Em 30/04/2023, o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 1.171/2023, estabelecendo importantes alterações nas regras de apuração do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) residentes no Brasil em relação a rendimentos auferidos no exterior, como também na tabela progressiva mensal do imposto.
Rendimentos decorrentes de aplicações financeiras no exterior detidas diretamente por pessoas físicas
Foram alteradas as regras de tributação aplicáveis aos rendimentos auferidos com aplicações financeiras no exterior detidas diretamente por pessoas físicas residentes no Brasil. A remuneração gerada por tais ativos, a partir de 2024, passará a ser tributada anualmente com base nas seguintes alíquotas:
- Até R$ 6 mil: 0%
- De R$ 6 mil a R$ 50 mil: 15%
- Acima de R$ 50 mil: 22,5%
Em resumo, a nova norma determina que os rendimentos de aplicações financeiras no exterior serão computados na Declaração do IRPF e submetidos à incidência do imposto no período de apuração em que forem efetivamente percebidos pela pessoa física residente no Brasil, no resgate, na amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação das aplicações.
Sobre o tema, vale mencionar que a Medida Provisória foi bastante ampla no que se refere aos conceitos para definição e enquadramento desta regra de tributação, conceituando:
- aplicações financeiras: exemplificativamente, depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento (salvo os tratados como entidades controladas no exterior), instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias (salvo as tratadas como entidades controladas no exterior); e
- rendimentos: remuneração produzida pelas aplicações financeiras, incluindo, exemplificativamente, variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior.
Lucros apurados por offshores a partir de 2024
A partir de 2024, os lucros apurados por offshores também passarão a ser tributados pelas mesmas alíquotas previstas para as aplicações financeiras no exterior.
Especificamente em relação aos lucros apurados a partir de 2024 por offshores que estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado ou que apurem renda ativa própria inferior a 80%, tais rendimentos deverão ser tributados no ano em que forem apurados, independentemente de qualquer deliberação acerca da sua distribuição.
Os lucros tributados por esta nova regra passarão a ser incluídos como custo de aquisição adicional do investimento na Declaração do IRPF e, quando efetivamente distribuídos, reduzirão o custo de aquisição do investimento, não sendo tributados novamente.
Poderão ser deduzidos do lucro da offshore os prejuízos apurados, pela própria empresa, desde que referentes a períodos posteriores à 2024 e anteriores à data da apuração dos lucros.
Também poderá ser deduzida do lucro da offshore a parcela correspondente aos lucros e dividendos de eventuais investidas suas que sejam pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil.
Até o limite do imposto devido no Brasil poderá ser deduzido o imposto sobre a renda pago no exterior pela offshore e suas investidas, incidente sobre o lucro computado na base de cálculo do IRPF.
Lucros apurados pelas demais controladas no exterior
Os lucros apurados a partir de 2024 pelas demais controladas no exterior também serão tributados pelas novas alíquotas previstas para as aplicações financeiras no exterior, mas apenas no ano em que forem efetivamente disponibilizados, sendo considerada disponibilização inclusive a realização de operações de crédito entre a controlada e a pessoa física.
Lucros apurados por controladas no exterior até 2023
Os lucros apurados até 2023 por controladas no exterior continuarão sendo tributados apenas quando forem efetivamente disponibilizados. No entanto, se disponibilizados a partir de 2024 (o que abrange inclusive operações de crédito), também serão tributados pelas novas alíquotas previstas para as aplicações financeiras no exterior.
Variação cambial
A variação cambial do principal aplicado nas controladas no exterior comporá os rendimentos percebidos pela pessoa física no momento da alienação, da baixa ou da liquidação do investimento, inclusive por meio de devolução de capital.
Também foi revogado o art. 24, parágrafo 5º da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 que previa a não incidência do IRPF sobre a variação cambial embutida nos ganhos de capital decorrentes da alienação de bens, direitos ou aplicações financeiras realizadas com rendimentos originariamente auferidos em moeda estrangeira.
Diferentemente dos demais casos, para estas disposições específicas, a Medida Provisória não estabeleceu regra expressa de vigência ou efeitos apenas para 2024. No entanto, a Receita Federal já se manifestou sobre o tema, afirmando que estas alterações só serão aplicadas a partir de 2024, em atenção ao princípio constitucional da anterioridade de exercício.
Rendimentos decorrentes de trusts no exterior
Os bens e direitos objeto de trust no exterior serão considerados como permanecendo sob titularidade do instituidor após a instituição do trust, passando à titularidade do beneficiário no momento da distribuição pelo trust para o beneficiário ou do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro.
Os rendimentos auferidos a partir de 2024 relativos aos ativos objeto do trust serão considerados auferidos pelo titular de tais ativos na respectiva data e submetidos à incidência do IRPF segundo as regras aplicáveis ao titular.
Da mesma forma, caso o trust detenha uma controlada no exterior, esta será considerada como detida diretamente pelo titular dos ativos objeto do trust.
A distribuição dos ativos objeto do trust ao beneficiário, a partir de 01/01/24, será considerada transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário, consistindo em doação, se ocorrida durante a vida do instituidor, ou transmissão causa mortis, se decorrente do falecimento do instituidor.
Os ativos objeto do trust, independentemente da data da sua aquisição, deverão, a partir de 01/01/2024, em relação à data-base de 31/12/2023, ser declarados diretamente pelo titular na Declaração do IRPF, pelo custo de aquisição.
Caso o titular tenha informado anteriormente o trust na sua Declaração de IRPF, o trust deverá ser substituído pelos ativos subjacentes, alocando-se o custo de aquisição para cada um desses bens e direitos, considerando a proporção do valor de cada bem ou direito frente ao valor total do patrimônio objeto do trust.
Possibilidade de atualização do valor de ativos no exterior
A pessoa física residente no Brasil poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua Declaração de IRPF para o valor de mercado em 31/12/2022 e tributar a diferença para o custo de aquisição até então informado, pelo IRPF, à alíquota definitiva de 10%.
Esta disposição aplica-se para:
- aplicações financeiras;
- bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis;
- bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária; e
- participações em entidades controladas, inclusive trusts.
Não poderão ser objeto de atualização:
- bens ou direitos que não tiverem sido declarados na Declaração do IRPF relativa ao ano-calendário de 2022, entregue até o dia 31 de maio de 2023;
- bens ou direitos que tiverem sido alienados, baixados ou liquidados anteriormente à data da formalização da opção; e
- joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor histórico ou arqueológico, animais de estimação ou esportivos e material genético de reprodução animal, sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.
A opção pela atualização poderá ser exercida em conjunto ou separadamente para cada bem ou direito no exterior.
O imposto de 10% decorrente da referida atualização deverá ser pago até 30/11/2023.
Especificamente no caso de controladas no exterior, a pessoa física que tiver optado pela atualização para o ano-calendário 2022, também poderá optar, separadamente, por atualizar o valor de mercado para o ano-calendário 2023, com pagamento do IRPF pela alíquota definitiva de 10% até 31/05/2024.
Revogada a não incidência do IRPF nas liquidações de ativos adquiridos na qualidade de não residente
A Medida Provisória revogou o inciso I do § 6º do art. 24 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, que garantia a não incidência do IRPF sobre os ganhos auferidos no Brasil em decorrência da liquidação de ativos adquiridos no exterior na qualidade de não residente fiscal no Brasil (Lei Armínio).
Nova tabela mensal do IRPF
A partir do mês de maio de 2023, a tabela mensal do IRPF deve passar a ser apurada com base nas seguintes faixas:
- Até R$ 2.112,00: 0%
- De R$ 2.112,01 a R$ 2.826,65: 7,5%
- De R$ 2.826,66 a R$ 3.751,05: 15%
- De R$ 3.751,06 a R$ 4.664,68: 22,5%
- Acima de R$ 4.664,68: 27,5%
Por fim, a nova norma também criou a possibilidade de o contribuinte optar, em detrimento dos descontos previstos no art. 4º da Lei nº 9.250/1995, por um desconto simplificado mensal, correspondente a 25% do valor máximo da faixa com alíquota zero da tabela progressiva mensal, caso seja mais benéfico ao contribuinte, dispensadas a comprovação da despesa e a indicação de sua espécie. Na prática, tal desconto simplificado torna isento do IRPF os rendimentos mensais de até R$ 2.640,00 (que representa dois salários-mínimos segundo o montante determinado pela Medida Provisória nº 1.172/2023).
Vigência e efeitos da Medida Provisória
A Medida Provisória entrou em vigor em 01/05/2023. No entanto, é importante observar que os seus termos deverão ser avaliados pelo Congresso Nacional no prazo máximo de 120 dias.
Se a Câmara ou o Senado rejeitar a norma ou caso ela perca eficácia pelo decurso do prazo acima, a Constituição determina que a continuidade das relações jurídicas estabelecidas pela norma pode ser definida pelo Congresso, por meio de decreto legislativo.
Vale lembrar que, na hipótese de rejeição ou perda de eficácia, é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de outra Medida Provisória que trate do mesmo tema.