do caput deste artigo não será superior a 1.000 salários-mínimos.

¹¹ “É inexigível o depósito do artigo 488, II, do Código de Processo Civil ao beneficiário da justiça gratuita, sob pena de afronta ao direito constitucional de livre acesso ao Judiciário. Precedentes. 2. Recurso especial provido”. (STJ – REsp 125.333/SP, relator ministro Castro Meira, julgado em 07.06.2011, v.u.).

¹² “[…]1. A dispensa, por força do deferimento parcial do benefício da gratuidade de justiça, do recolhimento prévio do depósito de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa – concebido como condição de procedibilidade ao ajuizamento da ação rescisória -, não exime o autor da ação de responder pela sanção processual prevista no inciso II do art. 968 do CPC/2015, na eventualidade de a presente pretensão rescisória vir a ser julgada improcedente ou inadmissível, por unanimidade de votos. Precedente específico da Segunda Seção do STJ (AR 4.522/RS, relator ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 24/05/2017, DJe 02/08/2017)”. (…)(AR 6.158/DF, relator ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/10/2021, DJe 05/11/2021).

¹³ A Instrução Normativa nº 31 do TST, que regulamenta o depósito prévio em ação rescisória, prevê, no artigo 6º, que ele não será exigido da massa falida e quando o autor receber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal ou declarar que não está em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

¹⁴ Segundo a ministra Delaíde, quando do julgamento do ROT — 1001383-19.2020.5.02.0000, “mesmo em recuperação judicial, a empresa não perde totalmente sua capacidade financeira e de gerenciamento dos negócios, como ocorre na falência.

¹⁵ Súmula 463, item II, do TST estabelece, expressamente, que, no caso da pessoa jurídica, não basta a mera declaração de hipossuficiência econômica, é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo.

¹⁶ De maneira semelhante, o STJ: “cuidando-se de pessoa jurídica, ainda que em regime de recuperação judicial, a concessão da gratuidade somente é admissível em condições excepcionais, se comprovada a impossibilidade de arcar com as custas do processo e os honorários advocatícios” (AgRg no REsp 1509032/SP, relator ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 26/03/2015)

¹⁷ Artigo 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

¹⁸ Página 5 do voto da ministra Nancy Andrigui no CC 118.183/MG, relatora ministra NANCY ANDRIGHI , SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/11/2011, DJe 17/11/2011

¹⁹ Informativo STJ nº 761 de 19/12/2022 — REsp 1.871.477-RJ, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/12/2022 — Acórdão pendente de publicação.

²⁰ AR 6.158/DF, relator ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/10/2021, DJe 05/11/2021

²¹ RESP 1.691.748/PR, relator ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 17/11/2017; RESP 1.838.837/SP, relator p/ Acórdão: ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/05/2020, DJe 21/05/2020

²² Página 14 do voto do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva no RESP 1.691.748/PR

 

Artigo publicado originalmente no ConJur.