Adiamento da obrigatoriedade da aplicação da Lei de Licitações e Contratos Administrativos

Reflexos na implementação de um programa de integridade-compliance

Na véspera de findar o período de transição da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), foi publicada a Medida Provisória nº 1.167/2023, que alterou dispositivos da referida Lei, prorrogando a obrigatoriedade da sua aplicação para o dia 30 de dezembro de 2023, assim como a revogação das Leis nº 8.666/1993, 12.462/2011 e 10.520/2021 para o mesmo período.

A protelação pautou-se principalmente na justificativa de se conceder um maior tempo para que os órgãos e entidades públicas se adaptem às mudanças necessárias, com as devidas adequações nas rotinas administrativas.

Apesar da nova Lei nº 14.133/2021 já estar em vigor há dois anos, apenas agora, em 1º de abril de 2023, findaria o período de transição estipulado na legislação, tornando obrigatórias todas as suas disposições, que além de obrigarem toda a Administração Pública a implantar um programa de integridade voltado a licitações e contratos administrativos, traz reflexos importantes para empresas privadas licitantes:

1. A obrigatoriedade de empresas licitantes terem um programa de integridade implantado, no prazo de 6 meses, após a assinatura do contrato, no caso de licitações de grande vulto;

2. O desenvolvimento de um programa de integridade pelo licitante servir como um critério de desempate nas licitações;

3. Em caso de cometimento de determinadas infrações, a empresa penalizada somente poderá voltar a contratar com a Administração Pública se tiver um programa de integridade implantado ou aperfeiçoado; e

4. O programa de integridade servir como fator redutor das penalidades.

Com a publicação da Medida Provisória nº 1.167/2023 será possível que os editais publicados até 29 de dezembro de 2023 ainda sigam os formatos antigos de contratação com a Administração Pública, desde que expressamente indicado no edital.

Levando em consideração que a implementação efetiva de um programa de compliance não é um processo rápido, as empresas licitantes receberam, em decorrência do prazo concedido pela Medida Provisória nº 1.167/2023, uma nova oportunidade de realizar a implementação de um programa ou ainda o monitoramento/atualização de programas já existentes, visando assegurar sua efetividade, para se beneficiarem dos implementos da Lei nº 14.133/2021 em 2024.

Estados como o Rio de Janeiro[1], Distrito Federal[2],  Amazonas[3], Goiás[4],  Mato Grosso[5] e Rio Grande do Sul [6], já possuem legislação que estipula a obrigatoriedade de possuir um programa de compliance implementado para firmar determinadas contratações com a Administração Pública, adiantando-se, portanto, à Lei nº 14.133/2021.

___________________

[1] Lei Estadual (RJ) nº 7.753/2017.
[2] Lei Estadual (DF) nº 6.112/2018.
[3] Lei Estadual (AM) nº 4.730/2018.
[4] Lei Estadual (GO) nº 6311/2019.
[5] Lei Estadual (MT) nº 11.123/2020.
[6] Lei Estadual (RS) nº 15600/2021.

____

Clique aqui para outros temas recentes.

Remissão de crédito tributário: impasse e deslealdade

A remissão deve ser concedida para todos os créditos tributários constituídos com a finalidade de neutralizar benefícios fiscais irregulares

A novela sem fim da guerra fiscal em matéria de ICMS parece ter aberto mais um de seus intermináveis capítulos, após a publicação do Convênio nº 200/22. A concessão de incentivos fiscais pelos Estados, para atrair os empreendimentos para os seus territórios, sempre foi uma prática comum. O grande problema é que boa parte desses incentivos era concedida em desacordo com a Constituição e a Lei Complementar nº 24/75, ou seja, sem a aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), abrindo a possibilidade para que os demais Estados não reconhecessem os benefícios concedidos e glosassem o crédito apropriado pelos adquirentes das mercadorias, com base no mecanismo previsto na própria Lei Complementar nº 24/75.

A perversidade dessa situação era assustadora na medida em que quem acabava pagando essa conta era o adquirente da mercadoria, que não era o efetivo beneficiário do incentivo. Apesar do absurdo que essa dinâmica representava, tinha previsão legal e foi validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário do Tema 490 (RE 628.075).

Com a finalidade de colocar um ponto final nessa perversa sistemática, foi promulgada a Lei Complementar nº 160/17, dispondo que os Estados poderiam celebrar convênio prevendo a remissão dos créditos tributários constituídos em razão da invalidação de incentivos fiscais concedidos sem a aprovação do Confaz. Os Estados celebraram então o Convênio nº190/17 prevendo a referida remissão, exigindo o cumprimento de diversas condições, como a publicação da relação dos atos normativos, dentre outras.

O Convênio nº 190/17 foi celebrado em um contexto em que tanto as empresas como os Estados já não suportavam mais os problemas econômicos e as distorções geradas em razão dessa guerra fiscal. Nesse cenário, os entes federativos reconheceram os seus pecados e todos eles concordaram em perdoar uns aos outros, superando problemas passados e buscando harmonia fiscal entre eles. Por óbvio, todos os Estados precisariam remitir os créditos uns dos outros para que não se gerasse uma distorção e um Estado tivesse os seus incentivos fiscais irregulares validados e, ao mesmo tempo, não validasse os benefícios concedidos por seus vizinhos.

Assim, após o cumprimento de todos os requisitos e condições previstos no Convênio nº 190/17, a expectativa era de que todos os Estados remitissem os créditos tributários uns dos outros e fosse colocado um ponto final no assunto. De fato, a maioria dos Estados cumpriu o acordado e remitiu os créditos tributários, mas um deles em especial, o Estado de São Paulo, não cumpriu o acordado.

Para se proteger dos incentivos fiscais irregulares concedidos pelos demais entes a produtos sujeitos ao regime de substituição tributária, o Estado de São Paulo desenvolveu uma engenharia fiscal bastante complexa, que consiste na cobrança, do adquirente em seu território, da diferença do ICMS-ST devido em decorrência de incentivos fiscais irregulares concedidos ao remetente das mercadorias, estabelecido em outro Estado.

Esse mecanismo de cobrança tem exatamente a mesma finalidade da glosa de créditos: invalidar o incentivo fiscal irregular concedido por outro Estado ao remetente da mercadoria. Nos casos em que a mercadoria está sujeita ao ICMS-ST, não há apropriação do crédito pelo adquirente, restando como única alternativa para a neutralização do benefício irregular a cobrança do ICMS-ST.

Ocorre que o Estado de São Paulo, ao apreciar os pedidos de remissão dos créditos decorrentes da cobrança de ICMS-ST em razão da concessão de incentivos fiscais irregulares, vem mantendo o entendimento de que nem a Lei Complementar nº 160/17 nem o Convênio nº 190/17 previram a remissão dos créditos nas situações em que a neutralização do benefício fiscal é feita via cobrança de ICMS-ST. Veja-se a contradição: o Estado de São Paulo reconhece que a cobrança do ICMS-ST é feita nessas situações para neutralizar os incentivos fiscais irregulares, mas, ao mesmo tempo, defende a remissão somente nos casos em que há glosa de crédito.

Como os entes compreendiam a necessidade de se colocar um fim à guerra fiscal, independentemente da forma de cobrança dos créditos e, para solucionar essa equivocada interpretação, foi celebrado o Convênio nº 200/22, que esclarece que a remissão se refere também aos casos em que a invalidação do incentivo fiscal é feita via cobrança do ICMS-ST. Todavia, o Estado de São Paulo, mostrando não só a sua má vontade com a solução desse grave problema, mas também a sua deslealdade para com os demais entes, não ratificou o Convênio nº 200/22.

Assim, enquanto os outros entes reconhecem a remissão dos créditos tributários, independentemente da forma em que são cobrados, seja por meio da glosa de créditos, seja por meio da cobrança de ICMS-ST, o Estado de São Paulo faz questão de continuar mantendo esse caos fiscal. Todavia, a equivocada interpretação da LC nº 160/17 e do Convênio nº 190/17 não faz o menor sentido, na medida em que a remissão deve ser concedida para todos os créditos tributários constituídos com a finalidade de neutralizar benefícios fiscais irregulares, independentemente da forma pela qual ocorre a cobrança. Espera-se que o Poder Judiciário corrija essa desleal interpretação equivocada do Estado de São Paulo.

 

*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.

STJ reanalisará a cobrança de IRPJ/CSLL sobre a Selic no depósito judicial

Julgamento pode representar uma mudança na jurisprudência do STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisará novamente se é legal a cobrança de IRPJ e de CSLL sobre valores recebidos a título de taxa básica de juros (Selic) no levantamento de depósitos judiciais. A controvérsia é objeto do REsp 1.138.695, incluído na pauta da 1ª Seção de 26 de abril.

Os contribuintes estavam aguardando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre esse tema. No entanto, em julgamento concluído em 16 de dezembro de 2022, no ARE 1.405.416, os ministros do STF concluíram, por unanimidade, que a discussão não possui natureza constitucional nem repercussão geral. Com isso, o mérito do recurso não foi analisado pelo STF, cabendo ao STJ a discussão.

O julgamento pode representar uma mudança na jurisprudência do STJ. Isso porque, no julgamento deste mesmo REsp 1.138.695, em 2013, em sede de recurso repetitivo, o STJ decidiu que valores recebidos a título de taxa básica de juros (Selic) tanto na repetição de indébito (devolução de valores pagos indevidamente) quanto no levantamento de depósito judicial possuíam natureza remuneratória e, portanto, deveriam ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL.

Depois disso, o STF entendeu de modo contrário, mas apenas no que diz respeito à repetição de indébito. No julgamento do Tema 962, em 2021, o Supremo definiu que “é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”.

Agora, diante do entendimento do STF de que o caso envolvendo o levantamento de depósito judicial tem natureza infraconstitucional, os contribuintes esperam que, por coerência ao Tema 962, o STJ altere o seu entendimento para afastar a tributação também no levantamento do depósito.

A tributarista Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados e representante da Companhia Hering no processo, defende que os mesmos argumentos do STF para afastar a tributação no caso da repetição do indébito devem ser estendidos pelo STJ para a discussão envolvendo o levantamento do depósito judicial.

Na repetição de indébito, o contribuinte pede a devolução de valores pagos indevidamente. No caso do depósito judicial, o contribuinte, em vez de pagar a dívida e depois questioná-la judicialmente, prefere depositar os valores enquanto discute o débito em juízo.

“Em ambos os casos, o pagamento do tributo não decorre de uma vontade do contribuinte. Na repetição do indébito, há um pagamento indevido. No depósito judicial, o contribuinte busca, por exemplo, a emissão de uma certidão positiva de débitos com efeito de negativa. Além disso, a Selic tem natureza de juros e correção monetária, representando apenas uma recomposição do valor do tributo, e não um acréscimo patrimonial”, afirma a advogada.

 

POR CRISTIANE BONFANTI

FONTE: JOTA – 10/04/2023

Resolução PGE/RJ 4.935 dispõe sobre os requisitos para aceitação de seguro-garantia com vistas à manutenção de regularidade fiscal

A Resolução PGE nº 4.935, publicada em 27/03/23, dispôs sobre os requisitos necessários à aceitação de seguro-garantia pelo Estado do Rio de Janeiro, para fins de manutenção de regularidade fiscal.

Comparativamente à regulamentação anterior, feita pela Resolução PGE nº 4.682/21, a norma dispensou a obrigatoriedade:

• de renúncia expressa aos arts. 763, do Código Civil, e 12, do Decreto-Lei nº 73/66, bastando que o seguro-garantia preveja a manutenção da cobertura em caso de inadimplência do tomador em relação ao pagamento do prêmio;

• de indicação de endereço da seguradora na cidade do Rio de Janeiro, sendo suficiente informar o e-mail da referida instituição, o qual deve se manter atualizado na vigência da apólice, sob pena de perda de intimações enviadas ao endereço eletrônico indicado, se tiver desatualizado; e

• da apresentação de Resseguro, para débitos superiores a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões).

Sobre o item 3, é oportuno observar que as seguradoras que atuam no mercado de seguro-garantia, face à regulamentação imposta pela SUSEP, já operam com cobertura de resseguro para valores acima de seus respectivos “limites de retenção” (limite individual para cada seguradora garantir o débito sem a necessidade de resseguro), de modo que a alteração produzida pela norma em questão não terá efeito prático.

No mais, não houve alterações relevantes relativamente às exigências vigentes desde 2021, as quais foram repetidas em sua maioria na recém editada Resolução PGE nº 4.935/23.

 

Clique aqui para outros temas recentes.

STJ vai voltar a julgar tributação de correção de depósitos judiciais pela Selic

Tema terá que ser reanalisado porque o Supremo Tribunal Federal, no ano passado, decidiu em sentido contrário ao do STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) voltará a discutir a tributação de ganhos obtidos com a correção, pela Selic, de depósitos judiciais e valores de restituição de tributos pagos de forma indevida ou a mais – na chamada repetição de indébito. A questão, que já havia sido definida há dez anos, está na pauta deste mês da 1ª Seção – que uniformiza o entendimento das turmas de direito público.

O tema terá que ser reanalisado porque o Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado, decidiu em sentido contrário ao do STJ, no caso de repetição de indébito. Afastou a incidência de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL. Mas entendeu que a discussão sobre depósitos judiciais é infraconstitucional – portanto, de competência do STJ.

Voltou à pauta o mesmo recurso que os ministros do STJ usaram em 2013 para definir a questão, envolvendo a Companhia Hering (REsp 1138695). O julgamento está previsto para o dia 26. Entidades, como a Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), pediram para ingressar no julgamento como parte interessada (amicus curiae).

O pedido de inclusão em pauta foi feito pelo presidente da 1ª Seção, ministro Sérgio Kukina. Não há estimativa do impacto econômico do julgamento. Mas, de acordo com Halley Henares Neto, presidente da Abat, o assunto é importante para os contribuintes pelo reflexo que tem em todas as grandes teses tributárias.

As empresas que optam por fazer pagamentos de impostos e depois pedir a devolução por meio da repetição de indébito, afirma o advogado, não terão a Selic tributada, pela decisão do STF, enquanto as que depositaram valores como garantia de disputas judiciais poderão ter a correção monetária tributada, se prevalecer o entendimento atual do STJ. “Mas a lógica da decisão do STF não dá motivo para o STJ manter o entendimento anterior”, afirma.

Essa não será a primeira vez que o STJ volta ao tema. Em 2007, a 1ª Seção decidiu contra a tributação, nos dois casos. Os ministros entenderam que a Selic tem duas funções: recompor o poder de compra, que seria o fator inflacionário, e funcionar como juros moratórios, como uma indenização à empresa por não ter disponíveis os recursos no período (REsp 436302).

Em 2013, a mesma 1ª Seção permitiu a tributação, em recurso repetitivo. Os ministros consideraram que os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais têm natureza remuneratória. E que nos casos de repetição de indébito, a Selic seria aplicada como juros de mora e entraria na base de cálculo do IRPJ e da CSLL (REsp 1138695).

As esperanças foram renovadas depois de o ministro Jorge Mussi, em decisão de 15 de junho de 2022, determinar que esse caso julgado como repetitivo volte à turma para “eventual juízo de retratação”. Ele levou em consideração o precedente do Supremo sobre repetição de indébito.

Agora os contribuintes esperam que o STJ aplique o entendimento favorável do STF para as duas teses. De acordo com uma das advogadas que representa a Companhia Hering no caso, Ana Paula Faria da Silva, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados, em relação ao depósito judicial, as mesmas premissas da decisão do STF também se aplicam. “Porque a natureza dos juros no depósito também é moratória”, diz.

A advogada destaca que as situações que geraram repetição de indébito e levantamento de depósito são muito parecidas. “O motivo de exigir juros é a cobrança indevida pela União”, afirma Ana Paula.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi procurada pelo Valor, mas preferiu não comentar a questão.

 

POR BEATRIZ OLIVON

FONTE:  Valor Econômico – 04/04/2023

STJ decide que Sociedades Limitadas de grande porte não são obrigadas a publicar suas demonstrações financeiras

Por meio de julgamento do Recurso Especial nº 1.824.891, em 21 de março de 2023, oriundo do Tribunal Regional da 2ª Região, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que as sociedades limitadas de grande porte – assim entendidas aquelas que, individualmente ou em um conglomerado de sociedades, tiverem, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) – não estão obrigadas a realizar publicação de suas escriturações e demonstrações financeiras tal como ocorre com as sociedades por ações.

A controvérsia tem origem no caput do artigo 3º, da Lei nº 11.638/07, segundo o qual, “aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários”.

De acordo com o voto do Relator Ministro Moura Ribeiro, da Terceira Turma do STJ, na Lei nº 11.638/07 há silêncio intencional quanto à supressão do termo “publicação”, visto que o vocábulo foi retirado logo no projeto de referida lei (Projeto de Lei nº 3.741/2000) e, com isso, excluiu a obrigação de as sociedades limitadas de grande porte realizarem a publicação de suas demonstrações contábeis.

A ilegalidade do dever de efetuar as publicações foi questionada pelas sociedades HNK BR Bebidas Ltda. e Sonar Serviços e Franquias Ltda., em desfavor da Junta Comercial do Rio de Janeiro (JUCERJA) após as recorrentes haverem impetrado Mandado de Segurança contra ato coator praticado pelo Presidente da JUCERJA, que indeferiu o arquivamento de atos societários em razão da ausência de publicação em diário oficial e jornal de grande circulação das escriturações contábeis e demonstrações financeiras das impetrantes, ora recorrentes.

O questionamento das sociedades foi indeferido e improvido em primeira e segunda instâncias, mas, em instância especial, por unanimidade de votos, o STJ decidiu, com base nos princípios da legalidade e da reserva legal, pela não obrigatoriedade do ato de publicação dos resultados financeiros das sociedades limitadas entendidas como de grande porte, uma vez que a Lei nº Lei nº 11.638/07 não é expressa a esse respeito, revogando os entendimentos anteriores que exigiam a realização de publicação.

A JUCERJA, assim como outras Juntas Comerciais do Brasil, possui legislação interna¹ que, equiparando sociedades limitadas de grande porte às sociedades por ações, exige, de maneira administrativa e como condição para arquivamento de atos societários, seja realizada a comprovação da prévia publicação das demonstrações financeiras.

No entanto, apesar do teor do dispositivo da Lei nº 11.638/07, não há equiparação entre os tipos societários de sociedades por ações e sociedades limitadas, ainda que de grande porte, sendo que aludido posicionamento, a saber, desnecessidade da publicação das demonstrações financeiras das sociedades limitadas consideradas de grande porte, já era enfrentado na doutrina, e, agora, é ratificado com o posicionamento da jurisprudência.

Coaduna com o entendimento exposto na decisão proferida pelo STJ o fato de que, em 25 de novembro de 2022, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) emitiu ofício a todas as Juntas Comerciais (ofício circular SEI nº 4742/2022/ME) com orientação de que a publicação das demonstrações financeiras pelas sociedades limitadas de grande porte é apenas facultativa, não podendo, portanto, ser causa para indeferimento de arquivamento de ato societário.

Ainda de acordo com o Relator do REsp nº 1.824.891 RJ, Ministro Moura Ribeiro, nem mesmo o teor da ementa da Lei nº 11.638/07 é capaz de alterar o convencimento de que o caso é de ilegalidade da exigência de publicações, haja vista que a ementa consiste em mero resumo da norma, a qual, por sua vez, está consubstanciada no conteúdo do artigo 3º ora em comento.

Por tudo isso, com o posicionamento firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido da ilegalidade de referida exigência, é preciso observar qual será o posicionamento das Juntas Comerciais pelo Brasil, sendo certo que, a partir do aludido julgado, bem como ante o posicionamento da doutrina e do próprio DREI,  entende-se que as sociedades limitadas de grande porte possuem a faculdade de publicar ou não suas escriturações e demonstrações financeiras, não se mostrando legítimo, portanto, que eventual ausência de publicação gere entraves pelas Juntas Comerciais no momento de registrar e arquivar referidos atos.

____

¹Deliberações JUCERJA n°s 53/2011 e 62/2012, e, por via de consequência, os Enunciados n°s. 39 e 49.

 

Clique aqui para outros temas recentes.

Governo adia novamente o prazo para disponibilização de dados de condenações e acordos trabalhistas no eSocial

Foi adiado, novamente, o início do prazo para as empresas inserirem, no eSocial, dados relativos às condenações e aos acordos trabalhistas com trânsito em julgado desde janeiro de 2023 e com reflexos em obrigações trabalhistas.

Para relembrar: as novas regras determinam que as empresas informem no eSocial os dados das condenações definitivas impostas pela Justiça do Trabalho a partir de janeiro de 2023, ou que tenham sentença de homologação de cálculos, bem como informem acordos celebrados a partir desta mesma data, no Judiciário Trabalhista, nas Comissões de Conciliação Prévia e nos Núcleos Intersindicais.

Com estas alterações, a GFIP-Reclamatória será substituída pela DCTFWeb para as informações referentes a decisões condenatórias ou homologatórias proferidas pela Justiça, sendo que uma Instrução Normativa da RFB regulamentará e estabelecerá o período de apuração a partir do qual as informações deverão ser declaradas no sistema.

 

Clique aqui para outros temas recentes.

Despesas com adequação à LGPD: insumos e créditos de PIS/Cofins

A discussão acerca do direito de tomada de crédito do PIS e da COFINS no regime não cumulativo não tem fim. São diversos os questionamentos que gravitam em torno do tema, mormente porque definiu o STF¹ que cabe ao legislador ordinário o disciplinamento da matéria, já que, diferentemente da não cumulatividade do ICMS e IPI, aqui se trata de técnica de apuração.

Em verdade, a maior problemática gira em torno do conceito de insumos, na medida em que as leis disciplinadoras das contribuições – Leis 10.637/02 e 10.833/03 – não conceituaram o termo.

O STJ se debruçou sobre a questão, quando do julgamento do Tema 779. Segundo a Corte, o “conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.

Instado a se manifestar, o STF reiterou o entendimento do STJ de que os insumos não se limitam ao processo produtivo. Segundo o Min. Dias Toffoli:

“[…] para a formação de receita ou de faturamento, o contribuinte poderá incorrer não só em gastos relacionados com aquele processo formativo de produtos, mas também em outros quanto a bens ou serviços imprescindíveis ou importantes para o exercício de sua atividade econômica”. (grifei)²

Vê-se, pois, que o STF assentou que os gastos que são passíveis de creditamento são aqueles “imprescindíveis ou importantes” para o exercício de atividade econômica como um todo e não somente os gastos do processo produtivo.

Inclusive, o próprio CARF acolhe essa tese, a exemplo do entendimento fixado pela Câmara Superior ao consignar que “os serviços de marketing, propaganda e publicidade podem subsumir-se ao conceito de insumo aptos a gerar créditos das contribuições parafiscais desde que seja demonstrada e provada a essencialidade, relevância e a sua insuprimibilidade para o desempenho da atividade”

De concluir que o conceito de insumo deve ser analisado para além da cadeia produtiva, ou seja, enquadra-se no conceito de insumo tudo que seja utilizado, empregado ou consumido, ainda que indiretamente, no desenvolvimento da atividade empresarial.⁴

Recentemente, diante do posicionamento do STF, do STJ e do CARF, a Receita Federal precisou rever seu entendimento. Apesar de replicar muitas disposições do Parecer Normativo Cosit nº 05/2018, a IN 2121/2022 possibilitou a tomada de crédito de bens e serviços exigidos por imposição legal e infralegal. Esse posicionamento ganha contornos importantíssimos, sobretudo na era da Big Data.

A proteção de dados na última década alcançou uma proporção inimaginável. A cultura da proteção de dados foi incentivada e o próprio Constituinte derivado a alçou à categoria de Direito Fundamental, por meio da EC nº 115/2022.

Essa alteração reflete a importância do tratamento de dados na atualidade, o que já vinha sendo referendado pelas Cortes Superiores. O STF⁵, ainda em 2020, já havia afirmado que a proteção de dados pessoais seria um direito fundamental implícito na Constituição.

Outrossim, a proteção de dados já tem guarida infraconstitucional. Inicialmente, com o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), substituído, em 2018, pela Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei 13.709/18), que regula o tratamento de dados pessoais, principalmente em meios digitais.

A LGPD obriga as empresas a adotarem um bom tratamento de dados e incentiva a criação da cultura da proteção de dados. A adequação à LGPD obrigou as empresas a alterarem suas rotinas e protocolos operacionais e administrativos, que, embora não sejam diretamente ligadas ao seu objeto social, são imposições legais e demonstram serem essenciais e relevantes à atividade empresarial.

Tal obrigação culminou em despesas necessárias, como medidas organizacionais e de segurança para o compliance. Ou seja, a lei obrigou as empresas a instituírem regramentos internos e a investirem dinheiro para o bom cumprimento das determinações legais.

Ademais, a LGPD gera impactos nos negócios, no momento de tratar dados dos clientes e funcionários, de fazer a portabilidade de dados e de cooperar internacionalmente, quando isso for exigido.

Por se tratar de imposição legal, os gastos de LGPD devem ser tidos como insumos e, nesse contexto, as empresas podem tomar crédito destes valores. A propósito, vale destacar um trecho do voto do Min. Mauro Cambell Marques, no julgamento do Tema 779/STJ:

“após ouvir atentamente ao voto da Min. Regina Helena, sensibilizei-me com a tese de que a essencialidade e a pertinência ao processo produtivo não abarcariam as situações em que há imposição legal para a aquisição dos insumos (v.g., aquisição de equipamentos de proteção individual – EPI). Nesse sentido, considero que deve aqui ser adicionado o critério da relevância para abarcar tais situações, isto porque se a empresa não adquirir determinados insumos, incidirá em infração à lei”.

Não bastasse a imposição legal, a adequação à LGPD por parte das empresas representa uma gigantesca vantagem competitiva, sobretudo diante do rigor internacional acerca da temática. O investimento em proteção de dados fortalece a confiança dos consumidores e parceiros comerciais e influi nas oportunidades de negócios e nas contratações públicas.

Apenas para reforçar a necessidade de considerar as despesas com adequação à LGPD como passíveis de creditamento, há no Senado Federal o projeto de lei 04/22 que modifica as Leis nº 10.637/02, 10.833/03 e 10.865/04, para possibilitar o desconto de créditos de PIS e da COFINS, na sistemática não cumulativa, sobre os investimentos contratados para adequação à LGPD, incluindo as “atividades essenciais e relevantes de assessoria e consultoria técnica, de segurança da informação e jurídica para alcance dos fins a que se destina”, bem como “atividades pedagógico-educacionais e culturais de difusão da LGPD”.

A aprovação da PL seria de grande valia, eis que proporcionaria uma maior segurança jurídica às empresas, bem como promoveria um importante incentivo para a estruturação de seus programas de governança em privacidade e proteção de dados.

Não obstante, acredita-se que o creditamento já é possível, uma vez que há imposição legal para que as empresas se adequem à LGPD, sob pena de aplicação de multa diária, o que enquadra essa despesa no conceito de insumo, pelo que indispensável ao exercício da atividade empresarial.

___

¹ Tema 756/STF – RE nº RE 841.979

² Voto do Min. Toffoli – Inteiro Teor do Acórdão – Página 18 de 89

³ Acórdão nº 3302-012.005, julgado em 26/10/2021

⁴ Medeiros e França. Tema 756/STF: permanece o conceito de insumo estabelecido pelo STJ. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/378114/tema-756-stfpermanece-o-conceito-de-insumo-estabelecido-pelo-stj

⁵ ADI 6387, 6388, 6389 e 6390

⁶ Aditamento de Voto no RESP 1221170 / PR- Min. Mauro Campbell – p. 1

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.